terça-feira, 25 de julho de 2023

Vôo Livre - Vôo Livre (1981)

 

Sabe aquelas percepções que você tem e que parece não fazer sentido nenhum dentro de um contexto, digamos, real, racional? Algo que percebe no universo da música e que não ter a mínima sustentação?

Tudo bem caríssimos leitores, eu explico, eu explico! Eu sempre tive a percepção de que bandas e músicos, embora não sejam conhecidos, não tenha conquistado status de algo dentro de sua cena, a desbravou de alguma forma, fez parte da sua história, de sua construção e, inclusive, a ajudou a se popularizar ou minimamente se fazer possível servindo de referência para outras bandas surgirem.

Mas como atribuir tal façanha a bandas que sequer conquistou sucesso e fama? A história, a história contada que sacramenta, que corrobora a sua importância, a sua colaboração para o rock n’ roll! E não se enganem, a sua importância não se mensura apenas para fama e os milhões de álbuns vendidos somente.

Fracasso e sucesso não se mensura pelo aspecto comercial apenas. Sucesso também é entendido e percebido quando uma banda subverte o tempo, ousa com sua música vanguardista e arrojada para o seu tempo e edifica um conceito que servirá de inspiração para o surgimento de outras tantas bandas posteriormente.

E uma banda brasileira, mais precisamente da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, creio se adequar a esses quesitos, mesmo não sendo famosa, muito pelo contrário, extremamente obscura, rara, mas que praticamente se tornou pioneira no rock n’ roll gaúcho tão respeitado nos dias de hoje. Falo do VÔO LIVRE.

O Vôo Livre, quando ainda a palavra “vôo” era acentuada, foi formada já no final dos anos 1970, mais precisamente em 1979, em um período em que algumas vertentes do rock n’ roll estavam em declínio comercial, tais como o hard rock e o rock progressivo, dando lugar para o punk rock em uma abordagem mais suja e direta, entre outras músicas mais pasteurizadas e “animadas” que não flertavam com o rock.

O cenário não era nem um pouco favorável para o Vôo Livre que construiu a sua sonoridade com base exatamente no hard e prog rock! Mais um entrave que fez com que a banda não atingisse o sucesso comercial, caindo em um profundo ostracismo.

Mas falemos dos seus primórdios, antes de dissecar o seu único álbum lançado em 1981, homônimo. O Vôo Livre teve início a partir da reunião entre o guitarrista Luís Bento e o baterista Luís Vieira. Os caras estavam entusiasmados para fazer algo novo, queriam ousar para variar e formam a banda “Palha Mágica”, em 1979.

Mas precisavam, claro, como toda banda em seu início, de compor material para quem sabe gravar um álbum e cair na estrada para divulgar a sua arte. Pouco tempo depois o baixista Chico Castro se junto à banda, completando a formação clássica de power trio.

Os ensaios se intensificaram e com isso foram se entrosando cada vez mais e as suas influências musicais se fizeram presentes, moldando a sonoridade da banda, construindo uma identidade e que variava do Deep Purple ao Genesis, Rush e até mesmo o King Crimson. 

A banda flertava em várias vertentes dentro do rock deixando a sua criatividade aflorar sem amarras, o que lamentavelmente se torna um fator determinante para se tornar uma banda pouco conhecida, pois costumam não se adequar aos modismos da indústria fonográfica.

Eram vertentes que não estavam mais na “moda”. O punk e o heavy metal oitentista, a década está batendo na porta, estavam aflorando como as novas propostas sonoras do rock, mas os jovens músicos decidem seguir as suas verdades na música, contra tudo e todos.

Após alguns shows mais restritos, modestos no circuito universitário de Pelotas e de regiões no entorno, os caras resolvem partir para algo mais “ousado”. Ambicionavam tocar na capital Porto Alegre. E aí decidem mudar o nome da banda, talvez inspirados pelo novo momento: passaria a se chamar “Vôo Livre”. Afinal a banda estava alçando novos e altos voos para conseguir um lugar ao sol no cenário rock gaúcho, ainda embrionário.

