sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Nebulosa - Nebulosa (1977)

 

Queridos amigos leitores a Suécia tem nos brindado com o que há de melhor no rock n’ roll nesses últimos anos, principalmente as que trafegam no stoner rock, bem como no heavy rock, occult rock e o Ghost, amado e odiado por tantos, é um grande expoente de tais estilos, ganhando tanta notoriedade que vem conquistando alguns prêmios pelos seus álbuns lançados.

Mas não podemos esquecer, tão pouco negligenciar o caminho que outras tantas bandas do passado edificaram, a base de um hercúleo esforço, para que essas bandas conquistasse o seu lugar ao sol e até figurasse na cena mainstream do rock n’ roll o que, em alguns casos, é uma façanha, vide, claro, o próprio Ghost.

Muitas dessas pioneiras bandas que desbravaram a cena, o estilo, caíram no mais puro e difícil ostracismo ou sempre estiveram nessa condição e mesmo diante desse cenário, dessa adversa situação, as bandas se tornaram expoente para o conceito e criação de estilo que hoje estão mais ou menos em voga graças ao Ghost, por exemplo.

A Suécia é um celeiro de grandes e valorosas bandas que, com seus estilos bem peculiares, fizeram do hard rock e progressivo algo singular naquele país. É algo de “nórdico” que reina neles, seja no aspecto sonoro, seja no aspecto comportamental. Na realidade ambos se complementam.

E uma banda veio até a mim não pela sonoridade, mas pelo aspecto estético de seu álbum. Vou confessar algo: adoro as capas de álbum cuja arte é simples, algo realizado artesanalmente sem nenhum recurso monetário ou tecnológico. Em poucas e diretas palavras: algo bem simples e pouco arrojado.

Ela se chama NEBULOSA, é sueca, e a sua capa, embora tenha curtido, após as minhas intensas e animadas pesquisas pela grande rede se revelou um tanto quanto estranha. Talvez uma figura divina carregando o peso de resguardar o mundo, de protege-lo de pessoas de sentimentos e atitudes destrutivas, daí o seu sofrimento em carregar o planeta nas costas.

Evidente que esses “devaneios” me excitaram a fazer a audição do álbum, lançado em 1977, por um pequeno e underground selo de nome “Park Studio”. O único “rebento” do Nebulosa em sua precoce história.

E quando ouvi o seu álbum, algo me perturbou magistralmente: a sua música “incoesa”. Eu explico! É que a banda flertou, neste único trabalho, com várias vertentes do rock, que ia de hard rock raivoso a um progressivo sinfônico, com nuances de space rock.

E apesar de alguns problemas em sua produção, algo de ordem técnica, o que é normal em se tratar de poucos recursos, o “Nebulosa” mostra guitarras elétricas contundentes, piano, sintetizadores e até mesmo um psych rock, repleto de lisergia. É possível?

É possível sim e o faz com maestria! Como que, com uma miscelânea dessas, o Nebulosa se fez “entender” no que tange a sua sonoridade, de que não tem amarras nenhuma com rótulos, não se “encaixando” em quesito sonoro nenhum, se “escravizando” apenas pela sua criatividade.

Isso talvez não seja de fácil palato por parte de quem necessita avidamente por um “norte” sonoro, mas é inegável que o álbum é consistentemente bom do início ao fim, principalmente com o vocal que se destaca incrivelmente. Mas esperem um pouco mais, falarei de cada música depois, antes, vamos um pouco da história do Nebulosa que é, para variar, escassa.

E já que falei do vocalista, o nome do cara é Roger Pontare, nascido Roger Johansson, é bem conhecido na Suécia não apenas pela sua voz poderosa, de grande alcance, mas também pelo estilo extravagante. Para alguns críticos mais incisivos da Suécia, o cara ostentava essa aparência vocal e visual exagerado a troco de nada, ocasionando pouco crédito por parte das pessoas, desperdiçando seu talento em histrionismo, mas o fato é que Pontare é um vocalista notável.

Completava o Nebulosa Bengt Skarin, na bateria, Lennart Usterud, no baixo, Thomas Fransén na guitarra e o tecladista húngaro e também muito talentoso Thomas Kacsó. Essa junção de músicos suecos e húngaros serviu de inspiração para as letras do álbum que tratavam da política desses países, mas reza a lenda que a subtrama foi centrada no país natal de Kacsó.

