quarta-feira, 6 de maio de 2020

Buon Vecchio Charlie - Buon Vecchio Charlie (1972)


Algumas bandas, alguns músicos pareceram encarnar o rock progressivo na verdadeira acepção da palavra, produzindo grandes obras de arte, tingindo a história com cores vivas, arrojadas e vanguardistas. 

Assim foi com a banda BUON VECCHIO CHARLIE, fundada em Roma, em 1970. Uma banda que apesar de ter concebido apenas um álbum em sua também curta história, trouxe à vertente progressiva muita vivacidade, altivez e personalidade, provando que o rock progressivo não é enfadonho ou um bando de músicos arrogantes que exibem apenas virtuosismos deixando o conceito marginal do rock n' roll em segundo plano. 

Apesar de sua obscuridade, de uma banda esquecida e guardada no rol daquelas grandes bandas empoeiradas do baú do prog rock italiano, seu álbum é considerado como referência para ontem, hoje e sempre. 


Buon Vecchio Charlie

“Buon Vecchio Charlie”, nome dado ao álbum, fora gravado em 1972, pelo selo "Suono" que ficava em Veneza, mas não viu a luz do lançamento, sendo engavetado por mais de vinte anos, sendo descoberto e finalmente lançado em 1992 pela gravadora "Melos". 

A alegação foi de que os executivos da gravadora acusou a banda de quebra de contrato, dizendo que a mesma não teria gravado material suficiente, cancelando seu lançamento. Um crime doloso à arte, sob a acusação de não compartilhar ao mundo uma obra-prima. A banda, decepcionada com a situação finalizou, precocemente, as suas atividades em 1973.



Trata-se de um trabalho memorável e rico musicalmente falando. Parece que o tempo lhe foi generoso ou simplesmente não passou. O frescor da atemporalidade é evidente nas notas, melodias, harmonias, parece ter sido concebido no ano de seu lançamento. Graças também ao trabalho de pessoas abnegadas, que deu luz a esse obscuro rock progressivo, trazendo ao mundo a personificação da beleza do rock progressivo. 

Um legítimo e original álbum que mescla passionalidade e beleza na dosagem certa. Um álbum predominantemente instrumental, de progressivo sinfônico, com fortes influências clássicas, tipicamente da música regional italiana, com toques generosos de jazz rock, com muito peso que remete ao hard progressivo, com flauta, saxofone nervosos, riffs e solos de guitarra competentes que faz do álbum particularmente pesado, além de um órgão soberbo e uma cozinha extremamente bem coordenada, mostrando uma sinergia avassaladora, dando aquele “tempero” jazzístico. 

Torna-se perceptível, além da música clássica, que dá o contorno regional, da música regional italiana, a música folclórica, a música celta calcando a sonoridade da banda na história daquele país, uma música de identidade, com o DNA italiano. 


A banda, com a gravação deste álbum, era formada pelos seguintes músicos: Luigi Calabro: guitarra, vocais, Richard Benson: guitarra, vocais, Sandro Cesaroni: saxofone, flauta, Paolo Damiani: baixo, Sandro Centofanti: teclados e Rino Sangiorgio: bateria. 


A faixa inaugural, “Venite Giù Al Fiume”, que consiste em uma sátira e tributo a "Hall Of The Mountain Grill", parte de uma peça teatral norueguesa de nome “Peer Gynt”, de 1867, que fundamenta o conceito de todo o álbum, mostrando o regionalismo sonoro italiano com uma agressiva flauta acompanhada de perto com a bateria no mesmo compasso, entrando logo um solo de guitarra dando peso a música e depois o sax revelando seus dotes jazzístico, de uma verdadeira “jazz prog band”, com passagens acústicas lindas e vocais contemplativos, mudanças rítmicas fantásticas.

Buon Vecchio Charlie - "Venite Giù Al Fiume"

Já "Evviva o Contea Di Lane" tem passagens mais introspectivas e de grande beleza, uma faixa viajante com solos de órgão, embora curtos, mas expressivos. Uma música viajante e contemplativa que te faz voar, como se ela te envolvesse, de forma tangível.


Buon Vecchio Charlie - "Evviva o Contea Di Lane"

Fecha com "Che Raccoglie All'uomo I cartoni" e em grande estilo, uma suíte de 16 minutos de puro progressivo, com viradas rítmicas e com jazz rock de primeira, com uma guitarra excelente, pesada, visceral, mas melódica, ao mesmo tempo.


