Eu costumo dizer, diria
bradar aos quatro cantos, que rock n’ roll e cultura andam de mãos dadas. Claro
que há bandas para todos os tipos de “demandas”: bandas que falam de sexo,
hedonistas, de festas e drogas, contestadoras, anarquistas e aquelas
politizadas, antenadas com o cenário sócio-político e econômico de um país.
E foi com base neste último
preceito que este reles e humilde blog que você, caro e brilhante leitor,
abrilhanta com a leitura, veio a existir. Sempre aliei a música que amo a
cultura de contestação, de mostrar, de trazer à tona as mazelas dessa sociedade
putrefata que lamentavelmente fazemos parte. Sem contar também que as histórias
das bandas e como foram concebidas, bem como as suas obras de arte, os seus
álbuns, também é um espetáculo à parte.
Porque por intermédio dessas
histórias, muito delas com um sinônimo de perseverança e de amor à música que
acreditam, são fantásticas e que estão, muitas delas, intimamente ligadas a
história da música local e também diretamente às manifestações culturais que se
formam nesses aglomerados humanos.
Por que digo isso tudo? Vou
contar, prometo ser breve, uma história de como cheguei a essa banda que será
resenhada hoje e que, de uma forma totalmente despretensiosa, pois não
procurava por bandas e suas músicas, eu descobri uma banda que, a meu ver, era
excelente.
Estava eu procurando um
livro do grande e marginal filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), o
famoso “Assim falou Zaratustra”, pois já tinha lido outros livros desse autor e
estava ávido para ler outros, sendo este, recomendado a mim.
O livro conta a história de
um pensador que desce das montanhas para ensinar aos homens o que descobriu em
seu isolamento. A frase célebre do filósofo que causou certo rebuliço, “Deus
morreu”, mostrava a sua crítica ferrenha contra o pensamento cristão, porque,
segundo Nietzche, desprezava o “corpo”. O livro denuncia a renúncia da vontade
e diz “sim à vida”, em toda a sua plenitude.
Mas quando estava procurando
o valor mais atraente para a compra do livro surgiu para mim a imagem de uma
capa de LP, de um álbum de uma banda, com um rosto em um fundo branco, muito
simples, mas bonito e, curioso, decidi vasculhar um pouco mais para saber de
onde veio. A banda se chamava ZARATHUSTRA e era da Alemanha! Ah não hesitei em
buscar, ainda mais informações, afinal a banda alemã com um nome que faz
referência ao livro do também germânico Nietzche, a combinação poderia ser perfeita
e docemente beligerante, apesar de ter, por questões legais, algumas mudanças
na grafia do nome da banda.
Quando finalizei a audição
do único álbum da banda, lançado em 1972, pelo selo “Metronome”, eu me senti em
uma espécie de arrebatamento. Pesado, intenso, solar, versátil, pois trazia hard
rock, heavy rock e momentos de progressivo dando uma cadenciada na sonoridade.
Mas quando levantei material de pesquisa para construir esse texto li algumas
críticas negativas bem pesadas acerca da banda Zarathustra e de seu álbum,
dizendo se tratar de uma banda aquém da música que apresentou, dizendo ser
cópia barata de bandas como Deep Purple, Uriah Heep, entre outras.
Por favor! Não desejando
advogar pela causa da banda, mas precisamos entender que, de uma vez por todas,
essas bandas estavam experimentando estilos, flertando com instrumentos e as
semelhanças, podemos dizer dessa forma, é mais do que natural, principalmente levando-se
em conta o fator cronológico, pois o álbum do Zarathustra é de 1972, onde as
coisas eram, digamos, embrionárias. Enfim, no mais temos que, mesmo diante das
argumentações e divergências, respeitar as opiniões.
