A ligação da cidade de
Birmingham e a música pesada, os primórdios do que se convencionou chamar de
heavy metal, é íntima. Diria que a característica fabril e o seu potencial
industrial desenharam os contornos da aridez do rock pesado, trazendo também
letras de cunho social e econômico muito evidentes, com críticas ácidas a
sociedade da época.
O estrondoso som do proto
metal, da música pesada reverberou por anos nas fábricas e estâncias
industriais. Tudo era cinzento, a poluição sonora, visual e do ar trazia as
inspirações sombrias aos jovens aspirantes a músicos, muito deles de origem
pobre trazendo em sua história o retrato do descaso, com a pobreza sempre à
espreita.
Tudo era raivoso na música de
bandas surgidas em Birmingham, eram os rugidos dos excluídos, dos
marginalizados. As fábricas, a indústria, a poluição eram as molas propulsoras
de músicas agressivas, pesadas e perigosas ao status quo conservador.
E quando falamos do rock n’
roll de Birmingham não podemos negligenciar bandas do naipe de Black Sabbath
que, para muitos, inaugurou os primeiros acordes do heavy metal e do Judas
Priest que, apesar de ter surgido no mesmo ano do Sabbath, na transição dos
anos 1960 para a década de 1970, demorou um pouco mais para ganhar notoriedade.
Há algumas entrevistas do riff maker Tony Iommi, dizendo que
Birmingham não aceitou a sua velha banda, Black Sabbath, de imediato, sendo
alvo de críticas da mídia especializada e um pouco de falta de assimilação dos
jovens a uma sonoridade tão áspera e pesada em pleno ano do “flower power” com
seus beats dançantes e experimentais.
Mas não se enganem, caros
amigos leitores, de que a cena rock de Birmingham limitou-se, se é que podemos
dizer dessa forma, aos medalhões Judas Priest e Black Sabbath, mas também a uma
pequena quantidade de bandas obscuras que pavimentaram o caminho da música
pesada nessa região e que, sem dúvida alguma, exportou o estilo para todo o
mundo, mesmo que não tenha tido o sucesso do Priest e Sabbath. Falo da banda
THE FLYING HAT BAND.
Nada mais do que conveniente
uma banda como o Flying Hat ter surgido com base nos “ecos” do Black Sabbath,
emergindo do mesmo epicentro, como Birmingham, não sendo diferente: um som
pesado, arrojado e sombrio. O Flying Hat, mesmo nos escombros das sombras,
abraçou-se ao Sabbath e assumiu a sua condição de embrião do peso no rock de
Birmingham, do mundo.
O melhor da The Flying Hat
Band está por vir, amigos leitores, porque as origens da banda remetem a nada
mais, nada menos do que o exímio guitarrista Glenn Tipton, que se notabilizou
tocando, adivinhem, no Judas Priest. As origens, inclusive das duas bandas, vêm
das Midlands.
Glenn estava tocando na banda Merlin
e também Shave'Em Dry, mas logo se desenvolveu na The Flying Hat Band, até
porque Pete Hughes e Dave Shelter, que tocava baixo e guitarra, estavam nessas
bandas juntamente com Tipton. No começo, depois de um show em Newcastle, a
guitarra de Glenn, uma Stratocaster Pink, foi roubada do palco sem nenhum
pudor. Então ele, após perder a guitarra, decidiu desistir de sua empreitada
musical, afinal sem guitarra e sem dinheiro ficaria difícil. Conseguiu um
emprego regular das 9h às 17h em um escritório.
Mas depois de alguns dias uma
pessoa ofereceu ao jovem Glenn uma Fender Strat por 30 libras! Talvez era a
chance única de retornar à música, de retomar os trilhos da The Flying Hat
Band. Depois de fazer uns trabalhos de paisagismo de alguns jardins para levantar
o dinheiro, ele conseguiu retomar seu sonho de ser um músico e tocar a sua
guitarra.
A formação da banda continuou
mudando. Alguns dos primeiros integrantes eram Trevor Foster, baterista e Andy
Wheeler, baixista, além do vocalista Pete Hughes e Glenn na guitarra. As
músicas que compuseram entre o fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 eram
autorais e já se percebia um esboço sonoro do que Tipton faria no Judas Priest.
Havia também espaço para alguns covers de rock n’ roll e blues também até para
compor um tempo satisfatório para as suas primeiras apresentações.
E nessas mudanças veio uma
baixa considerável, a do vocalista Pete que desistiu da sua carreira musical se
juntando à RAF. Não encontrando um vocalista de forma imediata para os shows
que estavam aparecendo Glenn decidiu assumir os vocais e eles se tornaram um power
trio. Mas as mudanças continuaram e dessa vez em caráter de reconstrução
com Steve Palmer na bateria, este irmão do icônico baterista do Emerson, Lake &
Palmer e Atomic Rooster, Carl Palmer e Peter "Mars" Cowling, no
baixo.
Essa formação deu uma guinada
de qualidade no som da banda, embora sempre o foi desde os primórdios, mas essa
formação constituía no melhor momento da banda e o exemplo foi o convite que
recebeu para tocar no famoso The Cavern Club, em Liverpool, no Marquee, em
Londres e assim foi o batismo de fogo. A banda, inclusive, nessa época, serviu
de suporte para a turnê do Deep Purple na sua turnê pela Europa.
A Flying Hat Band foi contratada
pela icônica gravadora Vertigo, em 1973, para gravar o seu primeiro álbum.
