domingo, 5 de fevereiro de 2023

Procession - Fiaba (1974)

 

Nunca escondi as minhas predileções pelas bandas que nunca se renderam aos estereótipos da música. Sabe aquele rótulo, aquele carimbo de banda predominantemente de hard rock, prog rock etc?

Evidente que muitas bandas conquistaram seus status de grande por ter sido desbravadoras nas suas vertentes sonoras, mas quando falamos, por exemplo, nos prolíficos anos 1970, não há como uma banda competente e talentosa que não tenha se rendido a alguns estilos que tiveram seu nascimento e aperfeiçoamento naqueles áureos anos para o rock n’ roll.

E a minha frenética e intensa busca por essas relíquias e riquezas sonoras têm sido deveras interessantes e no universo das bandas obscuras e raras é o que mais encontramos com tais características. Acredito que são obscuras e pouco conhecidas por conta dessa condicionante, entre outros fatores, é claro.

E conheci uma banda na história que refleti fielmente essa característica e digo mais: os seus primeiros dois álbuns, de apenas três em sua discografia, apenas, para retratar duas bandas diferentes. Para alguns mais conservadores diriam que essa banda, em especial, seria descaracterizada e totalmente perdida no que tange a sua orientação sonora. Eu diria que são músicos, criativamente falando, inquietos e que deixam aflorar as suas inspirações. Falo da banda PROCESSION.

Procession

No caso do Procession além das inquietudes criativas e da capacidade instrumental de seus músicos, outras necessidades determinaram algumas mudanças no rumo de sua música ao longo da primeira metade dos anos 1970 e essas necessidades têm nascedouro em questões comerciais e monetárias.

O Procession foi formado na cidade de Turim, na Itália, em 1971 e como tantas bandas que não tem o mínimo de apoio e respaldo pela indústria fonográfica para a sua arte, foi persistente, foi determinada para chegar ao topo vendendo a sua música, entregando as suas verdades sonoras e em 1972, lançou o seu debut chamado “Frontiera”.

Frontiera (1972)

E falando em persistência, talento e arte, “Frontiera” é considerado como um audacioso e corajoso trabalho e sem dúvida alguma é tido como um dos primeiros álbuns de hard rock lançado na Itália. E assim o é! Pesado, forte, intenso, visceral, pode ser entendido facilmente como um álbum que elevou o nível da música pesada na Itália, mesmo que não tenha sido o primeiro a ser concebido com essas arestas na terra da bota.

E mesmo sendo um pesado álbum de rock foi construído sob a proposta conceitual, falando, como sugere o nome do trabalho, sobre a questão da imigração na Itália, falando, em especial dos sulistas indo para as regiões do norte do país.

Mas a pequena gravadora do Procession à época, a “Help” (uma subsidiária da RCA que também lançou o primeiro álbum de Quella Vecchia Locanda) estava falindo e, para variar, as cifras das vendas de “Frontiera” estava muito aquém do que os executivos do selo e dos músicos da banda do que projetaram.

Então a banda decidiu que iria se submeter a algumas mudanças e elas foram drásticas, radicais! Cerca de 2/5 da banda permaneceu para o próximo projeto que viria ganhar a luz apenas dois anos depois do lançamento de seu primeiro álbum, o “Frontiera”

A formação do Procession quando conceberam “Frontiera” tinha: Gianfranco Gaza no vocal, harpa de boca, Roby Munciguerra na guitarra, Marcello Capra também na guitarra, Angelo Girardi no baixo, bandolim e Giancarlo Capello na bateria, percussão.

A banda, que tinha dois guitarristas, passa a ter apenas um, permanecendo Roby e saindo Capra. Gaza, o vocalista, continuou na banda e teve uma mudança que para muitos foi bem significativa para a sua sonoridade, com a entrada de Maurizio Gianotti no saxofone e flauta, além da saída do baterista Capello sem nenhuma substituição com outro baterista de forma efetiva no “cargo”. E foi basicamente com esse time que o Procession retornaria aos estúdios para gravar o seu segundo álbum chamado “Fiaba”, em 1974, alvo de minha resenha de hoje.

“Fiaba”, lançado agora pelo selo “Fonit” ganha outra roupagem totalmente distinta do que o seu antecessor, o “Frontiera”: assume um untuoso progressivo sinfônico, com algumas nuances de hard rock, mas os teclados, flautas, sax e muito violão acústico alternavam com algo jazzístico e até para o folk rock, inclusive. Traziam influências do progressivo sinfônico que reinava na Itália em meados dos anos 1970, com algo de progressivo britânico sem soar cópia ou algo que valha.

E para essa empreitada, o Procession contou com grandes músicos convidados, que são: Francesco "Froggio" Francica na bateria, percussão, ele tocava na grande banda Raccomandata con Ricevuta di Ritorno, Franco Fernandez e Ettore Vigo nos teclados, esse último era da banda Delirium, além dos vocais excelentes de Silvana Aliotta, da até então recém-aposentada banda Circus 2000, em uma das faixas do álbum. A banda contou ainda, nos shows, com os serviços de Roberto Balocco, ex- Capsicum Red, na bateria.

Embora “Fiaba” tenha trazido grandes novidades em sua textura sonora em relação a “Frontiera” a banda tentou e conseguiu levar em “Fiaba” um belo contraponto entre o peso do hard rock com a complexidade e leveza do prog sinfônico entre a guitarra de Roby Munciguerra e a parte mais suave, digamos, representado pela flauta de Maurizio Gianotti que contrapõe delicadamente a textura harmônica completa com uma duplicação das notas.

