A Alemanha pós-guerra estava,
sob o aspecto cultural, entregue à própria sorte. Tudo que era “consumido” se
resumia a “enlatados” pasteurizados que vinha de fora e a cena krautrock que,
nos seus primórdios eram nada menos que comunas de hippies, era o movimento
contra cultural que marchava à margem de uma sociedade ultraconservadora e
carcomida.
Quando essas comunas decidiram
se expressar por intermédio da música, claro bandas começaram a serem formadas,
mas o espírito contestador e subversivo manteve-se intacto nas suas músicas.
Era um período em que as bandas refletiam eventos sócio-políticos.
E uma banda sintetizava esse
formato com fervor e intensidade: o OUT OF FOCUS. A formação desta seminal
banda, criada em 1968 na cidade de Munique, trazia na essência o guitarrista
Remingius Drechsler.
Drechsler nasceu em 1950 em um
local em Munique chamado Lehel, próximo ao centro da cidade. Ele estudou, como
os seus pais, por dois anos no Richard Strauss Konservatorium. Reza a lenda que
quando a sua mãe estava grávida dele ouvia nos fones de ouvido uma estação de
rádio americana para soldados. O Out of Focus talvez tenha sido concebido antes
de seu principal integrante nascer.
Claro que Dreschler teve, ao longo de sua infância e juventude, contatos com vários instrumentos, como violino, piano, bateria e até oboé, além, claro, de suas influências ouvindo rádio e a música dos anos 1960.
O Out of Focus deu os seus
primeiros passos por volta de 1966 e 1967, ensaiando no porão da casa da mãe de
Dreschler e da forma mais simples e improvisada possível, com caixas de ovos na
parede, porque as reclamações dos vizinhos eram recorrentes.
Para se ter noção do simplório
aparato, para amplificar o baixo de um dos primeiros baixistas da banda, de
nome Peter Gabriel (não confundir com o icônico vocalista do Genesis), usaram
um rádio antigo e o próprio Dreschler batucava em caixas e panelas de cozinha
simulando bateria.
E falando nos primórdios do Out of Focus as primeiras experiências dos seus integrantes circulava apenas nos Movers, seus antecessores direitos. Mas mudaram logo de nome porque ficaram em último lugar em um concurso de bandas locais. Um desastre! Não havia dúvida de que precisavam de um novo nome e a ideia de “Out of Focus” surgiu depois da música da banda americana Blue Cheer, de mesmo nome.
A formação do Out of Focus, primeiro como Movers, começou quando Dreschler e Peter começaram a ensaiar, se juntando com dois guitarristas que se interessaram em tocar na banda. Os primeiros shows aconteceram em um centro juvenil católico, onde também ensaiava, algumas vezes, também em pubs e até mesmo em cervejarias e tocavam, como muitas bandas, covers de Beatles, Them e The Pretty Things e mais tarde The Doors com suas músicas longas sendo diretamente influenciados por esse tipo de música.
Entre idas e vindas de integrantes
o Movers se estabilizaria com Peter Gabriel, Heiner, Wolfgang Pemsel, Remigius
Drechsler e Hubert. E a essa formação foi adicionada um tecladista, Hennes
Hering.
Quando a banda começou a tocar
em pequenos circuitos de música, alguns festivais, perceberam que estavam em ascensão
e já como Out of Focus seguiu a sua trajetória. Com o tempo clubes undergrounds
e beat sugiram por toda parte, bem como festivais ao ar livre começaram a se
estabelecer também. Não demorou muito para o Out of Focus estivesse na estrada
quase todos os finais de semana para shows.
Em 1968 a banda começou a trabalhar
em material autoral e combinava blues, rock psicodélico, folk e um rock
progressivo embrionário, mesclado a uma eloquente consciência política e
social, comum às bandas de krautrock. Eles desenvolveram rapidamente o seu
estilo e, a partir de 1969, fizeram uma turnê grande, passando por toda a
Alemanha e abrindo para Amon Düül II, Nektar, Ginger Baker, Kraan, Kraftwerk e
Embryo, entre outros.
E finalmente em 1970 o selo “Kuckuck”
os contratou, gravando, naquele mesmo ano, o seu primeiro álbum de estúdio, “Wake
Up”, caracterizado por viagens experimentais e etéreas, jazz rock, desenhando o
vanguardismo do rock progressivo que estouraria lá pelos primeiros anos da
década de 1970.
