sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Missus Beastly - Missus Beastly (1970)

 

Costumo defender, como um ávido “consumidor” de rock alemão, que esse país não pode ser rotulado com a versão experimental e psicodélica que se convencionou, graças a uma piada da imprensa britânica, “krautrock”. Foi um movimento contra cultural que atingiu proporções musicais com algumas comunidades hippies alemãs que decidiram expandir, por intermédio da música, os seus conceitos de vidas alternativas e que se expressavam com músicas experimentais, lisérgicas e minimalistas.

Mas paralelo a esse movimento, a essa cena que florescia nas ruas alemãs, de forma marginal e underground, existia outra muito forte com bandas que exploravam grandes seções de improvisações, baseados no jazz rock e no peso do embrionário hard rock, onde podemos citar como as principais: Kraan, Thirsty Moon, Passport, Release Music Orchestra, Out of Focus, Missing Link, Embryo e Brainstorm, Guru Guru, apenas as mais proeminentes.

A Alemanha sempre entregou, com muita qualidade, bandas de várias vertentes do rock. Então considero um equívoco colocar todas as bandas alemãs dentro do mesmo “saco” do krautrock, limitando, injustamente, o rock n’ roll alemão, a referida cena, não que esta seja ruim, pelo contrário.

Equívoco este plantado por formadores de opinião e alguns sites tido como referência na informação do rock progressivo e afins. Mas no final da década de 1960, mais precisamente em 1968, surgia uma banda que, em comparação com as mencionadas que abrilhantaram a cena jazz rock na Alemanha, é mais obscura, mais desconhecida, porém deu a sua grande contribuição para a música progressiva e o hard rock germânico conhecida por MISSUS BEASTLY.

Missus Beastly

A banda, como disse, foi formada em 1968 com o nome de “Psychotic Reaction”, evoluindo em duas eras diferentes. A banda mudou o seu nome para “Missus Beastly” (da boneca negra “Mistress Beastly”) sendo talvez uma das primeiras bandas que lançou, de forma oficial, um álbum com vertente jazz rock com verdadeiras jam sections lisérgicas e psicodélicas com doses cavalares de hard rock e blues com um progressivo ainda engatinhando.

O nome do primeiro álbum, “Missus Beastly”, de 1970, alvo de minha resenha de hoje, foi gravado no CPM Studio, ainda em meados do ano de 1969, com uma pequena tiragem de 1.000 cópias. Uma verdadeira pérola, uma verdadeira preciosidade do fusion alemão que caiu no ostracismo empoeirado do rock.

A banda contou com a ajuda de ilustres músicos para conseguir gravar o seu debut, foram eles: o flautista do Xhol Caravan, Hansi Fischer, bem como membros do Amon Duul II, que estavam em estúdio à época. Eles acabaram participando do álbum também tocando seus instrumentos.

O Missus Beastly, na época da gravação e lançamento do álbum, homônimo contava com a seguinte formação: Lutz Oldemeier na bateria e percussão, Atzen Wehmeyer na guitarra e vocal, Wolfgang Nickel no órgão, piano e vocal e Pedja Hofmann no baixo e vocal, com as participações mais do que especiais de: Hansi Fischer, na flauta, da banda Xhol Caravan e mais o grande Embryo, Dieter Serfas na percussão que era do Amon Duul II, além de Chris Karrer no violão também do Amon Duul II, além de ter participação da primeira encarnação do Amon Duul e no Embryo e John Weinzierl no violão.

O álbum começa com a faixa curta e grossa chamada “XOX”, uma guitarra distorcida, estridente, com uma voz falada em alemão, algo desconexo, mostrando o que viria a seguir: peso e muita jam section ácidas e perigosas.

"XOX"

“Uncle Sam” já chega esmurrando a porta e arrebentando os pobres ouvidos com um hardão excitante, em uma hecatombe de solos de guitarra de tirar o fôlego com a bateria cheia de viradas e marcações tocada de forma agressiva e esporrenta, ao mesmo tempo. Uma ode ao peso, a visceralidade e a agressividade, tendo a camada do teclado dando amém a todo o frenesi sonoro que se sucede.

