O rock tem vivido nessas últimas décadas em uma
espécie de oligopólio. Explico. Para muitos a cena se limita a poucos países:
Inglaterra e EUA são os centros do rock n' roll mundial. Se a banda não tem as suas bases fincadas nesses países o
futuro é incerto ou, para atingir êxito em sua carreira é preciso atingir esses
mercados, onde a indústria fonográfica determina como a “meca” da música.
É
inegável a importância desses países para a música, o rock e a cultura em
geral, mas em tempos contemporâneos de globalização esse cenário deveria mudar.
Mas a mudança está ocorrendo, mesmo que a passos lentos graças a verdadeiros abnegados que difundem a todo custo a música sem fronteiras e muros.
O advento das
ferramentas de comunicação também, tais como as redes sociais, tem encurtado as fronteiras, os
seus muros vem ruindo e algumas bandas vêm ganhando luz após décadas de
obscuridade, graças também as alternativas gravadoras que revisitam materiais antigos esquecidos,
vilipendiados pelo tempo.
Mas há um país muito peculiar que, além de ser um
mercado consumidor muito grande e interessado está em constante expansão: Falo
do Japão. Apesar de seu povo ser disciplinado, calcado em antigas tradições,
gozam de uma extrema paixão e avidez pelo rock n’ roll, o rock n' roll faz parte de suas manifestações comportamentais desde sempre.
Muitas das bandas, sejam elas conhecidas,
consagradas ou obscuras, de todas as vertentes tem espaço entre os jovens
japoneses que seguem e respiram intensamente as suas prediletas bandas. A
realidade mercadológica se faz forte pela forma democrática pela qual inúmeras
bandas registram seus shows ao vivo naquele país e reservam dias e mais dias em
suas agendas para extensas turnês.
E, não se enganem que há além dos
interessados fãs, uma proeminente cena de bandas, de mais diversa gama
de estilos, mas infelizmente muitas delas não ganham o mundo, não fazem tão sucesso,
a não ser em seu país de origem. Uma dessas bandas é o BLUES CREATION. A banda
foi formada no fim dos anos 1960 pelo guitarrista Kazuo Takeda que ganhou
alguma notoriedade e edificou uma boa história na cena rock underground.
Blues Creation com Takeda na ponta direita
Takeda nasceu em 1952 e foi criado em Tóquio. A música sempre esteve presente em sua vida por intermédio de sua irmã e sua mãe, ávidas ouvintes de música pop e rock n' roll americano do início dos anos 1950. Ganhou um Ukulele aos nove anos, mas se rendeu a guitarra graças a uma onda de surf music que "contaminou" o país naquela época, principalmente o guitarrista do The Ventures, Nokie Edwards que era um ídolo da guitarra para os estudantes japoneses.
Takeda logo formou a sua primeira banda, de surf music, claro, chamada "The Falcons", tocando com eles por um ano. Depois disso começou a ouvir R&B e outras bandas britânicas de sucesso como The Rolling Stones, The Kinks, The Yardbirds etc. E isso de alguma forma o atraiu para o blues.
No início de 1968 a sua banda começou, graças a sua influência, a tocar blues, blues rock. Começou a fezer covers de Paul Butterfield Blues Band, John Mayall, Electric Flag e outros. Foi difícil agendar shows por conta dessa nova vertente porque simplesmente era complicado dançar blues, principalmente diante de músicas psicodélicas e de surf music que ainda reinavam nas casas de shows japonesas. O blues não era popular no Japão, pelo menos ainda, porque o Blues Creation foi sem dúvida aqueles que introduziram a vertente em seu país.
No verão de 1968, o jovem Takeda foi convidado por um amigo de sua irmã a tocar em uma banda que estava se apresentando em Tóquio como profissionais. Se chamavam "The Bikkies" e tocavam em clubes "go-go" e bases militares americanas em Tóquio e Yokohama e tocavam primordialmente rock n' roll, blues rock. Então para o jovem Takeda foi extremamente importante para o seu crescimento como músico e guitarrista de blues.
Foram longos e intensos seis meses com o The Bikkies, decidindo deixar a banda e formar uma nova banda para tocar apenas blues, blues rock e foi assim que nasceu a primeira banda japonesa de blues: o Blues Creation.
No dia primeiro de janeiro de 1969, Takeda e sua trupe estavam no trem para a cidade de Hachinohe, província de Aomori, rumo a sua primeira turnê como Blues Creation. Estavam tão animados e cheios de energia que carregaram todos os seus equipamentos como amplificadores, bateria, guitarras, tudo no trem, porque ninguém na banda tinha carteira de motorista, afinal todos eram muito jovens, na faixa dos dezesseis e dezessete anos de idade!