Buon Vecchio Charlie - "Che Raccoglie All'uomo I Cartoni"

Além do álbum ter sido redescoberto pelo selo "Melos", um promotor de eventos japonês o levou para o seu país, sendo lançado no Japão também, em 1992 e reeditado com dois bônus track em 1999 pela gravadora Akarma. 

A inspiração para o nome da banda, Buon Vecchio Charlie, que traduzindo significa "Bom e Velho Charlie" tinha como intenção serem lembrados como uma pessoa. Mas será lembrado, primordialmente, pela sua música, pela sua maiúscula sonoridade que foi negligenciada e que, para a sorte de todos os apreciadores da música progressiva, teve uma nova chance para mostrar a sua força.




A banda:

Luigi Calabro na guitarra e vocal
Richard Benson na guitarra e vocal
Sandro Cesaroni no saxofone e flauta
Paolo Damiani no baixo
Sandro Centofanti nos teclados
Rino Sangiorgio na bateria

As faixas:

1 - Venite Giù Al Fiume 
2 - Evviva La Contea Di Lane 
3 - All' Uomo Che Raccoglie I Cartoni - 5 parts 
a) Prima Stanza
b) All'Uomo Che Raccoglie I Cartoni
c) Terza Stanza
d) Beffa
e) Ripresa

Buon Vecchio Charlie - "Buon Vecchio Charlie" (1972)



Short Cross - Arising (1972)


Não se pode negligenciar a história desbravadora e de pioneirismo de bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath, Grand Funk Railroad, Deep Purple, entre outras emblemáticas e consagradas bandas, para o hard rock, para a música pesada. São influentes até hoje, servindo de inspiração para garotos e garotas que aspiram criar a sua banda e fazer rock n’ roll. Contudo o que dizer de algumas bandas obscuras, muitas delas contemporâneas às medalhonas, que já tocavam pesado, mesmo que restritamente, sendo estas bandas locais, restritas em cidades ou pequenas regiões? 

Será que essas bandas merecem os “louros” do pioneirismo? Será que, diante disso, devemos falar e atribuir a poucas bandas, pelo fato de serem consagradas, a honraria de ter começado uma cena? Uma pergunta um tanto quanto complexa, não, amigos leitores? O fato é que precisamos dar luz ao rock obscuro, precisamos dar luz as suas histórias que fielmente sintetizam as agruras do início de muitas bandas, das dificuldades de se estabelecerem que, independente do futuro comercial insólito ou não, estão literalmente no mesmo barco nos seus primórdios.

Um exemplo clássico é de uma banda norte americana chamada SHORT CROSS, que era de uma região, na Virgínia, chamada Sandston. Sua história começa em 1965 quando Gray McCalley e Velpo Robertson se conheceram se tornando o núcleo do que viria a ser o Short Cross. Mas as intenções não vingaram e cada um foi para o seu lado para fazer outras coisas. 

Gray decidiu retomar o projeto de remontar a banda chamando, mais uma vez Robertson, que aceitou o desafio. A banda passou por várias formações e vários nomes: The Crusaders, The Resonators, finalmente estabelecendo-se em The Hustlers na primavera de 1967. A formação original dessa banda tinha Bob Holmes na guitarra rítmica, Kenny Roberts no baixo e saxofone, Ben Luck no piano, Gray McCalley na bateria e Velpo Robertson na guitarra. Essa foi a formação que realmente começou a receber shows regulares.


Os shows eram locais, mas a banda começou a ganhar alguma visibilidade quando ganhou o prêmio de primeiro lugar em um festival de batalha de bandas em Skateland, em Sandston. Não havia juízes, então a disputa seria decidida pelos clientes pagantes da casa de shows, justo não? A banda, reza a lenda, deixou escapar que se ganhasse, teria cerveja liberada para todos os presentes e não deu outra: ganharam! Foi com essa formação também que ganhou certa notoriedade em todo o Estado da Virgínia.

Velpo Robertson era muito novo à época, com cerca de doze anos de idade, então foi proibido de participar da festa regada a muita cerveja. Nesse festival de batalha de bandas tinha o The Outlaws, cujo tecladista Butch Owens, logo se juntaria ao The Hustlers, além de outra banda chamada "The Spiders", cujo guitarrista Joe Sheets, que figuraria importante na história do The Hustlers que viria a se chamar Short Cross. 

