segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Hannibal - Hannibal (1970)

 

O universo do rock obscuro e raro é definitivamente gigantesco. É como se fosse uma selva ainda inexplorada, intocável, esperando por nós, para desbravar e dominar a música, embora antiga, pelo menos a esmagadora maioria, que irá nos servir como um elixir, um deleite.

Por isso esse reles e humilde blog existe: para dar luz ao rock obscuro, para trazer à tona todas essas bandas, com suas histórias de fracassos comerciais sim, mas extremamente ricas, que nos ensina que a música, em sua forma genuína, ainda vale, ainda tem relevância para tais bandas.

E, para variar, estava eu, em mais uma de minhas incursões pela grande “web” em busca de novas sonoridades de bandas velhas e encontrei uma publicação nas redes sociais de uma banda que carregava em seu nome o de um personagem icônico e deveras perigoso que muito marcou a minha vida de cinéfilo. Falo de Hannibal Lecter.

Quem não lembra do Dr. Hannibal encarnado pelo excelente ator, vencedor do oscar, Anthony Hopkins, no filme “Silêncio dos Inocentes”, de 1991. Bem pelo menos foi com Hopkins que o personagem ganhou visibilidade.

Aquilo, claro, me chamou a atenção, uma banda de nome HANNIBAL, será que traria uma sonoridade boa? O que me reservaria? Logo busquei o seu álbum que estava disponível na grande rede e não hesitei em ouvir. Não esperei por muito tempo. Estava com uma incontida ansiedade em ouvi-lo.

Que banda, que álbum! Se eu associei qualidade sonora ao nome, no mínimo pitoresco da banda, deu certo, apesar de ser um risco pouco calculado, mas o fato é que o som da banda me envolveu por completo.

Quando o álbum do Bakerloo, já com o nome encurtado, lançou seu único trabalho, em 1969, homônimo, Clemson saiu da banda, para ingressar no Colosseum. O empresário da banda, Jim Simpson, já tinha agendado uma turnê pela Alemanha e se viu em uma situação complicada, porque a banda estava com seu line up incompleto.

"Bakerloo" (1969)

Antes de escolher o nome Hannibal a banda que foi recrutada excursionou pela Alemanha ainda com o nome Bakerloo para atender aos quesitos contratuais e assim fizeram os shows. Há quem diga que essa história não confere, que não há relação entre Bakerloo e Hannibal, mas fica registrada a história, pois ficou carente de confirmação. São as obscuridades...

Mas com algumas mudanças na formação, a banda, que já estava com um novo nome, “Hannibal”, tinha na figura do guitarrista Adrian Ingram, a importância para dar vida ao novo álbum, que viria a ser lançado em 1970, pelo selo “B & C Records”. Ingram veio de uma banda, meio pop, de Wolverhampton, que se chamava “The Californians”, que lançou vários singles entre 1967 e 1969 pela Decca e Fontana, além de ter tocado em uma razoável sequência de bandas locais como “The Choice” “Gilt Edge”, “Evolution”, antes de ingressar no Hannibal.

Junto com Adrian Ingram tinha também uma figura importante para a banda, o tecladista Bill Hunt, que era oriundo da banda “Brumbeat Psychsters Breakthru”, que gravou um single, para a Mercury, chamado “Ice Cream Tree” (b/w “ Julius Caesar”), acumulando material digno de um álbum que mais tarde seria lançado com o nome “Adventures Highway”.

O vocalista Alex Boyce, juntamente com a seção rítmica do Hannibal, Jack Griffiths, no baixo e John Parkes, na bateria, completaram a formação original da banda. Juntou-se também ao Hannibal o saxofonista e clarinetista Cliff Williams, que era mais um músico contratado, pois não aparece nos créditos no álbum, mas que deixou sua marca importante nas nuances sonoras da banda.

“Hannibal” foi concebido no “Island Studios” com o famoso produtor Rodger Bain, que produziu, entre outros, bandas do naipe de Budgie, Wild Turkey, Indian Summer, Barclay James Harvest, sendo auxiliado pelo engenheiro Roger Beale que trabalhou com Spooky Tooth, Clear Blue Sky, Family etc. Todas as faixas tiveram a participação na composição de Ingram, tanto nas letras como nas melodias, com eventuais participações de outros integrantes.

A arte gráfica de “Hannibal” ostenta uma capa dobrável com uma visão inferior, em negativo fotográfico, de um quadrúpede difícil de identificar no topo de uma colina arrastando um flautista contra um céu laranja. Um tanto quanto louco, não acham? O designer, Keith MacMillan (também conhecido como Keef), também fez visuais para álbuns do Colosseum (“Valentyne Suite”, de 1969), Beggars Opera, Rod Stewart (“Gasoline Alley”), Affinity, Hungry Wolf, Black Sabbath (“Paranoid”, de 1970), Warhorse, Manfred Mann, entre outros.

