domingo, 27 de setembro de 2020

Icecross - Icecross (1973)

 

A Islândia é um país pequeno que fica no norte da Europa. Frio, vulcânico, para muitos não tem bandas de rock n’ roll, não tem música, não há uma cena. Não está no rol dos grandes países que “produzem” grandes bandas de rock. 

Tem a cantora, compositora, atriz e produtora “exótica” Björk, que ganhou proeminência e visibilidade no mundo da música, sendo o único “produto” de exportação que a Islândia entregou. Ah senhores leitores não é tanto assim. Admitamos que a Islândia não esteja no rol dos grandes países que tem grandes bandas e uma proeminente cena, mas há uma, pouco conhecida sim, obscura, rara para alguns e que, graças às redes sociais e o abnegado trabalho de fãs que divulgaram seu único álbum lançado no longínquo ano de 1973 a banda ganhou alguma visibilidade mostrando que a gélida Islândia produzia música pesada e quente. Falo do Icecross. 

Três garotos desbravadores que foram responsáveis pelo “big bang” do rock islandês que, na escuridão do nada, fez eclodir, explodir uma música que não existia naquele pequenino país que, em meados da década de 1970, não era sequer um país conhecido no Velho Mundo. 

Então vamos aos nomes dos vanguardistas do rock n’ roll islandês: Axel Einarsson na guitarra e vocal, Ásgeir Óskarsson na bateria e Ómar Óskarsson no baixo. Um super power trio que estava nascendo. O baterista Ásgeir e o baixista Ómar não eram parentes, apesar do sobrenome igual, mas apenas filhos de dois homens de nome cristão: “Óskar”, onde para um menino é “Óskarsson” e uma menina “Óskarsdottir”, filha de Óskar.

Icecross

O Icecross foi formado em 1972 e quem a criou foi o guitarrista Axel e o baterista Ásgeir que, por sua vez, convidou o baixista Ómar, isso em um dia chuvoso no início do ano de 1972. Todos eles já tinham uma relativa experiência na música e já haviam tocado em um punhado de bandas que compunha a cena islandesa, então já se conheciam nesse circuito. 

E quando se juntaram colocaram como objetivo fazer música autoral, a sua própria música, a música que queria fazer, sem amarras. Na época era difícil prosperar em um país pequeno e pouco conhecido como a Islândia sem tocar músicas de bandas famosas como The Beatles e The Rolling Stones ou aquelas músicas comerciais e palatáveis, músicas radiofônicas mesmo, mas aceitaram o desafio, estavam dispostos a tentar. 

Então começaram a tocar, a ensaiar de forma até exaustiva para edificar o seu som, criar uma identidade juntos. Eram jovens, mas tinham disposição e algum talento para criar o DNA da nova banda. Naquela época Ámundi Ámundason, um agente local, que arranjava trabalho e lugares para algumas bandas tocar, conseguiu descolar alguns lugares, apesar de pequenos e sem estrutura nenhuma, para o Icecross também tocar. Era o início de tudo.

Um dos primeiros locais que o Icecross tocou na Islândia foi nas Ilhas Westmann ou na pronúncia em islandês, Vestmannaeyjar, um pequeno arquipélago ou município na costa sul da Islândia. Ámundi, para garantir que alguém aparecesse para ver o Icecross tocar, curiosamente mandava uma stripper, mas, depois de algumas satisfatórias apresentações a banda começou a conquistar alguns fãs que, a cada show, começou inclusive a pedir algumas músicas. 

Mas a banda observou que se continuasse na Islândia não iria sair dessa situação, de tocar em pequenos clubes, em boates sem estrutura e com um público ainda um pouco indiferente aquele som um tanto quanto revolucionário e pesado para a época. 

Então decidiu arrumar as malas e levar junto os seus sonhos de fama, dinheiro e reconhecimento na bagagem para a cidade grande de Copenhagen, na Dinamarca. E foram com a cara e a coragem, sem pestanejar. A banda viajou da Islândia para a Dinamarca com um velho carro, o "Dodge Weapon Cariol", um velho veículo militar do Exército dos Estados Unidos, correndo todos os riscos que o sonho pode oferecer.

Icecross e a seu velho "Dodge Weapon Cariol"

Quando chegaram em Copenhagen, no outono de 1972, se instalaram em um em distrito verde chamado Christiania que é conhecida por permitir a venda da maconha e também por ser muito arborizada, um lugar alternativo com lojinhas de artesanato, restaurantes orgânicos etc. 

Logo perceberam que era o lugar ideal para as suas posturas hippies, de liberdade, de um mundo melhor, de paz, primordialmente. Logo descobriram um clube chamado pelo sugestivo nome de “Clube Revolution” para tocar. 

Era o lugar ideal! Um lugar que acreditavam poder chamar a atenção do público para a sua música igualmente revolucionária e nova. E tão logo começaram a tocar já chamaram a atenção, deixando os jovens, ávidos por subversão, boquiabertos. 

E o mais legal é que, quando o Icecross terminava de tocar, se misturavam ao público para beber umas cervejas e aproveitar para fazer a divulgação da banda e do que eles se propunham a fazer com a sua música, além, é claro de fumar uns cigarros, afinal, eram tempos de drogas e rock n’ roll, eram todos jovens! 

Após vários shows, estavam muito afinados, em plena sinergia e o próximo passo era gravar um álbum, precisavam registrar esse momento! Não tinham grana para sequer alugar o estúdio por um dia sequer para concretizar esse sonho. Contaram com a ajuda financeira de alguns amigos para financiar a gravação. 

Então, quando conseguiram levantar o dinheiro, entraram no Rosenberg Studio, em Copenhagen, para o tão sonhado momento de gravar um trabalho autoral e com o engenheiro de som Tommy Seebach, que tocou inclusive teclado em algumas faixas, ajudou os meninos do Icecross gravar “Icecross”, em 1973.

