domingo, 9 de janeiro de 2022

Electric Sandwich - Electric Sandwich (1972)

 


Eu confesso que não sei dizer como e por quais caminhos a gente garimpa algumas bandas. Não tenho também um método. Sigo a pesquisar pela grande rede alguma banda que me excite no aspecto primordial da imagem. Uma capa interessante, chamativa, apelativa, tenebrosa (gosto disso), um nome instigante, um país, um subgênero em especial etc. Enfim não há um padrão, uma metodologia de pesquisa de bandas e, convenhamos, o material é infindável de bandas velhas novas para o grande público, sobretudo, claro, as obscuras, as undergrounds.

Quando estava em minha “caça” por algo que me cativasse, que me chamasse a atenção parei em uma com um nome no mínimo inusitado. Achei que fosse alguma sátira, paródia, algo pastelão, sem muita credibilidade, por um instante decidi sequer acessar o link que te encaminhava à audição do álbum, mas que se dane, estava em um tédio tremendo no dia que qualquer bobagem seria o evento do ano. Acessei o link e comecei a ouvir o álbum! Uau! Mas era simplesmente arrebatador! Uma loucura sonora! Aquilo me cativara desde os primeiros segundos, os primeiros acordes!

Eu estava totalmente envolvido naquele som! Embora não fosse algo revolucionário, era envolvente, lisérgico, tenso, pesado, contemplativo, ao mesmo tempo. Coisas que só a Alemanha nos tempos do velho Krautrock poderia proporcionar.

Como eu poderia esperar algo de bom em uma banda chamada ELECTRIC SANDWICH? Ah meus bons amigos leitores e amantes do velho rock n’ roll, não se enganem com nomes imponentes e capas bonitinhas, não julguem o livro pela capa e pelo nome. Essa banda senhores é avassaladora e deixa a sua mente louca e revirada!

A julgar pela capa! Mas o que significa isso? Seria literal esse nome? Pelo que pude entender, captar é um sanduíche eletrificado, mas será que é isso mesmo a mensagem a ser transmitida? É como fica o seu cérebro quando ouve essa germânica banda: com ele revirado, agitado, desorientado! É o que a banda procurou transmitir em seu único álbum lançado em 1972, homônimo.


Mas antes de disseca-lo, vamos aos primórdios do Electric Sandwich. A banda foi formada em 1969 na cidade de Bonn, por quatro estudantes dessa cidade, jovens e que aspiravam ganhar o mundo com a sua música. Todos já gozavam de alguma experiência tocando em outras bandas locais pouquíssimos conhecidas. O baixista Klaus Lormann tocava com "Chaotic Trust”, o guitarrista Jorg Ohlert tocava no "Slaves of Fire"; o baterista Wolf Fabian, o fundador da banda, estava em turnê com uma banda chamada "Muli and the Misfits", e o vocalista Jochen "Archie" Carthaus cantou com os "Flashbacks".

Electric Sandwich

A cena Krautrock, a base do rock alemão estava apenas iniciando os seus passos no final da década de 1960, mas quando surgiu o famoso selo alternativo Brain em 1971, uma subsidiária da Metronome, algumas incertezas que permeavam as vidas das bandas, no que tange ao seu futuro, poderia ter uma norte, uma sequência. A Brain tinha como objetivo promover, patrocinar as bandas novas e vanguardistas que estavam surgindo naquela época e o Electric Sandwich estava no caminho dos executivos da Brain.

E foi o gerente de produto da Brain, Gunther Korber, que descobriu o Electric Sandwich em um festival de talentos de âmbito nacional organizado pela revista alemã e guia de TV "Hor Zu", que aconteceu em Niedersachsenhalle, em Hannover. Mas a banda não conseguiu chegar às finais do concurso e mesmo sem ter ensaiado eles encararam o festival, convencendo os organizadores e abocanhou o segundo lugar.

Naquela mesma noite, Ohlert, Fabian, Lormann e Carthaus assinaram um contrato com o Brain para uma sessão de gravação experimental. E foi com essa proposta que esses quatro jovens se reuniram: deixar de tocar covers e fazer algo próprio, deles e coisas arrojadas: tocar despretensiosamente, se deixar levar pela música, sem padrões ou estereótipos.

O pessoal da Brain e Metronome estava tão excitados com o som do Electric Sandwich que em 1972 a banda finalmente assinou contrato com Rudolf Slezak Musikverlag, de Hamburgo (que detinha os direitos das músicas de Jane e Epitaph, por exemplo), seguindo para o Dieter Dirks-Studio em Stommeln para gravar seu primeiro álbum com sete faixas.

Faixas essas compostas pelo mais puro heavy rock, hard rock e psicodélico e prog rock com pitadas generosas de jazz rock e blues rock. Percebeu a miscelânea sonora e o motivo pelo qual eu disse que esse álbum é arrebatador?