A gravação de “Nebulosa” foi supervisionada por Karl Axel Gårdebäck em seu estúdio e apenas 1.000 cópias foram impressas. Um número de cópias muito baixo o que o torna extremamente raro nos dias de hoje, mesmo com alguns pouquíssimos relançamentos.


Inaugurando o álbum temos a faixa “Dagen Gryr” que traz uma textura um tanto quanto sombria de teclados com dedilhados de violão que segue basicamente essa atmosfera soturna e que logo é rasgada com riffs mais pesados de guitarra e que, gradualmente ganha corpo, substância, ficando mais pesado e volta a balada meio soturna. Um instrumental viajante e pesado, já denotando o que o álbum representará.

"Dagen Gryr"

“Strezz-Rock” vem em seguida e vem batendo o pé na porta sem perdão. Baixo “cavalgado”, riffs diretos e poderosos de guitarra, seguidos de solos rápidos e sujos, com o teclado trazendo à tona certa versatilidade, fazendo uma bela dupla com o baixo sempre pleno, vivaz. Mais uma faixa instrumental e pesada.

"Strezz-Rock"

“Mörka Tankar” chega e dessa vez inaugurando o brilhante vocal de Roger Johansson, melódico, dramático, cantado em sueco, trazendo todo o “tempero” a música. Um hard mais cadenciado, mas pesado, com os já famosos riffs e solos mais diretos e competentes.

"Morka Tankar"

“Digital” segue a mesma toada: pesado, avassalador, a bateria traz uma pancada, bem marcada, intensa, o baixo acompanha fortemente, fazendo uma “cozinha” pesada e sinérgica. A guitarra ganha corpo, os solos são mais longos e bem elaborados.

“Det Vackra Folket” traz uma balada meio folk rock que logo irrompe em um hard rock com tendências heavy com uma pegada forte de riffs de guitarra que corrobora o seu peso incomum e catártico. 

A introdução de “Undergång” ao dedilhar do piano anuncia, com maestria, o vocal melódico e de forte alcance de Johansson, uma balada rock poderosa que traz a plenitude de um classic rock e a viagem de folk, mas logo o hard rock toma as rédeas da situação.

“Ensam” volta a reinar os teclados trazendo uma atmosfera meio occult rock sendo confirmada com o vocal mais denso e soturno de Johansson. A bateria soa estranha, algo meio arrastado, o baixo continua altivo. Solos de guitarra torna a música mais contemplativa com uma pegada até progressiva em seu som. Exótica faixa!

“Nödrop” tem também a introdução dos sintetizadores e a guitarra swingada, algo meio dançante, mas com peso, um hard rock meio cadenciado, a bateria meio gingada também, algo tribal, percussivo. Uma faixa mais solar e vibrante.

"Nodrop"

“Mittpelarna” também é muito estranha, algo meio pop e radiofônica, com uma pegada meio eletrônica que destoa totalmente da proposta do álbum. “Tryckvåg” retorna ao hard rock, mas também com um viés bem radiofônico, até bem animado, seguindo um estilo meio sulista norte americano e uma guitarra, por vezes, ao estilo blues rock.

"Mittpelarna"

“Ödestrand” é direta, forte, pesada, contundente! A guitarra é pesada e muito bem executada em seus riffs e solos. A “cozinha”, mais uma vez, se mostra entrosada. A faixa é muito curta! “Verklighetsflykt” traz a balada capitaneada pelo vocal competente de Johansson tendo a companhia de um lindo piano de Kacsó com lindos e emotivos solos de guitarra. Tem uma proposta meio comercial, porém muito bem executada.

"Verklighetsflykt"

E fecha com “Apokalyps” com uma pegada bem sinfônica, ao estilo hard progressivo com um vocal mais rasgado de Johansson que segue a temática sonora da faixa. Finaliza estranho com sonoridades meio minimalista.

O Nebulosa, infelizmente, não teve vida longa, sendo desfeita, terminando suas atividades dois anos após o lançamento de seu único álbum, em 1979. O tecladista Thomas Kacso acabou retornando ao seu país natal, a Hungria e por lá tentou empreender uma carreira musical, mas sem muita visibilidade.

O guitarrista Thomas Fransén foi convidado a trabalhar para a gigante, na época, empresa de eletrônicos JVC, já o baterista Bengt Skarin tornou-se um requisitado professor de música e o baixista Lennart Usterud largou a música e passou a dedicar-se a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias ou, se preferir, os “Mórmons”.

