As dissoluções de bandas podem
ser duras para os seus integrantes e fãs, mas convenhamos que o fim de uma
trajetória pode significar o começo de novos e arrojados trabalhos. As vezes
para construir é preciso destruir! Construções edificantes e fortes que podem
ficar na história ou simplesmente ter curtas histórias, mas que podem marcar a
vida de músicos e apreciadores do bom e velho rock n’ roll.
Divergências sonoras, guerras
judiciais por dinheiro, ódio, egos, tantos sentimentos motivados por diversas
situações que podem parecer desagradáveis e tristes para os fãs que só se
preocupam com a música, podem suscitar novos grandes momentos.
E diante de tantos e tantos
casos similares que presenciamos no universo do rock eu citarei um que
aconteceu na Itália com uma das seminais bandas daquele país que é um
verdadeiro celeiro do hard e prog nos anos 1970: o Osanna.
O ano era 1973 e a cena era a
prolífica napolitana. O Osanna lançaria talvez o seu mais famoso e
representativo álbum de sua arrojada discografia, o “Palepoli”. Esse álbum
personificaria o ápice da criatividade sonora do Osanna, porém esse momento
épico da banda renderia a sua dissolução, o seu fim. As relações entre os seus
integrantes eram delicadas, tempestuosas e já estava em curso esse triste fim.
Mesmo com um trabalho incrível
o Osanna estava abalado, na corda bamba com a iminência do fim. Parece, caros
leitores, que o sucesso é muito tênue nas vidas das bandas, onde, cada vez que
a banda sobre, cresce e está no topo do mundo ou da sua criatividade, o ego
fica cada vez mais inflado.
Eles ainda teriam tempo para
lançar o vindouro álbum “Landscape of Life”, em 1974, decretando oficialmente o
fim do Osanna. Esse último trabalho marcaria uma mudança na banda, onde
gravariam músicas em inglês com a clara intenção de ganhar outros mercados
internacionais e alçar o Osanna para mundo, o que foi inútil.
Reza a lenda que os
integrantes, nas gravações de “Landscape of Life”, estavam com tantas
divergências quanto a música do Osanna no futuro que o nascimento da banda que
falarei nesta resenha seria a ideia que parte da banda queria para o Osanna e
por isso que o UNO poderia ser uma sequência do velho Osanna.
O Uno surgiu, como disse, das cinzas do Osanna e teve na figura emblemática do guitarrista Danilo Rustici e no flautista e saxofonista Ellio D'Anna a sua espinha dorsal. Se juntaria a esses músicos, originalmente o baterista, hoje famoso e exímio, Toni Esposito.
O Uno surgiu, como disse, das
cinzas do Osanna e teve na figura emblemática do guitarrista Danilo Rustici e
no flautista e saxofonista Ellio D'Anna a sua espinha dorsal. Se juntaria a
esses músicos, originalmente o baterista, hoje famoso e exímio, Toni Esposito.
No final de 1973 a banda foi apresentada pelas revistas de música italianas e as matérias eram sobre um LP que seria lançado em breve pela recém gravadora Trident. Convém lembrar que Massimo Guarino e Lino Vairetti, a outra parte do Osanna, ficaria pela Itália para colaborar com a banda napolitana Città Frontale, que daria a esta um sopro de vida, lançando o álbum “El Tor”, em 1975, cujo álbum por ser ouvido aqui.
Mas antes de qualquer
lançamento a primeira baixa. Esposito sairia da banda antes de gravar qualquer
material com o Uno e foi para o projeto de outra seminal banda de Nápoles
chamada Cervello, gravando o excepcional “Mellos”, ainda em 1973. Para o lugar
de Toni Esposito entraria o baterista Enzo Vallicelli, que tocou com o Hellza
Poppin e o Osage Tribe e com Claudio Rocchi. Pronto! Nova banda formada e com o
desejo de um novo álbum prometido na imprensa especializada da música italiana.
A expectativa dos executivos
da gravadora Fonit Cetra era tão grande que decidiram investir e muito no Uno,
tanto que encaminharam a banda para Londres e gravarem no Trident Studios o seu
tão aguardado debut. E lá o álbum foi concebido, gravando para o selo Fonit
Cetra o seu primeiro e único álbum de estúdio chamado simplesmente “Uno”, em
1974.
“Uno” teve algumas participações relevantes, diria famosas. Por ter sido gravado no mesmo estúdio de “Dark Side of the Moon”, icônico álbum do Pink Floyd, em 1973, o primeiro álbum do Uno teve a ajuda do letrista Nick Sedwick e a cantora Liza Strike, que colaborou com o álbum famoso do Floyd, também tocou em uma faixa de Uno.