Algumas músicas foram gravadas, porém nunca viu a luz do dia, nunca foi lançada
oficialmente pela gravadora. Torna-se incompreensível a banda, contratada por
um selo de renome, com toda a estrutura possível para gravar um material, não
ter lançado de forma oficial. Na realidade tais músicas, em um total de quatro
faixas, foram melhoradas em estúdio, haja vista que elas já tinham sido
gravadas pela banda em 1971.
A proximidade com a “Vertigo” certamente se deu pela cena pesada que florescia na fabril cidade de Birmingham, com o Black Sabbath e Judas Priest capitaneando a música hard rock nessa cidade. O Sabbath já era conhecido, tinha lançado alguns álbuns que estava ganhando notoriedade e o Priest seguia seu caminho rumo à história. Mas ainda assim a Flying Hat Band não conseguiu emplacar sua arte.
E falando nas suas quatro
faixas lançadas, com tinha na formação, o Glenn Tipton nos vocais e guitarra,
Peter “Mars” Cowling no baixo e Steve Palmer na bateria, trazia um hard rock
poderoso, vívido, intenso, com texturas nítidas de um proto metal que
certamente fosse lançado nos anos 1980 faria sucesso e não estaria “descolado”
no tempo. Nota-se na sonoridade da banda, personificada nessas quatro faixas,
uma veia de blues rock.
Começa com a faixa “Reaching
for the Stars” que traz riffs pegajosos de guitarra e baixo super pulsante,
mostrando uma sessão rítmica excelente com a bateria marcada e pesada. Solos de
guitarra tornam a música mais solar e pesada, a “cozinha” segue dando o tom,
dando o ritmo. O típico hard rock setentista é a tônica dessa faixa.
Segue com “Coming of the Lord”
que surge com riffs de guitarra que te remete perfeitamente ao heavy metal
embrionário, mas que logo fica mais cadenciado e a sessão rítmica capitaneia
essa pegada. A pegada heavy logo retorna, solos rápidos e diretos de guitarra e
a bateria mais pesada dão o tom. O instrumental, já na reta final da música, é
envolvente, pesado, poderoso. O vocal é mais alto e proeminente.
“Seventh Plain” traz o
destaque do baixo à tona novamente, que é executado rápido, com mais peso. O
peso dos riffs de guitarra também ganha visibilidade. Outra faixa que nos traz
à lembrança o peso do heavy rock com algumas cativantes mudanças de andamento.
E para fechar tem “Lost Time”
que inicia mais introspectiva apenas com o vocal à capela e logo entra o
dedilhar acústico de um violão, trazendo reminiscências de uma música mais
psicodélica e lisérgica ao estilo mais contemplativo. E o violão segue
acusticamente até o fim da música dando-lhe a condição de balada dentre as mais
pesadas produzidas pela Flying Hat Band.
Em 1992 o selo alemão SPM
International lançou, sob o título de “Buried Together, um “Split”, juntamente
com a banda Iron Claw, erroneamente rotulado como “Antrobus” e essas quatro
faixas originais foram unidas em um tracklist muito bem gravado. Finalmente eram
lançadas as músicas da Flying Hat Band! Há também outro Split, gravado em 2011,
pelo selo Acid Nightmare Record, de Portugal, com a banda “Earth”, que era o
Black Sabbath nos primórdios. As faixas do Earth são as demos da banda lançadas
em 1969. O nome do LP se chama “Coming of The Heavy Lords”.
A Flying Hat Band finalizou as
suas atividades em 1974 e Glenn Tipton foi sondado pelo Judas Priest entrando,
nesse mesmo ano, na banda, pouco antes do lançamento de seu debut, o “Rocka
Rolla”. No site do Glenn Tipton, que pode ser acessado aqui, há uma fala bem
interessante sobre a relação próxima do Flying Hat Band com o Judas Priest e a
forma como ele recebeu o convite para fazer parte do Priest:
“Dizem
que tudo acontece por uma razão. Na época, a Flying Hat Band estava trabalhando
com uma agência em Birmingham de propriedade de Jim Simpson, que por acaso era
a mesma agência do Judas Priest. O Priest estava com a Gull Records, que
sugeriu que a banda adicionasse um tecladista ou outro guitarrista. Como a
Flying Hat Band estava se separando, eles me procuraram para ver se eu estava
interessado em entrar. Isso foi em maio de 1974, antes do primeiro álbum “Rocka
Rolla”. Eu concordei, e não demorou muito para perceber que tínhamos uma
química única como banda e, particularmente, como compositores. Algo muito
especial havia acontecido. ”
Peter “Mars” Cowling se
juntou, após o fim da Flying Hat Band, a Pat Travers, em 1975, trabalhando com
ele por muitos anos. Trevor Foster se juntou a banda de folk rock “The Albion
Band e Little Johnny England”. Peter
Cowling faleceu em 2018.
A Flying Hat Band, sem sombra
de dúvidas, teve um grande peso para a história do hard rock e, mesmo que não
tenha tido êxito, sob o aspecto comercial e não tenha sequer lançado, à época,
um álbum oficialmente, sua pequena obra se tornou significativa para edificar,
juntamente com bandas como Black Sabbath e Judas Priest, o heavy metal que se
notabilizaria mais de dez anos depois, lá pelos anos 1980. A plenitude do seu legado
é inestimável para aqueles que, até hoje, fundam suas bandas de hard rock e
heavy metal.
A banda:
Glenn Tipton nos vocais e guitarra
Peter "Mars" Cowling
no baixo
Steve Palmer na bateria
Faixas:
1 – Reaching for the Stars
2 – Coming of the Lord
3 – Seventh Plain
4 – Lost Time