Foram prensadas apenas 1.000 cópias do álbum e vendidos exclusivamente na Islândia, por isso atualmente esse disco é muito valorizado entre colecionadores pelo fato de ser extremamente raro, sendo muito caro, se encontrado em suas várias versões ou relançamentos. 

Mas a realidade é que a banda, apesar de buscar fama e reconhecimento pelo seu trabalho, viajou para um país desconhecido, e decidiram mesmo conquistar seu espaço e voltar para a sua terra natal, a Islândia, mas nem tudo é um mar de rosas, os sonhos não foram realizados, mas pelo menos construíram um único, mas poderoso álbum do mais puro e genuíno hard rock típico dos anos 1970. 

E assim é o álbum: pesado, puro e simples! Um hard rock com uma atmosfera sombria, dark, bem obscura, um álbum que pode ser mensurado pelo propósito mais verdadeiro do que esses jovens islandeses queriam fazer desde o início da formação da banda: algo autoral, poderoso, deixando fluir o que eles amavam, a sua criatividade em estado bruto. 

Então vamos ao álbum! Começa com “Solution” que já mostra o cartão de visitas da banda: bateria poderosa, esmurrada, mas com alguma virtuosidade, solos gritantes e rasgados de guitarra e um baixão pulsante, até que entra o vocal melódico e limpo, um som pesado e bem executado com a guitarra e a bateria no auge do poder. 

"Solution"

“A Sad Man's Story” tira um pouco o pé do freio. Uma balada meio melancólica, meio psicodélica, quase acústica, o piano delicadamente tocado, uma faixa viajante e linda, mostrando que a banda é extremamente versátil, que vai do peso as baladas em um estalar de dedos e com enorme competência.

"A Sad Man's Story"

“Jesus Freaks” retorna ao peso e com ele a pancadaria generalizada da bateria e com os riffs pesados de guitarra que logo irrompem em alguns solos poderosos, curtos e grossos. Um vocal desleixado e ameaçador aparece logo, lembrando um proto punk, um punk vanguardista bem interessante. Uma música diria subversiva e arrogante.

"Jesus Freaks"

“Wandering Around” traz uma curiosa introdução meio country, algo dançante e até solar, fugindo aos padrões do álbum e, mais uma vez o destaque fica para a bateria e a guitarra que, em uma simbiose plena, dá vida a música. 

"Wandering Around"

“1999” começa densa, arrastada, sombria, pesada, uma atmosfera tormentosa toma conta da música e faz dela algo ameaçadora, perigosa, um senhor hardão, um senhor petardo, o momento, o ápice de um álbum excelente está sintetizada nesta que é uma das melhores faixas do mesmo. 

"1999"

“Scared” segue com a sequência avassaladora da faixa anterior: pesada e poderosa! O desfile dos instrumentistas é o destaque da faixa. É como costumo dizer que é uma música de banda, ou seja, todos tem destaque em iguais condições, sem contar com o belo vocal que, mesmo melódico e limpo, se encaixa perfeitamente ao momento rude dos instrumentos.

"Scared"

Segue com “Nightmare” que traz um proto metal avassalador. Traz algumas típicas características da vertente que só ganharia o mundo no início dos anos 198º, tais como: velocidade, peso e um vocal mais rasgado e agudo. É a tal música avant garde, música de vanguarda.

"Nightmare"

E fecha com a faixa “The End” que traz a presença dos teclados na sua introdução. Uma pegada mais comercial, mais psicodélica, uma veia mais beat, mas que, gradativamente, vai ficando mais agressiva, mais pesada e assim vai alternando, entre o peso e a pegada mais psicodélica, um som cheio de alternâncias rítmicas.

Icecross - "The End"

Logo após o lançamento do álbum o Icecross ainda fez alguns shows permanecendo um ano na Dinamarca, com Ásgeir e Ómar deixando o barco em 1973 para formar a banda Ástarkveðja. O Icecross se mudou para os Estados Unidos em 1974 com Shady Owens e Axel Einarsson como membros permanentes, mas se separaram em 1975. 

Axel Einarsson fez seu único álbum solo em 1976 chamado “Called it Acting Like a Fool”. Mais tarde, ele se juntou a uma banda chamada Deildarbúngubræður. Lançaram dois álbuns: “Saga til næsta bæjar” e “Enn á jörðinni”. 

Por ser carpinteiro qualificado também trabalhou como tal durante sua estada nos Estados Unidos. Por muitos anos ele dirige um estúdio profissional chamado “Stöðin” que publica CDs e DVDs com música direcionada ao público infantil e morreu recentemente, em setembro de 2020.

Ásgeir Óskarsson é um dos bateristas mais respeitados da Islândia. Seu trabalho pode ser encontrado em mais de 300 álbuns. Gravou cerca de três álbuns solos.

Ómar Óskarsson tocou em várias bandas após o fim do Icecross. Ele mudou de vida e se juntou à uma banda na igreja que frequenta e dirige sua empresa que produz materiais para consertar tetos com vazamentos.

Uma pérola rara, obscura que vem ganhando vida, ressuscitando graças o advento das tecnologias da informação, sendo difundida e compartilhada pelos ávidos garimpeiros da boa música, pelos abnegados fãs de música que divulgam pela grande rede a música do Icecross que parece viver em uma atemporalidade, resistindo ao tempo, forte, cristalina e eterna.