O The Spiders estava arrasando na sua apresentação no festival, mas a promessa das cervejas do pré-Short Cross, garantiria o título, apesar de demonstrarem muita preocupação com a exuberante apresentação do concorrente.

Ben Luck, o tecladista, saiu após uma proposta para tocar em uma banda chamada "The Barracudas", importante na cena local e que o Short Cross se inspirava no aspecto sonoro e até mesmo estético. Eles já eram grandes e moravam, inclusive na mesma rua que os caras do Short Cross. Butch Owens substituiria Luck e foi com a formação com Owens que a banda venceria outra batalha, representando a sua região, em um festival, agora maior, de dimensão estadual.

Mas na final ficou em terceiro lugar. isso em maio de 1966. Novas mudanças na formação da banda aconteceram. O órgão de Owens preencheu tão bem que decidiram que não precisava de um guitarrista rítmico, demitindo Bob Holmes. O baixista, Kenny Roberts saiu porque os shows fixos da sexta-feira da banda conflitavam com os jogos de futebol americano do colégio, entrando Dudley "Bird" Sharp. O The Hustlers começou a ganhar uma identidade e recebendo várias propostas para tocar até que Dudley veio com a notícia de que tinha sido nomeado para um trabalho e saiu da banda, entrando Steve Hicks.

Entra o ano de 1969 e uma mudança dramática na predileção musical dos jovens músicos fizeram com que tomasse a decisão de mudar, mais uma vez, o nome da banda, pois pensavam que "The Hustlers" não era um nome apropriado para uma banda que aspirava tocar uma música que na época era original. Então optaram para "Short Cross". Há um consenso de que não lembram da origem do nome, mas têm todos uma "vaga" lembrança de que se tratava de substâncias ilegais.

A influência do Short Cross trafegam na música pesada que varia de Led Zeppelin, Free, Jimi Hendrix, Deep Purple, James Gang entre tantas outras e os jovens músicos viram essas bandas tocarem, catalizando todas as características dessas bandas para tentar adicionar a sua música, a música do Short Cross. Queriam um rock n' roll tão forte e poderoso quanto dessas bandas!

Em 1970 surgiu a possibilidade de tocar em um show gratuito e a céu aberto em Monroe Park. A forma como esses shows aconteciam era que alguém trazia um sistema de PA e as bandas simplesmente apareciam e tocavam de graças. E o short Cross conseguiu um espaço para tocar, mas mesmo ganhando alguma visibilidade contava com algum descrédito por parte de alguns fãs de rock n' roll. O Short Cross nunca havia tocado para aquele público e quando subiu ao palco ouviu alguém dizer: "Agora vamos ouvir uma banda de soul music"!

Foi o suficiente para mexer com os brios dos moleques audaciosos e cheio de energia do Short Cross, então tocaram uma versão de “Baby, Please don’t Go’ e foram ovacionados por 3.000 pessoas. Então eis que surge novamente o guitarrista Joe Sheets e viu o Short Cross tocar nesse evento e gostou muito, falando sobre a banda com um produtor de discos local e seu cunhado chamado Nick Colleran, que ouviu as fitas demo da banda e também gostou, oferecendo-lhes uma oportunidade para gravar um álbum. Foram ao Sigma Sound, na Filadélfia, porque as instalações da gravadora não estavam disponíveis em Richmond.


No final de 1971, mais precisamente em dezembro, o Short Cross começou a gravar as músicas que fariam parte do álbum e Joe Sheets estava escalado para tocar slide guitar em um lado do álbum, mas adoeceu e não pôde viajar para a Filadélfia. Nick então assumiu o lugar dele e tocou na versão single de "On My Own" e em 1972 nascia o álbum “Arising”. A formação, após tanta mudança, que gravou o álbum foi: Gray McCalley no vocal e bateria, Butch Owens nos teclados, Velpo Robertson na guitarra e vocal e Bird Sharp no baixo. 


"Arising" traz um hard rock pesado e agressivo, com generosos toques de blues. Abre com a faixa “Nuthin' But A Woman” um hardão tocado com estilo, altivo, poderoso, intenso, com linhas de teclados marcantes, guitarra ostensiva e a presença interessante, mas curiosa de um sax que “harmonizou” bem com o conjunto sonoro.

