A cena progressiva da Suécia
foi prolífica, foi grandiosa em qualidade e quantidade. Inúmeras bandas
surgiram, algumas caíram na obscuridade e no ostracismo, outras gozaram de
certa fama. As questões políticas limitavam um pouco, afinal grande parte dessa
cena, predominantemente underground, se posicionavam, criticavam por intermédio
de suas letras o status quo e os governos censuravam ou as gravadoras, por
medo, não gravavam ou engavetavam certos projetos musicais com esse teor,
digamos, revolucionário ou anárquico. E, muito em virtude desse cenário
desolador, florescia a música sueca comercial “rivalizando” com o prog rock
local.
Mas ainda assim o rock
progressivo sueco teve um impacto significativo nas forças socioculturais e
também, claro, nas políticas que se mostravam antagônicas a essa cena. O prog
sueco versava sobre amor, paz e felicidade. As pessoas viviam em coletivos, mudavam-se
para o interior e cultivavam suas próprias colheitas. E muitas bandas começaram
nessas comunidades e as manifestações foram influenciadas pelo movimento de
esquerda.
E, diante desse cenário, os
primeiros passos da carreira desses músicos e bandas foram dados em um ambiente
pela escassez financeira. Muitos eram jovens e surgiam, em alguns casos, de
forma despretensiosa, apenas pelo amor à música, em espaços escolares. E assim
foi com uma banda extremamente rara: GANDALF.
Meu bom e fiel amigo leitor,
você deve estar a pensar: mais uma banda com o nome Gandalf? Sim, são algumas
bandas com esse nome, mas o Gandalf sueco certamente é o menos conhecido. E não
se engane, a origem do nome da banda se deu exatamente por conta do famoso e
misterioso mago de “O Senhor dos Anéis”. Então a banda achou interessante ter
tal nome, pois o personagem era envolto em mistério.
E por falar em banda, vamos
aos jovens que formaram o Gandalf: Per-Åke Persson na bateria, Lars Linell no
baixo, Mats Ågren no vocal, guitarra e piano, Michael Schlömer na flauta e Johan
von Feilitzen no vocal, guitarra e piano.
E quando falamos em influência
e movimento progressivo na Suécia, o Gandalf, claro, tiveram as suas
referências sonoras e contava com as grandes bandas daquele país, cujos
destaques são, entre outras: Bandas
suecas influentes incluíram Hoola Bandoola Band, Nynningen, Kebnekajse, Ola
Magnell, Ensamma Hjärtan, Motvind, Coste Apetrea, Zamla Mammas Manna, Mobben,
Kaipa, Nationalteatern e Norbottensjärn, Rekyl. E evidente que as bandas
internacionais também foram determinantes para a sonoridade do Gandalf, como: Focus,
Pink Floyd, Ekseption, Gentle Giant, Frank Zappa e Deep Purple.
O Gandalf, lá no final dos
anos 1970, decidiu lançar seu primeiro álbum, de forma privada. Tentaram
contatar algumas gravadoras, sendo, claro, em pleno final dos anos 1970, onde
bandas pop e comerciais como ABBA eram a oportunidade de mercado das
gravadoras, além do punk que florescia para este mesmo mercado, negado. Por
isso a decisão dos jovens músicos do Gandalf lançar o álbum, homônimo, em 1977,
de forma bem “artesanal” e privada (Gandalf Skivprod), em um total limitado de
378 cópias. Eles tiveram o apoio financeiro principalmente dos seus amigos da
escola. Eles eram tão jovens!
Inclusive, convém trazer à
tona uma parte desse momento da história do Gandalf. O primeiro e único álbum
da banda estava planejado para ser lançado por um selo comunista de nome
Oktober, mas quando ouviram a faixa inaugural “Plastisk Svensson”, os
empresários do selo consideraram “anti-classe trabalhadora demais”. Ficaram com
medo e decidiram cancelar o lançamento.
Já que estamos falando do
único álbum do Gandalf, convém tecer alguns comentários acerca de sua
sonoridade que flerta com várias vertentes do rock, não apenas o progressivo
sueco, que tem, como base, o prog sinfônico, mas também de um boogie-rock, com
alguns solos pesados de guitarra, que tendem para o hard rock, além de uma
pegada bluesy, um blues rock. A banda não tinha rótulos e experimentava todos
os sons que reinaram no rock nos anos 1970. E esse som pouco estereotipado e
por vezes de garagem, fez com que, em 1977, mais precisamente, com o seu
lançamento tímido e limitado em cópias, não ganhasse o interesse de selos
conservadores.