A banda:

Axel Einarsson na guitarra e vocal

Omar Oskarsson no baixo e vocal

Asgeir Oskarsson na bateria na bateria e vocal


Faixas:

1 - Solution

2 - A Sad Man's Story

3 - Jesus Freaks

4 - Wandering Around

5 - 1999

6 - Scared

7 - Nightmare

8 - The End



Icecross - "Icecross" (1973)




































sábado, 26 de setembro de 2020

After All - After All (1969)

 

O After All poderia ser só mais uma banda que pereceu precocemente sendo esquecida e relegada, excluída de nossas pretensões de audição ou ser meramente um “produto”, uma edição de colecionador, aquela para compor o catálogo de vinis de algum audiófilo espalhado pelo mundo. Todavia não encaro por esse prisma. Em meus garimpos em busca de novas bandas antigas vilipendiadas pelo público e pelo tempo, descobri recentemente a banda americana After All e ávido por descobrir mais e mais sobre o rock progressivo norte americano essa banda se deparou diante dos meus olhos de uma forma tão ocasional que, ao ouvi-la fui tomado por um arrebatamento que me pergunto, como sempre, e de uma forma veemente, como que uma banda como o After All não tem o seu devido crédito, não tem o seu devido lugar de destaque e pioneirismo na história do prog rock da terra do Tio Sam? Digo pioneirismo não pelo fato cronológico, pois o seu único álbum, lançado no longínquo ano de 1969, mas também pela sua vanguardista sonoridade que, na transição da década de 1960 para a de 1970, já se desenhava um progressivo embrionário com aquela pegada psicodélica, lisérgica, típica, é claro, daquele ano, tempos áureos do referido estilo, com o Woodstock ditando o ritmo e o comportamento também. Sim, caros e dignos leitores, o After All, diante de sua magnânima obscuridade, pode ser considerada como uma das pioneiras do rock progressivo norte americano! A banda que foi o pilar, o sustentáculo para a edificação de um estilo que entregou grandes bandas, apesar de sua maioria pouco conhecidas, mais prolíficas e que não lhe deram o crédito, apesar de fugaz e circunstancial para muitos. Finalmente as mídias sociais e a tecnologia da informação fez jus a essa banda e fez com que eu a descobrisse e que esteja me estimulando a redigir algumas linhas sobre a sua história obscura. Os quatro integrantes que compuseram o After All eram amigos e conhecidos, experientes no circuito de rock de Tallahassee, Flórida e juntos aprimoraram, ainda mais, as suas habilidades. São eles: Bill Moon nos vocais e baixo, Charlie short na guitarra, Alan Gold nos teclados e Mark Ellerbee na bateria e vocais.

After All

E isso se nota, nobres amigos leitores, nos arranjos, na melodia das músicas deste único álbum lançado pelo After All. Essa experiência pesou e muito na qualidade de sua música que, logo no seu debut, está belissimamente em evidência aos ouvidos e alma de quem faz uma audição de peito e mente abertas. Um álbum híbrido, como era naquelas épocas de experimentação e inquietude criativa, com levadas jazzísticas, de proto prog, de rock psicodélico, de lirismo, delicadeza, elegância...Uma mescla sonora que é digna de audição realmente. Mas, apesar de o After All ter um combo de quatro excelentes músicos não podemos negligenciar a história de uma poetisa, de uma cantora que esteve por trás desse músico que, apesar de ter sido de forma discreta foi imprescindível para a concepção desse álbum de 1969 da banda. Falo de Linda Hargrove. Linda, nascida também em Tallahassee, na Flórida, em 3 de fevereiro de 1949 foi uma cantora, compositora e poetisa e se aventurou com sucesso na música country norte americana. Ela escreveu muitas músicas de sucesso para muitas bandas e cantores de sucesso do estilo e teve uma grande visibilidade na década de 1970. Linda era conhecida como "The Blue Jean Country Queen", pois se apresentava em seus shows de jeans e sem aquela maquiagem elaborada que outras cantoras country usavam. 

Linda Hargrove

Linda Hargrove, então apenas com vinte anos de idade, se juntou com o After All e ofereceu a eles vários de seus poemas e os caras gostaram no ato! Ela tinha uma capacidade inventiva de criar, elaborar seus poemas para serem cantadas por homens, para homens, ela tinha uma incrível capacidade para adentrar a mente masculina. Era isso que muitos dos músicos de sua geração e que teve, de alguma forma, contato com ela, diziam a seu respeito. Mas não foi apenas a sua capacidade de criação de poemas que fez com que o After All se juntar com a jovem e talentosa Linda. Ela, à época, já estava construindo uma bela reputação na cena local de Tallahassee e tinha sido membro de uma banda dessa região chamada “The Other Side”, em 1967 e gravou inclusive, neste mesmo ano, um álbum com uma veia meio folk rock.

Álbum da banda "The Other Side" com Linda Hargrove

Mas Linda também encontrou no After All um grande parceiro, o baterista e vocalista Mark Ellerbee que praticamente compôs todas as músicas do álbum. E essa harmonização sonora entre Ellerbee e Hargrove foi sensacional! Essa parceria trouxe a banda, às suas músicas uma textura complexa, com uma atmosfera surreal, diria até sombria e contemplativa graças também a já dita experiência dos músicos que fez com que aflorasse nas músicas toda essa complexidade: jazz, rock, psicodélico, progressivo de vanguarda, folk. Uma verdadeira miscelânea que fez do After All importante para a sua cena, ou melhor, foi um verdadeiro desbravador do estilo em seu país. E essa experiência aliada a alguma reputação que criaram surtiu também alguns relacionamentos, aproximações com alguma pessoas, do mundo da música, que os ajudaram na caminhada para o lançamento do seu tão esperado novo trabalho. Os caras conheciam um produtor de Nashville e este estava disposto a gravar um material específico, algo diferente, novo com a banda e melhor: sem nenhum custo adicional por isso, desde que fizesse a gravação desse trabalho rapidamente para não extrapolar nos custos. Então o After All entrou em estúdio no ano de 1969 e gravaram, em poucos dias, “After All”. O lançamento se deu pela Athena Records em poucas cópias, tendo uma tímida e contida venda consequentemente.