"Uncle Sam"

“Shame On You” começa ao estilo meio folk, ao estilo Jethro Tull, com a predominância de uma doce e delicada flauta, em contraponto ao que se ouvira na faixa anterior. Mas depois vem as improvisações, o jazz rock se faz presente com destaque para os teclados e a bateria, agora extremamente virtuosa e técnica, bem jazzy dando lugar aos dedilhados competentes de guitarra. Música bem versátil!

"Shame on You"

“Decision” retoma o álbum ao hard rock. Mais direta, com riffs pegajosos de guitarra e teclados tocados ao máximo, mostra uma faixa mais direta e crua deste excelente álbum.“Chinese Love Song” é o momento mais “louco” do álbum com vozes e gemidos, algo também meio desconexo, típico do krautrock também.“Mean Woman (Woody Mouse)” é o ponto alto do álbum. Um blues de encher os olhos e deixar os ouvidos e a alma no mais puro e genuíno êxtase. Bateria ritmada, marcada, bem excetuada, baixo pulsante e vigoroso, com algum groove, guitarra sendo delicadamente dedilhada e um vocal alto, altivo e limpo. Um blues rock de cair os queixos!


"Mean Woman (Woody Mouse)"

E para fechar com chave de ouro tem a “Aphrodisiakum” realçada pela base instrumental, em especial a “cozinha” que, mais uma vez dá o seu recado, com muito groove, dando um caráter mais “dançante” a música com os teclados tocados de forma frenética e muito competente.

"Aphrodisiakum"

Uma curiosidade sobre esse álbum e banda é que um grupo usurpador, liderados por um alemão chamado Henry Fromm, que se dizia empresário do Missus Beastly, além de flautista e baterista, pirateou suas músicas, assim como outros álbuns e singles sob o nome de “Missus Beastly” sem a permissão da banda.

O primeiro foi "Nara Asst Incense", com uma reedição ilegal da estreia da banda, de 1970, em LP e cassete e CD do selo bootleg “Germanofon”. A segunda foi “Volksmusik - ao vivo em Amsterdam”, em versão LP. A terceira foi "Im garten des Schweigens" mais tarde reeditado como "Super Rock Made in Germany", na versão LP. A quarta foi "Fuck you Free/Fire Bird". A quinta foi "A better Life/Henry's Dead Woman Blues". E o sexto lançamento pirata foi "Jawa Masa/Love Train Rock".






Estranha a essa excessiva ação de roubos e pirataria ao redor da banda, o que deduz que não estavam preocupados com as questões financeiras o que logo, certamente, levou ao fim precoce da banda ou ainda não tinham a mínima capacidade de gerir os negócios do Missus Beastly.

E falando em tantas mudanças, o Missus Beastly original, após o lançamento do seu primeiro álbum, sofreu com alguns rodízios de músicos. Paul Vincent na guitarra e Michael Scholz nos teclados se juntou à banda e o que era antes um quarteto, passou a ser um sexteto.

No verão de 1970, porém, Vincent foi substituído por Roman Bunka, bem como o saxofonista e flautista Jergen Benz também se juntou ao Missus Beastly. No final daquele ano Wehmeyer e Nickel sairiam da banda. Tudo isso em poucos meses!

Tendo problemas para encontrar shows e até mesmo tendo que vender a sua van e PA, por conta dos problemas financeiros, a banda se desfez em 1971. Hofman foi para a Índia, enquanto a maioria dos outros se juntou a bandas de maior sucesso como Bunka, Embryo, Benz, Erna Schmidt, Oldemeier e Checkpoint Charlie.

Até que alguns ex-membros juntamente com o ex-tecladista da banda Missing Link, Dieter Miekautsch, teve a árdua missão de reformular a banda, mantendo o estilo que construíra a estrutura sonora do álbum anterior, lançando três álbuns, um em 1974 chamado "Mi“sus Beastly”, outro em 1976 de nome “Dr. Aftershave And The Mixed-Pickles” e o terceiro em 1978 chamado “Space Guerrilha. Em 1982 a banda se separou.




