terça-feira, 23 de maio de 2023

Zakarrias - Zakarrias (1971)

 

Já ouviu aquele ditado popular que diz: Não julgue o livro pela capa! Pois é, no universo do rock não é diferente e essa máxima vale para nomes de bandas, arte gráfica de álbuns, principalmente. Afinal, quando você, amigo leitor, já se deparou com aquela capa feia, malfeita, sem nexo algum com o contexto sonoro, aquele nome de banda esquisito que, às vezes, sequer conseguimos falar, ler.

Lembro-me que, quando, nesses meus garimpos pelas obscuridades do rock n’ roll, encontrei uma banda austríaca pensei ser de um cantor, um trabalho solo, talvez. Confesso que até achei engraçado o nome e, mergulhando fundo em um preconceito desmedido, deixei de lado, por alguns anos, inclusive.

Mas depois de mais uma de minhas incursões nos garimpos por novas bandas pela grande rede, a mesma banda ou músico, com aquela capa sem muita originalidade se revelou, mais uma vez, diante dos meus olhos.

Achei que pudesse ser algo de um desses fajutos destinos, que não sou muito afeito, e decidi, sem muitas esperanças de apreciar, ouvir o álbum. Ah como somos limitados, como somos preconceituosos! Fui simplesmente arrebatado logo nos primeiros segundos executados! Que banda! Que vocal! Uau! Yeahh!

O nome dela? Direi! ZAKARRIAS! O que dizer do nome? Feio? Estranho? Engraçado? Cuidado, meu bom e querido leitor, do que dirá sobre o nome. Sugiro que faça a audição do álbum primeiro e quando ouvi-lo esquecerão de nomes, capas e afins. O conteúdo é que vale e o desta banda simplesmente é demais.


O nome, a origem dele, eu vou ficar devendo, não sei ao certo, a origem dele, porém se trata de um pseudônimo para Robert Haumer, um músico muito talentoso da Áustria. O cara compunha, o cara tocava guitarra, tocava baixo, realmente era um multifacetado, um multi-instrumentista de mão cheia daquele frio país europeu. Ele lançou muitos singles de sucesso em seu país.

Haumer, como disse, nasceu na Áustria, na capital Viena e, no final dos anos 1960, tocou baixo na banda local de rock psicodélico “Expiration”, que lançou um single chamado “It Wasn’t Right”, pelo selo “VRC”.

Mudou-se então para a cidade de Munique, na Alemanha, onde conheceu o baterista inglês John Lingwood e, por intermédio de Lingwood, o guitarrista Huw Lloyd-Langton que havia deixado recentemente o Hawkwind. Juntos formaram a banda “Salt” e eram comandados pelo poeta e cantor israelense Samy Birnbach.

A banda ensaiou por vários meses em Munique, apresentando canções co-escritas por Haumer e Birnbach, antes de se mudar para Londres, onde gravaram um álbum de demos no “Olympic Studios”. No entanto, eles não conseguiram contrato com uma gravadora, porque Haumer e Birnbach não conseguiram permissão de trabalho na Inglaterra.

Depois desse insucesso Lloyd-Langton e Lingwood saíram da banda que formaram e Haumer conheceu o produtor Roger Watson e finalmente conseguiu um contrato de gravação solo com a Deram Records. Aquele material que não foi aproveitado foi regravado com o nome de “Zakarrias”.

A nova banda foi formada às pressas, mas contou com alguns nomes de peso do rock underground britânico, como Peter Robinson, tecladista e que passou pelo Quatermass e da Brand X, o saxofonista e flautista Geoff Leigh, que tocaria no Henry Cow, Martin Harrison na bateria, além de Don Gould, no piano e nos arranjos que tocou no Applejacks e o Robert Haumer, na guitarra, no vocal e na composição das músicas.

Haumer permanecendo impossibilitado de obter uma autorização de trabalho e assim promover o álbum lançado em outubro de 1971, homônimo, teve poucas vendas, mas teve relativamente poucas cópias feitas, sendo o processo de turnês, de shows, tudo cancelado, não sobrou nada para Zakarrias e companhia além de desfazer a banda e as suas expectativas de um sucesso comercial. A capa foi concebida por Daniel Volpeliere-Pièrrot.

Mas aqui neste humilde e reles texto e blog, “Zakarrias” tem sim o seu valor e importância. Para alguns o álbum traz uma abordagem enigmática para o rock, mas acredito que nada mais é do que um álbum que não se prendeu aos temíveis estereótipos e que flertou com vertentes que vai do folk ao jazz, blues, hard rock com um amparo do rock progressivo. Sem contar com os vocais melódicos e melancólicos construídos em uma convergência incrível com teclados e guitarra e uma excelente seção rítmica.

Além disso “Zakarrias” também usa trompas de forma bem sútil, sem aqueles solos estridentes e energéticos que traz uma atmosfera contemplativa e soturna. O rock psych é vívido, pleno e arde em uma lisergia sofisticada, com o rock progressiva que nascia e ainda gozava apenas de uma projeção em uma cena que ainda crescia.