Então vamos finalmente as notáveis e surreais músicas desse clássico obscuro. Comecemos com “Intangible She” faz jus ao nome, tão lisérgica que parece nos fazer sair do chão, algo intangível, mas que rompe a nossa alma de forma tão avassaladora que as vezes não temos palavras para descrever. Mas o início da música tem uma levada jazzística capitaneada pela bateria e um órgão envenenado e poderoso e que logo surge um vocal imperioso e grave chapante, que te faz viajar maravilhosamente. A psicodelia e o progressivo, ainda lactente, flertam cosmicamente, lindamente. Pura vanguarda! E o que dizer do solo de guitarra direto e muito bem executado? Que começo!

After All - "Intangible She"

“Blue Satin” traz um tom melancólico, isso é perceptível no vocal. Os instrumentos acompanham essa atmosfera soturna, e mediando isso temos aquela “vibe” jazzy também e que traz o lado mais solar à música e que de “quebra” entrega alguns solos curtos e lisérgicos de guitarra, mas o destaque fica realmente para a “cozinha” da banda. A sinergia entre o baixo e a bateria traz esse tempero mais jazz da música. “Blue Satin” conta a história de um cara que foi longe demais com uma garota. Em sua mente, ela cresceu e se tornou uma mulher, mas apenas em sua mente. Mais tarde, ele chora pelo que fez e como a amou “de sua maneira mesquinha e egoísta”, mas é tarde demais.

After All - "Blue Satin"

“Nothing Left To Do” introduz suavemente, um lindo e discreto piano traz o pano de fundo para um vocal limpo, mas cantado quase que de forma sussurrada e assim permanece até a aurora de uma bateria, mais uma vez, jazzística, envolta em um clima psicodélico, sendo adicionada por surtos de guitarra com solos curtos e diretos e aos poucos vai aumentando o tom, a música vai ganhando vida e irrompe em uma hecatombe de instrumentos e um vocal agora alto e rasgado, cantado de forma raivosa, diria. Mas logo volta a introspecção. Isso é um exemplo de música progressiva: cheia de contrastes sonoros, alternâncias rítmicas. Excelente!

After All - "Nothing Left To Do"

“And I Will Follow” traz uma proposta lenta e viajante e o vocal se faz, mais uma vez, em pleno destaque. A faixa me remete a algo inteiramente psicodélico, algo do seu tempo e os teclados chapantes dão o tom da música, sem dúvida alguma. “Let It Fly”, por outro lado, é a antítese da faixa anterior, tem um balanço, um groove e a levada dos riffs da guitarra entrega isso plenamente. Essa faixa é o exemplo crucial das habilidades da banda e da sua capacidade de flertar com muitas vertentes sem pestanejar e deixar quaisquer dúvidas quanto ao talento desses músicos.

After All - "And I Will Follow"

After All - "Let It Fly"

“Now What Are You Looking For?” talvez sintetize com fidelidade, diria, a minha percepção em relação ao prog rock de vanguarda deste álbum do After All. Uma música cheia de vivacidade, poderosa, complexa e o teclado tem o protagonismo nessa faixa. “A Face That Doesn't Matter” segue a mesma proposta da faixa anterior trazendo aquele clima meio sinistro e sombrio, em tom meio profético que nos faz lembrar The Doors, por exemplo. A faixa remete ao beat dos anos 1960, até bem dançante, contrastando com o clima meio pessimista antes analisado.

After All - "A Face That Doesn't Matter"

E fecha com a faixa “Waiting” que privilegia o belo trabalho de vocalização, entregando, mais uma vez, uma música lisérgica, lembrando os belos trabalhos psicodélicos de bandas como Vanilla Fudge, por exemplo, outro baluarte da música norte americana. O salutar duelo entre guitarra e teclado traz um contexto variado a música e a bateria entrega um desfecho jazzístico a música. Fechando em grande estilo. Após o lançamento do álbum, a banda se separou e seguiu caminhos separados, cada um com sua carreira, mas localmente, retornando para Flórida, embora continuassem amigos. Já Linda Hargrove, após ter seguido com a banda para Nashville para gravar o álbum, ficou por lá e decidiu enveredar a sua carreira no mundo do country music e depois de ter gravado um álbum obscuro foi apresentado ao ex- Monkee Mike Nesmith que a contratou para o seu selo country. Sua carreira parecia estar em franca ascensão quando foi diagnosticada com leucemia. Hargrove conseguiu se recuperar e retomar a sua carreira. Morreu em outubro de 2010. O álbum “After All” teve um renascimento em 2000-2001, quando foi relançado pelo selo “Gear Fab”. Graças a esse relançamento esse clássico obscuro e raro pode ser ouvido pelo máximo número de pessoas possível. E assim que tem de ser: boa música, independente de ser ou não de bandas consagradas, precisam ganhar luz e impactar, de forma avassaladora as mentes, os ouvidos e a alma de um bom audiófilo. E assim é o After All e seu único e nada fugaz álbum. Uma pérola!



A banda:

Bill Moon nos vocais e baixo

Charlie Short na guitarra

Alan Gold nos teclados

Mark Ellerbee na bateria e vocais

Faixas:

1 - Intangible She

2 - Blue Satin

3 - Nothing Left To Do

4 - And I Will Follow

5 - Let It Fly

6 - Now What Are You Looking For?

