sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Rockcelona - La Bruja (1979)

 

A música na transição das décadas de 1970 e 1980 estava sofrendo algumas mudanças, sendo impactadas por ebulições em todos os aspectos, propriamente sonoros e comerciais, principalmente. Embora algumas vertentes do rock n’ roll, por exemplo, sofria com o ostracismo, como o progressivo, com alguns figurões sumindo do mapa e outras bandas revendo sua música, outras padeciam com egos inflados de seus músicos e o uso demasiado de drogas que estavam decretando os finais de algumas icônicas bandas de hard rock.

O punk rock, subjugado e relegado aos guetos periféricos de Nova Iorque e outros punhados em Londres, ganhava, no final dos anos 1970, alguma notoriedade, graças a bandas “cabide” como o Sex Pistols, tendo os seus poucos anos de fama. O heavy metal já não tinha aquela visibilidade como em meados dos anos 1980, sob o aspecto sonoro, claro, dando lugar a uma cena andrógina do glam metal que proliferava em Los Angeles.

Apesar de algumas mudanças nas principais cenas rock terem acontecido, independentemente do período da história que o cerca, há sempre aquelas bandas marginalizadas que lutam contra o tempo, contra os modismos impostos pela indústria fonográfica, a principal mantenedora dessas mudanças, que, com a mola propulsora do marketing dissemina regras, dita “conceitos” também nos cenários musicais.

Bandas marginalizadas, mas que defendem, com unhas e dentes a verdade da sua música e desafiam a doutrina do tempo e mesclam com a dignidade da sua originalidade vertentes que, a priori, seria impossível para os “padrões” conservadores que permeiam no universo do rock há tempos. Os seus fracassos, para uma horda de alienados, podem parecer algo relacionado a capacidades dessas bandas de produzirem grandes trabalhos, mas a realidade é que não se curvam aos modismos e vai na contramão das tais famigeradas regras marqueteiras das grandes gravadoras e mais atualmente dos pasteurizados das redes sociais.

E um bom exemplo vem de Barcelona, na Espanha e se chama ROCKCELONA. Pois é, que raios de nome é esse? Ainda temos a intolerância, o escárnio dos idiotas atrofiados cognitivamente falando, que, em suas temíveis zonas de conforto, fazem galhofa dos nomes das bandas, de suas capas de disco e tudo o que valha, para depreciar o trabalhar e continuar nas suas mesmices existenciais. Mas o Rockcelona veio ao mundo em um período em que o hard rock estava meio em baixa, com bandas figuronas perecendo, mergulhadas em pendências judiciais entre seus rockstars ou estes mergulhados em drogas.

E nesse panorama nasce o Rockcelona. O seu nome pode ser a junção do rock n’ roll com parte do nome da região em que foi concebida. A banda foi formada em 1977, vindo mais precisamente de  L'Hospitalet de Llobregat, pelo vocalista Alfredo Valcárcel.

Rockcelona

E, como muitas bandas obscuras vindas da Espanha, o Rockcelona restringiu-se ao que costumo chamar ao “regionalismo”, que para o azar do mundo, não ganhou sucesso global. A banda lançou apenas um álbum, em 1979, chamado “La Bruja”, pelo selo “Columbia/Private Records” e tinha as suas arestas fincadas no voluptuoso e incendiário hard rock tipicamente do início dos anos 1970, mas que abraçou também algumas vertentes em voga na sua época como o punk rock. Diria sem medo que “La Bruja” é tão indulgente e sujo quanto alguns clássicos do punk ou até mais, ouso dizer.

O álbum é explosivo, é intenso, é volumoso, é pesado e pode ser comparado a bandas de seu país que surgiram e lançaram seus trabalhos muito antes do Rockcelona, tais como Leño, Asfalto, Burning ou ainda o The Storm. Sabe aquele típico “hardão setentista” lançado entre 1972 e 1974? Assim é “La Bruja”.

Aquele hard rock fuzzed, misturadas com guitarras ácidas, meio psicodélicas, em alguns momentos, outros momentos distorcidas e pesadas, com letras igualmente incendiárias, cantadas predominantemente em castelhano, bem como algumas em inglês.

Definitivamente “La Bruja” é um pilar do hard rock de sua época e, por conta disso, se configurou para o que era conhecido à época por “rock urbano”, com aquela guitarra suja, afiada, linhas de baixo marcadas e bateria pesada e muito, mas muito louca.

A formação do Rockcelona que concebeu “La Bruja” tinha, além do vocalista Alfredo “Freddy” Valcárcel, Alberto ”Albert” Balsells, na guitarra principal, Antonio “Tony” Cruz, na guitarra base, Javier A. Latorre (Javi) no baixo e Francisco “Kiko” Aparicio na bateria.

O álbum é inaugurado pela faixa título, “La Bruja” e já esfrega na cara do ouvinte riffs sujos e pegajosos de guitarra ao estilo proto doom, extremamente denso, com vocais de bom alcance. Logo ganha velocidade, ao estilo heavy rock e já com o vocal gritado e assim permanece até explodir um catártico solo de guitarra extremamente pesado, mudando ritmicamente, ficando mais arrastado o som, mas logo tornando a ficar veloz e poderoso. Não há como negar que a faixa “La Bruja” seria o farol para toda a estrutura sonora do álbum.