Mas faltava grana para esse voo alto. Luis Bento, o guitarrista, bancou praticamente sozinho com todos os custos de seu sonho e dos seus companheiros de banda. Todos os seus recursos, sem pestanejar foram investidos para esse momento importante do Vôo Livre.

No ano seguinte, em meados de 1980, o Vôo Livre atrai rapidamente a atenção do público local mais ligados às correntes de rock progressivo e fusion, bem como do hard rock, que, mesmo diante de um cenário adverso, ainda mantinha interesse em composições mais ousadas e de textura sonora mais trabalhada. A banda se ancorou nesse público que a aceitou, certamente porque não tinha uma cena encorpada desse estilo na capital gaúcha. Entendem o que falei no início desse texto?

Desde sua primeira aparição o Vôo Livre apresentou uma bela estrutura profissional de alto nível, com equipamentos modernos, P.A. próprio e, até mesmo, uma equipe de produção. Mas eles não queriam ficar apenas nos shows, precisavam logo gravar um álbum.

E diante dessa nova etapa, o Vôo Livre estabelece uma parceria com o recém-criado selo independente “Pialo”, do guitarrista Fernando Bohrer, e começam a trabalhar no disco, que viria a ser lançado em agosto de 1981. A formação, além do power trio que formou a banda, trazia, como participação especial, o tecladista Paulo Dorfman que tocou na faixa “Pôr do Sol”.

Acompanhado de muitas apresentações e até mesmo uma pequena excursão de lançamento, o novo álbum, o seu debut “Vôo Livre”, surpreendeu tanto o público quanto a crítica, tomando o rock gaúcho de assalto, elevando-o. Esse trabalho do Vôo Livre é considerado por muitos o primeiro no gênero totalmente gravado e produzido em Porto Alegre.

O álbum também é considerado pioneiro também nos novos formatos de gravação, com a introdução de técnicas de estúdio modernas e inovadoras para a época, com excelentes recursos de gravação, efeitos e percussões eletrônicas.

“Vôo Livre” entrega elementos de música progressiva, com mudanças rítmicas evidentes e o peso do hard rock, com algumas “nuances” de rock experimental, se configurando como um álbum extremamente ousado e versátil para a sua época no Brasil, que tinha no “Rock Brasil” como algo mais interessante e que estava florescendo nessa época em Brasília e no Rio de Janeiro, por exemplo com viés da new wave britânica.

O álbum é inaugurado com a faixa “Hey” e tem na estrutura sonora uma “cozinha” extremamente entrosada, com baixo pulsante e pesado e bateria bem marcada, com a veia hard rock sendo representada por riffs de guitarra com alguma distorção e um vocal bem melodioso e de bom alcance. A faixa tem a predominância do hard rock sendo mais direta.

"Hey"

A sequência traz a faixa “Visão” que já traz a proposta mais progressiva lembrando bandas icônicas como O Terço, por exemplo. A introdução traz uma atmosfera mais branda, com teclados mais viajantes e guitarras mais contemplativas. O vocal é mais dramático, diria até melancólico em alguns momentos, embora a letra traga algo solar em sua mensagem. Um belo prog rock em pleno anos 1980.

"Visão"

E falando em temas e vibes mais viajantes, a próxima faixa se chama “Viagem”, mas já traz uma abordagem mais pesada, com o baixo mais pulsante e vibrante, com solos incendiários de guitarra. A música é instrumental e tem no hard rock a sua ideia central, com algumas mudanças rítmicas bem arrojadas trazendo algo como metal progressivo, dada a velocidade da faixa. Fantástico!