"Nuthin' But a Woman"

“Wastin' Time” tem a introdução do baixo pulsante e um vocal rouco, com uma levada bluesy e o peso que imperou em todo o disco. “Suicide Blues”, como nome já denuncia, entrega um senhor petardo de blues, mesclado com a força do hard rock, sem dúvida um dos destaques do álbum. Mas com “Just Don't Care” o hard rock incisivo retorna, mas solar, divertido, dançante, me pareceu um pouco comercial, porém competente. 

"Suicide Blues"

“On My Own” volta para o blues, igualmente animado, com um toque mais “sulista”, com uma pitada de classic rock. “Till We Reach the Sun” é pesada, cadenciada, com destaque para a “cozinha” entrosada e uma linda camada de teclado. 


"Till We Reach the Sun"

Em “Ellen” a banda segue mais “romântica”, uma bela balada com destaque para o piano dando um toque mais suave com solos curtos e bonitos de guitarra.“Hobo Love Song” fecha o álbum como começou: pesado, com a pitada generosa de blues. 

"Hobo Love Song"

A impetuosidade dos jovens músicos, aquele ar de arrogância típica da juventude foi um dos fatores que fizeram com que o Short Cross não tivesse longevidade. O álbum foi concebido em uma semana de trabalho no estúdio e a banda teve muitos contratempos, não sendo uma experiência muito feliz. Constantemente batiam de frente com os produtores sobre o som, especialmente durante a mixagem final, colocando uma nuvem negra sobre o que deveria ter sido uma ótima experiência. Mas talvez olhando por outro prisma, a banda desenvolveu, mesmo que muito jovem, uma espécie de caráter sonoro.

A festa de lançamento álbum foi realizada na "The Spring Factory" e a noite estava maravilhosa! A casa de eventos estava esgotada, cheia de gente e a banda se apresentou, tocou todas as faixas do álbum. Tudo parecia conspirou para bons desfechos. Apenas conspirava, mas nada se concretizou...

O Short Cross continuou a tocar muito abrindo shows para bandas do naipe do Black Sabbath, Trapeze, Black Oak Arkansas entre outros. O LP foi tocado na Virgínia, mas não vendia. A contagem final de 300 cópias vendidas em uma tiragem de 1.000, sendo a gota d'água para um iminente fim. Mas isso não fez com que a banda desistisse de imediato, voltando ao Alpha Audio para gravar duas novas músicas: "Before It Rains" e "Bomb", mas não conseguiram concluí-las.

A banda passou por várias mudanças na formação, mas não criavam uma química. Os jovens músicos que conceberam "Arising" também criaram um vínculo de amizade e boa parte dessa formação já tinha saído da banda por inúmeras situações da vida. Em 1973 o Short Cross não existia mais.

Velpo Robertson continuou na carreira de músico, além de engenheiro musical e produtor, Dudley "Bird" Sharp ainda segue a sua carreira de músico profissional também. Butch Owens ficou um tempo longe da música, mas voltou ao seu antigo ofício, além de se dedicar a carpintaria. Steve Hicks continuou a tocar música por algum tempo, mas faleceu.

Joe Sheets formou uma nova empresa em 1990 chamada "In Your Ear Music and Recording". Velpo Robertson entrou para a equipe de Sheets como engenheiro assistente, músico, produtor, bibliotecários de fitas etc, quando este recebeu ligações de várias pessoas de todo os Estados Unidos dizendo que o LP do Short Cross estava sendo gravado em todos os formatos possíveis, em uma espécie de "bootleg", passando de mão em mão. Uma forma meio estranha, mas que foi preponderante para que a música da banda se difundisse, sendo endossada agora por intermédio da internet. Um clássico obscuro mais do que recomendado!





A banda:

Gray Mccalley na bateria e vocal
Butch Owens no órgão, piano e moog
Velpo Robertson na guitarra e vocal
Bird Sharp no baixo


Faixas:

1 - Nuthin'But A Woman
2 - Wastin'Time
3 - Suicide Blues
4 - Just Don't Care
5 - On My Own
6 - Till We Reach The Sun
7 - Ellen
8 - Hobo Love Song



Short Cross - "Arising" (1972)