Ficaram um mês em Hachinohe e logo se mudaram para Nagoya por um mês inteiro e lá que o Blues Creation nasceu e foi construindo a sua identidade sonora. O nome "Blues Creation" foi concebido porque à época muitas bandas tinham o "s" nos seus nomes, então para se destacar decidiram nomear sua banda sem o "s". E por ser uma banda com viés do blues deveria ostentar a palavra "blues" em seu nome, afinal, também eram a primeira banda do estilo no Japão e precisavam difundir isso. Por isso que em tradução livre "Blues Creation" significa "Criação do Blues". Muito significativo!
Assinou o seu primeiro contrato com a Polydor Records e o que estimulou esse contrato foi quando o Blues Creation começou a tocar na área de Shinjuku e a banda estava se tornando popular naquelas áreas e o público estava procurando por bandas mais pesadas que estavam surgindo e as gravadoras estavam atentas a essa tendência.
As principais gravadoras também estavam em busca de bandas novas e a Polydor era uma delas. E muitas bandas pesadas estavam surgindo e o Blues Creation estava na hora certa e no lugar certo e apesar de alguma reticência a Polydor resolveu contratá-los, mas o que definiu essa contratação foi quando alguns representantes da gravadora os viram tocar e gostaram.
O primeiro álbum da banda,
chamado de "Blues Creation", alvo de minha resenha de hoje, foi
gravado no estúdio Polydor em Tóquio. O estilo de gravação foi feito
principalmente ao vivo no estúdio e ele foi concebido em apenas dezesseis horas
no total, passando dois dias no estúdio completando as outras etapas de
gravação. Um recorde!
O Blues Creation
pouco promoveu o seu debut, nenhuma atividade promocional foi realizada, exceto
tocar em alguns programas de TV, poucos na realidade e algumas entrevistas para
revistas de músicas, mas a banda manteve a sua regularidade de shows em clubes na
área metropolitana de Tóquio.
Blues Creation tocando em festival em 1970
A formação do Blues Creation
quando gravou o seu primeiro álbum, em 1969, tinha: Fumio Nunoya no vocal,
Kazuo Takeda na guitarra, harmônica e vocal, Yoshiyuki Noji no baixo, Shinichi
Tashiro na bateria e Hugh Cutler na harmônica. O álbum é primordialmente calcado
no blues rock com pitadas de psych rock e um hard rock de vanguarda e contava
cm clássicos do blues.
É inaugurado com um clássico de Sonny Boy Williamson “Checkin’ Up On My Baby” encorpada pelo classic rock dos japoneses, mas que não foge, claro, muito a sua essência blueseira. Destaque para a bateria marcadinha e a gaita nervosa e solos de guitarra animados e diretos.
"Checkin' Up on my Baby"
Segue com "Steppin'
Out" de Memphis Slim, uma faixa instrumental cheia de energia que traz um
Blues Creation mais agressivo, mais hard rock, com solos longos e arrebatadores
de guitarra e uma "cozinha" afiadíssima dando uma camada mais solar à
música.
"Steppin' Out"
"Smoke Stack
Lightning'", de Howlin Wolf, traz um blues mesclado a psicodelia, algo
mais lisérgico se ouve nessa faixa com o destaque para a gaita que "chora"
entregando ao ouvinte o "Delta do Mississipi. Uma excelente versão,
repleta de alternâncias rítmicas.
"Smoke Stack Lightning'"
A sequência tem "Double
Crossing Time" gravada originalmente pelo John Mayall & The
Bluesbreakers com Clapton e traz a essência dos blues sem fugir da essência da
gravação original, mas traz nuances mais pesadas e indulgentes, com pitadas
psych e lisérgicas.
"Double Crossing Time"
“I Can’t
Keep From Crying”, do Ten Years After, ganha uma versão basicamente parecida com
a sua original, com uma levada psicodélica, guitarras ácidas, um som mais
acessível e radiofônico, mas de muita qualidade, claro.
"I Can't Keep from Crying"
A seguinte é a clássica
“Spoonful” de Charley Patton, que também fora gravado pelo Cream, traz o blues
dançante, com base e destaque, mais uma vez, da gaita, diria ser mais animada que
a versão do Cream.
"Spoonful"
“Rollin’ And Tumblin’”, clássico magnânimo de Muddy Waters,
tem a introdução marcada da bateria e solos de guitarra curtos e diretos, cheio
de mudanças de tempo, um trabalho sensacional rítmico, instrumental.
"Rollin' and Tumblin'"
O álbum
finaliza com “All your Love”, também do John Mayall & the Bluesbreakers com
Eric Clapton, um blues rock fincado nas bases primordiais do rock n’ roll mais
rebelde, despretensioso, outra grande versão para fechar um álbum dos moleques
japoneses.
