Tenho uma queda evidente e
escancarada pelas bandas nórdicas! E falo de forma gritante, sou um réu
confesso nesse sentido! Tem-se uma profusão de bandas e estilos totalmente
arrojados, não tenha dúvida de que há vertentes do rock n’ roll para todos os
gostos.
E especialmente falando da
Noruega nós temos uma quantidade imensa de bandas que facilmente cai no gosto
de muitos a começar, como exemplos, Aunt Mary, Titanic, Lucifer Was, uma das
minhas preferidas, mas não podemos negligenciar a história de outra banda que,
embora não seja tão obscura, merece figurar entre as grandes bandas pouco
conhecidas, cuja sonoridade não é tão popular. Falo do RUPHUS.
Do frio dos Nórdicos vem o
som quente e intenso de uma das bandas tidas como pioneira do hard rock, mas
que, ao longo de sua trajetória discográfica, foi revendo, remodelando os seus
conceitos sonoros e seguindo a sua história ao longo dos anos 1970.
O Ruphus foi fundado em 1970
na cidade de Oslo a partir de um grupo de amigos e é, como disse, tido como um
dos precursores do heavy prog na Noruega, surgindo como uma das principais
bandas de uma cena, naquela época, não tão grande, mas significativa e que
praticamente desprezada pela indústria fonográfica. Mas a formação que se
juntou em 1972 é que de fato se solidificou quando Kjell Larsen e Asle Nilsen
se conheceram.
Mas mesmo com a pouca
visibilidade seguiu forte, bem como as bandas contemporâneas sendo privilegiada
por um abnegado público e também por poucos empresários perseverantes que, com
toda a dificuldade possível e imaginável, promovia alguns festivais de pequena
estrutura em algumas cidades norueguesas, dando a oportunidade a bandas como o
Ruphus a seguirem com seus objetivos de levar, ao número máximo de pessoas
possíveis, a sua música e arte.
A Noruega definitivamente
não estava na rota do rock na década de 1970. Bandas como a Ruphus foram
desbravadoras naquele país e simplesmente por este fator, já tem o seu nome na
história do rock norueguês.
Mas finalmente, após a sua efetiva formação, em 1972, o Ruphus gravaria, pelo selo “Polydor”, uma gravadora de nome, o seu primeiro álbum chamado “New Born Day”, em 1973, considerado por muitos e, confesso que por mim também, como um dos mais bem-sucedidos da banda em sua pequena, porém importante discografia.
“New Born Day” contou com
uma dupla de vocais femininos e masculinos e fazia uma interessante e
avassaladora fusão de hard rock, classic rock e rock progressivo. Combinação
essa que acarretou em uma harmonização sofistica, agressiva e intensa, muito
intensa. Essa ambientação hard, heavy e prog trouxe ao álbum muita
versatilidade e complexidade sonora.
Mas o destaque fica mesmo
para a vocalista Gudny Aspaas com seu grande alcance e talento, um misto de
hard rock com tendências heavy de vanguarda que rendeu alguma visibilidade para
a banda, porém não obteve sucesso comercial.
Mas, subvertendo o óbvio,
não irei falar, em requintes de detalhes, de “New Born Day”, mas do seu
sucessor. De um álbum que foi um divisor de águas na história da banda, da
curta carreira discográfica do Ruphus. Falarei de “Ranshart”, de 1974.
E essa guinada se deu,
claro, na estrutura sonora da banda. E foi, penso, radical! O que era antes um
som calcado no hard rock setentista, com viés progressivo e de classic rock, em
“Ranshart” o Ruphus se revelou uma banda exclusivamente de rock progressivo com
temperos sinfônicos lembrando a cena prog britânica, por exemplo.
E além de ter um grande apreço por este trabalho do Ruphus, a ponto de resenha-lo, terei a árdua missão de defende-lo. Por que defender? Simples! A banda, depois de seu bem-sucedido debut e com a mudança evidente em “Ranshart”, gerou certa rejeição entre os fãs mais puristas e viúvos de “New Born Day” e também dos especialistas que, entre outros comentários, lê-se que no segundo álbum a banda perdeu a identidade, perdeu a força etc.
Mas como perdeu a identidade
se o Ruphus, já no primeiro trabalho, já denotava predileção pelo prog rock? É
notória tais nuances na sua música em “New Born Day”, mesclado, claro, com o
hard rock! Como também é notório, admitamos, a drástica mudança.
Se observa, mesmo com a
mudança, uma qualidade na sua sonoridade, algo novo e com substância,
consistência. E essa nova configuração em seu som se materializa na sua nova
formação que também sofreu um forte impacto.
E com esse impacto, logo de
cara, atingiu os dois cantores que atuaram em “New Born Day”, saindo Gudny
Aspaas e Rune Sundby, bem como o guitarrista Hans Petter Danielsen também estariam
fora do projeto do segundo álbum. O Ruphus de sete membros no primeiro álbum
passaria a ter cinco músicos, com Rune
Østdahl como a nova vocalista em “Ranshart”.
Vale também falar da arte
gráfica de “Ranshart”, da concepção muito bem feita e arrojada, não apenas do
segundo álbum, mas também do primeiro trabalho, “New Born Day”. As ideias
partiram do baixista e flautista Asle Nilsen, onde a capa do debut do Ruphus,
com aquela sombria paisagem de inverno e quando, na versão do LP, abre a capa
tem a mesma paisagem nas cores das flores do verão, por isso que o nome é “New
Born Day”, já o segundo álbum, o alvo de nossa resenha, o “Ranshart” é inspirado
por um conto de fadas de um livro que Nilsen leu de Frans Werfel chamado “Song
of Bernadette”.