É um álbum complexo, lindo com excelente arranjos e melodias e mostram músicos tarimbados, experientes e com uma incrível capacidade, além da técnica, invejável para a época, de ser orgânico. Mas apesar da complexidade, percebe-se neste trabalho algo inocente, original mesmo, que faz do álbum singular e a frente do seu tempo.

“Zakarrias” é inaugurado com a faixa “Country Out of Reach” que traz uma proposta mais lisérgica, psicodélica, em alguns momentos pesado, lembrando os medalhões Sabbath e Zeppelin, com uma ótima pegada de baixo, até algo meio “galopante”, pulsante até, além do excelente trabalho vocal de Haumer, mostrando uma vibe mais melódica e por vezes melancólica, mas muito bem executado, em um belo alcance vocal.

"Country Out of Reach"

“Who Gave You Love” vem na sequência e vem pesada, uma faixa soberba, volumosa, intensa, um peso mesclado com a qualidade, graças às mudanças rítmicas, tendo algumas passagens acústicas, mais leves, bem executadas, contrapondo com os fragmentos pesados. Ouso dizer que se trata de um belo exemplo de hard prog bem executado.

"Who Gave You Love"

“Never Reachin’” é o ponto alto do álbum, que mostra um Zakarrias bem complexo, multifacetado e sem amarras com estereótipos sonoros. Passagens sublimes e de tirar o fôlego de vocal, flauta e violões criam uma atmosfera extremamente interessante, com texturas progressivas, de hard rock, acústicas, de folk e tudo o mais.

"Never Reachin'"

“The Unknown Years” aparece com a base sonora da faixa anterior, mas privilegia o lado mais acústico, com muita contemplação e introspecção. É longa, é dramática, é intensa, mesmo que leve, suave, com um lado progressivo bem evidente também. Uma faixa versátil e imponente.

"The Unknown Years"

”Sunny Side” já muda a “chavinha” para um poderoso e intenso hammond tocado ao máximo, com muita energia e vivacidade, com uma “cozinha” potente e bem ritmada, o baixo contundente e pulsante e a bateria cheia de marcação e pesada e que entregam a música uma melodia instigante e até, por vezes, sombria e perigosa.

"Sunny Side"

“Spring of Fate” traz uma mudança a sequência do álbum com uma lida balada, com direito a violinos que trazem, juntamente com o vocal de Haumer, um momento mais melódico, dramático e até emotivo.

"Spring of Fate"

“Let Us Change” traz o acústico com umas “pitadas” de folk rock, privilegiando a parte instrumental, trazendo uma pegada mais progressiva também. Uma música que, embora seja simples, traz a marca registrada de “Zakarrias”: versatilidade.

"Let Us Change"

“Don't Cry” começa com instrumentos de sopro a todo vapor com um baixo pulsante pesado e um vocal meio indulgente de Haumer, mas que, em momentos mais suaves da música, ganha leveza, se torna melódico. E assim a faixa segue, entre muita energia, capitaneada pelos instrumentos de sopro e a suavidade comandada pelo vocal de Zakarrias.

"Don't Cry"

E o álbum encerra-se com “Cosmic Bride” com uma pegada instrumental pesada, poderosa, que corrobora a qualidade de seus músicos que ainda é capaz de soar atual, digamos que seja uma faixa atemporal em sua estrutura sonora. Mas por mais que entregue peso, revela sofisticação e qualidade.

"Cosmic Bride"

O álbum do Zakarrias certamente foi pouco ouvido, devido, claro, a incipiente divulgação, por conta do visto de trabalho que Haumer não conseguiu na Inglaterra, mas as poucas cópias que foram produzidas chegaram às mãos de poucos sortudos e privilegiados que conseguiram ouvir essa pérola perdida do rock n’ roll.

E por isso Haumer e sua esposa foram para a Suíça, sem a possibilidade de não levar para frente o projeto do “Zakarrias”. Mais tarde, agora na sua cidade natal, Viena, Haumer formou a Bobby Hammer Band (BHB) cuja vertente sonora flertava com a New Wave, era os anos 1980 e como músico solo, lançou uma versão de “Papa Was a Rolling Stone”, em 1987.

Para sorte de todos nós, amantes da boa música obscura, “Zakarrias” foi relançado pelo selo “Tapestry Records”, mas, como no passado, em pouquíssimas cópias, no formato CD, e ainda assim continuou a ser uma pérola do rock obscuro.



A banda:

Zakarrias (Robert Haumer) na guitarra, baixo e vocal

Peter Robinson nos teclados

Don Gould no piano

Geoff Leigh no sax e flauta

Martin Harrison na bateria         

 

Faixas:

1 - Country Out Of Reach

2 - Who Gave You Love

3 - Never reachin'

4 - The Unknown Years

5 - Sunny Sude

6 - Spring Of fate

7 - Let Us Change

8 - Don't Cry

9 - Cosmic Bride


"Zakarrias - Zakarrias (1971)"

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