Antes de falar de cada música
deste álbum pouco usual para ouvidos mais ortodoxos, convém falar um pouco do
retrato vivido pelo Gandalf da percepção do público pela mesma, bem como as
suas primeiras apresentações ao vivo. A banda, oriunda de uma cidade chamada
Uppsala, começaram a tocar, graças a sua boa relação com outras instituições de
ensino, fizeram alguns shows em outras escolas. E conseguiram tocar para 25.000
pessoas nos arredores de Estocolmo em um salto mais ousado da banda, no
“Hagafesten”. Um dia fantástico de verão com um uma grande plateia. E dividir o
palco com tantas outras bandas, algumas já experientes e outras surgindo, foi,
no mínimo, incrível para os jovens músicos do Gandalf.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Plastisk Svensson” que traz um hard rock com o destaque para riffs e
solos de guitarra que a torna pesada e animada. E essa energia da música também
se revela em uma pegada mais dançante lembrando um rockabilly. Também se
percebe uma lisergia, um beat que se “entrelaça” com o rockabilly. Segue com “Morgon
Dimman” que começa pastoral, viajante, com dedilhados lisérgicos de guitarra e
uma flauta doce, delicada. E assim a música é conduzida, entre solos ácidos de
guitarra e a flauta. E ainda assim, traz uma melodia com nuances, como um prog
rock.
“Verklig Heten” explode em um
hard rock volumoso, solos intensos de guitarra, bateria forte e com uma batida agressiva
e marcada. O baixo é pulsante, a “cozinha” é extremamente competente. Mas ainda
há mudanças de andamento, momentos de balada, conduzidas por um vocal cantado
em sueco. O solo de guitarra no meio da faixa é espetacular: límpido e
viajante. O lado progg é capitaneado pela flauta delicada. “Betygs Terror” começa
com um piano e a flauta, novamente em destaque, construindo um prog rock com
uma pegada meio jazzística. As mudanças de andamento são perceptíveis e a
bateria conduz cada mudança com maestria.
“Den Vita Snov” começa com uma
pegada psicodélica, com dedilhados de guitarra lisérgica e solos que me remetem
ao The Doors e Iron Butterfly. Bateria lentamente executada, lembrando um blues
rock, baixo no mesmo ritmo. Simples e agradável essa faixa! Viajante com solos
de guitarra. “Miljo Forstoring” segue a mesma proposta da faixa anterior, um
beat psicodélico bem dançante, mas com uma pitada comercial, algo mais
palatável, com um boogie com muita animação entre tudo isso.
“Vanderingar Om Skolan” traz a
versão blues rock do Gandalf. Sedutor, envolvente, assim se conduz a música,
com o piano no destaque, mas alterna com uma pegada mais hard rock e assim se
desenvolve, entre o peso do hard rock e a sedução do blues rock cantado, de uma
forma inusitada, em sueco. “Balladen Om Fyristorg” continua com a pegada bluesy,
mas agora inteiramente com o blues rock pesado, com riffs pegajosos de guitarra.
E fecha com “The Spoon” começa com uma balada com o piano e vocal quase que à
capela. Entra, em seguida, a bateria, marcada e um solo voltado para o blues
que deixa a sonoridade dessa faixa versátil como todo o álbum.
O vinil, acompanhado por um
livreto de 12 páginas, com letras originais e fotos da banda inéditas, destaca
uma cena prolífica personificada pelo único trabalho do Gandalf, oferecendo a
mistura pouco ortodoxa de psicodelia, progressivo, hard rock, com estilos emergentes
e experimentais da sua época.
Os anos 1970 trouxeram
sonoridades em caráter experimental e esses novos sons, de fato testaram a
capacidade de ousar muitas gravadoras no que diz respeito ao apoio a essas
bandas que são igualmente ousadas, em criar um som totalmente novo e arrojado,
diante de músicas plastificadas e óbvias, clacadas em um pop digerível e de
fácil assimilação.
Hoje as bandas gozam dessa
caminhada tortuosa e difícil de seus predecessores, além de ter tantas formas
de audição e de alcance a essas sonoridades, tantas formas digitais de
escolher, as redes sociais que difundem as novas bandas e solidifica, mesmo que
em um ambiente underground, mas forte, de sonoridades que se dão ao luxo de
ainda ganhar novos “braços” sonoros, sempre se renovando.
Por mais que o Gandalf tenha
perecido na obscuridade nos seus primórdios foi, como tantas outras bandas de
sua época, importante para a pavimentação de uma música tão poderosa e original
que, sem dúvida, faz do rock sueco ainda muito criativo e vivo, poderoso e
cheio de vida, de uma vida longa e próspera. O cantor e guitarrista Johan von
Feilitzen mais tarde fundou a banda comercial de pop rock Hansa Band, uma banda
sem mérito e com ainda menos qualidades prog.
A banda:
Johan von Feilitzen no vocal, guitarra
e piano
Per-Åke Persson na bateria
Lars Linell no baixo
Mats Ågren no vocal, guitarra
e piano
E Michael Schlomer na flauta
Faixas:
1- Plastisk Svensson
2- Morgon Dimman
3- Verklig Heten
4- Betygs Terror
5- Den Vita Snov
6- Miljo Forstoring
7- Vanderingar Om Skolan
8- Balladen Om Fyristorg
9- The Spoon