"La Bruja"

“Lovespell”, a segunda faixa, é a primeira do álbum cantada em inglês, e começa um tanto quanto bluesy, uma pegada meio blueseira, um blues rock, mas sem nenhuma pretensão de parecer tão blues assim, afinal a “veia” sonora do álbum está calcada no hard rock. Mas o destaque fica para a faixa mais cadenciada, com a bateria ditando o ritmo, concedendo tal textura a música, com um vocal mais límpido, mais melodioso. Solos de guitarra se estendem de forma competente, complexa, mas poderosa.

"Lovespell"

“Colt 45” retorna à proposta do álbum, com a introdução de riffs pesados de guitarra, bateria pesada e marcada, com baixo pulsante, fazendo uma “cozinha” extremamente entrosada e pesada. Mais uma vez solos de guitarra são destaque, trazendo mais e mais peso ao contexto sonoro da música.

"Colt 45"

A sequência traz “Magbalino” que não foge à regra, entregando os famosos e famigerados riffs de guitarra que abrem alas diretamente para solos de guitarra elegantes e potentes. A faixa é inteiramente instrumental e corrobora a destreza de seus músicos, com mais uma vez a “cozinha” destroçando em qualidade e sinergia. A faixa traz algumas mudanças de ritmo, mas sempre flertando com o bom e velho hard rock.

"Magbalino"

“Hombre Triste” segue com os já vivos e intensos riffs de guitarra, mas essa faixa traz uma curiosa e intensa pegada “punk”, sendo mais pesado, despretensioso e sujo, típico desta vertente. Uma mescla interessante e explosiva de hard rock e punk rock que muitas bandas praticariam nos anos seguintes ganhando, inclusive, notoriedade. A música é veloz, intensa e solar. Os solos de guitarra personificam essa condição. É verdadeiramente poderoso!

"Hombre Triste"

“La Tierra de Fuego” traz uma faixa cadenciada, ao estilo Black Sabbath, um genuíno hard rock, com pegada heavy rock, de atmosfera densa e soturna, que se assemelharia a uma dessas faixas de occult rock do início dos anos 1970 facilmente. O destaque aqui fica para o vocal que está mais cristalino, diria dramático, melancólico. A “cozinha”, mais uma vez, dá o seu recado, com baixo pulsante e bateria pesada, com solos de guitarra diretos, mas eficientes.

"La Tierra de Fuego"

“Buscándote Rock and Roll” soa atípico, tal como uma balada. O Rockcelona tira literalmente o pé do acelerador, mas os riffs de guitarra, sujos, meio doom metal, continuam lá, para certificar o DNA da sua sonoridade. Mas eis que logo assume o peso costumeiro que permeia o álbum, com aquela velocidade típica do heavy metal, com vocais gritados. É inacreditável o quanto, em apenas uma música, a banda flerta em vários estilos, sem soar deslocado ou fragmentado.

"Buscendote Rock and Roll"

E finalmente o álbum fecha com “Queen, Friend and Dread”, mais uma faixa cantada em inglês, que inicia, para variar, com aquela pegada hard com riffs de guitarra sujos e despretensiosos, com a velocidade do heavy metal e a indulgência do punk rock. E depois de um solo de guitarra de tirar o fôlego, a pegada veloz retoma com os riffs pegajosos novamente e assim a banda vai flertando com vertentes que revelam as distintas passagens rítmicas fazendo de som rico e cheio de recursos.

"Queen, Friend and Dread"

O Rockcelona teria uma precoce vida, de cerca de dois anos, mas realizou alguns shows apenas em Barcelona se tornando uma banda regional. Tocou no Instituto Jose María de Calasanz, ainda em 1977, ano de sua fundação com bandas como Elektra e Mortimer e também nas 12 horas de Rock de Barcelona, no Centro Juvenil Meridiana, em 1978, com bandas como Zen, Detonation, Calocha, Hermaneys, Krisis, Mitgdia, Stigma, Ekber e Fruint.

Após o lançamento do seu único álbum, “La Bruja”, a banda se desfez misteriosamente. Talvez o seu som estivesse deslocado no tempo, um tempo que já não era interessante para a indústria fonográfica o hard rock, para o público que, como uma ovelha que segue, alienada, as tendências geridas pelo marketing perverso, estava interessado em outras vertentes. O fato é que o Rockcelona pereceu mas deixou um álbum que, por ser raro e ter caído no ostracismo, não ter sido referência, mas que pode e deve servir de ponto fundamental para a música pesada em todas as suas vertentes.

Atualmente ou melhor, desde sempre, sobretudo nessas últimas duas décadas, com o ressurgimento do interesse pelos discos de vinil, o álbum original lançado pelo Rockcelona, lá em 1979, está em uma condição de raríssimo artigo que hoje está em uma faixa de 30.000 pesetas (180 euros). Entretanto há informações que dão conta de que “La Bruja” trafega no mercado consumidor na faixa dos 300 a 400 euros! É a condição que fomenta o status de banda “cult”.




A banda:

Alfredo “Freddy” Valcárcel nos vocais

Alberto ”Albert” Balsells na guitarra principal

Antonio “Tony” Cruz na guitarra base

Javier A. Latorre (Javi) no baixo

Francisco “Kiko” Aparicio na bateria

 

Faixas:

1 - La Bruja

2 - Lovespell

3 - Colt 45

4 - Magbalino

5 - Hombre Triste

6 - La Tierra de Fuego

7 - Buscándote Rock and Roll

8 - Queen, Friend and dread


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