7 - A Face That Doesn't Matter

8 - Waiting




 

 

 

 

 

 


























domingo, 20 de setembro de 2020

November - En Ny Tid Är Här... (1970)

 

Os meus primeiros contatos com o rock escandinavo, sobretudo do rock n’ roll sueco se deu graças as bandas mais novas, da nova geração daquele país que, apesar de não ser incluída no rol dos grandes centros que “produzem” grandes bandas tem sim, um celeiro de bandas excelentes nos mais diversos estilos, nas mais diversas vertentes. 

E como sou um apreciador compulsivo de bandas oriundas da década de 1970, as bandas mais antigas, pensei: se há bandas excelentes suecas surgindo nesses últimos vinte anos, vou voltar um pouco no tempo e pesquisar bandas mais antigas desse país, quem sabe encontro algo que me interesse e faça entender o motivo pelo qual tais bandas atuais, apesar de ter propostas sonoras bem contemporâneas, não escondem influências claras de occult rock, rock progressivo, hard rock e blues rock. 

E comecei a garimpar e não foi muito difícil encontrar algumas “pepitas” que reluziam brilhantes nos meus olhos ávidos por coisas empoeiradas e mofadas do rock n’ roll. E vi uma banda com um nome curioso e atípico chamado NOVEMBER.

Bem, me pus a ouvir antes e, caso gostasse, me colocaria a pesquisar sobre. E o som é arrebatador, é lindo! Uma poderosa mescla de hard rock, com vertentes progressivas e psicodélicas, com guitarras lisérgicas, uma “cozinha” bem aplicada e cantando em sueco, na sua língua nativa e para quem acha que no rock o inglês impera e é mais adequado para o velho rock n’ roll precisa ouvir o November. É surpreendente e avassalador. Mas, sem mais delongas, vamos embarcar na história que, como sempre as obscuras trazem algumas peculiaridades. 

November

O November é de fato uma banda que conhecemos como “underground”, afinal são poucas as informações disponíveis sobre a mesma na grande rede, mas o pouco que há dá conta de sua história interessante e que conta a história do rock sueco na sua gênese. 

A história da banda começa no remoto ano de 1968 em um clube no subúrbio da capital sueca, Estocolmo, a partir de uma banda chamada The Imps, formada por Christer Ståhlbrandt, vocalista e baixista e Björn Inge, baterista que duraram poucos meses, pois no início daquele ano Christer decide debandar e montar outra banda chamada Train que contava inicialmente com Teo Salsberg na bateria e o inglês Snowy White que, em num futuro próximo tocara no Thin Lizzy, na guitarra. 

Ainda em 1968 Teo decide sair e Christer convida o ex-companheiro da sua antiga banda, The Imps, Björn Inge para ocupar seu lugar. Nessa época eles tocavam algumas faixas em inglês e sueco até que em 1969 White retorna para a Inglaterra e em seu lugar entra o guitarrista Richard Rolf. 

Então a banda decide cantar somente em sueco, já que tinha apenas integrantes suecos e também decide mudar de nome. Como a sua estreia aconteceu em primeiro de novembro de 1969, ao abrir um show do Fleetwood Mac em Gotemburgo, escolheram o nome “November”. 

O November logo conseguiu algum sucesso na Suécia graças as suas apresentações ao vivo sendo conhecida por tocar o mais rápido que podiam e de fato para a época a banda abusava de forma avassaladora dos riffs e solos de guitarra e embora seja considerada uma banda influenciada pelo rock psicodélico, em voga na época, era muito pesada e seguia a proposta de bandas como Cream, Jimi Hendrix, Blue Cheer entre outras que tocavam de forma agressiva na época. 

Não é á toa que o November se tornara um “power trio”, como o já mencionado Cream que fazia muito sucesso, tocando pesado e eram três grandes músicos, definitivamente. No início dos anos 1970 a maioria das bandas de rock da Suécia passou a ser rotuladas, sobretudo pelos formadores de opinião, como rock progressivo, surgindo, por lá, um termo chamado “Progg”. 

O November tinha tendências progressivas, mas tinha a sua raiz fincada no hard rock. Mas essa não era a questão, não apenas uma tendência sonora, mas política também. Era uma época em que muitas bandas se posicionavam contra a Guerra do Vietnã. 

O movimento contra cultural tinha suas raízes fincadas na cena psicodélica dos Estados Unidos e de vários países no mundo que repudiavam a guerra. Na Suécia não foi diferente e a classe trabalhadora decidiu se organizar partindo de princípios marxistas e revolucionários. Vários partidos comunistas participaram de eleições gerais entre 1968 e 1973 e esses partidos tinham a intenção de catalisar a juventude sueca. 

E foi declarado que todas as bandas e músicas progressivas eram de cunho político e comunista, exceto bandas comerciais como o ABBA, por exemplo. Isso ajudou e muito a estereotipar o som das bandas na Suécia e nem todas eram progressivas, principalmente o November. 

O November retorna a Estocolmo e são convidados a gravar algumas músicas ao vivo em um estúdio de uma rádio local que são transmitidas pelo país inteiro e o seu sucesso aumenta. Com isso retornam ao estúdio e gravam dez músicas que culminaria no seu álbum de estreia chamado "En Ny Tid Är Här...", em 1970, alvo de minha resenha e que significa, em tradução livre: “Uma nova era chegou”. 

E era um pontapé inicial a uma nova música na Suécia: pesada, obscura e agressiva, mas que também mesclava passagens acústicas e suaves, com vertentes blueseiras, de hard rock e pitadas progressivas e psicodélicas. É lançado também nesta época uns singles chamados "Mount Everest" e "Cinderella", esta última não editada no disco e inédita em formato digital até os dias de hoje.

Então comecemos com “Mount Everest” que já entrega o peso dos riffs de guitarra, bateria poderosa e marcada. Baixo pulsante, com alternâncias rítmicas que vai do peso e da agressividade conferido pela guitarra com solos diretos e a suavidade com uma bateria meio bluesy. Excelente!

