Os escombros entregam
destruição, medo e temor, mas dele pode emergir algo surpreendente e não falo
apenas no sentido literal da palavra, mas carregado de alguns simbolismos cheio
de vida, latente como o rock n’ roll. Não entendam, caros e estimados leitores,
que o que está, desolado, entre o caos seja algo descartável. Não!
O que é fracasso no passado,
pode ser redenção ou revelação no futuro e o presente tem corroborado tudo
isso, principalmente para aqueles que se predispõe a ver ou melhor, a ouvir.
O fenômeno das redes sociais e
da internet trazem, com sua incomum velocidade, à tona certos petardos que,
quando ouvimos, costumamos nos inquirir: Como que isso não fez sucesso? Como
isso não atingiu o ápice comercial? Sonoridades rebuscadas, arrojadas,
poderosas, despretensiosas...Independente dos adjetivos, nos suscita o
arrebatamento.
O frenesi, o sentimento de que
faltava isso em nossos arquivos mentais e sentimentais, nos coloca em um
patamar de total extasse, a atingir orgasmos sonoros a ponto de criarmos,
dentro de nossa alma, uma revolução!
E esse reles e simplório blog
tem trazido isso ao meu coração, primeira e primordialmente. É um sentimento,
embora aterrador, é arrebatador. Aterrador porque sabemos que não teremos vida
para ouvir tantas obscuridades que precisam ser descobertas, mas arrebatador,
pelo simples fato de que sempre terá algo que irá positivamente nos
surpreender. Pode parecer dúbio, mas é isso que sinto.
E creio que, por menos que
seja, o blog desperta isso em quem o lê, pelos menos aos interessados e
abnegados pelo caminho revelador da descoberta das sombras que pairam cantos
mais distantes e inexplorados do universo do rock. A sorte é que o universo está
em expansão.
E o “big bang” de hoje veio
como uma explosão. Falo da banda HELLMET. A banda, oriunda da Inglaterra, mais
precisamente de uma cidade chamada Brighton, East Sussex, como tantas outras,
não gozam de muita informação disponível para discorrer um longo e vasto texto,
mas que tem o suficiente para contar essa história, difundindo seu som para o
máximo de ouvidos e corações ávidos por ‘velhas novidades”.
O Hellmet nasceu em algum
momento entre os anos de 1969 e 1970 e os seus membros vieram da fusão de
bandas como Leviathan, The Motion, Samuel Prodi, Elegy etc. É composto pelos
seguintes músicos: Terry Aitken, ex- Elegy, no vocal, Stephen Day, ex Samuel
Prodi, na guitarra, Ray Mellors, no baixo e Gary Murphy na bateria.
A banda gravaria, em 1970, seu
primeiro álbum, chamado “Judgement Day”, porém não foi oficialmente lançado
naquele ano, outro caso notório entre tantas bandas daquela época que
trafegaram na obscuridade, no underground londrino. Porém o Hellmet, ao gravar
este álbum e até mesmo um pouco antes de gravara suas primeiras músicas teve,
embora curta, uma lucrativa existência, onde chegou a tocar em um cenário
louvável à época, graças ao jornalista John Tobler, em casas de shows
conhecidas, como o “Marquee Club”.
Inclusive tudo isso levou a
banda a uma série crescente de gravações, com os próprios músicos do Hellmet financiando
a produção de “Judgement Day” no “Orange Studios”. E assim nasceu “Judgement
Day”! O único trabalho da banda é
calcado, primordialmente, no hard rock, em uma sonoridade pesada, crua, dura,
despretensiosa, mas traz também texturas de blues rock e até mesmo temperos
progressivos, em alguns momentos.