"Viagem"

Segue com a faixa “Chuva Forte” que já inicia com solos de guitarra mais diretos que logo abre alas para riffs mais pesados e um baixo pulsante e poderoso com uma pegada hard predominando novamente, com algo bem heavy rock dada a velocidade que é imprimida na faixa. Hard n’ heavy de excelente qualidade!

"Chuva Forte"

“PZ4429” começa meio jazzy com alguns recursos jazzísticos tendendo para algo um tanto quanto para as improvisações, ao estilo “Jam Sections”. Logo descamba para o blues rock, corroborando a sua condição de improvisação, com a criatividade e talento aflorados.

"PZ4429"

E fecha com a faixa “Pôr do Sol” que já entrega uma abordagem mais comercial, uma pegada mais radiofônica, mas que não deprecia a sua estrutura sonora. Guitarra mais dançante, vocal mais melodioso, letras mais edificantes e hippies.

"Pôr do Sol"

Depois dessa extensa, tensa e cansativa turnê, com muito trabalho para promover o seu primeiro álbum, os músicos da banda começaram a sentir o desgaste. O ritmo intenso acaba pesando no aspecto emocional e alguns desentendimentos afloraram. Resolveram interromper as atividades justamente logo após o show comemorativo chamado “Um Ano na Estrada”.

Mas não parecia ser um fim, tudo indicava que eles precisavam de um tempo de descanso, depois dessa intensa maratona de shows. Tanto que o Vôo Livre voltaria a se reunir em 1985 para a gravação de um novo álbum e a intenção era buscar uma sonoridade ainda mais progressiva.

O álbum seria chamado de “Memórias”, teria material de arquivo registrado entre maio e agosto de 1981, com novas composições, trazendo propostas mais modernas e algumas influências eletrônicas e experimentais, tendo como base, como alicerce o rock progressivo.

Mas o mercado fonográfico não estava dando a mínima para o rock progressivo e outras vertentes mais experimentais (na realidade nunca apoiou) e o projeto do Vôo Livre com o seu segundo álbum, “Memórias”, com o perdão da famigerada analogia, não alçou voo.

As gravações sequer chegaram a ser finalizadas. Reza a lenda de que as faixas só existem as bases, e mesmo as músicas em estágio mais avançado carecem de uma mixagem adequada, fazendo com que não haja condições de se lançar hoje esse registro na íntegra, na forma de um álbum inédito e completo.

O que nos restar é esperar que a banda se reúna e consiga algum selo para bancar esse lançamento, caso ainda exista. Haja vista que atualmente temos alguns bons relançamentos que estavam perdidos no fundo do baú do rock.

Mesmo com a boa receptividade da imprensa especializada e dos pequenos, mas ávido público com o debut “Vôo Livre”, além de alguns boatos sobre reuniões, a separação do trio se revelou definitiva e seus integrantes parecem ter seguido caminhos bem distintos, dispersando-se em diferentes cidades. Tudo indica não terem mais contato entre si.

Em 2011 o raro álbum homônimo da banda, foi relançado, transcritas das fitas masters originais e cuidadosamente restauradas e remasterizadas no formato digital por Lelo Nazario, trazendo três bônus especiais: duas faixas inéditas que são “Vôo Livre” e “Chamada a Cobrar”, resgatadas e selecionadas dentre as fitas das gravações inacabadas de “Memórias”, mais uma faixa que se chama “Tempo Futuro”.

A faixa “Tempo Futuro” foi incluída originalmente na eclética coletânea de nome “Porto Alegre/Rock”, que foi lançada em 1985 pela parceria dos selos Musi’sul/Pialo e que reunia músicos e bandas remanescentes dos anos 1970, como a banda Byzarro e o exímio e saudoso cantor Fughetti Luz da grande banda Bixo da Seda e do pioneiro Liverpool a novas bandas, até então, do rock gaúcho.

Um clássico obscuro, perdido no tempo, mas que resiste bravamente, por ser, mesmo diante de entraves comerciais e modistas, uma referência para a história do rock n’ roll gaúcho tão enaltecido nos dias de hoje, por ser um centro desta vertente em todo o Brasil. Altamente recomendado!