O Zarathustra foi formado em
1969 na cidade de Hamburgo. O álbum, homônimo, vinha na contramão do que se
fazia, pelo menos de forma predominante, na Alemanha Kraut. Não tinha
absolutamente nada de experimental ou minimalista, típico das bandas
precursoras do estilo na segunda metade dos anos 1960. Era hard rock, apesar do
uso demasiado dos teclados, daí a semelhança com o Heep e o Purple, talvez, com
tendências progressivas e, nessa salada mista, a banda era singular.
O Zarathustra assinou o
contrato com o selo, com o selo “Metronome”, em 1971, um selo underground que
incentivava as bandas igualmente underground que surgia aos montes na Alemanha.
“Zarathustra” traz um som poderoso, agressivo, ao estilo alemão de ser, mas ao
mesmo tempo, percebem-se sutilezas sonoras diferenciadas e difícil de definir. Talvez
essas indefinições possam trazer dúvidas, mas por outro lado não nos prende a
rótulos, passando a nos focar na beleza da música e nas suas qualidades e
peculiaridades.
Mesmo que eu tenha, em minha
primeira audição, caído no inevitável invólucro do rótulo, peço-lhes desculpas,
caros leitores, mas a referida contradição pode se tornar aceitável dada a
vastidão das influências do Zaratustra, formando uma massa sonora pesada e
sútil, ao mesmo tempo. Podemos considerar “Zarathustra” um clássico obscuro,
uma fusão do heavy rock com o rock progressivo.
A formação da banda que gravou “Zarathustra” tinha: Ernst Herzner nos vocais, Wolfgang Reimer na guitarra, vocais e percussão, Michael Just no baixo e vocais, Klaus Werner nos teclados e Wolfgang Behrmann na bateria e percussão.
O álbum abre já com uma
excelente música chamada “Eternal Light” com um vocal excelente, melódico, com
riffs pegajosos e um órgão meio obscuro. Começa quase a capela com um órgão
cavernoso ao fundo.
“Mr. Joker” se mostra também
muito pesada, um verdadeiro rock básico, curto e grosso, com riffs de guitarra,
com bons solos esculpidos e um hardão poderoso e envolvente, além daquele vocal
poderoso e de grande alcance.
“Past Time” é épica e é um exemplo excelente de hard progressivo que poucas bandas praticavam em 1972, com uma cozinha avassaladora, destaque para a bateria, uma verdadeira catarse sonora.
“Nightmare” segue a mesma linha hard prog com passagens variando entre peso e o suave com muita presença e qualidade. Alterna doçura enganosa e momentos energéticos com órgão vertiginoso.
Sad Woman” é tiro curto de
hard rock com pitadas de classic rock. Revela um registo do rhythm 'n' blues
com uma ponte celestial e arrebatadora.
E para fechar temos “Ormuzd” que tem a introdução de ruídos sonoros experimentais provocados pelo teclado que mantém em destaque durante toda a faixa com solos simples e diretos de guitarra, mostrando um belo e ousado flerte entre progressivo e hard rock com passagens de tirar o fôlego.
O Zarathustra não resistiu à
falta de promoção e a consequente baixa procura por compra de seu material, se
desfazendo ainda no ano de 1972. Uma pena que a banda não prosseguiu.
Mais uma raridade oriunda da
rica e diversificada cena alemã, mais uma banda obscura oriunda de um dos mais
importantes países que abrigou e abriga a música experimental, revolucionária e
progressiva do mundo.
Álbum obrigatório! Uma
pérola que precisa ser difundida e que certamente, mesmo que pouco conhecida,
após a audição deste álbum, chegaremos a conclusão de que é e foi uma
referência para o surgimento das bandas de heavy prog ou hard prog em meados da
década de 1970.
A banda:
Ernst Herzner nos vocais
principais
Wolfgang Reimer na guitarra,
vocais e percussão
Michael Just no baixo e
vocal
Klaus Werner nos teclados
Wolfgang Behrmann na bateria
e percussão
Faixas:
1 - Eternal Light
2 - Mr. Joker
3 - Past Time
4 - Nightmare
5 - Sad Woman
6 - Ormuzd