Uma coisa pode puxar a outra
e de forma contínua e frenética, dependendo do que se propõe a buscar ou
enveredar as suas intenções. Sou um grande apreciador da banda inglesa Black
Widow, formada na cidade de Leicester, na Inglaterra no final da década de 1960,
inclusive fiz um texto interessante sobre a mesma sobre o seu show de 1970 que
pode ser lido aqui: Black Widow - Demons of The Night Gather To See Black Widow (1970).
E, como tenho um ávido interesse pelo contexto histórico
das bandas que gosto decidi procurar mais e mais sobre a banda e confesso que
sou compulsivo pelas suas histórias e que tem uma relação íntima com as
músicas que compõe. E quando fazia meus garimpos avistei um link na grande rede
que falava de uma banda italiana que tinha, entre outras, uma influência do grande
Black Widow.
Resolvi, pensando que fosse algo relacionado a banda inglesa,
conferir e percebi, logo de cara, não se tratar da mesma, mas sim de uma banda
chamada L'IMPERO DELLE OMBRE, formada em meados dos anos 1990, mais
precisamente em 1995, na região de Gallipoli, na famosa cidade de Apúlia,
conhecida por produzir grandes vinhos.
Já me interessei de forma imediata,
principalmente com a capa do seu primeiro álbum lançado em 2004,
autointitulado. Uma linda arte gráfica que, como um headbanger convicto que
sempre fui me impactou de cara. Não é à toa que a capa é a porta de entrada
para os álbuns, embora não seja uma unanimidade.
Realmente o L'Impero delle
Ombre tem uma relação muito forte, sobretudo na questão sonora e estética, com
o Black Widow, pois, quando a banda foi formada seu palco era repleto de cruzes
e apelo estético voltado para os filmes de terror, com apresentações teatrais e
rituais, como nos primórdios dos anos 1970, pela banda inglesa.
Mas
não se enganem, estimados leitores, que as influências da banda está restrito ao Black Widow, o que,
se fosse, seria o máximo, mas traz também referências a bandas como Goblin,
Jacula, Black Sabbath, Angel Witch, Paul Chain Violet Theatre e Death SS.
Seu
primeiro álbum é muito eclético e flerta com estilos que vai do heavy rock,
heavy metal, hard rock oriundo dos anos 1970, a estilos um pouco mais “recentes”,
da década de 1980, como doom metal, metal progressivo e algumas pitadas
sombrias de rock experimental mesclado ao psicodélico com occult rock que me
trouxe à tona bandas como Coven e Comus.
Mas antes de falar do álbum “L’Impero delle Ombre”, falemos um pouco
sobre as origens “ocultas” da banda. L’Impero delle Ombre foi um projeto
concebido por Giovanni “John Goldfinch” Cardellino e era, na sua gênese, uma
banda cover que basicamente tocava músicas de suas maiores influências como Black
Widow, Death SS, Angel Witch e Black Sabbath, além de algumas bandas clássicas
italianas do gênero.
Esta formação não vingou, não teve uma sequência de
sucesso, afinal era uma banda cover e, como grande músico que é, Giovanni
Cardellino tinha a necessidade de fazer músicas autorais e mostrar ao mundo a
sua percepção de música. Então convoca o seu irmão, o guitarrista Andrea
Cardellino que, na primeira formação do L’Impero dele Ombre, era muito jovem
para tocar, se apresentar em pubs e clubes de música.
Esse hiato da banda fora
decisivo para Giovanni colocar em prática o seu trabalho autoral e colocar o
L’Impero delle Ombre em um patamar mais importante para a história da cena rock
da Itália que estava renascendo na década de 1990, principalmente entre a cena
progressiva, mas que acabava por “puxar” outras vertentes.
Os irmãos Giovanni, no
vocal e percussão e Andrea na guitarra é seguido pelos os outros irmãos Dario e
Enrico Caroli, que tocaram no Sabotage, e respectivamente na bateria e no baixo
fecharia a formação da banda que gravaria o debut “L’Impero dele Ombre” ou
“Empire of Shadows”, em inglês pelo emblemático selo “Black Widow Records”, em
2004, dez anos depois de sua formação.
Um exemplo de persistência, mesclado a dificuldades de que essas bandas,
com essa proposta sonora e estética sofrem, alheio ao perfeccionismo de
Giovanni e seus colegas tiveram ao longo desses anos todos, com a participação
de Bud Ancillotti, no vocal da música “Il Giardino dei Morti” e o tecladista
Sandro Massa.
O álbum foi lançado em 2003 e teve alguma repercussão entre os
críticos especializados e o público, principalmente aqueles mais atraídos pelo
estilo dark rock e doom metal, com texturas de hard rock setentista e umas
pegadas experimentais e progressivas da banda e que estava, de forma mesclada,
mas bem conectada, as peças muito bem montadas retratada na música deste debut
da banda, afinal já eram músicos maduros e experientes e gozavam de muito
talento.