A banda:

Chico Castro no baixo, teclados e vocal

Luís Vieira na bateria, sindrum e vocal

Luís Bento na guitarra, efeitos e vocal

 

Com participação especial:

Paulo Dorfman nos teclados na faixa “Pôr do Sol”

 

Faixas:

1 - Hey

2 - Visão

3 - Viagem

4 - Chuva Forte

5 - PZ4429

6 - Pôr Do Sol 




 















 





sábado, 15 de julho de 2023

Kaleidon - Free Love (1973)

 

Final da década de 1960. A psicodelia estava em seu ápice e claro na Itália não era muito diferente, o beat italiano tomava conta das rádios e proliferava em todos os cantos do país. Algumas bandas gozavam de popularidade e algumas eram promissoras, tinham um futuro pela frente, a desbravar. Era o caso da banda Free Love.

A banda trazia em seu line up músicos jovens, mas que já tinham alguma bagagem ou até reputação na cena psicodélica italiana. As coisas realmente iam muito bem para o Free Love nos idos de 1970, tanto que em outubro daquele ano os caras são convidados para tocar no primeiro festival pop de Caravala e inclusive conseguiram um contrato com a gravadora “Vedette” que editou seus primeiros 45 rpm, “Sandy” e “Il Tempo di Pietra", ambos lançados ainda em 1970.

Free Love - "Sandy" (1970)

A formação original do Free Love apresentava os irmãos norte-americanos Carl e Steve Stogel, baixo e guitarra, respectivamente, Stefano Sabatini, nos teclados, Gianni Caia na bateria e o vocalista Tony Gizzarelli. Com essa formação a banda gravou os seus primeiros singles. Mais tarde, no final de 1969, o Free Love foi acompanhado pelo violinista canadense John Picard e, por apenas a alguns meses, pelo cantor e percussionista Ricky Cellini.

Free Love em 1972

A banda, em seus primórdios, lembrava um pouco os primeiros trabalhos do New Trolls, tanto que os seus singles chamam a atenção do maestro Piero Umiliano que recruta o Free Love para interpretar a trilha sonora de seu filme, “Roy Colt & Winchester Jack”, um “faroeste espaguete”, que foi imortalizado em 45 rpm para Cinevox, com as músicas “Roy Colt” e “Dove”, ambos de 1970.

Ainda em 1970, após a saída de Gizzarelli e Cellini, fizeram vários shows no norte da Itália, Suíça e Sardenha. Tudo ia muito bem para o Free Love, eram shows, contrato, participação em trilha sonora de filme, tanto que eles iriam participar de outra edição do festival em Caracalla em maio de 1971, ao lado de bandas como New Trolls, Osanna, Delirium e The Trip.

Mas a banda se separaria lá pelo final do ano 1971, Fábio Cammarata substituiria Stefano Sabatini e Picard sairia após o verão, mudando-se para a França. Caia e Steve Stogel, juntamente com o baixista Mauro Montaldo, se reuniriam com Sabatini para uma turnê como banda de apoio de Mia Martini. E aí a tragédia aconteceria.

Foi em fevereiro de 1972, quando regressavam de um show na Sicília, que o carro dos músicos se envolveu em um grave acidente matando Gianni Caia e Steve Stogel, enquanto Sabatini e Montaldo ficaram gravemente feridos, mas sobreviveram. Um show, quando Sabatini e Montaldo se recuperaram, foi realizado no Piper para lembrar os músicos que morreram e para arrecadar fundos para as suas famílias.

O reencontro, nessas circunstâncias, não foi fácil, foi dolorido, mas com muita coragem e esmero em prol do amor à música, Sabatini e Carl Stogel reconstruíram uma nova banda para participar do festival de Caracalla, no outono de 1972, com o baterista Giovanni Liberti e o Saxofonista Massimo Balla que substituiu Stefano Cesaroni. Nesse momento se decreta o fim do Free Love. 

