quarta-feira, 29 de abril de 2020

Out of Focus - Out of Focus (1971)

A Alemanha pós-guerra estava, sob o aspecto cultural, entregue à própria sorte. Tudo que era “consumido” se resumia a “enlatados” pasteurizados que vinha de fora e a cena krautrock que, nos seus primórdios eram nada menos que comunas de hippies, era o movimento contra cultural que marchava à margem de uma sociedade ultraconservadora e carcomida.

Quando essas comunas decidiram se expressar por intermédio da música, claro bandas começaram a serem formadas, mas o espírito contestador e subversivo manteve-se intacto nas suas músicas. Era um período em que as bandas refletiam eventos sócio-políticos.

E uma banda sintetizava esse formato com fervor e intensidade: o OUT OF FOCUS. A formação desta seminal banda, criada em 1968 na cidade de Munique, trazia na essência o guitarrista Remingius Drechsler.

Remingius Dreschler

Drechsler nasceu em 1950 em um local em Munique chamado Lehel, próximo ao centro da cidade. Ele estudou, como os seus pais, por dois anos no Richard Strauss Konservatorium. Reza a lenda que quando a sua mãe estava grávida dele ouvia nos fones de ouvido uma estação de rádio americana para soldados. O Out of Focus talvez tenha sido concebido antes de seu principal integrante nascer.

Claro que Dreschler teve, ao longo de sua infância e juventude, contatos com vários instrumentos, como violino, piano, bateria e até oboé, além, claro, de suas influências ouvindo rádio e a música dos anos 1960.

O Out of Focus deu os seus primeiros passos por volta de 1966 e 1967, ensaiando no porão da casa da mãe de Dreschler e da forma mais simples e improvisada possível, com caixas de ovos na parede, porque as reclamações dos vizinhos eram recorrentes.

Para se ter noção do simplório aparato, para amplificar o baixo de um dos primeiros baixistas da banda, de nome Peter Gabriel (não confundir com o icônico vocalista do Genesis), usaram um rádio antigo e o próprio Dreschler batucava em caixas e panelas de cozinha simulando bateria.

E falando nos primórdios do Out of Focus as primeiras experiências dos seus integrantes circulava apenas nos Movers, seus antecessores direitos. Mas mudaram logo de nome porque ficaram em último lugar em um concurso de bandas locais. Um desastre! Não havia dúvida de que precisavam de um novo nome e a ideia de “Out of Focus” surgiu depois da música da banda americana Blue Cheer, de mesmo nome.

A formação do Out of Focus, primeiro como Movers, começou quando Dreschler e Peter começaram a ensaiar, se juntando com dois guitarristas que se interessaram em tocar na banda. Os primeiros shows aconteceram em um centro juvenil católico, onde também ensaiava, algumas vezes, também em pubs e até mesmo em cervejarias e tocavam, como muitas bandas, covers de Beatles, Them e The Pretty Things e mais tarde The Doors com suas músicas longas sendo diretamente influenciados por esse tipo de música.

Primeira foto do Movers, em 1967

Entre idas e vindas de integrantes o Movers se estabilizaria com Peter Gabriel, Heiner, Wolfgang Pemsel, Remigius Drechsler e Hubert. E a essa formação foi adicionada um tecladista, Hennes Hering.

Quando a banda começou a tocar em pequenos circuitos de música, alguns festivais, perceberam que estavam em ascensão e já como Out of Focus seguiu a sua trajetória. Com o tempo clubes undergrounds e beat sugiram por toda parte, bem como festivais ao ar livre começaram a se estabelecer também. Não demorou muito para o Out of Focus estivesse na estrada quase todos os finais de semana para shows.

Out of Focus

Em 1968 a banda começou a trabalhar em material autoral e combinava blues, rock psicodélico, folk e um rock progressivo embrionário, mesclado a uma eloquente consciência política e social, comum às bandas de krautrock. Eles desenvolveram rapidamente o seu estilo e, a partir de 1969, fizeram uma turnê grande, passando por toda a Alemanha e abrindo para Amon Düül II, Nektar, Ginger Baker, Kraan, Kraftwerk e Embryo, entre outros.

E finalmente em 1970 o selo “Kuckuck” os contratou, gravando, naquele mesmo ano, o seu primeiro álbum de estúdio, “Wake Up”, caracterizado por viagens experimentais e etéreas, jazz rock, desenhando o vanguardismo do rock progressivo que estouraria lá pelos primeiros anos da década de 1970.

"Wake Up" (1970)

A banda, tida como perfeccionista, levou muito tempo para conceber “Wake Up”, e o resultado, claro, foi esplêndido para um primeiro álbum, porém, foi com segundo trabalho, chamado simplesmente de “Out of Focus”, de 1971, que alçaria a sonoridade da banda ao ápice, ao apogeu da complexidade.