A banda:

Lutz Oldemeier na bateria

Atzen Wehmeyer na guitarra e vocal

Petja Hofman no baixo e vocal

Wolfgang Nickel nos teclados

 

Com:

Hansi Fischer na flauta

Chris Karrer na guitarra

John Weinzierl na guitarra

Dieter Serfas na bateria


Faixas:

1 - XOX

2 - Uncle Sam

3 - Shame on You

4 - Decision

5 - Chinese love Song

6 - Mean Woman (Woody Mouse)

7 - Aphrodisiakum




Missus Beasty - "Missus Beastly" (1970)


Link download album: aqui


 



























 



 



 


quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Triode - On n' a Pas Fini D'Avour Tout Vu (1971)

 

A cena progressiva da França não goza de muita popularidade, não sendo muito respeitada, ficando, por conta disso, aquém do que realmente representa, em termos de qualidade, para a cena progressiva global.

E não se enganem, caros amigos leitores, a França entrega um punhado de grandes bandas, não apenas do prog rock, mas do rock n’ roll em todas as suas vertentes.

Infelizmente fatores mercadológicos impactam nesse triste cenário, sem sombra de dúvida, haja vista que a França não está no centro da música progressiva como a Inglaterra, Alemanha e até mesmo a Itália. Talvez fatores culturais que se “aplicam” na música, mas acredito, este último, se tratar de meras especulações sem nenhuma sustentação.

E falando em grandes centros da música progressiva, bem como em peculiaridades sonoras que variam de país para país, a banda que escolhi para falar ou melhor escrever traz uma sonoridade bem típica da Inglaterra, por exemplo, celeiro de bandas que executavam, flertavam com o jazz rock, o prog rock entre outros sons pagãos bem interessantes. Falo do TRIODE.

O Triode, como tantas bandas de sua geração e flerte sonoro, teve um precoce fim, um desfecho anormal quando se trata de qualidade de música, gravando apenas um álbum, no longínquo ano de 1971, chamado “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu”.

A banda foi formada na “capital luz”, em Paris, no início de 1970 e teve seu álbum lançado pelo selo “Futura Records” com uma tiragem mínima de cópias. Algo que intriga é que “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” não possui um teclado, o que surpreende em se tratando de um álbum que traz, na sua base sonora, o prog rock e o jazz rock.

Talvez a palavra certa a se usar não seja “intriga”, mas “ousadia”, afinal uma banda de rock progressivo não ter em sua formação um tecladista e ainda assim soar com uma imensa qualidade, é digno de reverências.

E falando em formação, o Triode, quando gravou “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu”, tinha o já exímio Michel Edelin na flauta, Pierre Chereze na guitarra, Pierre Yves Sorin no baixo e Didier Hauck na bateria. Edelin apesar de ser responsável apenas por tocar a flauta, é dono de uma importância grande, afinal a alma da banda passa por seu instrumento.

O Triode imprimiu em seu único trabalho lançado, além da já mencionada veia progressiva com generosas pitadas picantes de jazz rock, traz nuances bem evidentes de psicodelia, lisergia graças ao trabalho extremamente versátil de Edelin e claro, dos demais integrantes.

Ao buscar referências da banda pela “web” observei que muitos analisavam ou melhor, comparavam o Triode ao Jethro Tull, por conta do protagonismo da flauta em seu álbum. Mas ao ouvir “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu é nítido que essa comparação, além de ser um tanto quanto perniciosa, é equivocada, penso. Trata-se de uma comparação carregada de estereótipos, somente pelo fato do Tull trazer também na flauta de Ian Anderson o protagonismo que no Triode também possui. Evidente que, por conta do uso do instrumento, algumas similaridades são percebidas, mas o Triode tem o que o Jethro Tull quase não tem: o jazz rock.

“On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” é enérgico, solar, um álbum vivo, pleno e intenso. É totalmente instrumental o que evidencia tal questão. E convém ressaltar que, além da forma fascinante de tocar flauta de Michel Edelin, que harmoniza perfeitamente com o seu psicodélico, lisérgico da guitarra de Pierre Cherez, além da seção rítmica totalmente descolada e envolvente de Didier Hauck e Pierre-Yves Sorin.

O álbum é acelerado, em boa parte de sua execução, nenhuma faixa é fraca ou, digamos, enfadonha, traz uma musicalidade de extrema qualidade, mostrando músicos em excepcional sinergia e ainda assim permaneceram tão esquecidos, desconhecidos, envoltos em uma obscura bolha, inclusive nos circuitos do prog rock ficaram no mais puro ostracismo, sem contar com a linda arte gráfica que já nos convida a ouvir o seu conteúdo.