“Hannibal” traz o jazz rock como a sua espinha dorsal sonora. Os músicos se apoiaram mais no lado “rock” do jazz rock, trazendo interessantes nuances de hard rock ao som do Hannibal. E não se enganem, amigos leitores, de os caras não tivessem talento para o jazz, muito pelo contrário, basta ouvir a guitarra de Ingram, o sax de Willians e a bateria pungente e complexa de Parkes. Sem contar também com textura blueseiras que me remete ao Colosseum em seus primórdios. Definitivamente o som do Hannibal era de vanguarda, novo, audacioso e ainda trazia um embrionário prog rock dada a viradas rítmicas das músicas.

O álbum é inaugurado pela faixa “Look Upon Me”. Ela está longe da complexidade das faixas seguintes, mas que não fica atrás, sobretudo pelo saxofone, os instrumentos de sopro que ganhariam destaque do início ao fim do álbum. Mas é com a guitarra e seus bons riffs que ganharia imponência logo no início, sem contar também com o bom e consistente vocal de Alex Boyce.

"Look Upon Me"

Na sequência temos a faixa “Winds of Change” segue a linha jazz rock que é a proposta do álbum, mas vem com um pouco mais de agressividade, um jazz mesclado ao hard rock tendo a guitarra como sustentáculo, sem contar com os vocais bem dramáticos, bem emocionais de Boyce que traz o contraponto ao peso da faixa que se mostra ainda bem elaborada, complexa sob o aspecto da melodia.

"Winds of Change"

“Bend for a Friend” traz batidas constantes, com guitarra rasgando com riffs poderosos e solos ocasionais, além de saxofone nervoso e órgão indo e vindo em uma sincronia instigante. Logo muda tudo e a sonoridade se revela jazzística com texturas de teclado em ritmo lento, algo meio lisérgico, mas em seguida os instrumentos de sopro ganha logo protagonismo.

"Bend for a Friend"

“1066” traz um blues rock vibrante muito determinado que já começa logo com os vocais bem trabalhados de Boyce. Definitivamente ele traz muito caráter em seu canto, com refrãos quentes e instigantes. Não podemos negligenciar o belo trabalho de bateria, enquanto o baixo pulsa fortemente. A seção rítmica também ganha destaque nessa faixa.

"1066"

“Wet Legs” é uma excelente faixa, tão boa com um órgão pulsante que se destaca logo antes dos três minutos de música, trazendo bons solos de guitarra ao estilo jazzy, bateria marcada e bem cadenciada entre o hard rock e jazz rock e baixo pulsante.

"Wet Legs"

E fecha com a faixa “Winter” que se destaca pela pegada jazzística mesclada ao hard rock implementada por Ingram, mostrando incrível destreza e versatilidade. Talvez “Winter” personifique o que foi o álbum na sua íntegra: versatilidade, complexidade, força, intensidade. O trabalho instrumental, como um todo, se faz evidente nessa faixa.

"Winter"

Após o lançamento de seu único álbum, em 1970, o Hannibal chegou a excursionar ao lado de bandas clássicas como o Black Sabbath e Free, mas infelizmente o seu precoce fim destruiu a sua trajetória que prometia surtir frutos, como esse único álbum.

O tecladista Bill Hunt fez turnê com a banda “The Move”, que era o nome da banda norte americana Bang, na época do álbum que foi gravado, mas não lançado em 1971 chamado “Message From The Country”. Toca saxofone e trompete em “No Answer”, álbum de estréia da Electric Light Orchestra, além de piano e cravo na banda de Roy Wood, “Wizzard”. Em 1989   ele gravou um single com “Blessing In Disquise”, que também apresentava Bob Lamb (Locomotive) e os “ex-alunos” do Slade, Dave Hill e Noddy Holder.

Adrian Ingram gravou um álbum de guitarra clássica em 1980 chamado “Duets”. Nos anos 1990 ele apareceu em lançamentos de “Jazz Cat” com Alan Skidmore e o Bem Crosland Quintet.

“Hannibal” recebeu alguns relançamentos em CD, pelo selo “Green Tree Records”, em 1994, na Alemanha, depois mais um relançamento, em CD, pelo selo “Melting Pot Music” em 2009, na Irlanda e em 2017 teve o seu primeiro relançamento, em formato LP, pelo selo “Music for Special Experiences”, em 2017 por toda a Europa.




A banda:

Alex Boyce nos vocais

Adrian Ingram na guitarra e composição

Bill Hunt nos teclados

Cliff Williams no saxophone e clarinete

Jack Griffits no baixo

John Parkes na bateria

 

Faixas:

1 - Look Upon Me

2 - Winds of Change

3 - Bend for a Friend

4 - 1066

5 - Wet Legs

6 - Winter 



"Hannibal" (1970)