E esse grande álbum será alvo da minha resenha. O segundo álbum, cantado em inglês, traz um Out of Focus mais maduro, complexo, mais progressivo e jazzístico, fazendo deste um “clássico obscuro” do jazz prog da Alemanha e quiçá do mundo, se não fosse essa grande banda reconhecida pelos seus grandes serviços a música.

 Nota-se com veemência uma guitarra mais violenta, com riffs poderosos e lisérgicos, com saxofones tocados de forma frenética, com longos solos, com uma “cozinha” sinérgica, com bateria ao estilo “jazzy” e baixo pulsante e hipnótico. Flauta e saxofone trazem uma levada mais improvisada com elementos de jazz, folk, hard rock, progressivo, uma verdadeira combinação instrumental que beira à perfeição.

O Out of Focus neste trabalho marcou uma etapa importante na história do movimento krautrock na Alemanha, uma versão mais complexa, intricada, sofisticada, era o florescer do rock progressivo genuíno tendo nesta banda e álbum o seu ponto de partida.

“Out of Focus” foi gravado no estúdio Bavaria, em junho de 1971 e a formação da banda neste álbum tinha: Remigius Drechsler na guitarra, Hennes Hering no órgão e piano, Moran Neumuller saxofone, flauta e primeira voz, Stephan Wisheu no baixo e Klaus Spori na bateria.

O álbum começa com a faixa “What Can A Poor Boy Do (But To Be A Street Fighting Man)” mostrando a que vinha o Out of Focus com um poderoso e vigoroso jazz fusion com uma levada hard, com um destaque excepcional para o saxofone.

"What Can a Poor Boy do (But to be a Street Fighting Man)"

It’s Your Life” a banda diminui o ritmo com uma balada de atmosfera psicodélica com uma temática meio folk, com a predominância da flauta. Um vocal introspectivo, melancólico, sombrio, com um dedilhado delicado ao fundo de um violão acústico. Linda música com "tonalidades" folk.

"It's Your Life"

“Whispering” tem um elemento obscuro, psicodélico, com o indefectível jazz fusion e um hardão poderoso com solos avassaladores de guitarra, mostrando passagens de ritmo suaves e pesadas, um verdadeiro exemplo de prog rock.

"Whispering"

“Blue Sunday Morning” é outro destaque do álbum com flautas, órgão de igreja e narrações sinistras na canção, dando um toque obscuro e soturno a música em uma espécie de ritual sonoro.

"Blue Sunday Morning"

Já “Fly Bird Fly” mostra toda a beleza sonora que o Out of Focus é capaz de produzir. Uma balada linda e viajante ao estilo jazzístico com uma flauta transcendental. Uma faixa hipnótica, sem dúvida.

"Fly Bird Fly"

E fecha com “Television Program” que tem a mesma proposta que a faixa anterior com vocais falados, psicodelia, viagem lisérgica e temas complexos bem ao estilo prog rock.

"Television Program"

Após a separação do Out of Focus Remigius Dreschler foi para o Embryo por um tempo antes de formar o seu próprio projeto, o “Krontrast”. Dreschler define, após entrevista que concedeu ao site “It’s Psychedelic Baby Magazine” os seus momentos no Out of Focus:

“Houve momentos bons e momentos difíceis, mas no final foi uma vida boa, envolvente e intensa. Tudo está misturado em meus sentimentos em uma só coisa e não consigo realmente diferenciar. Nada foi perfeito, mas houve muitos momentos absolutos e não tenho nenhum sentimento de orgulho, o que me pareceria ridículo. Ter contribuído um pouquinho para a história da música, se é que contribuiu, é maravilhoso o suficiente. Mantivemo-nos fiéis a nós mesmos tanto quanto possível e seguimos o fio condutor que cada um tem dentro de si, o que na minha opinião é a melhor coisa que alguém pode fazer de qualquer maneira.”

A banda merecia mais crédito pela sua música arrojada, vanguardista e importante para a história do krautrock alemão e do rock progressivo mundial. Definitivamente o Out of Focus estava à frente do seu tempo, mostrando que a música não tem limites, amarras e é a personificação da liberdade criativa, enquanto manifestação artística.




A banda:

Remingius Drechsler na Guitarra, Stylophone, Tenor Saxofone, Flauta e Vocal

Hennes Hering no Piano e Teclado

Moran Neumüller no Vocal, Soprano Saxofone.

Klaus Spöri na Bateria

Stephen Wishen no Baixo

 

Faixas:

1 - What Can a Poor Boy Do

2 - It's Your Life

3 - Whispering

4 - Blue Sunday Morning

5 - Fly Bird Fly 

6 -Television Program



"Out of Focus" (1971)





















 






 










Um comentário:

  1. Paulo sem dúvida, descreveu muito bem o som do Out Of Focus! Um som que te seduz, intricado, complexo e realmente lembra um pouco de paganismo como muito do rock progressivo. Recomendo todos os álbuns da banda, que, infelizmente não são muitos, mas significativos.

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