A guitarra é explosiva e tem
um tom duro e pesado, com um efeito fuzz que entrega uma lisergia
psicodélica, ácida, com baixo e bateria pesados, uma seção rítmica bem
azeitada, entrosada, mostrando força e peso, corroborando a lisergia pesada dos
riffs e solos de guitarra. Os vocais são nítidos e bons que vai da limpidez até
o estilo gritado. No geral o som, como um todo, se mostra áspero, intenso,
pesado, mas também traz reminiscências do rock psicodélico.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Hazy Shady Lady” que mostra, de imediato, o peso, o riff de guitarra
sujo e pesado, arrastado, mas tudo envolto em uma camada de blues rock, com a
dureza do hard rock. A seção rítmica precisa ser enaltecida: baixo pulsante e
cheio de melodia, bateria marcada, pesada. Os solos de guitarra me remetem ao
Cream e Blue Cheer, mas não podemos esquecer de que se trata de uma gravação de
1970, pouco depois do que tais bandas produziram. Seria uma inspiração ou seria
uma referência como o Cream e Blue Cheer?
Segue com “Trust” que começa
com uma bateria meio jazzística, diria, mas com um “tempero” psicodélico, com
solos e riffs de guitarra bem lisérgicos. Mas na sequência se percebe um hard
rock de vanguarda e que se percebe um proto doom sujo e pesado que traz à
lembrança o Black Sabbath em “Master of Reality”. Ouso dizer ainda que, apesar
da aspereza do som, percebe-se mudanças de ritmo, algo progressivo encarna
nessa faixa.
“Judgement Day (Honest
Religion)” começa sombria, estranha. A bateria, com um eco entrega toda essa
aura perigosa e beligerante. Os solos de guitarra me trazem à mente um occult
rock e isso se corrobora no vocal melancólico, que chega a ser abafado. Para a
metade, segunda metade, diria, da faixa, o som vai encorpando, ganhando uma
textura mais calcada para o hard rock psicodélico.
“Sweet Bitch” vem arrebentando
a porta e passando por cima como um rolo compressor. É pesada, é intensa, é
agressiva, mas muito bem executada. Um hard rock com riffs pesados e grudentos
de guitarra, com uma cama de teclados que faz da música mais dançante. Mas não
se enganem, é uma música para “bater cabeça” de tão pesada. Um heavy rock com
temperos de proto metal.
E fecha com “What Is The Point (Of It All?)” que mantém, mais ou menos, a mesma proposta da faixa anterior, porém, essa é ainda muito mais dançante, com uma cadência animada, solar. A bateria é espetacular nessa música e rege as atenções e a essência dessa faixa de forma magistral. Os riffs de guitarra são pesados, mas entrega um hard psych muito interessante.
“Judgement Day” não foi
lançado, oficialmente, no ano em que foi gravado, em 1970, mas foi descoberto,
depois de cinquenta e um anos que foi concebido no Orange Studios. Em 2021 o
único rebento do Hellmet finalmente ganhou luz e foi lançado pelo selo Seelie
Court. Mas o caráter “artesanal” do lançamento foi percebido pelo número
limitadíssimo de cópias disponíveis, com exatamente 300 cópias, no formato CD!
E não precisa dizer que os valores praticados eram inacreditavelmente altos, em
torno de £ 10.000! Acreditem se quiserem!
Hoje está esgotado, não há
mais para a venda deste lançamento e acredito que os contemplados por essa
cópia não iria se desfazer de relíquia sonora e se tiver algum vendedor o fará por
cifras astronômicas! É o valor que se, literalmente, paga por ter álbuns como
esse que, no passado foram vilipendiados, e que hoje assume o caráter de
“cult”. Coisas do tempo!
E em meio a todo esse
turbilhão de lançamentos descobertos, graças ao advento das redes sociais e da
internet, somados aos abnegados trabalhos de garimpo dos selos underground, o
Hellmet, com seu “Judgement Day” se torna um verdadeiro item de colecionador
para os aficionados pelo rock obscuro e raro e pelo amante do bom e velho rock
n’ rool.
O Hellmet é uma das várias
bandas que nos estimula a entender e a exercitar as razões da dureza do
protometal e dos primórdios do hard rock, além da percepção de uma gama de
ramificações que vieram ao longo das décadas. Arrisco dizer que o Hellmet foi
uma referência esquecida nos escombros do rock.
A banda:
Terry Aitken no vocal
Stephen Day na guitarra
Ray Mellors no baixo
Gary Murphy na bateria
Faixas:
1 - Hazy Shady Lady
2 - Trust
3 - Judgement Day (Honest
Religion)
4 - Sweet Bitch
5 - What Is The Point (Of It
All?)