sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Zarathustra - Zarathustra (1972)

 

Eu costumo dizer, diria bradar aos quatro cantos, que rock n’ roll e cultura andam de mãos dadas. Claro que há bandas para todos os tipos de “demandas”: bandas que falam de sexo, hedonistas, de festas e drogas, contestadoras, anarquistas e aquelas politizadas, antenadas com o cenário sócio-político e econômico de um país.

E foi com base neste último preceito que este reles e humilde blog que você, caro e brilhante leitor, abrilhanta com a leitura, veio a existir. Sempre aliei a música que amo a cultura de contestação, de mostrar, de trazer à tona as mazelas dessa sociedade putrefata que lamentavelmente fazemos parte. Sem contar também que as histórias das bandas e como foram concebidas, bem como as suas obras de arte, os seus álbuns, também é um espetáculo à parte.

Porque por intermédio dessas histórias, muito delas com um sinônimo de perseverança e de amor à música que acreditam, são fantásticas e que estão, muitas delas, intimamente ligadas a história da música local e também diretamente às manifestações culturais que se formam nesses aglomerados humanos.

Por que digo isso tudo? Vou contar, prometo ser breve, uma história de como cheguei a essa banda que será resenhada hoje e que, de uma forma totalmente despretensiosa, pois não procurava por bandas e suas músicas, eu descobri uma banda que, a meu ver, era excelente.

Estava eu procurando um livro do grande e marginal filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), o famoso “Assim falou Zaratustra”, pois já tinha lido outros livros desse autor e estava ávido para ler outros, sendo este, recomendado a mim.

O livro conta a história de um pensador que desce das montanhas para ensinar aos homens o que descobriu em seu isolamento. A frase célebre do filósofo que causou certo rebuliço, “Deus morreu”, mostrava a sua crítica ferrenha contra o pensamento cristão, porque, segundo Nietzche, desprezava o “corpo”. O livro denuncia a renúncia da vontade e diz “sim à vida”, em toda a sua plenitude.

Friedrich Nietzsche

Mas quando estava procurando o valor mais atraente para a compra do livro surgiu para mim a imagem de uma capa de LP, de um álbum de uma banda, com um rosto em um fundo branco, muito simples, mas bonito e, curioso, decidi vasculhar um pouco mais para saber de onde veio. A banda se chamava ZARATHUSTRA e era da Alemanha! Ah não hesitei em buscar, ainda mais informações, afinal a banda alemã com um nome que faz referência ao livro do também germânico Nietzche, a combinação poderia ser perfeita e docemente beligerante, apesar de ter, por questões legais, algumas mudanças na grafia do nome da banda.

Quando finalizei a audição do único álbum da banda, lançado em 1972, pelo selo “Metronome”, eu me senti em uma espécie de arrebatamento. Pesado, intenso, solar, versátil, pois trazia hard rock, heavy rock e momentos de progressivo dando uma cadenciada na sonoridade. Mas quando levantei material de pesquisa para construir esse texto li algumas críticas negativas bem pesadas acerca da banda Zarathustra e de seu álbum, dizendo se tratar de uma banda aquém da música que apresentou, dizendo ser cópia barata de bandas como Deep Purple, Uriah Heep, entre outras.

Por favor! Não desejando advogar pela causa da banda, mas precisamos entender que, de uma vez por todas, essas bandas estavam experimentando estilos, flertando com instrumentos e as semelhanças, podemos dizer dessa forma, é mais do que natural, principalmente levando-se em conta o fator cronológico, pois o álbum do Zarathustra é de 1972, onde as coisas eram, digamos, embrionárias. Enfim, no mais temos que, mesmo diante das argumentações e divergências, respeitar as opiniões.

O Zarathustra foi formado em 1969 na cidade de Hamburgo. O álbum, homônimo, vinha na contramão do que se fazia, pelo menos de forma predominante, na Alemanha Kraut. Não tinha absolutamente nada de experimental ou minimalista, típico das bandas precursoras do estilo na segunda metade dos anos 1960. Era hard rock, apesar do uso demasiado dos teclados, daí a semelhança com o Heep e o Purple, talvez, com tendências progressivas e, nessa salada mista, a banda era singular.