"All your Love"
Depois do lançamento do
primeiro álbum o Blues Creation passou por mudanças em sua formação. O
baterista original Shinichi Tashiro deixou a banda, mas apresentou ao jovem e
talentoso baterista Masayuki Higuchi que estimulou a banda a tocar mais hard
rock, mais blues rock, nascendo o segundo trabalho chamado "Demon &
Eleven Children", de 1971.
"Demon & Eleven Children" (1971)
Estimulou Takeda a escrever
suas próprias músicas, suas músicas originais. A sua intenção, com essa
transição sonora da banda, era explorar novas camadas sonoras, novas
experiências e transformar o Blues Creation em uma banda de rock, de hard rock.
E conseguiu!
No mesmo ano a banda
se reuniu com a cantora excelente de música pesada e heavy metal Carmen Maki.
Na segunda semana após a concepção de "Demon & Eleven Children"
eles se juntaram a Carmen Maki para gravar "Carmen Maki & Blues
Creation".
"Carmen Maki & Blues Creation" (1971)
Carmen era uma cantora muito
popular à época e o seu contrato com a CBS Sony havia finalizado e muitas
gravadoras passaram a disputá-la a tapas, mas Maki, muito teimosa e arrojada,
decidiu seguir em sua nova vertente musical: o rock! E o Blues Creation a
ajudou a mudar, acreditando em seu potencial. Takeda e Carmen se conheceram em
1971 e ela passou a frequentar as gravações e ensaios do Blues Creation e assim
desenvolveram a sua relação musical.
Carmen Maki
No final de 1971 o Blues
Creation estava se sentindo desgastado, a banda não tinha mais a mesma
intensidade em palco, que os tornou conhecidos em vários clubes e casas de
shows em Tóquio. Uma nova necessidade de mudança estava em evidência e Takeda
se viu em mais um desafio pela frente. Mas a banda, essa formação que gravou
dois álbuns em 1971 se desfaz. Takeda então forma um "power trio"
chamado "Bloody Circus" mas não durou mais do que seis meses.
Takeda então decide se mudar
para Londres, na Inglaterra. Lá viu muitas bandas ótimas tocarem. Tocou também
com muitas bandas locais e pouco conhecidas. Também fez alguns testes. Ficou
por lá cerca de seis meses e retornou ao Japão para formar uma nova banda: o
Creation. Isso foi em 1972.
Nos próximos três ou quatro
anos trabalhou duro com a nova formação para polir a sua banda, escrevendo
novas músicas, fazendo muitos ensaios, shows ao vivo, turnês etc. Chegou a
abrir shows de bandas internacionais que tocavam no Japão. Tocaram com o Faces
e o Mountain, por exemplo e foi assim que conheceu o baixista e produtor dessa
última banda chamado Felix Pappalardi.
Felix Pappalardi
Pappalardi veio, juntamente com
o Mountain, ao Japão em 1973. Em 1975 aconteceu um grande festival de rock no
Japão, chamado carinhosamente pelos japoneses de "Festival Mundial de
Rock". Felix veio ao Japão para aquela turnê e convidou Takeda para entrar
na banda do festival e foi assim que começaram a desenvolver um relacionamento
musical. Além disso o Creation estava prestes a fazer o segundo álbum e de
alguma forma Felix se envolveu como produtor.
Passaram três meses na casa
do produtor e baixista do Mountain em Nova York, na Ilha de Nantucket. Durante
esse processo de gravação se divertiram muito e no fim Felix acabou se tornando
também o vocalista do Creation No ano seguinte fizeram uma grande turnê pelos
Estados Unidos.
No final dos anos 1960
Takeda queria focar no blues novamente e construiu, dessa forma, fundindo o
blues com o jazz, conhecido com jazz swing antigo ou jazz bebop antigo, o que
difere do fusion ou jazz contemporâneo.
Uma banda memorável,
excelente e que deixou uma indelével marca na história do blues rock japonês,
sendo pioneira, desbravando o estilo quando nada tinha no Japão relacionado ao
blues, apenas rejeição e pouco caso por parte da indústria. "Blues
Creation", de 1969, pode não ter sido o primeiro no mundo, mas certamente
ostenta essa condição em qualidade sonora. Clássico mais do que recomendado!
Oi, aqui é Noemia do grupo Universo Progressivo. Amei descobrir este seu blog. Já não temos mais o nosso, meu marido e eu. Já está salvo nos favoritos.
Oi, aqui é Noemia do grupo Universo Progressivo. Amei descobrir este seu blog. Já não temos mais o nosso, meu marido e eu. Já está salvo nos favoritos.
ResponderExcluirOlá Noêmia, tudo bem? Obrigado por ter visitado o blog, obrigado pelo carinho, pelas palavras estimuladoras!
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