As conexões com o Pink Floyd
não parariam por aí. A versão das músicas do primeiro álbum do Uno cantada em
inglês, teve sua capa projetada pelo influente Hipgnosis, que fez uma capa
extremamente surreal e instigante. Esse álbum cantado integralmente em inglês
teve a nítida intenção de projetar o Uno para o mercado exterior, fazendo com
que a banda ganhasse fama, mas não aconteceu. As tentativas foram inúteis. Mas
antes de contar o desfecho triste de Uno, falemos de seu único álbum.
“Uno” não está muito longe do
estilo tardio do até então último álbum lançado do Osanna, “Landscape of Life”,
com quatro faixas cantadas em inglês e três músicas cantadas em italiano. E
para muitos essa semelhança com o álbum do Osanna tenha sido a derrocada do
Uno, talvez sendo o “fantasma do passado” assombrando os remanescentes da
banda, poderiam assombrar o Uno ou talvez seriam as intenções ou, diria, as
tentativas impostas em “Landscape of Life” que queriam implantar em “Uno”.
“Uno” traz um viés mais
comercial, mas nada frívolo ou trivial, superficial demais, pois traz uma
diversidade sonora que, convenhamos, o Osanna sempre teve, afinal, dois terços
do Uno eram do Osanna, o que poderia ser natural. Blues rock, hard rock, prog
rock, um rock orquestral capitaneado pelo sax, flauta e moog são as tônicas
desse álbum. É um álbum frenético, cheio de energia e caótico, a natureza
selvagem típica do Osanna estava em Uno, mas com uma roupagem mais acessível.
O álbum é inaugurado pela
faixa “Right Place” que, para o início de um álbum, torna-se muito
interessante! Inicia suave, lenta e pastoral com flauta viajante e linda,
tocada de uma forma muito particular e emocionante. A guitarra acústica traz
essa atmosfera agradável capitaneada pela flauta. A música, cantada em inglês,
te remete ao prog britânico. A ideia da banda de internacionalizar o som foi
construída nessa música. Mas quem se preocupa com isso? O que importa é a
qualidade da música que está bem destacada nela. Bateria marcada, lenta, o
conceito de balada se faz presente do início ao fim e o sax traz o “tempero”
necessário para a viagem da música. Rápidos solos de guitarra animam. Belo
início!
“Popular Girl” muda um pouco o
caminho. Tem uma pegada de blues rock que te remete aos blueseiros norte-americanos
dos anos 1960 ou até mesmo dos blues rock do início dos anos 1970, pois tem uma
pegada mais pesada e solar. Esqueça o prog rock nessa faixa e, apesar de um
tanto quanto deslocada, mostra a capacidade de diversificar a sonoridade de
seus belos músicos. E, falando nisso, o destaque fica para os solos de guitarra
de Danilo Rustici. Enzo Vallicelli não fica atrás nas baquetas: potente e
pesado. As flautas envenenadas. Nesse momento em que os instrumentos ganham
destaque, o blues rock é esquecido e o hard rock ganha evidência. As mudanças
rítmicas podem ser encaradas como uma música progressiva? Fica a critério de
quem ouve chegar a essa conclusão.
A primeira faixa cantada em
italiano, “I Cani e La Volpe” e com isso traz a “pegada” italiana, soando mais
italiana. É uma melodia cativante, linda, complexa. O uso de teclados e do
saxofone faz da música cheia de recursos. E o que dizer dos vocais, uma
performance magnífica cantada a plenos pulmões que, em determinados momentos, é
gritado. Em alguns momentos soa caótico, lembrando os primórdios do King
Crimson. Espetacular!
“Stay With Me” retorna a
língua não nativa de seus músicos e traz consigo novamente a leveza de uma
balada progressiva, como na faixa inaugural. A dupla espetacular do violão e da
flauta traz a tônica da música e toda a sua proposta. Violão acústico,
dedilhado, com a flauta viajante, se encontram em uma simbiose sonora incrível.
Mas vai encorpando a música e a bateria se encarrega desse momento. Os vocais
agora dão lugar a uma pegada mais emocional. O sax, mais uma vez, é destaque, e
nos faz querer bailar, dançar. Fantástico! "Uomo Come Gli Altri" é o
tema mais curto aqui, um momento caloroso e relaxante em que podemos desfrutar
de seus vocais, é o preâmbulo para a faixa mais longa.
“Uno Nel Tutto”, no auge dos
seus dez minutos, é simplesmente épica! Sem sombra de dúvidas é uma das
melhores faixas de “Uno”. E ela se torna especial por soas diferente do que
estava se ouvindo até então no álbum. É uma música cheia de sentimento, forte e
repleta de personalidade. Ela soa experimental e o duelo entre o vocal, mais
agressivo e o sax igualmente envenenado, remete ao hard prog, algo mais pesado
e underground! E como uma música progressiva, vai mostrando mudanças rítmicas e
depois dos quatro minutos de duração, ela fica com uma atmosfera mais
eletrônica, me fez lembrar um krautrock germânico. É incrível o quanto esses
caras se permitem ousar e deixar a criatividade falar mais alto. Solos de sax
são instigantes e mesmerizantes. Não há como não se deixar render e sair
dançando loucamente. E já se encaminhando para o final a bateria bate pesado,
mas para quem achava que iria ser um desfecho mais hard, enganou-se, porque o
piano entra e a balada ganha destaque. Música cheia de recursos e, mais uma
vez, revela a capacidade de seus instrumentistas.