E foi exatamente assim que me aproximei do álbum do Triode: em minhas incursões, desbravando o mundo encantado da obscuridade que, confesso não lembrar como, cheguei ao álbum desta banda francesa. A arte gráfica foi mesmerizante e, claro, logo me pus a ouvir e o resultado e de total frenesi que relato neste texto.

Trata-se um álbum versátil ou que se convencionou de “eclectic rock” e confesso que, apesar de ser um tanto quanto reticente com esses “rótulos musicais”, esse realmente se encaixa, se adequa ao estilo de som do Triode: um jazzy prog com interlúdios quentes de flauta, com a guitarra ácida, lisérgica e uma “cozinha” competente e audaciosa, dando a textura ideal para a sua vertente sonora.

"Magic Flower"

“Misomaque” de imediato se percebe que é mais acelerada que a música anterior e quem dita esse ritmo é a bateria, mostrando-se mais dinâmica e enérgica, logo depois vem o baixo pulsante e solos rápidos e diretos de guitarra dando mais peso ao conjunto. Uma sopa sonora intensa e dançante!

"Misomaque"

“Moulos Grimpos” já começa contemplativo, com uma pegada mais psicodélica, graças também ao instrumento percussivo. A flauta entra nos momentos mais leves da música, com guitarras dedilhadas e baixo e bateria, mais uma vez, em extrema e competente harmonização. Solos de guitarra limpas e lindas se ouvem e me remete algo meio bluesy.

"Moulos Grimpos"

Segue com “Blahsha” que é a síntese do jazz rock! Bateria swingada e frenética, em alguns momentos, a flauta “duela” com os riffs de guitarra. O todo logo se mostra único com peso e irreverência. Nota-se ao fundo gritos de êxtase, a música é envolvente e plena, texturas pesadas com solos lisérgicos de guitarra. Sem dúvida uma das melhores músicas deste belo álbum. Baixo pulsante de forma louca, bateria pesada, flauta rasgando. Tudo nessa música é intensa!

"Blahsha"

“Lilie” é uma faixa em que se corrobora a qualidade da flauta, tendo o apoio da seção rítmica, baixo e bateria apoiam firmemente, deixando a música mais dançante. A flauta cede lugar ao solo jazzy de guitarra que, embora simples, é extremamente emocional e igualmente dançante. Mas a flauta logo retoma a sua condição de protagonista.

"Lilie"

“Ibiza Flight” anuncia a excelente introdução de baixo enquanto a bateria segue apoiando e a flauta, excelente, “rivaliza” salutarmente com o pulsante baixo. A sintonia é perfeita! O solo de guitarra entra na festa e ganha as atenções, com peso, solo que me remete a um poderoso hard rock.

"Ibiza Flight"

 “Adeubis” é uma faixa mais curta com o predomínio da flauta, mas logo vem os riffs meio dançantes de guitarra, algo entre jazz rock com groove que, mesmo com simplicidade, traz todo o zelo pela riqueza instrumental.

"Adeubis"

“Come Together”, clássico dos Beatles, ficou bem interessante na versão instrumental, nada muito especial, é bem verdade, mas, para variar, é extremamente interessante ouvir a flauta substituir o vocal e a guitarra distorcida, ao estilo acid rock, conferindo a faixa um pouco mais de peso.

"Come Together"

E fecha com “Chimney Suite” é de longe a faixa mais longa, no auge de seus mais de nove minutos de duração e é basicamente conduzida pela flauta, percussão e baixo, tendo a guitarra, em uma versão mais pesada, se junta rapidamente, vindo rasgada, com solos pesados, fazendo o contraponto com a suavidade da flauta que sempre se mostra viva e presente.

"Chimney Suite"

O Triode se separou um ano após o lançamento de “On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” se separou. O flautista Edelin lançou alguns trabalhos solos, ganhando notoriedade e um deles é o “Michel Edelin Trio/Quartet. Mais tarde Edelin iria se consagrar como uma das lendas da flauta citado, inclusive no “Dicionário do Jazz” (Laffond), como um dos “"The Great Creators of Jazz", autêntico especialista do jazz-flute e um dos quatro na lista do Jazz Hot Prize (ao lado de Dave Valentin, James Moody e Sonny Fortune).