O vocalista Roger Johansson ganhou certa visibilidade na sua carreira na música se tornando um popular cantor com um trabalho solo ganhando alguns apelidos como Roger Pontare e até “Mango” e até Roger Mango. Gravou um single em 1981 com a dupla “Stars ‘N’ Bars.

Há também uma reedição posterior do álbum “Nebulosa”, com apenas 198 cópias com capas pintadas à mão e números de matriz riscados. Até mesmo os relançamentos trazem uma aura obscura e rara a já banda que está nessa condição desde os seus primórdios.

Um álbum obscuro de hard rock, mesclado a um progressivo sinfônico que tive a impressão, confesso, de soar mais alemão do que sueco, mas que vale e muito pelo tom exótico de sua sonoridade exatamente por esses momentos sinfônicos com toques generosos de música pesada.

Talvez, por esse motivo, alguns ouvintes poderão não entender a proposta e rejeitar de imediato, mas se ouvi-lo sem amarras, sem visões pré-concebidas perceberá que o álbum é consistentemente bom do começo ao fim, com suas guitarras sólidas e vocais dramáticos e melódicos. Audição mais do que recomendada.


A banda:

Bengt Skarin na bateria

Lennart Usterud no baixo

Roger Johansson no vocal

Thomas Fransén na guitarra

Thomas Kacsó no teclado

 

Faixas:

1 - Dagen Gryr

2 - Strezz-rock

3 - Mörka Tankar

4 - Digital

5 - Det Vackra Folket

6 - Undergång

7 - Ensam

8 - Nödrop

9 - Mittpelarna

10 - Tryckvåg

11 - Ödestrand

12 - Verklighetsflykt

13 - Apokalyps



 "Nebulosa" (1977)




























quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Cathedral - Stained Glass Stories (1978)

 

Mais uma joia perdida dos anos 1970 do rock progressivo estadunidense que, como tantos, foram vilipendiados pela indústria fonográfica que, seguindo a tendência da época por parte do público daquele país que rejeitava essa vertente do rock, chancelaram, com sua rejeição, grandes bandas que gravaram, a duras penas, trabalhos magníficos.

Há algumas explicações, alguns argumentos de formadores de opinião e/ou especialistas da música circulando pelos veículos de comunicação e redes sociais, além, é claro, da consequência, do vilipêndio pela indústria fonográfica. 

Uma das razões seria uma questão cultural, afinal o rock progressivo tem as suas arestas fortes pela Europa, principalmente a Inglaterra e que muitas dessas bandas norte americanas surgiram emulando medalhões como Yes, Emerson, Lake & Palmer, Pink Floyd entre outras.

O fato é que a rejeição existe e talvez não seja, contudo, tão relevante elencar as razões que não deixam de ser apenas visões pessoais de especialistas ou formadores de opinião. Muitas bandas sucumbiram à falta de estrutura na produção de seus shows, a poucas divulgações, a estúdios condizentes com a tecnologia, sendo acusadas, consequentemente, de incompetentes, com músicas aquém do esperado, sendo esta a razão de não vingarem.

Também é muito relativo trazer isso à tona, pois tratam-se de opiniões pessoais, mesmo se tratando de pretensas informações maturadas por especialistas, bem como seria se eu dissesse que alguns dos grandes trabalhos que este humilde apreciador de prog rock norte americano que tece essas palavras, goste e muito dessas bandas obscuras, daí a razão da existência desse também humilde e reles blog.

E, como dizia, essa joia perdida dos anos 1970 “inaugurou” as minhas predileções pelas bandas de rock progressivo norte americano dessa prolífica década para o rock n’ roll. Foi uma das primeiras bandas que ouvi, um dos primeiros álbuns que ouvi e digo, desde já, sem medo de errar, que ajudou a pavimentar em mim, a predileção pelo rock progressivo também.

Falo da banda CATHEDRAL! E não confundir essa banda com outras três de mesmo nome, incluindo uma inglesa de doom metal. O Cathedral norte americana e detentora de um “saboroso” rock progressivo, traz reminiscências de bandas como Yes, ELP e Genesis. E falando em inspirações ou influências, é claro que acabam especulando uma espécie de plágio, de cópia, principalmente por ser tratar de uma banda obscura e que não atingiu êxito comercial, mas sempre enfatizo que insucesso comercial não tem nada a ver, para mim, com qualidade e/ou criatividade criativa.