"Mount Everest"

“En Annan Värld” traz uma introdução psicodélica com uma guitarra ao estilo acid rock com uma batida meio pop e dançante, lembrando um beat, mas que logo se dissipa irrompendo em um hardão setentista com riffs de guitarra sujos e pegajosos.

"En Annan Varld"

“Lek Att Du är Barn igen” já entrega um solo limpo e bonito de guitarra com a flauta “rivalizando” nos momentos mais “soft” da música, um bom e bem feito hard com pitadas generosas de rock progressivo.

 "Lek Att Du ar Barn Igen"

“Sekunder (Förvandlas till år)” é mais obscura, uma atmosfera mais densa e edificada com riffs de guitarra e vocais limpos e de bom alcance, seguida pela mesma proposta a “En Enkel Sång om Dej” que, com riffs de guitarra, divide o destaque com pegada mais dançante, uma batida mais comercial, diria radiofônica.

"Sekunder (Forvandlas Till Ar)

Mas com “Varje gång jag ser dig känns det lika skönt” a situação muda de figura, o peso e a agressividade retorna e em uma camada mais blueseira com um riff que me remete ao heavy metal, um bom exemplo de proto metal esta nessa faixa, diria algo, muito discretamente, de doom metal ou um “protótipo” do que viria a se convencionar de doom metal, termo utilizado pela vertente surgida nos anos 1980. 

“Gröna Blad” mantém a pegada, a guitarra, mais uma vez, tem o protagonismo sem negligenciar a “cozinha” bem aplicada e igualmente pesada, a fama que a banda adquiriu de “tocar rápido” se confirma nessa música: pesada e veloz.

"Varje Gang Jag Ser Dig Kanns Det Lika Skont"

“Åttonde” vem com a proposta mais dançante, mas abusa dos solos de guitarra com destaque para a bateria bem swingada e poderosa, em dado momento. “Ta ett steg i sagans land”, mais uma vez a dobradinha entre guitarra e bateria tem destaque. Pesada, avassaladora e agressiva é sinônimo para essa música. 

E finalmente fecha com “Balett blues”, um fechar de cortinas, com o vocalista falando em sueco e um piano ao fundo, mas que se revela um blues rock que se tivesse maior duração seria ainda mais interessante. Mas fecha com a dignidade que esse álbum e banda merecem.

 "Ballet Blues"

O November, em 1971, lançaria o segundo álbum, o “2:a November” e parte para uma turnê bem sucedida pela Europa, tocando ao lado de músicos e bandas que faziam sucesso na época em países como a Inglaterra, por exemplo. Em 1972 a banda lança seu terceiro trabalho de estúdio "6:e November", um álbum mais bem elaborado, complexo, mas a banda decide encerrar as atividades em clube de Estocolmo na noite de ano novo de 1973. 

"2:a November" (1971)

"6:e November" (1972)

Richard Rolf, que se mudaria para a Noruega forma, naquele país, uma banda chamada “Nature”, e anos depois partiria para carreira solo. Björn monta em 1974 o “Energy”, que deixa alguns trabalhos gravados, e encerra atividades na década de 1980. Christer se junta a outros músicos recrutados em Estocolmo e grava também em 1974 o único autointitulado álbum do “Saga”. 

Richard Rolf e Energy

Saga

Em 1993 é lançado o “November Live”, em formato LP, que tem apresentações da banda entre 1970 e 1971, motivando em uma reunião da formação original da banda em um clube em Estocolmo, onde começaram há mais de cinquenta anos atrás. Mas isso já é outra história.



A banda:

Björn Inge na bateria e vocal

Christer Stålbrandt no baixo e vocal

Richard Rolf na guitarra


Faixas:

1 - Mount Everest

2 - En Annan Värld

3 - Lek Att Du är Barn Igen

4 - Sekunder (Förvandlas Till år)

5 - En Enkel Sång Om Dej

6 - Varje Gång Jag Ser Dig Känns Det Lika Skönt

7 - Gröna Blad

8 - Åttonde

9 - Ta Ett Steg i Sagans Land

10 - Balett Blues



November - "November" (1970)
















































sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Analogy - Analogy (1972)


Mais um “clássico obscuro” que merece reverências pela história que escreveu no rock progressivo e psicodélico e que tem as suas raízes na Alemanha e Itália. Com essas credenciais territoriais já nos estimula a ouvir, trazendo a certeza de que é algo de alta qualidade sonora. Falo do ANALOGY.

E a sua história é sinônimo da persistência e amor à música que acreditavam sem se render a modismos sonoros, desses que simplesmente não trazem nenhum tipo de consistência e conteúdo, muito pelo contrário, o Analogy, mesmo não tendo o reconhecimento devido, foi um pilar, um baloarte para o dark progressive, para o psych, deixando seu nome na história obscura da cena.

Analogy

Embora as raízes da banda tenham surgido na Alemanha, com alguns músicos nativos daquele país, o Analogy nunca surgiu como banda por lá, sobretudo na sua gênese. Eles trabalharam juntos no norte da Itália, isso no longínquo ano de 1968, mais precisamente na cidade de Varese. 

Martin Thurn, guitarrista e flautista, nascido em 1950, na cidade de Siegen, Alemanha, mudou-se para Bonn, ainda menino, com oito anos de idade onde morou até os dezoito anos e por lá começou a edificar a sua carreira de músico. 

A mãe era professora primária e o pai um juiz e sua família era caracterizada pelo forte catolicismo, criando uma espécie de antítese anárquica no garoto Martin que não gostava nem um pouco daquela realidade religiosa calcada em conservadorismos. A formação musical dele era puramente clássica, começando a tocar violino aos quatorze anos.