Chereze lançou vários singles e álbuns como artista solo, enquanto Pierre-Yves Sorin tocou como “session man” ao lado de grandes nomes do jazz, se unindo com o exímio baterista Didier Hauck no Jazz Sextet.

“On n'a Pas Fini d'avoir Tout Vu” teve, ao longo do tempo, vários relançamentos com o primeiro pelo famoso selo italiano, a Mellow Records, entre 2000 e 2001, pelo Futura Records, na versão LP, em 2012, sendo que este selo foi o responsável pelo lançamento do álbum em 1971, no mesmo ano outro selo italiano, o Luna Nera Records lançaria o álbum em LP e por fim, até o momento, o selo francês “Souffle Continu Records”, o lançaria em LP.

Um álbum instrumental uniforme, com músicas de excelente qualidade, com a flauta e guitarra fuzzed que se revezam na “liderança” sonora deste obscuro trabalho, com uma seção rítmica que dão o apoio e uma textura pesada e percussiva que faz desse trabalho do Triode, mesmo não sendo uma obra-prima, mas uma pérola do jazz rock. Recomendado!


A banda:

Pierre Chereze na guitarra

Pierre Yves Sorin no baixo

Didier Hauck na bateria

Michel Edelin na flauta

 

Faixas:

1 - Flower

2 - Misomaque

3 - Moulos Grimpos

4 - Blahsha

5 – Lilie                                                                                      

6 - Ibiza Flight

7 - Adeubis

8 - Come Together

9 - Chimney Suite


Download de “On n’a Pas Fini d’Avoir Tout Vu pode ser feito aqui!


Triode - "On n'a Pas Fini d'Avoir Tout Vu" (1971)




























quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Warlock - Warlock (1972)

 

O rock n’ roll sempre teve personagens envoltos em mistérios, envoltos em camadas densas de mistério e enigmas. Antes de bandas mascaradas que atingiram o sucesso comercial como o Kiss e Alice Cooper e mais recentemente os teatrais do Ghost, muitas bandas, principalmente obscuras e undergrounds, flertaram com ocultar de suas personas, bem antes das bandas mencionadas.

Muitas delas gravaram e lançaram álbuns ocultando suas identidades cultivando entre os aficionados do estilo, uma curiosidade acerca de seus músicos. Outro fato comum nos anos 1960 e 1970 eram bandas concebidas com músicos de estúdio que se envolviam em projetos de curto tiro, sem intenções de dar seguimento as suas histórias.

Mas independentemente da situação o fato é que essas bandas que não creditam seus artistas em álbuns ou os divulgam em shows, por exemplo, sempre alimentou uma cultura de interesse principalmente entre aqueles apreciadores do rock obscuro, do underground onde elas, as bandas, proliferam.

E uma banda que descobri, praticamente por acaso ou nem tanto assim, haja vista que estou sempre a garimpar por raridades empoeiradas pela grande rede, se adequa perfeitamente a essas bandas esquecidas nos escombros da cena underground

Mas o que mais me chamou atenção, o que de fato se tornou natural, foi o aspecto visual, a arte gráfica do álbum que, ao primeiro olhar, sugeria uma ser uma banda de heavy metal ou até hard rock, por se tratar de ter estampado um estonteante e colorido Baphomet, mas quando liguei o “play” foi uma tremenda surpresa, pois ouvi uma miscelânea de sons que em tese não “harmonizou” com a capa, a começar com jazz, prog rock, black music e soul music. Sim!

A banda em questão é o WARLOCK que surgiu nos subúrbios de Detroit, cidade que tinha uma ótima cena rock nos anos 1970. Pois é amigos e queridos leitores são essas loucuras e bizarrices estranhas que surgem nos Estados Unidos que trafegam na obscuridade que faz do rock n’ roll algo singular na sua diversidade.

E para variar pouco se sabe sobre essa banda, sequer se sabe de seu line up, dos músicos que participaram da concepção de seu único álbum, lançado em 1972, chamado simplesmente de “Warlock”. E não se confundam com o Warlock mais famoso do início dos anos 1980 que tinha na sua formação a linda headbanger Doro Pesch. Esse, como disse, trafega na escuridão.

“Warlock” foi lançado por um selo chamado “Music Merchant” que também teve curta duração que também foi criado no mesmo ano do lançamento do álbum do Warlock e, segundo reza a lenda, concebido pela equipe de composição e produção da Motown de Holland-Dozier-Holland. Talvez responda essa vertente da banda meio soul, meio funk.