Cathedral

Os primórdios do Cathedral vem do tecladista Tom Doncourt e do guitarrista Rudy Perrone. Eles eram muito novos, ainda aspiram serem músicos de sucesso, quando Tom conheceu o baixista Ed Gagliardi em uma loja de discos. Eles dois estavam olhando alguns álbuns do Genesis e quando Ed ouviu que Tom tocava teclado, o primeiro decide marcar uma reunião com Rudy para formar uma banda e assim aconteceu, formaram uma banda. Em pouco tempo Rudy e Tom criariam uma química muito mais progressiva do que a direção que Ed queria para a banda. Assim seria o embrião da Cathedral, mas o fim da banda com Ed.

Mas a Cathedral tem as suas raízes mesmo em uma banda psicodélica chamada “Odyssey”, em Islip Terrace, em Nova Iorque. O Odissey era a banda que Tom e Fred Callan, baixista tocavam. Na realidade Tom os conheceu quando tinha apenas 15 anos de idade e aprendeu a tocar teclado os observando e em um futuro próximo tocaria com os caras.

Mas a Cathedral tem as suas raízes mesmo em uma banda psicodélica chamada “Odyssey”, em Islip Terrace, em Nova Iorque. O Odissey era a banda que Tom e Fred Callan, baixista, tocavam. Na realidade Tom os conheceu quando tinha apenas 15 anos de idade e aprendeu a tocar teclado os observando e em um futuro próximo tocaria com os caras.

A banda era boa, um expoente local, mas não demorou tanto para se separarem, isso em 1975. Fred Callan, o baixista, e o tecladista Tom Doncourt se juntaria a Mercury Caronia IV, o baterista, ao já conhecido Rudy Perrone, guitarrista e Paul Seal nos vocais para que em 1975 formasse a Cathedral.

E o processo de nascimento de seu único álbum, em 1978, surgiu originalmente de uma demo. A banda planejou fazer uma demo e os empresários dos caras tinham conexões com a gravadora “Delta Records”, um antigo estúdio da cidade de Nova Iorque no andar de cima do teatro Palace, em Times Square.

A banda de Duke Ellington estava fazendo sessões do outro lado do salão. Tiveram, contudo, uma sorte danada de ter um jovem engenheiro disposto a experimentar um pouco, claro, em termos sonoros. Basicamente a banda tocou ao vivo em um ampex de dezesseis faixas e fizeram também poucos overdubs. Isso tudo levou uma semana apenas.

A banda comprou a demo e a RCA fez uma oferta, mas os caras da Cathedral colocou todas as esperanças nos discos da Atlantic. Chegaram perto de contratá-los, mas desistiram porque, para variar as vendas de músicas de rock progressivo eram pequenas em 1978. 

A Delta Records tinha conexões de distribuição e foi decidido lançar “Stained Glass Stories” de forma independente. 10.000 cópias foram prensadas e vendidas. A ideia era alugar um espaço para a Cathedral ensaiar, além dos equipamentos para promover o álbum.

A arte da capa do álbum foi concebida pela namorada do tecladista Tom Doncourt que era artista plástica, ela se ofereceu para fazer. Ela tinha uma foto da catedral Sacre Cour em Montmartr e pintou no topo da pequena colina.

Depois que o álbum foi lançado, a banda passou alguns meses em um armazém ensaiando, compondo mais músicas para que tivessem o suficiente para um show inteiro. A banda já tinha um sistema de iluminação e um grande sistema de som o que viabilizou ensaiar toda a produção. Alugaram antigos cinemas, construíram a produção de palco e montaram a concepção de seus shows. Trabalharam muito!

E enfim, o primeiro show, a primeira apresentação! A Cathedral subiu no palco para o primeiro show na sua cidade local, diante de uma casa lotada dos fãs que os seguiam nos shows dos clubes, além de tocarem para amigos próximos e familiares. Foi épico para a banda!

Apesar da cena progressiva estadunidense não tenha tido a audiência necessária para as suas bandas prosperarem em Nova Iorque poderia encontrar um território fértil para o rock progressivo, razoavelmente fértil e caloroso, tinha um fiel e abnegado público que os seguia.