Mas a banda decidiu intitular o seu som como “Rock de Cemitério”,
muito impulsionado também pelo aspecto estético de seus músicos, da produção de
palco e as suas apresentações teatrais. Diante do resultado surpreendentemente
positivo a gravadora sugere que a banda grave o seu segundo álbum, surgindo, em
2011, o “I Compagni di Baal”, baseados em uma série de televisão francesa da
década de 1960 divididas entre sete episódios de 50 minutos cada, em preto e
branco, feitos por Pierre Prévert, sendo transmitidos de 29 de julho à 9 de
setembro de 1968.
Era feito com poucos recursos e diria ingenuidade, mas com bom gosto e mensagens extremamente atemporais, pois vinha com muita crítica social e comportamental. Muito dessa história e do demônio “Baal” foi responsável pela concepção sonora, estética e artística da banda no seu início, mesmo sendo concretizada somente com o lançamento do segundo trabalho em 2011, com uma obra conceitual sobre a série. Após vários shows para divulgar o seu primeiro álbum, os membros do L’Impero delle Ombre se envolveram em outros projetos como Witchfield e Homo Herectus em 2008, mas nada se revelou tão sublime como o trabalho do “l’Impero dele Ombre”.
"I Compagni di Baal" (2011)
Mas vamos dissecar, faixa a faixa, o primeiro trabalho da banda, afinal ele protagoniza o texto! O álbum começa com “Il canto
del Cigno” que, com uma camada soturna e ameaçadora de um órgão e piano abre as
portas do inferno para a excelente “Condanna” que, cantado em italiano, que
começa introspectivo, praticamente ao som do vocal abafado e melancólico, mas
que irrompe com um riff tipicamente sujo e arrastado, típico do doom metal, com
uma proposta mais retrô, dos anos 1970, mas que logo fica veloz e avassalador
com um heavy metal que lembra Mercyful Fate e Angel Witch e assim vai
cadenciando entre hard e heavy lindamente.
"Condanna"
“Rituale” chega com o vocal
dissonante e um riff de guitarra pesado, com um trabalho poderoso da “cozinha”
instrumental, com baixo agressivo e pulsante e bateria marcada, com uma camada
sombria e perigosa de teclado.
"Rituale"
“Tormento ed Estasi (Di
Anime Inquiete Attratte dal Nero)” é um exemplo primoroso de um dark
progressive, com passagens generosas de metal e hard rock, que lembra Goblin e
Antonius Rex em seus novos tempos. O solo de guitarra que inaugura a música te
faz viajar e entrega peso a faixa, eficiente e direto, mas trazendo
personalidade a essa faixa com destaque instrumental, uma das melhores do
álbum.
"Tormento ed Estasi (Di anime inquiete attratte dal nero)"
“Nel Giardino (Intro)” tem
um curto momento falado, ao estilo Jacula, tenso e ameaçador que entrega o peso
e a agressividade a “Il Giardino dei Morti” com riffs calcados no heavy rock,
de bandas clássicas do heavy metal britânico com destaque também para o vocal
tenebroso, limpo de dom alcance e um órgão que confere a faixa um clima
sombrio.
"Nel Giardino (intro) e Il Giardino dei Morti"
E eis que surge a obra-prima
“Ghost”! Um som abafado, com alguns discretos dedilhados de guitarra, explode
em um riff ao estilo Black Sabbath alto, imperioso, pesado com a bateria
igualmente pesada e marcada, um típico metal progressivo, com a pegada “dark”
já tão característica do álbum. Não podemos negligenciar os solos de guitarra
sempre limpos e altivos.
"Ghost"
E fecha com “Corpus, Animae et Spiritus” e o órgão volta a toda prova,
remetendo bandas como Jacula e Black Widow, uma ode ao dark progressive, uma
reverência ao passado com uma proposta contemporânea.
"Corpus, Animae et Spiritus"
O frescor dos novos tempos
ganha luz com o L’Impero delle Ombre, com o reflexo da escuridão. Uma
sonoridade funesta, com sinos, cantos, teclados, define bem essa banda que
definitivamente veio para ficar e figurar como o novo clássico obscuro da
Itália, trazendo a tona, em uma espécie de reverência e homenagem, as grandes
bandas pioneiras do estilo, mas entregando os novos ares da contemporaneidade.
A banda:
Giovanni "John
Goldfinch" Goldfinch no vocal e percussão
Andrea Cardellino na guitarra
Dario Caroli na bateria
Enrico Caroli no baixo
Com:
Sandro Massa nos teclados
Bud Ancillotti, no vocal da
música “Il Giardino dei Morti”
Faixas:
1 - Il Canto del Cigno
2 - Condanna
3 - Rituale
4 - Tormento ed Estasi (Di Anime
Inquiete Attratte dal Nero)
5 - Nel Giardino (Intro)
6 - Il Giardino dei Morti
7 - Ghost
8 - Corpus, Animae et
Spiritus
"L'Impero delle Ombre" (2004)