A banda, tida como perfeccionista, levou muito tempo para conceber “Wake Up”, e o resultado, claro, foi esplêndido para um primeiro álbum, porém, foi com segundo trabalho, chamado simplesmente de “Out of Focus”, de 1971, que alçaria a sonoridade da banda ao ápice, ao apogeu da complexidade.
E esse grande álbum será alvo da minha resenha. O segundo álbum, cantado em inglês, traz um Out of Focus mais maduro, complexo, mais progressivo e jazzístico, fazendo deste um “clássico obscuro” do jazz prog da Alemanha e quiçá do mundo, se não fosse essa grande banda reconhecida pelos seus grandes serviços a música.
O Out of Focus neste trabalho
marcou uma etapa importante na história do movimento krautrock na Alemanha, uma
versão mais complexa, intricada, sofisticada, era o florescer do rock
progressivo genuíno tendo nesta banda e álbum o seu ponto de partida.
“Out of Focus” foi gravado no estúdio Bavaria, em junho de 1971 e a formação da banda neste álbum tinha: Remigius Drechsler na guitarra, Hennes Hering no órgão e piano, Moran Neumuller saxofone, flauta e primeira voz, Stephan Wisheu no baixo e Klaus Spori na bateria.
O álbum começa com a faixa
“What Can A Poor Boy Do (But To Be A Street Fighting Man)” mostrando a que
vinha o Out of Focus com um poderoso e vigoroso jazz fusion com uma levada
hard, com um destaque excepcional para o saxofone.
It’s Your Life” a banda
diminui o ritmo com uma balada de atmosfera psicodélica com uma temática meio
folk, com a predominância da flauta. Um vocal introspectivo, melancólico,
sombrio, com um dedilhado delicado ao fundo de um violão acústico. Linda música
com "tonalidades" folk.
“Whispering” tem um elemento
obscuro, psicodélico, com o indefectível jazz fusion e um hardão poderoso com
solos avassaladores de guitarra, mostrando passagens de ritmo suaves e pesadas,
um verdadeiro exemplo de prog rock.
“Blue Sunday Morning” é outro
destaque do álbum com flautas, órgão de igreja e narrações sinistras na canção,
dando um toque obscuro e soturno a música em uma espécie de ritual sonoro.
Já “Fly Bird Fly” mostra toda
a beleza sonora que o Out of Focus é capaz de produzir. Uma balada linda e
viajante ao estilo jazzístico com uma flauta transcendental. Uma faixa
hipnótica, sem dúvida.
E fecha com “Television
Program” que tem a mesma proposta que a faixa anterior com vocais falados,
psicodelia, viagem lisérgica e temas complexos bem ao estilo prog rock.
Após a separação do Out of
Focus Remigius Dreschler foi para o Embryo por um tempo antes de formar o seu
próprio projeto, o “Krontrast”. Dreschler define, após entrevista que concedeu
ao site “It’s Psychedelic Baby Magazine” os seus momentos no Out of Focus:
“Houve
momentos bons e momentos difíceis, mas no final foi uma vida boa, envolvente e
intensa. Tudo está misturado em meus sentimentos em uma só coisa e não consigo
realmente diferenciar. Nada foi perfeito, mas houve muitos momentos absolutos e
não tenho nenhum sentimento de orgulho, o que me pareceria ridículo. Ter
contribuído um pouquinho para a história da música, se é que contribuiu, é
maravilhoso o suficiente. Mantivemo-nos
fiéis a nós mesmos tanto quanto possível e seguimos o fio condutor que cada um
tem dentro de si, o que na minha opinião é a melhor coisa que alguém pode fazer
de qualquer maneira.”
A banda merecia mais crédito
pela sua música arrojada, vanguardista e importante para a história do
krautrock alemão e do rock progressivo mundial. Definitivamente o Out of Focus
estava à frente do seu tempo, mostrando que a música não tem limites, amarras e
é a personificação da liberdade criativa, enquanto manifestação artística.
A banda:
Remingius Drechsler na
Guitarra, Stylophone, Tenor Saxofone, Flauta e Vocal
Hennes Hering no Piano e
Teclado
Moran Neumüller no Vocal,
Soprano Saxofone.
Klaus Spöri na Bateria
Stephen Wishen no Baixo
Faixas:
1 - What Can a Poor Boy Do
2 - It's Your Life
3 - Whispering
4 - Blue Sunday Morning
5 - Fly Bird Fly
6 -Television Program
Paulo sem dúvida, descreveu muito bem o som do Out Of Focus! Um som que te seduz, intricado, complexo e realmente lembra um pouco de paganismo como muito do rock progressivo. Recomendo todos os álbuns da banda, que, infelizmente não são muitos, mas significativos.
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