sábado, 1 de outubro de 2022

Psycheground - Psychedelic and Underground Music (1971)

 

Não é novidade aos queridos amigos leitores que o cerne deste humilde e reles blog é sobre as bandas obscuras, isto é, pouco conhecidas do grande público. Aqueles álbuns e bandas que não tiveram nenhum apoio, foram esquecidas, caíram simplesmente no ostracismo e engavetadas no baú escuro e empoeirado do rock n’ roll.

Mas parece que algumas bandas encarnam essa condição, tem como método existir dessa forma e praticam, concebem a sua música, a sua arte, nesse aspecto. São obscuras e edificam a sua história dessa forma.

São tão raras, tão obscuras e undergrounds que sequer tem a certeza dos nomes dos seus integrantes, não há nomes, não há silhuetas de sua anatomia, não há registros, nada.

E para nós, amantes, enamorados do rock obscuro, não há nada melhor e estimulante ter acesso, ouvi-las e melhor: quando gostamos. A excitação parece se incontida! E para mim, que cria textos sobre muitas delas, que pesquisa sobre elas, parece ser superlativo esses sentimentos de prazer.

E a banda alvo de mais um novo texto veio até mim, após mais aqueles momentos especiais de que compartilhamos, com outras pessoas, o mesmo interesse que, em um grupo temático nas redes sociais, mais precisamente no Facebook, publicou e aqui, aproveito para difundir, o Universo Progressivo. Aquele escambo sonoro de que temos a alegria de conhecer e proporcionar grandes novidades aos que comungam da música de que tanto amamos.

E, ao ouvir este álbum, foi como se arrebatado fosse por um trovão sonoro que me chacoalhou dos pés à cabeça! Aquele som, aquela banda, aquele álbum que, quando estabelecemos um primeiro contato, já te deixa de joelhos em uma sensação prazerosa de subserviência.

E essa banda vem, adivinhem, da Itália! Ah a Itália, bons amigos leitores que, a cada dia nos proporciona novidades em todas as suas gerações, em todas as suas décadas e momentos históricos. E o melhor é que a década de 1970 naquele país parece interminável, inesgotável nas suas bandas, nos faz parecer ser uma selva ainda intocada, selvagem, um universo vasto e inexplorável.

Mas sem mais delongas vamos às devidas apresentações. Essa banda se chama PSYCHEGROUND. O nome denuncia os seus predicados: psicodélico, mesclado a momentos de hard rock, jazz rock, blues e súbitos momentos de prog rock ainda embrionário na Itália.

À época a banda, dada a sua aura misteriosa, foi confundida, até pela sua sonoridade por mais uma banda britânica. E claro, além do seu nome, em inglês, e pela música, muito típica da Inglaterra, sugestiona o ouvinte a esse caminho, mas não, a banda foi concebida em terras italianas.

Se o nome denuncia a sua vertente sonora, a capa, desenhada em um intenso e chamativo fundo vermelho, traz um homem, de proeminente barba, com uma bandana colorida, o que, se me permitam a licença poética, retratavam, em imagens, os costumes, os comportamentos da época, a contracultura na música, capitaneada pela música lisérgica, psicodélica.

E o que dizer do nome do único álbum lançado em 1971? Simplesmente se chama "Psychedelic and Underground Music"! Música psicodélica e underground! O nome entrega a sua condição, mostra o seu direcionamento, define a obscuridade de sua história.

E quem esteve por trás de "Psychedelic and Underground Music"? Na época se tratava de um mistério! Ninguém sabia quem eram os músicos que conceberam este álbum e quem compôs as suas músicas. No álbum lançado nos primórdios anos 1970 não tinha fotos, não tinha nomes, nada que apresentasse os caras que estiveram por trás deste excelente trabalho, mas tinha um nome, um pseudônimo: “Ninety”.

“Ninety” era Gianpiero Reverberi, figura conhecida na música italiana nos anos 1960 e 1970 e foi quem escreveu, concebeu as músicas de “Psychedelic and Underground Music” e também produziu o New trolls e o Le Orme, sendo que neste último foi, por um curto período de tempo, membro efetivo da banda. E os responsáveis por materializar em estúdio as músicas, por questões contratuais, foram os músicos do Nuova Idea, banda que sequer ainda tinha lançado seu primeiro álbum, com este nome, o “In The Begining”, em 1971. “Psychedelic and Underground Music” foi gravado no estúdio de Gianpiero Reverberi.

Nuova Idea - "In The Begining (1971)

O genovês Gianpiero Reverberi se notabilizou, além de trabalhar com o rock n’ roll italiano nos anos 1970, por trabalhar em uma ampla gama de mídias, como temas sonoros para TV, trilhas sonoras para os famosos “faroestes espaguetes” e ao lado de Robert Mellin compôs a memorável música tema para a TV a série infantil “As Aventuras de Robinson Crusoé”, em 1964, além de produzir também álbuns de muitos cantores populares da Itália.

Gianpiero Reverberi (Ninety)

E a formação da banda tinha Enrico Casagni no baixo, flauta e vocal, Claudio Ghiglino na guitarra e vocal, e Paolo Siani na bateria e vocal, Giorgio Usai nos teclados e vocal, e Marco Zoccheddu na guitarra e vocais. Seus nomes não foram creditados no álbum lançado, nas apenas 500 cópias lançadas em 1971 pelo pequeno selo “Lúpus”. E, nessas condições, outras bandas também lançaram seus álbuns sem creditar músicos, nesta mesma camada de mistério, tais como Planetarium, Blue Phantom, Fourth Sensation e Underground Set.

