quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Taste of Blues - Schizofrenia (1969)

 

Vasculhar os escombros obscuros do rock n’ roll nos possibilita encontra algumas gratas “loucuras”, que foge ao famigerado padrão, o óbvio. O rock não pode e não deve ser tratado como algo fugaz e óbvio. Nunca!

O garimpo é vida! Chega desses pasteurizados óbvios que insistem em se tornar os faróis do rock n’ roll, faróis esses que só colocam na escuridão a qualidade diversificada do estilo de que tanto amamos.

Por que digo isso? Porque, claro, em meus garimpos pela grande rede eu descobri algo que jamais pensaria encontrar: uma banda escandinava, mais precisamente da Suécia, que foge um pouco do hard rock! Mas diante disso vem a pergunta: Mas como pensar que na Suécia tem apenas hard rock? O que dizer de algumas grandes bandas progressivas?

Sim, verdade! Mas o que dizer de ouvir uma banda sueca com traços evidentes e bem delineados de krautrock? Krautrock, para os desavisados, foi um movimento social, cultural e musical que se formou na Alemanha no fim da década de 1960 e início dos anos 1970 e ajudou a moldar o rock germânico.

Mas parece que seus contornos sonoros ajudaram a desenhar a música de algumas bandas suecas, mas que, lamentavelmente caíram no ostracismo e vilipêndio da indústria fonográfica, sempre segmentária e conservadora.

E claro citarei uma que ouvi e confesso me ter feito dançar, pois me divertiu a tal ponto que me deixei envolver, em uma espécie de mesmerização plena e deliciosa que somente as bandas desse estilo minimalista e pouco compreendido até hoje entre os fãs mais exigentes do rock progressivo.

E como sempre a história é envolvente, mas que converge para todas as bandas que seguiram no caminho da obscuridade marginal: de dificuldades, de provações, de baixos orçamentos ou nenhum, entre outras adversidades.

A banda é TASTE OF BLUES e o alvo desse texto é o seu único álbum, lançado em 1969, chamado “Schizofrenia”. Mas antes de destrinchar esse álbum incrível e pouco ortodoxo (por isso que ele é especial), vamos de história porque as suas passagens história são no mínimo pitorescas e valem registro.

Taste of Blues

O Taste of Blues foi formado, como disse, na Suécia, em uma região chamada Malmö, em 1967, por Claes Ericsson (órgão e violino), Anders Stridsberg (vocal), Rolf Fredenberg (guitarra), Robert Möller (baixo) e Patrick Erixson (bateria).

E jovens como eram, lá nos anos 1960, sempre tiveram o ímpeto e a impetuosidade de queimar as suas energias tocando rock n’ roll que estava no auge graças a invasão britânica, a cena psicodélica de São Francisco e toda a subversão que o rock poderia proporcionar, tocando em várias bandas pequenas e locais.

E tocavam em clubes de jovens ao redor do condado de Skåne e o embrião do Taste of Blues estava em uma banda chamada “The Decibels”, que tinha cinco adolescentes; duas guitarras, baixo, bateria e um vocalista.

Mas da mesma forma que era comum ter bandas juvenis nascendo, também tinham bandas morrendo, que não vingavam e o “The Decibels” foi uma delas, sucumbindo bem antes de fazer shows ou coisa que o valha, apenas algo amador e totalmente despretensioso.

Quando o The Decibels dissolveu o baixista Robert Möller e o guitarrista Rolf Fredenberg sentiu a necessidade de criar uma nova banda e tentar levar o ofício a sério, ter longevidade e sucesso na música. E aconteceu! No outono de 1967 a banda estava formada!

A primeira coisa de que precisavam era de um local para ensaiar, para tocar, para começar a delinear a sua sonoridade. E conseguiram encontrar, de graça, um prédio no centro de Malmö. Um prédio abandonado, porque seria demolido. O próximo passo era buscar novos companheiros para formar a banda e usaram jornais para buscar novos integrantes.

E assim quando os caras foram integrados à banda, ela ganhou forma e um nome também: “Taste of Blues”. O primeiro show aconteceu em 11 de dezembro de 1967, mas Anders, o vocalista, abandonou o barco, em setembro de 1968, alegando que tinha que dar sequência aos seus estudos, dar prioridade aos estudos e foi aí que entrou Don Washington, um norte americano que morava em Malmö.

Don era negro e tinha 40 anos de idade, certamente o mais velho da banda e reza a lenda de que ele era alcoólatra, viciado em drogas, um ladrão condenado e desertor da Guerra do Vietnã e que se mudou ou fugiu para a Suécia em meados dos anos 1960.

