O início dos anos 1970 na
Itália o rock progressivo reinava absoluto. Era o auge! Uma profusão criativa
musical, tantas bandas, tantas vertentes sonoras que fazia do prog italiano tão
vivo, latente e diversificado. Mas o auge criativo e um número vertiginoso de
bandas que surgiam não garantiam sucesso e glamour, caindo no ostracismo.
Várias bandas singulares com
elementos de peculiaridade que deveriam ter reconhecimento mais amplo, caíram
no esquecimento, sendo vilipendiadas e vou trazer à luz, por intermédio desse
texto, uma banda que caiu nas sombras da cena progressiva italiana e, como
tantas outras, teve uma efêmera trajetória. Falo do ODISSEA.
Eu sempre me pergunto o motivo
pelo qual bandas do naipe do Odissea e tantas outras que trouxeram ao mundo
músicas tão arrojadas e novas para a sua época, não conseguiram o espaço
merecido no pedestal do poderoso rock progressivo italiano. São muitos os fatores
que talvez não seja muito relevante, neste momento, levantar as hipóteses e sim
falar dos primórdios da banda, já que esta é tão pouco comentada por aí.
Nascido com o nome engraçado
de “Pow-Pow”, na região de Biella, no início dos anos 1970 e por muito tempo
como banda de apoio do popular cantor Michele, viria a se estabilizar
definitivamente em 1972 com a chegada do guitarrista Jimmy Ferrari e mudando o
nome para “Odissea”.
Além de Ferrari, na guitarra,
trazia Roberto Zola, na guitarra e vocal, Ennio Cinguino, nos teclados, Alfredo
Garone, no baixo e Paolo Cerlati na bateria. A partir desse momento, o
recém-formado quinteto teve imediatamente a oportunidade de brilhar em ocasiões
realmente importantes: em abril de 1972 abriria as datas italianas do Genesis e
logo depois seguiu o Banco del Mutuo Soccorso em sua turnê.
Ainda teve, como reforço às
suas apresentações ao vivo, participações em importantes festivais, tais como o
“Festival d'Avanguardia di Mestre” e da nona “Mostra di Musica Leggera”, em
Veneza. Com isso o Odissea foi conquistando seu espaço com as suas boas
apresentações ao vivo. E graças também a esse sucesso obteve rapidamente um
contrato com o selo “Ri-Fi” (gravadora de bandas como Circus 2000 e Giganti),
gravando o seu único álbum, em 1973, homônimo.
O álbum, produzido por Sandro
Colombini, futuro colaborador de Antonello Venditti, além de ter sido equipado
com um atraente design gráfico de Mario Convertino traz a melodia como ponto
central, apresentado por vocais carismáticos, instrumentais ambiciosos, ricos e
enérgicos, repleto de talento, criatividade e imaginação.
A parte técnica também não
decepciona, com uma mixagem praticamente perfeita e a qualidade acústica está
sem dúvida nos níveis da prestigiada gravadora que contrataram o Odissea. Mas
voltando à música o álbum entrega uma mistura articulada de harmonias excepcionais
e agradáveis, com um viés progressivo, com um groove basicamente melódico,
sinfônico, com nuances de folk rock e tudo isso fica muito claro e
caracterizado entre as partes vocal e instrumental, com atmosferas que remetem,
um pouco, ao progressivo britânico, mas também, claro, com todo aquele tom
dramático do prog italiano. A harmonia e os solos das duas guitarras também são
agradáveis, enriquecendo as músicas com uma camada mais pesada e louvável de
sons.
E falando nas partes cantadas
que, assentadas em linhas melódicas simples e distintas das partes
instrumentais, injetam ainda um forte “aroma” de blues rock proporcionado pela
poderosa voz de Roberto Zola cujo timbre lembra muito o de Alvaro Fella, do
Jumbo. Isso inclusive gerou algumas rivalidades entre os músicos e as bandas, também
dada a co-regionalidade dos dois vocalistas.
Deve-se enfatizar, contudo,
que as obras sonoras do Jumbo em que o uso da voz de Fella era mais áspero e
hipermodulado, no álbum do Odissea, o vocal é dinamicamente proporcional à
estrutura musical, o que torna o som mais homogêneo e orgânico. É melhor que o
Jumbo? Claro que não! Digamos se tratar de dinâmicas distintas.
“Unione” abre o álbum com uma
discreta acústica discreta e frágil, diria, com um tempero, um sabor folk,
antes da explosão de teclados sinfônicos e riffs poderosos e pesados de
guitarra. O vocal tem canto rouco e entre esse atípico vocal para o rock
progressivo, a música rasga com um bom sprint instrumental, mas sempre trazendo
momentos mais suaves de folk que introduziu a faixa. E assim se segue, entre
peso e suavidade, tendo mudanças incríveis de humor, variâncias rítmicas
inacreditáveis e de tirar o fôlego.