Nuova Idea no início dos anos 1970

E já que mencionei o Undeground Set vale aqui um adendo a essa banda que tem, além da sonoridade, muita coisa em comum com o Psycheground. O Underground Set, com o seu primeiro álbum, lançado em 1970, mas “construído” ainda nos anos 1960, teve as suas músicas compostas pelo próprio Gianpiero Reverberi e a banda que as executou foram também da banda Nuova Idea.

"The Underground Set" (1970)

Reza a lenda que, além de Reverberi, outros compositores participaram de “Psychedelic and Underground Music”, são eles: Sandro Brugnolini, Massimo Catalano e Stefano Torossi. Tais nomes, para variar, não foram creditados no álbum, portanto não está confirmada a informação se de fato participaram da composição das cinco faixas do álbum ou teriam assinado essas composições para fins comerciais, promocionais, uma prática frequente naquela época, obrigando muitos músicos e artistas a usar um ou até mais pseudônimos.

“Psychedelic and Underground Music” é um álbum predominantemente instrumental, com raros momentos de harmonizações vocais e nada mais trazendo muita psicodelia, um hard psych de muito respeito, rhythm & blues e levadas bem comerciais, radiofônicas, diria, apesar de ser álbum obscuro e raro, com um cunho, como disse fortemente britânico, o que levou a muita gente, à época de seu lançamento, crer se tratar de uma banda britânica.

O álbum é inaugurado pela faixa-título, “Psycheground”, e de entrada já nos brinda com um riff pesadão de guitarra, mesclado a um hammond bem nervoso, um típico, mas poderoso, hard psych ao estilo Cream. Uma sonoridade que nos remete às bandas potentes dos anos 1960. Uma guitarra ácida, lisérgica que nos faz balançar, bater a cabeça, mas, sobretudo viajar loucamente em sua loucura necessária.

"Psycheground"

“Easy” inicia cadenciada ao som da bateria, algo meio jazzy, talvez, com o hammond delicadamente ao fundo, trazendo aquele tempero psicodélico, juntando ao riff de guitarra que entrega uma pegada meio funk, dançante, tudo envolto em um clima lisérgico, como sempre.

"Easy"

“Traffic” começa introspectiva, ao som de dedilhadas notas de guitarra e harmonizações vocais ao estilo Vanilla Fudge e contemplativa na sua introdução vai ganhando corpo, com riffs mais pesados de guitarra e os teclados mais eloquentes e logo irrompe com um solo de guitarra lindíssimo, a música ganha peso, mas logo volta contemplativa. Um exemplo de progressivo clássico.

"Traffic"

“Ray” é solar, animada, uma energia mais evidente, marcada por uma levada mais pop, mais acessível, mais radiofônica, diria. O piano ganha destaque e é a camada, a textura por trás da música, a base da música e ganha uma versão mais rock, com um solo pesado de guitarra, mostrando uma banda extremamente versátil.

"Ray"

E o fim do álbum traz a faixa “Tube” que, certamente é a mais jazzística de todas, um jazz rock que tem o “recheio” da lisergia, da psicodelia, com o hammond conferindo essa textura ácida à música. A qualidade da banda e de seus músicos pode ser traduzida, materializada nessa música.

"Tube"

Algumas das faixas do “Psychedelic and The Underground Music”, como “Psycheground” e “Ray” estiveram em uma compilação promocional chamada “Oggi & Domani”, lançada pela “Leo Records”, em 1971. E aqui também vale outra curiosidade que o “Ninety”, o nosso Gianpiero Reverberi, usou seu pseudônimo para uma faixa no álbum “Ventaglio Musicale”, de Beppe Carta. A última faixa desse álbum contou com a composição de Gianpiero.

 

"Ventaglio Musicale'

"Oggi & Domani"

Reza a lenda também de que possa ter sido uma faixa remanescente de “Psychedelic And Underground Music”. A história é de que tenha sido um corte ou um take estendido de uma sessão de gravação para a penúltima faixa “Ray”. E a última teoria é devido ao longo tempo de execução da faixa, não havia espaço suficiente para ela no álbum “Psychedelic and The Underground Music”.

E não podemos deixar de falar da dupla Gianpiero Reverberi e do seu irmão, Gianfranco Reverberi, também muito conhecido na Itália por produzir trilhas sonoras para os filmes, séries de TV da Itália. Ambos gravaram junto um álbum também muito conceituado na Itália que leva o sobrenome dos irmãos.

Irmãos Reverberi

O álbum original, lançado em 1971, pelo Psycheground é muito raro, afinal, como disse, foram apenas 500 cópias prensadas naquele ano, sendo, claro considerado, por colecionadores, uma preciosidade do rock italiano. “Psychedelic And Underground Music” foi relançado, em vinil, pela Cinedelic Records em 2008 e CD pela AMS em 2009.

Um clássico raro e obscuro e que corrobora a sua condição, a sua história em seu nome e que marcou um curto, mas significativo momento do rock italiano, com sonoridades, embora com uma forte influência do rock britânico dos anos 1960, com algumas grandes bandas e álbuns que inauguraram a brilhante e vultosa cena progressiva da Itália e que, até os dias de hoje, se perpetua com grandes novidades. Psycheground com o seu “Psychedelic and The Underground Music” definitivamente é uma preciosidade sonora e que vale cada segundo de nossa audição.


A banda:

“Ninety” (Gianpiero Reverberi) na composição das músicas

Enrico Casagni no baixo, flauta e vocal

Claudio Ghiglino na guitarra e vocal

Paolo Siani na bateria e vocal

Giorgio Usai nos teclados e vocal

Marco Zoccheddu na guitarra e vocais

 

Faixa:

1 – Psycheground

2 - Easy

3 - Traffic

4 - Ray

5 - Tube

 

Psycheground - "Psychedelic and Underground Music" (1971)