“Warlock”, produzido por Ronald Dunbar, um cantor de funk e soul e também produtor, apresenta uma sonoridade calcada em experimentalismos, onde nitidamente a banda deixa fluir a sua criatividade, o seu talento, sem amarras com estereótipos sonoros, flertando com o hard rock, flertando com o jazz rock, o rock progressivo, além da música negra, algo de black e soul music, além do funk e momentos de groove bem interessantes. 

Para muitos a banda apresenta, em seu som, muita estranheza, pelo simples fato de não se agarrar aos estereótipos, o que é bom para aqueles que apreciam o rock nas suas mais diversas facetas, mas que pode gerar rejeição para aqueles que curtem um ou outro estilo.

Já que não temos os músicos para apresentar, apresentemos o que eles produziram em estúdio o que verdadeiramente é primoroso, dissequemos a sua música, o que, convenhamos, é o mais importante.

O álbum é inaugurado com a faixa “Music Box: Struggling Man” que já escancara com um vocal potente, rasgado, gritado, com o saxofone em pleno destaque com solos frenéticos e enérgicos e um baixo pulsante com uma pegada bem funky, cheio de groove. Tem um peso nessa faixa também, algo de hard com passagens mais lentas e um vocal mais suave e melódico que surge. Excelente!

"Music Box: Struggling Man"

“So Can Woman” é dançante, o vocal, mais bem elaborado e limpo, traz todo o balanço e a textura central da faixa, com o sax ganhando espaço também, emoldurando a proposta da música. Teclados trazem uma proposta mais progressiva a faixa, que se aventura em caminhos mais experimentais.

"So Can Woman"

“Putting Life Together” começa com um envolvente solo de piano, com uma textura discreta e sombrio de baixo, com uma pegada meio jazzy, com lindos e contemplativos solos de saxofone e riffs de guitarra meio dançantes. O vocal volta a se destacar, melancólico e dramático.

"Putting Life Together"

“You've Been My Rock” é um “ponto fora da curva” do álbum. Escrita por Holland-Dozier-Holland, traz uma vibe meio “disco”, cheia de groove e extremamente dançante trazendo a black e soul music. Confesso ter sido um tanto quanto chocante ouvir essa música depois de uma sequência mais sombria e experimental.

"You've Been My Rock"

“Thrills of Love” entrega peso, um hard rock ao estilo Cream, com riffs forte, potentes e pegajosos, mas com a adição dos instrumentos de sopro, como o saxofone, entregou um pouco de experimentalismo, com destaque também para o vocal gritado e de grande alcance que é definitivamente a cereja do bolo desta belíssima música.

"Thrills of Love"

“Love Girl” volta a destoar do conjunto, mas para melhor. Uma linda e memorável balada ao estilo jazzy que traz o destaque de um vocal lindo, melódico e extremamente dramático, com uma flauta viajante e contemplativa que faz da música extremamente linda!

"Love Girl"

E fecha, de forma fantástica, com “As You Die: Music Box” que definitivamente é a faixa mais progressiva do álbum, não apenas pela sua longa duração, com cerca de 14 minutos, mas primordialmente pelos vários andamentos e mudanças rítmicas e pegadas bem enérgicas de saxofone, solos potentes de guitarra. A música, apesar de longa, não se arrasta em nenhum momento, é o ponto mais alto do álbum, sem sombra de dúvida.

"As You Die: Music Box"

O único rebento do Warlock foi relançado em vinil em 2021 pelo selo Demon Records, prensado em vinil preto de 140g com arte original e capa interna impressa muito bem-acabada.

Se você aprecia Blood, Sweet & Tears, The Doors e Deep Purple e quer aguçar seu apetite musical com um som repleto de alma, com mudanças cheias de humor e tem um gosto suficientemente aventureiro, mergulhe com o único trabalho do Warlock. É raro, obscuro, é uma pérola perdida, mas extremamente rica e recomendado.




A banda: Não creditada

 

Faixas:

1 - Music Box: Struggling Man

2 - So Can Woman

3 - Putting Life Together

4 - You've Been My Rock

5 - Thrills of Love

6 - Love Girl

7 - As You Die: Music Box


Warlock - "Warlock" (1972)