Em 1973, desta formação que se apresentou no outono de 1972 no festival Caracalla, após a substituição de Carl Stogel pelo estreante baixista Franco Tallarita, nascia a banda KALEIDON, alvo de minha resenha de hoje, sendo fortemente influenciado pelo jazz rock e algumas passagens bem temperadas pelo rock progressivo, gravando apenas um álbum, pela “Fonit Records” que se intitula “Free Love”. A intenção era homenagear a sua antiga banda e os seus companheiros que perderam a vida no fatídico acidente.

Kaleidon

O título do álbum, além de uma clara homenagem a banda anterior e ao seu sonho artístico bruscamente interrompido, trata-se também de uma jóia instrumental do mais puro e genuíno jazz rock de absoluta cristalinidade ao estilo “canterburiana”, com uma “contaminação” para o jazz.

O álbum, inteiramente instrumental e gravado em um tempo recorde, em apenas três dias, de 28 a 30 de agosto de 1973), como disse, enquadra-se na veia jazz rock, ousaria dizer que mais jazz do que rock e soa fluído e compacto, livre de borrões e algo demasiadamente carregado o que logo se nota nos primeiros acordes da primeira faixa, mostrando um ótimo trabalho de equipe, de banda coesa com texturas tecidas com o protagonismo do piano e saxofone.

O álbum, como muitas vezes acontecia naquele período, não teve muita sorte sob o aspecto comercial, porém no “Ciao 2001”, de 21 de abril de 1974, Giorgio Rivieccio falou do Kaleidon como uma banda que demonstrou e desenvolveu um discurso jazzístico próprio e altamente original. 

E continuou dizendo que “Free Love” surpreendeu muito do ponto de vista técnico e estilístico e que é tanto mais apreciável quanto é o resultado de uma pesquisa pessoal intransigente de um álbum natural que para muitos são encarregados de clareza expressiva e o sentimento desta banda brota das notas de cada um dos instrumentos, envolvendo totalmente o ouvinte e conseguindo quebrar o biombo que se cria entre ele e o intérprete, para estabelecer com ele uma comunicação mais direta. Termina dizendo que cada nota, cada pausa ganha o devido valor e o justo equilíbrio até nas improvisações que, apesar disso, conservam todo o seu frescor e espontaneidade.

As impressões de Rivieccio incrivelmente convergem com a minha acerca deste trabalho do Kaleidon, com o uso carregado de piano elétrico e os efeitos psicodélicos e jazzísticos de Sabatini, o trabalho de saxofone quase que escaldante de Massimo Balla fazem a diferença, definitivamente. 

Outro detalhe importante a se ressaltar é a ausência da guitarra, o que pode reforçar a hipótese de que o Kaleidon tende mais para o jazz do que o rock n’ roll, mas o rock está lá, principalmente pelas “pitadas” progressivas e algumas doses de peso. Se fosse tentar “rotular” o som do Kaleidon em “Free Love” eu arriscaria em uma espécie de “stoner jazz”! Picardias à parte a música neste álbum transcende.

A faixa de abertura, “Kaleidon”, começa com o evidente jazz bem atmosférico que vai aumentando gradualmente até se estabelecer em uma batida bem legal de bateria, acompanhada de groove de baixo, pulsante e vivo. Saxofone misturado com teclados traz todo o acabamento da música, até que a música muda de andamento, como em uma virada prog rock e a interferência do jazz rock lisérgico continua de forma muito agradável e solar.

"Kaleidon"

A faixa “Inverno ‘43” começa com uma leve bateria tribal, acompanhada por piano e baixo flutuando suavemente sobre tudo. O sax se junta, animando um pouco, mas essa música é muito suave e espacial. É uma música fervente, taciturna, com sax e baixo enamorando-se em uma sinergia incrível, com a discreta participação de uma guitarra.