E fecha com a faixa “Goodbye
Friend” que traz a pegada das faixas anteriores, a balada dominada pelos
violões acústicos. Os dedilhados remetem a algo mais pastoral. Mas logo entra o
sax e os vocais que, mais uma vez, se revelam bons “parceiros”. É bem
floydiana, não pelo fato do vocal de Liza Strike, sempre emocional e dramático,
que participou em “Dark Side of the Moon”, mas que traz aquela mescla de prog
com psicodélico e um viés mais radiofônico. É possível? Sim!
O texto, caro e estimado leitor, por ser meu, torna-se inevitável a minha visão acerca do álbum, nada mais natural do que isso e eu faço questão de expô-las. E “Uno” é um álbum fantástico! Quando levantei referências para construir esse texto, sobretudo na sua parte histórica, li críticas muito pesadas, visões negativas deste trabalho único da banda Uno. Merecem todas as análises muito respeito, afinal, as opiniões são pessoais, mas muitos criaram uma expectativa de ouvir em Uno o Osanna, banda mais querida pelos ouvintes de progressivo e hard rock. E é aí que a frustração nasce, pois muitos ouviram Uno como Osanna.
Evidente que os laços que os
unem são fortes, afinal, grande parte do Uno veio do Osanna, mas esses ousados
e grandes musicistas encararam seu até então novo projeto como algo audacioso,
diferente da vertente sonora que o Osanna produzira até então. E eles fizeram!
Eles conseguiram, mesmo que, em alguns momentos, eles emularam o som do Osanna
em Uno, principalmente pelo que fizeram em “Landscape of Life”, mas não esperem
do Uno o Osanna.
E acredito que a rejeição se
deu também pelo fracasso comercial e os problemas que o Uno teve em reproduzir
as faixas de seu álbum no palco, ao vivo. A turnê promocional foi problemática,
devido a complexidade dos arranjos executados no estúdio, sendo difícil tocar
ao vivo. Por essa razão um quarto músico foi adicionado para os shows finais da
turnê: o irmão de Danilo Rustici, Corrado, que estava tocando no Cervello, na
guitarra e baixo. A título de curiosidade a abertura dos shows do Uno foram
feitas por Tito Schipa Jr. que tinha acabado de lançar “Lo Ed Io Solo”.
Mesmo com a reação fria e
monótona da imprensa especializada e do público, foi lançada uma versão, em
inglês, de “Uno”, com uma bela capa surreal projetada pela Hipgnosis, mas
também não atraiu nenhum interesse. Ele foi lançado na França, pela Motors e na
Alemanha pela Pan, ambos com a capa desenhada pela Hipgnosis. Há um lançamento
em CD japonês, em Strange days, com capa de Mini LP. As reedições originais do
CD cantado em italiano, excluídas de catálogo há muito tempo, foram finalmente
substituídas por um lançamento com capa gatefold e livreto ilustrado bem
caprichado.
A rejeição da imprensa e o
desdém pelo seu álbum, lamentavelmente decretou o precoce fim do Uno! O mercado
da música sempre falou mais alto e infelizmente, em virtude desse triste
cenário, sempre aliaram o fracasso comercial à qualidade dos trabalhos
realizados. A banda se separou e um novo projeto nasceria com os irmãos Rustici
e D’Anna que se chamaria “Nova”, apostando em um viés mais fusion. O primeiro
álbum se chamaria “Blink”, lançado em 1975. A resenha desta banda e álbum, caro
amigo leitor, pode ser lida aqui. Enzo Vallicelli tocaria, por muitos anos, com
vários artistas italianos populares e hoje assinando como “Vince Vallicelli”, é
um grande baterista de blues.
O sucesso comercial não veio,
mas aqui neste blog o fracasso ganha destaque, a obscuridade ganha luz e o Uno,
com seu único álbum, homônimo, é, sem sombra de dúvidas um clássico do prog
rock obscuro. Um trabalho ousado, digno, forte, de alto teor emocional e
caráter dramático. Está nos anais da história do rock marginal. Altamente
recomendado!
A banda:
Danilo Rustici nos vocais, na
guitarra elétrica e acústica, bass pedal, strings pedal, moog e piano.
Elio D'Anna no tenor e barítono
e alto e soprano saxofone, flauta e strings pedal.
Enzo Vallicelli na bateria.
Com:
Liza Strike no backing vocal
E:
Corrado Bacchelli na produção
Faixas:
1 - Right Place
2 - Popular Girl
3 - I Cani E La Volpe
4 - Stay With Me
5 - Uomo Come Gli Altri
6 - Uno Nel Tutto
7 - Goodbye Friend
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