Martin Thurn

Foi quando descobriu os Beatles deixando hipnotizado pelo rock n’ roll, fazendo-o largar as regulares aulas de violino e a sua vida certinha. E para descobrir outras bandas foi um pulo, passando a ouvir The Who, Pink Floyd, Small Faces, entre outras bandas que ajudou a edificar o músico Martin, mas, a sua formação clássica nunca o deixou, tendo traços desse momento de sua vida, desenhados na sua formação como músico. 

No início de 1968 ele formou, com alguns amigos, a sua primeira banda, “The Number Six, mas não vingou. Se mudou para Varese, no mesmo ano, para frequentar uma escola internacional e formou imediatamente uma nova banda chamada “Sons of Giove”, junto com um colega e compatriota que vivia desde pequeno em Varese, na Itália, o guitarrista e vocalista Wolfgang Schoene, Roger Schmitt no baixo e o belga Jean-Claude Sibel na bateria. 

O baixista Thomas Schmidt (mais tarde chefe da Pell Mell) também tocou na Sons of Giove por um curto período de tempo. A banda tocou localmente por um ano e não conseguia decolar apesar de fazer uma boa quantidade de shows.

Sons of Giove (1968)

A namorada, também alemã, de Martin, Jutta Nienhaus, andava sempre com esse grupo de estudantes e descobriu sua aptidão pela música, dizia que queria seguir a carreira de cantora e decidiu, junto com Martin, formar uma dupla chamada “Jutta & Martin”, após o fim da Sons of Giove. 

Fizeram muitos shows, gravaram um single cover do Juke-Box (“Here to You / Hot Love” - Jutta & Ice) com uma banda italiana chamada “Alta Società” e, a partir daí, decidiram que queriam dar um upgrade na sua música. 

Eles perceberam que poderiam fazer algo maior, tinham capacidade para isso. Quando o irmão de Jutta, Hermann-Jürgen “Mops” Nienhaus aprendeu a tocar bateria para acompanhar seu amigo, o italiano Mauro Rattaggi, baixista, que tocava em uma banda chamada “The Riverboys”, juntaram-se para formar o que de fato seria o embrião do Analogy, o “The Joice”. 



The Joice (1970)

“The Joice”, mais tarde reduzindo o nome para “Yoice”, foi formada em 1970, logo depois do fim de “Sons of Giove”, no final de 1969. Na formação tinha Jutta, o seu irmão “Mops”, Mauro e Martin e assim permaneceu, em quarteto, entre abril e setembro de 1970, antes de Wolfgang Schoene se juntar a banda tocando violão. 

Tiveram a sorte de conseguir um contrato que os levou a tocar no norte da Itália e na Suíça, fazendo até dois shows por dia! Então, com isso, conseguiram algum dinheiro para comprar um PA legal e precisava também de aumentar a banda, se juntando a mesma, em 1971, o tecladista italiano Nicola Pankoff que se juntou ao The Joice durante um show ao ar livre! Sim, a sua estreia foi logo em um show importante para a banda e Pankoff tinha, anteriormente, tocado com sua banda. 

A química foi tão boa que não poderia deixar o tecladista passar batido e logo se juntou a banda. Durante um show em Milão, em 1971, na Páscoa daquele ano, Antonio Cagnola, um empresário de Monza, que havia fundado o pequeno selo "Dischi Produzioni 28", se interessou muito pela banda. 

Sua família possuía a fábrica de impressão de discos Microwatt em Vimercate, perto de Monza, e, portanto tinha boas conexões com muitos negócios musicais italianos, incluindo uma das maiores empresas de distribuição, a Messagerie Musicali, posteriormente adquirida pela CBS. 

No início de maio, a banda gravou duas faixas demo chamadas “God Own Land” e “Hey Joe” em um estúdio de Milão, mas a qualidade era tão ruim que não ajudou muito na divulgação da banda. The Joice finalmente assinou contrato de gravação com a Produzioni 28 e a partir daí a banda continuou a tocar de forma ininterrupta.


Foi aí que o nome da banda mudou de novo: “Yoice”. Eles estavam gravando as músicas para o novo álbum e estavam seguindo um caminho meio obscuro e soturno que os produtores achavam que não poderiam vender. 

Como o single era bem comercial, a banda queria mudar a sua imagem de acordo com o seu desenvolvimento sonoro e o nome “Yoice” de alguma forma representava seu “velho” estilo. Por curiosidade o nome “Yoice” foi o nome que foi para o pôster de forma acidental e a banda decidiu manter por achar que era o caminho mais fácil, mas que ficou por pouco tempo. 

Mas para se desvencilhar desse nome a banda se isolou por uma semana em uma cabana na montanha perto do Lago Maggiore para fazer certo corte com esse passado, surgindo o nome Analogy. Mauro Rattaggi, o baixista, teve que sair da banda para assumir seus compromissos militares obrigatórios e Wolfgang teve que trocar a guitarra pelo baixo. 

O primeiro show após a gravação e mudança de nome foi o Festival Villa Pamphili, em Roma, em maio de 1972. E assim surge o seu debut, alvo da resenha de hoje, lançado em 1972 recebendo o nome de “Analogy”. Os produtores estavam irritados com o resultado do álbum: um som pouco comercial, obscuro e ameaçador. 

Um rock progressivo, com pitadas generosas de psych, com algumas viagens experimentais, trazendo à tona a predileção pelo Pink Floyd nos seus primórdios. Decidiram não investir tanto, pensando que não teria o retorno esperado. O dinheiro estava acabando e a banda decidiu gravar e mixar o álbum em apenas dois dias! Além do trabalho sonoro maravilhoso o que também chama e muito a atenção é a arte gráfica do álbum, a sua capa com os integrantes todos nus.