"Inverno '43"

“Dopo La Festa” segue, abrindo com uma batida de bateria, então alguma improvisação de psych-jazz. Isso eventualmente se resolve em uma boa jam de jazz sobre uma batida envolvente e mais um excelente trabalho de baixo.

"Dopo La Festa"

 A quarta música, "Polvere" começa com uma linha de baixo repetida, que logo será acompanhada pelo resto da banda, e a jam de jazz começa novamente, com pontes ocasionais conectando cada seção da jam.

"Polvere"

A próxima faixa, "Oceano", a flauta ganha protagonismo, tocada por Balla, e é uma mudança de ritmo bem-vinda, acrescentando à tapeçaria que está sendo tecida enquanto você ouve o álbum. A música é outra excelente jam de jazz rock com muita interação de todos os membros da banda.

"Oceano"

A faixa que encerra o álbum é "Free Love", a faixa título, sendo uma música de jazz puro, com um trabalho estelar de piano de Sabatini complementado com belos solos de saxofone de Balla. Um final agradável, solar e maravilhoso de um espécime de jazz rock da melhor qualidade.

"Free Love"

No dia seguinte à sua participação no terceiro festival d’Avanguardia de Nápoles, em 1973, há um importante rearranjo na formação do Kaleidon com a entrada de Francesco Bruno, um talento guitarrista, para cobrir a necessidade de maior expansão e o casal Francesco Froggio Francica e Gianni Colaiacomo para substituir o baterista Liberti (forçado a sair por motivos familiares) e o baixista Tallarita que sairia para tentar novos caminhos, novos projetos musicais, tocando em banda chamada “UT”.





A nova ala rítmica é claramente mais voltada para o rock n’ roll e o novo Kaleidon, que gira em torno do tecladista Sabatini, parecia abrir-se a novos horizontes musicais: com um guitarrista nada convencional e, ainda por cima, experimentação com outros instrumentos, como violino, vibrafone e percussão. E essa mudança se apresentou de forma latente em ensaios e festivais que a banda esteve, como em Carpineto Romano e Villa Pamphili.

Brigas internas no Kaleidon, a pouca receptividade na indústria fonográfica para com a sua sonoridade, bem como as rádios, a banda decretou seu fim em 1974. As experiências posteriores dos músicos do Kaleidon não foram de tão ruim assim. Gianni Colaiacomo entraria no Banco del Mutuo Soccorso, Stefano Sabatini fará parte do projeto Samadhi, tocaria também na banda de Tony Esposito e Form The Mediterraneo, enquanto Francesco Bruno viria a produzir vários projetos musicais.

“Free Love” do Kaleidon não é a obra-prima do jazz rock, mas sem dúvida alguma se trata de um exemplo esplêndido desta música maravilhosa que surgiu no início dos anos 1970 que poucas pessoas ouviram e as que ouviu, a sua maioria, rejeitou, inclusive a indústria fonográfica. “Free Love” é uma dose pesada e chapante de jazz rock psicodélico, um álbum e tanto que conceberam dentro de sua vertente sonora e deveriam ter sido reconhecidos por isso.

O álbum foi relançado, no formato CD, pelo selo Mellow Records e ainda assim se tornaram raros e caros e em 2014 a gravadora italiana BTF relançou “Free Love” no formato LP e as suas cópias parecem estar prontamente disponíveis em sites especializados de venda. Definitivamente uma pérola subestimada à época, mas altamente recomendada em todos os tempos.




A banda:

Stefano Sabatini nos teclados

Massimo Balla no saxophone e flauta

Franco Tallarita no baixo

Giovanni Liberti na bateria

 

Faixas:

1 - Kaleidon

2 - Inverno '43

3 - Dopo La Festa

4 - Polvere

5 - Oceano

6 - Free Love


 

Kaleidon - "Free Love" (1973)