Era um cara barra pesada e temido nas quebradas de Malmö que odiava brancos e que teria agredido fisicamente dois membros da banda, no entanto permaneceu no Taste of Blues graças os seus dotes de cantor ou por medo dos caras da banda, vai saber! O fato é que ganhou a vaga de vocalista do Taste of Blues.

Don Washington

Reza a lenda também que o Taste of Blues era uma banda performática e que tocava para um público pequeno, mas fiel, ávido por música psicodélica. Não era uma banda “dançante”, mas inspirava o público a interagir fortemente graças às batidas meio beat, meio soul, meio blues, com guitarras ácidas e distorcidas.

O Taste of Blues tocou em clubes, casas de shows na Suécia, Dinamarca e Noruega, fizeram um belo tour pela Escandinávia, além de alguns shows na Finlândia também. A Dinamarca foi o país mais receptivo que eles encontraram, que eles tocaram, ocasionando uma ida mais intensa naquelas frias terras.

A banda foi ganhando alguma repercussão, graças as suas apresentações teatrais e viscerais e abriram para alguns figurões como Frank Zappa and The Mothers que, dizem as boas línguas que, em um desses shows o próprio Zappa usou a guitarra do Rolf, do Taste of Blues, em sem show, além de Fleetwood Mac, no Concert Hall de Gotemburg, Jefferson Airplane, no verão de 1969 e tocar para presos em presídios pela Suécia, ou seja, indo do céu ao inferno.

Mas a banda precisava gravar, de documentar um álbum e receberam uma proposta do selo “SSR” para gravar em seus estúdios. As gravações aconteceram em novembro de 1968 e os músicos tinham que se deslocar para Estocolmo ou Gotemburgo para as gravações de seu álbum chamado de "Schizofrenia". Não se sabe ao certo quantas cópias foram prensadas desse único álbum do Taste of Blues, varia entre 500 ou 1.000 cópias desse clássico do submundo do rock sueco.

Outra lenda ronda a banda no processo de gravação de "Schizofrenia". As gravadoras, mesmo com alguma visibilidade que o Taste of Blues estava ganhando, não estava interessadas em gravar a banda em estúdio e alguns americanos que moravam na Suécia decidiram financiar a gravação do álbum em estúdio, talvez por causa da presença do Don Washington, também americano, dando ao Taste of Blues algum crédito.

E talvez, me permitam a licença poética, seja verdade essa história, pois na capa do álbum, muito legal, diga-se de passagem, traz o nome da banda com o nome de Don em destaque. Talvez pelo fato do mesmo ser americano ou porque tenha sido uma exigência do “investidor” dar destaque ao vocalista estadunidense. 

Mas a história pode não ser verídica, pois a banda teria recebido o convite da gravadora “SSR” para gravar seu álbum, ou também pode ter sido paga para liberar aos músicos para tocarem em seus estúdios. Histórias à parte "Schizofrenia" foi concebido em 1969.

A história do álbum "Schizofrenia" gira em torno da sua faixa título em que a banda tocava em seus shows em verdadeiras sagas improvisadas, com muita psicodelia, lisergia e peso, em alguns momentos, com tantas variações, por isso ganhou 17 minutos de duração, que ocupou um lado inteiro no LP e que recebeu esse nome que, em português significa “Esquizofrenia” porque a música tem partes muito distintas, ganhando as tais variações rítmicas e que juntas tudo acontece, como um bolero, por exemplo, e me desculpem pela comparação.

Então a formação do Taste of Blues quando gravou “Schizofrenia" tinha: Don Washington nos vocais, Rolf Fredenberg na guitarra, Claes Ericsson no órgão e violino, Robert Moller no baixo e Patrik Erixson na bateria.

Don Washington e Claes Ericsson

Robert Moller e Rolf Fredenberg

Patrick Erixson

Os lados, falando sobre o aspecto do formato LP, são um tanto quanto distinto, mas o cerne sonoro não foge a regra de um inusitado e maravilhoso krautrock com viagens experimentais, baseados em sons minimalistas, com flautas, saxofones e guitarras ácidas, aqui e ali, sobretudo na primeira faixa, tendo no lado “B” uma sonoridade mais dançante, com solos de guitarras mais pesadas com um viés blueseiro, tendo como cerne o tripé kraut-blues-rock e tendo ainda aquela atmosfera, aquela aura psicodélica, aquele beat dançante e hipnótico.