A capa do single e do primeiro álbum são bem parecidas. A seção de fotos aconteceu pouco antes do lançamento do single quando a banda estava pintada, mas também vestida. As fotos com a banda nua foram feitas no mesmo dia, mas não foram usadas, por conta do conservadorismo na Itália no início da década de 1970. 

Mas quando o disco estava para ser lançado, o produtor decidiu usar essa foto, para contrariar. A foto de Mauro Rattaggi foi removida, usando a faixa azul, pois não tinha um trabalho digital para remover. A banda não aprovou essa capa, pois o tecladista Nicola Pankoff era um exímio pintor e a banda queria usar o talento dele, mas os gerentes da gravadora recusaram. 

O Analogy teve problemas com as vendas dos álbuns, pois as lojas não queriam vender “pornografias”, então colocaram uma espécie de pôster para cobrir a capa. Curioso que, em 2010, o selo italiano MAS/BTF relançou o álbum com a mesma embalagem de pôster. 

E falando em vendas, foram colocadas 1.000 cópias e estavam em todas as lojas de discos italianas o que facilitou, em termos, as vendas, esgotando rapidamente, se tornando um item de colecionador desde então. 

Então falemos do álbum! Inaugura com “Dark Reflections” é um blues rock, com um tempero progressivo com uma pegada hard e soturna, obscura, tudo envolta em uma atmosfera densa, tendo a regência do vocal maravilhoso de Jutta. Martin a compôs e se trata de um amor não correspondido por uma garota da província de Aix-em-Province. Não há como perceber e sentir o clima sombrio e ameaçador, bem arrastado.

"Dark Refletions", Live at Viterbo (2012)

Na sequência temos “Weeping May Endure”, um som que mescla um pouco de erudito, música clássica e uma sonoridade mais voltada para o psicodélico. E muito disso se confirma com a história de onde foi gravada essa faixa, em uma igreja com a composição do tecladista Nicola. O destaque fica também com os solos ácidos de guitarra e o teclado de fundo dando uma camada mais animada e solar.

"Weeping May Endure"

“Indian Meditation” foi uma faixa que eles tocaram direto como “Yoice” e mostra um clima viajante e lisérgico capitaneado pelo vocal de Jutta, uma nuvem lisérgica com riffs de guitarra bem floydiano.

"Indian Meditation"

“Tin’s Song”, apesar de uma curta faixa, tem uma história interessante. Em 1971, um venezuelano chamado Tin, de alguma forma passou algumas semanas com a banda no Lago Maggiore. Ele dedilhava, de forma limitada, a sua guitarra e tocava aquele mesmo riff várias vezes. Martin perguntou a ele se poderia usá-lo no álbum da banda, transformando-o o que está no álbum: bongôs, um piano soft e algo meio psicodélico faz dessa faixa simples mas animada.

"Tin's Song"

E eis que surge a faixa título: “Analogy”, que traz uma estrutura puramente experimental, calcada em peças psicodélicas e progressivas, com muita vivacidade e diria, pesada em momentos da faixa, com momentos introspectivos, contemplativos e assim a música se alterna, tornando-se atrativa e viajante, em doses chapantes de ópios sonoros. E há uma história interessante por trás dessa faixa. A banda estava ensaiando a música em um topo de uma montanha, quando cerca de 20 pessoas que caminhavam pelo local se reuniu em uma colina próxima e se puseram a ouvir a banda tocar de forma improvisada, durante o pôr do sol. Quando terminaram houve um silêncio total por um minuto, sendo irrompida por frenéticos aplausos.

"Analogy', Live at Viterbo (2012)

“The Years At The Spring” começa animada, dançante, com um riff que me remete a um beat sessentista, cuja letra foi extraída do escritor inglês Robert Browning e não tem como se lembrar das bandas psicodélicas dos Estados Unidos, mostrando que o álbum era deliciosamente versátil.

"The Years At The Spring"

Finaliza o álbum com a faixa “Pan Am Flight 249” mostra a força do blues fundido ao rock progressivo, colocando, mais uma vez o tempero do hard rock, com riffs de guitarra pesados, com alguns solos mais longos e diretos e uma bateria pesada e marcada.

"Pan AM Flight 249", Live at Viterbo (2012)

O futuro não foi dos melhores para o Analogy. Nicola Pankoff saiu da banda em outubro de 1972 e Rocco Abate, um flautista clássico, da Orchestra dela Scala di Milano, se juntou a banda. Surgiu o novo material, “The Suite”, lançado em 1993, uma combinação de música renascentista e rock n’ roll, viajando pela Itália tocando em muitos festivais famosos, mas decidiu encerrar essa trajetória em novembro de 1973 na cidade de Aosta, pois a gravadora havia falido e a banda não queria, não podia financiar as suas turnês com uma sonoridade pouco comercial. 

"The Suite" (1993)

Embarcaram em alguns projetos, cujos “vestígios” podem ser ouvidos no álbum “25 Years Later”, se juntando ainda ao “Collettivo Teatrale La Commune di Dario Fo”, viajando com eles por cerca de seis meses. Reeditaram a dupla “Jutta & Martin” e finalmente decidiram deixar a Itália, se instalando em Londres onde fundaram a banda de new wave chamada Earthbound que fez sucesso. Mas isso é outra história.






A banda:

Jutta Nienhaus no vocal
Martin Thurn na guitarra acústica, bongôs e flauta
Nicola Pankoff nos teclados
Wolfgang Schoene no baixo
Hermann-Jürgen Nienhaus na bateria


Faixas:

1 - Dark Reflections
2 - Weeping May Endure
3 - Indian Meditation
4 - Tin's Song
5 - Analogy
6 - The Year's At The Spring
7 - Pan-Am Flight 249




Analogy - "Analogy" (1972)