O álbum é inaugurado com a faixa “China” com aquele solo meio psych, meio pesicodélico sessentista com uma batida discreta e obscura, algo meio introspectivo e arrastado e explode com riffs de guitarra o estilo hardão setentista e órgão barulhento e, ao longo do tempo vai ficando mais visceral, intenso e no fundo vêm as congas, com em uma viagem latina, entrelaçado com uma guitarra dissonante e perigosamente pesada. Um primor!

“Devil's Dream” me parece algo mais “comportadinho”, convencional, mas o que se destaca é o vocal, imperioso, com uma atmosfera densa e ameaçadora, sendo muito bem executado. Mas aí vem o saxofone, que torna tudo mais dançante e lisérgico, traz um pouco da loucura sonora dos primórdios do krautrock e fecha com uma levada meio bluesy.

Electric Sandwich - "Devil's Dream" live

Segue com “Nervous Creek” que tem uma história por trás e fala de um rio que deságua no mar, trata da vida de um simples morador da cidade. Esse era um canal de comunicação que os caras da banda tinham com o seu público, o viés intelectual para atrair aquele público que minimamente entende inglês, compreenda a mensagem. Ela traz um riff bem dançante, bem motown, mas desbanca em um peso visceral de hard rock com alguma velocidade que faria qualquer banda de heavy metal dos anos oitenta pirar! Vocal gritado, alto, todos os ingredientes de um proto metal e vai alternando com a calmaria de um dedilhar de guitarra e assim a música segue o seu curso.

Electric Sandwich - "Nervous Creek"

“It's No Use to Run” tem uma vibe meio commercial, algo sessentista, das bandas britânicas, com um riff simples dando a camada principal, entrando uma gaita para corroborar a influência. 

“I Want You” começa ao estilo baladinha com um riff meloso, delicado até, um vocal sussurrado, fechado, mas logo vai ganhando corpo com instrumentos de sopro ganhando protagonismo e logo vai ficando alto e mais alto e logo se constrói um som mais pesado e depois volta a balada e assim permanece até o seu final. Excelente!

Em “Archie's Blues” o som que impera o blues rock! O vocal assume um tom dramático, gritado, o alcance vai à estratosfera, o blues se mescla ao lisérgico do krautrock e se torna experimental e único. Não há a sofisticação, mas o arrojo de algo diferente e atípico. Excepcional!

“Material Darkness” a pegada kraut paira com o saxofone e a viagem psicodélica e progressiva dá o tom, o vocal contemplativo ganha espaço, um som mais complexo e sofisticado se revela nessa belíssima faixa, que conta ainda com algumas “pitadas” de jazz rock.

E para fechar com chave de ouro temos a “On My Mind” que assume um caráter “arroz de festa”, um som mais solar mais ainda calcada no psicodelismo dos anos sessenta, aspirando a algo mais voltado para o hard rock.

Após o lançamento do “Electric Sandwich” a banda saiu em turnê pela Alemanha. Apresentou-se em programas de rádio, gravou apresentações para programas de televisão, enfim estavam trabalhando, dentro do possível, a divulgação do seu novo trabalho e ganhando alguma experiência ao vivo. Ralf Kroczek, organista e líder do coro da faculdade de música de Colônia, entrou na banda e abriu shows do Uriah Heep, inclusive. Seria o ápice?

No final de 1973 começou a trabalhar em seu álbum seguinte, mas disputas internas impediram que o segundo álbum fosse concluído. Jorg Ohlert queria que a banda se tornasse mais voltada para o jazz e Wolf Fabian queria algo mais focado na bateria e o seu desejo de terminar seus vários cursos voltados para a música motivou o precoce fim da banda.

Atualmente o baterista Wolf Fabian dirige uma empresa e um estúdio de gravação em Bonn e trabalha como professor. Jochen Carthaus tem uma fazenda na Eiffel onde cria cavalos. O baixista Klaus Lormann é um oficial do governo em Colônia, o guitarrista Jorg Ohlert é um consultor sênior que mora perto do Lago de Constança e o organista Ralf Kroczek ainda trabalha como professor de música. Mas para a nossa alegria a banda retornou aos palcos e canta e encanta a novas gerações com a sua música forte e atemporal.


A banda:

Jörg Ohlert naa guitarra, orgão e teclados

Klaus Lormann no baixo

Jochen Carthaus no saxophone e harmônica

Wolf Fabian na bacteria

Faixas:

1 - China

2 - Devil's Dream

3 - Nervous Creek

4 - It's No Use to Run

5 - I Want You 

6 - Archie's Blues

7 - Material Darkness

8 - On My Mind