E com isso antigas salas de cinema se transformavam em salas de concerto, de shows, para receber a demanda de bandas e fãs. Mas o fim dos anos 1970 testemunhou uma diminuição da popularidade do estilo o que culminou com o vilipêndio a bandas como o Cathedral que teve muitas dificuldades para dar sequência em gravações de novos álbuns.

Embora a Cathedral, em seu trabalho, traga lembranças de Yes, ELP e Genesis, a banda era bem agressiva, diria intensa e solar, para uma banda progressiva, que geralmente entregam bandas mais introspectivas e experimentais. O que me chamou a atenção no Cathedral, antes de mais nada, foi a incrível interação entre o baixista e o baterista fazendo da cozinha algo concatenado e extremamente vivaz, dando o ritmo à banda. São grooves cheios, complexos e fortes, além do baterista Mercury Caronia IV ter plena capacidade de implementar recursos percussivos. 

Rudy Perrone, o guitarrista, é o próximo a se destacar, com muitos recursos, lembrando Robert Fripp com solos e riffs difíceis de praticar, sendo definitivamente avassalador, de tirar o fôlego mesmo. São riffs por vezes dissonantes, mas com um som vibrante e poderoso.

O tecladista Tom Doncourt também tem uma participação forte na concepção da sonoridade do Cathedral e consequentemente, claro, na feitura, na produção de seu único trabalho. Junto com seu hammond e outros instrumentos tira uma sonoridade bem singular, arriscaria.

O vocalista Paul Seal traz também algum destaque apesar de alguns apontamentos negativos dados a alguns ouvintes e formadores de opinião, dando conta que o mesmo não goza de tanto talento, tendo inclusive copiado os timbres de voz do emblemático vocalista do Yes, Jon Anderson. Confesso que há traços sim, mas não acredito em cópia, mas inspiração.

“Stained Glass Stories” está longe, no que tange a sua sonoridade, daquelas influências de bandas AOR, soando como um rock progressivo britânico típico, com uma música carregada de mellotron, com a potência do famoso baixo Rickenbacker. É uma sonoridade familiar sim, aos que, claro, apreciam o prog rock genuíno, mas que carrega personalidade, complexidade em seu som e principalmente algo orgânico, visceral, que mostra um trabalho efetivo dos instrumentos pelos músicos fazendo deste álbum, a meu ver, essencial para o rock progressivo norte americano. Mas vamos destrinchar “Stained Glass Stories”, faixa a faixa.

O álbum é inaugurado com a exuberante “Introspect”, uma faixa com intricados riffs de guitarra e baixo, poderosos, envolventes e intensos, com um som de mellotron que dita esse ritmo todo, em uma espécie de capa sonora, com uma bateria marcada e alucinante. É uma música divinamente avassaladora. O baixo de Callen é pulsante, vívido e o guitarrista Rudy Perrone soa como um híbrido de Steve Howe e Hackett, a complexidade do primeiro e o peso do segundo. Um começo suave, etéreo, mas descamba para guitarras tensas e baixo pulsante. E entre isso coloque momentos acústicos totalmente contemplativos. Uma excelente faixa para começar!

"Introspect"

Segue com a faixa “Gong” e que não baixa a guarda, que se destacam em melodias realmente ótimas e uma estrutura intrincada, complexa, cheia de alternâncias rítmicas. Nesta faixa o que se mostra atraente e revelador é também a pegada mais rock desta música e que, em dado momento, devido a essas mudanças de ritmo, se apresentam pouco polidas. Não esquecer também do vocal bem apurado e de bom alcance nesta faixa.

"Gong"

“The Crossing” e “Days & Changes” seguem basicamente com a característica apresentada em fragmentos da faixa anterior, o fragmento pouco polido, com um rock um pouco mais visceral, mas intenso, com riffs de guitarra “duelando” com o mellotron que não baixa a guarda e luta uma luta com honras, para deleite de nossos ouvidos. A complexidade do início dá lugar a um rock mais pleno e vivaz.

"The Crossing"

O álbum finalmente fecha com a faixa “The Search” e que traz à tona a “peça” remontada aos temas da música que inaugurou o álbum, a “Introspect”. Arriscaria que poderia ser uma continuidade desta, podendo ser chamada, inclusive, de “Instrospect II”, mas não se engane que se tratam de músicas com atmosferas idênticas, mas com andamentos similares, ou seja, uma bela experiência progressiva calcada em complexidade e melodias bem trabalhadas.