Segue com “Giochi Nuovi Carte
Nuove” começa contemplativa, leve, suave. O vocal até inicia mais límpido e
melódico, com aquele típico tom dramático dos vocalistas italianos. A faixa vai
ganhando corpo, trazendo um progressivo mais britânico, com solos de guitarra
dançantes e um baixo mais sombrio e experimental. Os teclados aqui corroboram a
proposta da música mais introspectiva. Uma faixa sem dúvida mais sofisticada e
forte, intensa, não no peso, mas no tom de dramaticidade.
“Crisalide” é um verdadeiro
atordoamento sinfônico, salpicado de sabores barrocos e medievais. Órgãos
dançantes e véus de sintetizadores brilhantes, solares, tudo isso em uma
incrível interação entre as passagens reflexivas de guitarra acústica e
elétrica, com um frenesi em várias passagens de tempo. É uma verdadeira
montanha russa sonora, de tirar o fôlego.
“Cuor di Rubino” traz o folk
como ponto central, nevrálgico. O toque suave da guitarra acústica é solar e
animada, com momentos bem elaborados com um slide bem “choroso” de guitarras,
com teclas alegres do piano. “Domanda” segue basicamente a mesma proposta da
faixa anterior, com slides de guitarra que me remeteu a música sulista
norte-americana. O vocal é altivo, mais límpido, sem a rouquidão
característica. Uma linda faixa que te traz a sensação de liberdade, que te faz
voar sem destino. Linda!
“Il Risveglio di un Mattino” começa
potente, bateria com batida mais hard, mais pesada, mas surge o vocal mais
acústico e limpo traz certa calmaria. Essa faixa me parece ser mais
convencional, mais voltado para o classic rock, com um viés mais comercial, sem
aquele típico prog rock das músicas anteriores, mas, ainda assim, traz
qualidade. O toque de emoção dada à faixa sim se junta a dinâmica das demais
que compõe o álbum. Teclados simples, mas solares e animados.
“Voci” devolve o álbum ao folk, a guitarra acústica é determinante para o humor e o temperamento da música, com o baixo, mais consensual, ao fundo. Os teclados protagonizam a transição da faixa para uma pegada mais sinfônica, com uma cozinha rítmica mais entusiasmada, viva e latente.
E fecha com “Conti e Numeri”
que já entrega uma balada com um vocal igualmente límpido e, por vezes, mais
potentes, com um bom alcance. Slides de guitarra e baixos pulsantes dão
abertura para uma bateria marcada, entregando algo medieval, celta, pagão, mesclado
a um progressivo sinfônico bem interessante.
Apesar do sucesso moderado do
álbum, o vocalista Roberto Zola decidiu deixar o Odissea em 1974 e seguir
carreira solo, não tendo também muita sorte, não conquistando visibilidade. Enquanto
isso o resto da banda voltou a ser apoio do cantor Michele, com quem já havia
colaborado em 1971 e participou de uma turnê nos Estados Unidos com a La
Famiglia Degli Ortega.
Em 1976 Elio Vergnaghi,
vocalista, e Aldo Ambrosi, guitarrista, se juntaria ao Odissea e como uma nova
formação a banda faria algumas apresentações na Suíça. Mas quando tudo parecia
voltar aos trilhos, o baterista Cerlati deixaria a banda e os “sobreviventes”
não tiveram outro jeito a não ser voltar a tocar com Michele e dessa vez por
muitos anos. Ennio Cinguino, que havia tocado com I New Blues, nos anos 1960) e
Alfredo Garone ainda continua na música, tocando em circuitos de piano-bar.
O único álbum do Odissea foi
lançado, em 1974, pelo selo Orbe, no formato LP, relançado na Itália, em CD,
pelo selo Vinyl Magic, depois ganhou o Japão, em CD, no ano de 1991 e dez anos
depois também no Japão, em 2011, também no formato CD. Em 2013 voltou à Itália
com relançamento, em CD e LP, no ano de 2013.
Quatro faixas do álbum, “Cuor
di Rubino”, “Conti e Numeri”, “Unione” e “Giochi Nuovi Carte Nuove”, foram
incluídos em um “promo”, de uma compilação sem título lançada pelo selo Ri-Fi,
em 1973, juntamente com faixas pelos cantores Corrado Castellari e Franco
Simone.
O álbum do Odissea não é
difícil de encontrar, aos navegantes do colecionismo, talvez não seja
considerado tão raro, tão obscuro, mas sem dúvida se deve e muito por abnegados
trabalhadores amantes do prog obscuro que, espalhados em gravadoras, fazem
questão de difundir o som da banda por intermédio de relançamentos. Da
obscuridade ao eterno!
A banda:
Roberto Zola nos vocais e
guitarra acústica
Luigi “Jimmy” Ferrari na
guitarra elétrica e acústica
Ennio Cinguino no piano, órgão
e mellotron
Alfredo Garone no baixo
Paolo Cerlati na bateria
E Simona: a voz da criança.
Faixas:
1 - Unione
2 - Giochi Nuovi Carte Nuove
3 - Crisalide
4 - Cuor di Rubino
5 - Domanda
6 - Il Risveglio di un Mattino
7 - Voci
8 - Conti e Numeri