O Zarathustra assinou o contrato com o selo, com o selo “Metronome”, em 1971, um selo underground que incentivava as bandas igualmente underground que surgia aos montes na Alemanha. “Zarathustra” traz um som poderoso, agressivo, ao estilo alemão de ser, mas ao mesmo tempo, percebem-se sutilezas sonoras diferenciadas e difícil de definir. Talvez essas indefinições possam trazer dúvidas, mas por outro lado não nos prende a rótulos, passando a nos focar na beleza da música e nas suas qualidades e peculiaridades.

Mesmo que eu tenha, em minha primeira audição, caído no inevitável invólucro do rótulo, peço-lhes desculpas, caros leitores, mas a referida contradição pode se tornar aceitável dada a vastidão das influências do Zaratustra, formando uma massa sonora pesada e sútil, ao mesmo tempo. Podemos considerar “Zarathustra” um clássico obscuro, uma fusão do heavy rock com o rock progressivo.

A formação da banda que gravou “Zarathustra” tinha: Ernst Herzner nos vocais, Wolfgang Reimer na guitarra, vocais e percussão, Michael Just no baixo e vocais, Klaus Werner nos teclados e Wolfgang Behrmann na bateria e percussão.

O álbum abre já com uma excelente música chamada “Eternal Light” com um vocal excelente, melódico, com riffs pegajosos e um órgão meio obscuro. Começa quase a capela com um órgão cavernoso ao fundo.

"Eternal Light"

“Mr. Joker” se mostra também muito pesada, um verdadeiro rock básico, curto e grosso, com riffs de guitarra, com bons solos esculpidos e um hardão poderoso e envolvente, além daquele vocal poderoso e de grande alcance.

"Mr. Joker"

“Past Time” é épica e é um exemplo excelente de hard progressivo que poucas bandas praticavam em 1972, com uma cozinha avassaladora, destaque para a bateria, uma verdadeira catarse sonora.

"Past Time"

“Nightmare” segue a mesma linha hard prog com passagens variando entre peso e o suave com muita presença e qualidade. Alterna doçura enganosa e momentos energéticos com órgão vertiginoso.

"Nightmare"

Sad Woman” é tiro curto de hard rock com pitadas de classic rock. Revela um registo do rhythm 'n' blues com uma ponte celestial e arrebatadora.

"Sad Woman"

E para fechar temos “Ormuzd” que tem a introdução de ruídos sonoros experimentais provocados pelo teclado que mantém em destaque durante toda a faixa com solos simples e diretos de guitarra, mostrando um belo e ousado flerte entre progressivo e hard rock com passagens de tirar o fôlego.

"Ormuzd"

O Zarathustra não resistiu à falta de promoção e a consequente baixa procura por compra de seu material, se desfazendo ainda no ano de 1972. Uma pena que a banda não prosseguiu.

Mais uma raridade oriunda da rica e diversificada cena alemã, mais uma banda obscura oriunda de um dos mais importantes países que abrigou e abriga a música experimental, revolucionária e progressiva do mundo.

Álbum obrigatório! Uma pérola que precisa ser difundida e que certamente, mesmo que pouco conhecida, após a audição deste álbum, chegaremos a conclusão de que é e foi uma referência para o surgimento das bandas de heavy prog ou hard prog em meados da década de 1970.

A banda:

Ernst Herzner nos vocais principais

Wolfgang Reimer na guitarra, vocais e percussão

Michael Just no baixo e vocal

Klaus Werner nos teclados

Wolfgang Behrmann na bateria e percussão

Faixas:

1 - Eternal Light

2 - Mr. Joker

3 - Past Time

4 - Nightmare

5 - Sad Woman

6 - Ormuzd


Zarathustra - Zarathustra (1972)