"The Search"

A popularidade do rock progressivo diminui drasticamente no final dos anos 1970, isso não tirou a criatividade das bandas que seguiram com a sua sonoridade, mas caíram na obscuridade. E assim o foi com o Cathedral quando lançou “Stained Glass Stories”.

Todo o material que a banda escreveu em seus ensaios e para os seus shows, depois do lançamento de “Stained Glass Stories”, nunca foram lançados oficialmente, com a tal impopularidade do rock progressivo no fim dos anos 1970. Inclui, inclusive, uma música “Plight of The Swan” que, para a banda foi o melhor trabalho que produziram. Escreveram várias músicas após os shows iniciais antes de se separarem.

Tom Doncourt depois de alguns anos após o lançamento de seu primeiro e até então único álbum, reviu algumas fitas e as colocou em suas redes sociais disponibilizando-as para os fãs da Cathedral e de rock progressivo em geral se deleitarem e pode ser acessado aqui.

Com um reaquecimento da cena progressiva nos anos 1990, a gravadora Syn-Phonic relançou, no formato CD, o álbum. Atualmente, quem diria, o álbum, seja no formato vinil ou CD, tem sido cobiçado por colecionadores, sendo valorizado e agora elogiado pela “crítica especializada”. Vejam só!

Mas ao menos com esse interesse renovado e uma nova concepção de cena progressiva que vem explodindo ao longo, não apenas dos anos 1990, mas ao longo dos anos seguintes a esta década, fazendo finalmente jus a sua bela obra, pela que representa para o rock progressivo norte americano.

Entre 1979 e 2000 houve várias tentativas de trazer a Cathedral de volta à ativa, mas sem sucesso. Alguns integrantes, especialmente o tecladista Tom Doncourt, não estava pronto para esse projeto. Em 2003 Fred chamou todos os membros originais da banda e se ofereceu para juntar a banda novamente. Tom tinha começado a escrever música progressiva novamente nesse período e finalmente se viu animado para trazer a vida ao Cathedral.

E com muita dificuldade o segundo álbum vem à tona e se chamou “The Bridge”, em 2007. Difícil porque nem todos os integrantes estavam, como em “Stained Glass Stories”, seguindo a mesma direção e muitas discussões se sucederam para conceber esse novo trabalho. Pouco depois de começar o projeto, Rudy deixou a banda. Uma guerra se estabeleceu dentro da banda, pois muitos queriam implementar as suas percepções de música, uma mistura de coisas e o mellotron particularmente sofreu como resultado, mas trata-se de um belo trabalho da banda.

"The Bridge"

Entrou no lugar de Rudy Perrone o guitarrista David Doig que entregou um bom trabalho, mas a química da formação original se perdeu um pouco. A Cathedral chegou a fazer um grande show em Nova Iorque e a turnê de nome “Catedral Curse” começou, mas com muita desorganização e não durou muito tempo, lamentavelmente.

Mac e Rudy, isso nos anos 1980, tocaram em uma banda chamada “Industry”, com Jon Carin, tecladista de Roger Waters, eterno baixista do Pink Floyd. Tom tocou no álbum sono de Rudy, lançado em 1981, de nome “Oceans of Art”. Mas o Tom começou também a sua própria banda chamada “Quiet”, contando com a vocalista islandesa Gudrun Thrainsdottir, seguindo uma vibe experimental em pleno anos 1980, lançando pouco material. Em 1991 Tom Doncourt lançou o projeto “Fauve”. Alguns instrumentos que projetou e construiu foram usados por Jerry Marrota e Susan Veja.

Uma banda clássica, mesmo que obscura, uma joia, uma pérola perdida nos confins do baú do progressivo norte americano e que precisou de décadas para ostentar, com a devida justiça, a sua condição de banda influente do estilo em seu país de origem. “Stained Glass Stories” é definitivamente uma referência para o rock progressivo norte americano.



A banda:

Paul Seal nos vocais principais, percussão

Rudy Perrone nas guitarras acústicas e elétricas, vocais

Tom Doncourt nos teclados e percussão

Fred Callan no baixo, pedais de baixo Moog, mellotron e vocais

Mercury Caronia na bateria, percussão e co-produtor do álbum

 

Faixas:

1 - Introspect

2 - Gong

3 - The Crossing

4 - Days & Changes

5 - The Search 



Cathedral - "Stained Glass Stories" (1978)