Abrimos então com a faixa título, “Schizofrenia” que já falamos alguma coisa e que basicamente serviu de base estrutural para a concepção do álbum e traz o lado mais krautrock e experimental da banda. O lado lisérgico, improvisado e cheio de recursos sonoros, com as tais variações que faz da música e álbum, uma verdadeira “loucura”. Flautas, saxofones, guitarras com riffs ácidos e bateria marcada que faz lembrar o Can são destaques nessa peça pouco ortodoxa para o rock naquela época.

"Schizofrenia"

A sequência tem “A Touch Of Sunshine” inaugura a fase mais direta do álbum, com um blues rock tendo a guitarra como cerne da música, mais ainda com evidências firmes de um bom e velho psicodelismo, mas bem convencional, mas nem um pouco ruim, pelo contrário. Don escreveu a letra e nesta música também inaugura o seu vocal, Claes, o tecladista, apresentou a música e traz aquele estilo tradicional de blues que lembra um pouco o Doors e Cream.

"A Touch of Sunshine"

“On The Road To Niaros” inicia com aquele teclado sombrio e que ganha um pouco de peso com a bateria tocada velozmente e logo os teclados voltam alternando. O vocal de Don é imperioso, altivo, bem executado e a “cozinha” dá o ritmo, bateria blueseira, baixo pulsante. Lindo! Aqui cabe uma curiosidade acerca da letra da música: ela foi composta ônibus a caminho de Trondheim na Noruega. “Nidaros” é um nome antigo da Era Viking.

"On The Road To Niaros"

“Another Kind Of Love” é uma música tributo ao John Mayall e traz uma salutar “batalha” entre riffs de guitarra e órgão com o vocal poderoso de Don sobressaindo. Traz um blues mesclado a hard rock mais cadenciado e indulgente. E tudo isso desemboca em um solo simples, mas avassalador.

"Another Kind of Love"

“Another Man’s Mind” traz um vocal mais limpo e melódico, mas soa sombrio, estranho, talvez pela letra, com teclados mais soturnos e perigosos que irrompe em um solo de guitarra ácido, intenso e que logo transforma a faixa em um verdadeiro hardão, com peso e até com certa dose agressiva.

"Another Man's Mind"

E fecha com “What Kind Of Love Is That” que traz um som mais solar, um blues mais animadão, que induz o ouvinte a dançar, a se mexer, algo bem orgânico, uma música simples, mas muito comercial, uma “queda” meio radiofônica talvez.

O Taste of Blues continuou com alguns shows e eles fizeram uma amizade muito forte com o Jefferson Airplane, e que ofereciam alguns psicotrópicos aos “meninos” do Taste of Blues. Os caras não aceitavam, não usavam drogas, mas bebiam após os shows até mesmo para socializar com os fãs e tentar vender seus álbuns e fazer aquele merchandising de seus shows futuros.

Mas infelizmente as vendas dos álbuns foram pífias, pequenas, as rádios não queriam promover o Taste of Blues, a sua música estava muito a frente do seu tempo e algumas rádios não queriam destruir as suas reputações com músicas tão experimentais à época. Mas a banda conseguiu, mesmo que a duras penas, conquistar um público em sua terra natal, na Suécia, mais especificamente em Estocolmo. Inclusive o último grande show do Taste of Blues foi em Estocolmo, em uma casa de shows como banda residente.

Quando o Taste of Blues foi dissolvido o violinista e tecladista Claes Ericsson integraria a banda Lotus, mas depois se juntaria ao baterista Patrik Erixson para formar a banda de hard prog Asoka, bem conhecida na cena rock sueca.

"Schizofrenia" foi relançado em 1992 pelo selo sueco “Garageland”, no formato vinil e em CD, no ano de 2010 pela gravadora “Transubstans Recordsem”. Um clássico obscuro, uma pérola mais do que recomendada e necessária. 

Uma banda que definitivamente construiu a cena rock da Suécia com primor e arrojo, mesmo contra um ostracismo por parte do mercado conservador, mas que deixou gravada na história daquele país um conceito inovador e subversivo que tanta se almeja no bom e velho rock n’ roll.



A banda:

Don Washington nos vocais

Rolf Fredenberg na guitarra

Claes Ericsson nos teclados e violinos

Robert Moller no baixo

Patrik Erixson na bateria

 

Faixas:

1 - Schizofrenia

2 - A Touch Of Sunshine

3 - On The Road To Niaros

4 - Another Kind Of Love

5 - Another Man’s Mind

6 - What Kind Of Love Is That

 

 

Taste of Blues - Schizofrenia (1969)