O álbum é inaugurado com a faixa “Uomini Di Vento” que traz um folk rock bem solar, animado com acústico dedilhando rapidamente um solo de guitarra mais pesado desde o seu início, logo se desenvolvendo para um hard rock que rememora “Frontiera”. Tem uma ótima linha de baixo, pulsante e vivo com bateria marcada, com vocais que harmonizam com um belo som de guitarra crua e que logo se contrapõe a solos de flauta e saxofone.

Procession - "Uomini Di Vento" (Live at Torino, Itália, 2008)

E segue com “Un Mondo Sprecato” que começa com violão, vocal suave e sax em uma boa melodia, mas o baixo é entusiástico e interessante, pulsa fortemente, com um solo de guitarra meio “uivante” que logo é desafiado por um saxofone duro e intenso, mas o mellotron acalma tudo. O vocal é muito agradável nessa linda faixa.

Procession - "Un Mondo Sprecato" (Live at Torino, Itália, 2008)

"C'era Una Volta” tem uma sensação jazzística com uma longa e linda introdução de saxofone com os pratos da bateria e um baixo ao fundo. Entra um vocal bem energético e ensolarado, com um solo de guitarra muito suave à distância. O desempenho vocal de Silvana Aliotta, do Circus 2000, é irretocável.

Procession - "C'era Una Volta" (Live at Torino, Itália, 2008)

"Nottorno" começa com uma seção fantástica de flautas e pratos acústicos, criando uma sensação melancólica. Isso continua por algum tempo até que o ritmo aumenta com alguns solos espaciais, uma faixa muito eficaz e paciente.

Procession - "Nottorno"

"Il Volo Della Paura" tem um bonito inicio em violão e flauta, logo depois entra um saxofone muito bem executado até o fim com a presença da guitarra e um ótimo vocal.

Procession - "Il Volo Della Paura"

E fecha com a faixa título, “Fiaba” é pura felicidade sinfônica com mellotron, flautas, acústico, baixo animado e bateria mantendo as coisas bombando.

Procession - "Fiaba"

Com o lançamento de “Fiaba” o Procession se manteve bem em algumas apresentações ao vivo, fazendo alguns shows, não muitos, a vida das bandas pouco conhecidas na Itália, além das adversidades político-partidárias acirradas no país naquela época dificultava um pouco a vida das bandas que precisavam dos shows para promover seus trabalhos.

E mais uma vez o Procession não conseguia, mesmo com a qualidade sonora elevada de seus dois primeiros álbuns, alavancar, sob o aspecto comercial, o nome da banda forçando, lamentavelmente, o fim triste e precoce da banda no ano de 1975.

O vocalista Gianfranco Gaza, após o fim do Procession, colaborou com a banda Arti & Mestieri em seu segundo álbum, de 1975, chamado “Giro Di Valzer Per Domani”, deixando a cena musical logo depois e falecendo em 1986.

O guitarrista original Marcello Capra, após deixar o Procession  e tocar com Tito Schipa Jr., lançou alguns álbuns em 1978, 1998 e 1999, principalmente trabalhos solo de violão. O saxofonista Maurizio Gianotti mais tarde tocou com a banda de jazz-rock Combo Jazz.

Uma nova formação do Procession foi formada por Roby Munciguerra para alguns shows em 2006, com Samuele Alletto no vocal, flauta, Stefano Carrara nos teclados e violão, Enzo Martin no baixo e Max Aimone na bateria, anteriormente com Venegoni & Cia.

Esta formação lançou um novo álbum em 2007, intitulado “Esplorare”, que inclui novas gravações de quase todos os álbuns originais do grupo, “Frontiera” e “Fiaba”, além de uma faixa inédita.

Procession - "Esplorare" (2007)

A mesma gravadora que lançou este álbum do Procession, a “Eletromântica”, produziu no final de 2012, um álbum ao vivo com a gravação inédita de um show no Lio Club de Chieri, intitulado “9 gennaio 1972” , quando a banda ainda tocava covers de nomes como Atomic Rooster, Free e Jethro Tull.

Procession - "9 Gennaio 1972" (2012)

Uma banda que ousou por necessidade de se tornar grande, sob o aspecto comercial, mas que, mesmo não tendo atingindo o ápice do sucesso das paradas, se mostrou extremamente relevante, gigante e importante para o desenho da história do rock italiano. “Fiaba”, “Frontiera” e o Procession são indispensáveis para a história do hard prog italiano.

 



A banda:

Gianfranco Gaza / vocal

Roby Munciguerra / guitarras

Maurizio Gianotti / saxofones tenor e alto, flauta

Paolo D'Angelo / baixo

Com:

Francesco "Froggio" Francica / bateria, percussão

Franco Fernandez / teclados (2,6)

Ettore Vigo / teclados (3)

Silvana Aliotta / vocal (3)

 

Faixas:

1 - Uomini Di Vento

2 - Un Mondo Sprecato

3 - C'era Una Volta

4 - Notturno

5 - Il Volo Della Paura

6 - Fiaba


Audição de "Fiaba":


https://youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lrsOiiQ4M9VIKfqTH3_kjRn06dpJL5Y2M