Então a formação em “Ranshart” tinha: Rune Østdahl nos vocais, Kjell Larsen na guitarra, Håkon Graf nos teclados, Asle Nilsen no baixo e flauta e Thor Bendiksen na bateria. E outro ponto positivo deste álbum do Ruphus é a arte gráfica, da capa: exuberante e que fora concebida por Kathinka Rasch Halvorsen.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Love Is My Light” que começa com piano, Mellotron, órgão Hammond e os vocais
muito diferentes de Rune. Definitivamente o destaque para o teclado dando o
ritmo e tom da música com uma levada mais sinfônica seria a tônica de todo o
álbum da banda.
"Easy Lovers"
oferece um lindo violão das linhas de baixo vigorosas de Larsen e Nilsen,
sintetizadores majestosos flutuando no fundo, o genuíno rock progressivo no seu
mais lindo ápice.
Tem sequência com a
grandiosa “Fallen Wonders” com guitarras saborosas, com lindos solos que nos
faz flutuar, sair do ponto comum e viajar a um doce desconhecido, sem contar
com tons de baixo que acompanham fielmente a bateria bem cadenciada e, claro,
os teclados em vertentes sinfônicas lembrando bandas como o Yes, por exemplo.
“Pictures Of A Day” mostra
uma atmosfera mais viajante, mais psicodélica, com sons eletrônicos e a
presença marcante da flauta e sintetizadores mostra a forte realidade sinfônica
deste álbum. Uma bela música instrumental.
Finaliza o álbum com “Back
Side” uma linda e poderosa balada sinfônica com destaque para os vocais e belo
instrumental, intricado e complexo, fechando com chave de ouro. Um ritmo
suingante com corridas alucinantes de hammond, violinos, uma faixa
definitivamente dinâmica.
Para divulgação de “Ranshart”
o Ruphus fez uma turnê com uma razoável quantidade de shows e foi convidado
para tocar no festival mais importante da Noruega, o “Ragnarock Festival”, em
1974. Teve três edições, o festival, acontecendo em 1973, 1974 e 1975. O
Ruphus, além de ter participado da segunda edição, tocou também em 1975.
A sua discografia, depois de
1976 modifica muito, tendo a banda flertando com a música negra, inclusive.
Foram convidados para tocar em um festival na Alemanha chamado “Brain
Festival”, promovido pela emblemática gravadora que sempre apoiou o rock alemão
underground, principalmente pela nova cena sinfônica alemã, e se apresentar ao
lado de bandas como Guru Guru, Novalis, Jane, Release Music Orchestra, Gate e
Message, tendo até certo sucesso na Alemanha e em seu país natal apenas, o que
ocasionou em seu fim, em 1981.
Porém a maioria dos membros do Ruphus ou pelo menos aqueles que se destacaram na banda ao longo de sua discografia, ainda são músicos ativos. Håkon Graf vive em Los Angeles e é muito ativo como músico de estúdio. Kjell Larsen também é muito ativo e tem muitos projetos em andamento. Thor Bendiksen tocou por um longo tempo, mas infelizmente ficou com zumbido no ouvido e teve que parar de tocar. Gudny Aspaas, vocalista da banda em “New Born day”, ainda está cantando e Jan Simonser também está tocando, exceto o baixista e flautista Asle Nielsen que construiu uma carreira como engenheiro de som e chefe de áudio profissional na “Bright Norway”.
Todos os álbuns do Ruphus
foram relançados, em 2017, pelo selo “Karisma Records” e essa aproximação se
deu devido a uma apresentação da banda em um festival de progressivo em Haugesund,
na Noruega, nessas voltas da banda, em 2017 e lá estavam alguns representantes
do selo. Eles conversaram com a banda que tinham o interesse de relança-los e a
banda não hesitou, autorizando. Foi um processo de reativação da história da
banda para as novas gerações e foi um sucesso, com vendas significativas.
“Ranshart” traz um rock
progressivo sinfônico dos anos 1970 do jeito que deveria soar. Para aqueles que
valorizam os dois lados da moeda dos dois primeiros álbuns do Ruphus entenderão
que são momentos distintos de inquietude criativa, mostrando que nunca se
renderam às linearidades da carreira e dos clichês dos rótulos, da temível e
silenciosa zona de conforto. E vai valorizar sem sombra de dúvida o segundo e
grande álbum do Ruphus.
Por mais que a crítica
norueguesa não tenha recebido bem, à época, “Ranshart”, para contrariedade do
Ruphus, foi sem sombra de dúvida um ponto de virada para a banda, que mesmo com
a rotatividade de músicos que, sem sombra de dúvidas influenciou na sua
sonoridade ao longo de sua discografia, mostrou também que o Ruphus, mesmo sem
o sucesso comercial, tornou-se grande por não se escravizar por uma determinada
sonoridade, abrindo asas para a música e tudo o que ela pode proporcionar. Uma
grande banda norueguesa e, claro, altamente recomendado.
A banda:
Asle Nilsen no baixo e
flauta
Thor Bendiksen na bateria
Kjell Larsen na guitarra
Håkon Graf nos teclados
Rune Østdahl no vocal
Faixas:
1 - Love Is My Light
2 - Easy Lovers, Heavy Moaners
3 - Fallen Wonders
4 - Pictures of a Day
5 - Back Side