Costumamos atribuir ao
krautrock como a cena rock mais emblemática da Alemanha. E essa informação se
confirma dado o seu pioneirismo, a sua importância, a sua representatividade
não só para o aspecto musical, mas para a contracultura germânica que ainda
recolhia seus cacos da Segunda Grande Guerra Mundial.
O Kraut, embora tenha sido um
nome pejorativo dado pela imprensa britânica trouxe bandas do naipe de Can,
Kraftwerk, Tangerine Dream, Amon Duul II, entre tantas outras que tingiram a
cena de um experimentalismo como nenhuma outra o fez, com uma simplicidade
minimalista que trazia à tona uma complexidade de interpretação a sons, ruídos,
entre outras viagens lisérgicas e ácidas que podemos comparar a versão alemã da
psicodelia que estava em voga no mundo na segunda metade dos anos 1960.
O Krautrock teve seu ápice
entre os anos de 1967 e 1972, aproximadamente, onde os grandes álbuns do estilo
se eternizaram, mas muitas bandas trafegaram no ostracismo, na obscuridade
flertando com outras sonoridades que ia do jazz rock, que também traziam doses
cavalares de jam section, com muitas experimentações a versões do rock mais
pesadas, inclusive e que não tiveram tanto acesso aos tocadores de som dos
aficionados pelo rock germânico.
Claro que essas bandas, como
disse, caíram no mais profundo esquecimento ou pelo menos grande parte delas e
sem sombra de dúvida trouxeram músicas significativas para a história, para os
primórdios do rock alemão e podemos, de imediato, citar bandas como Birth
Control, por exemplo, que até hoje, com mais de cinquenta anos de estrada,
grava material inédito para o mundo testemunhar que o kraut não se resume a
experimentalismos e viagens lisérgicas e ácidas.
Temos o jazz rock, temos o
hard rock que surgiram, mais ou menos, nesse mesmo período em que o kraut
reinou na Alemanha e que corrobora a diversidade sonora que brotou neste país
na transição dos anos 1960 para os anos 1970. E a banda que eu falarei hoje
surgiu um pouco depois dessa fase mais prolífica do kraut e seu minimalismo,
mas trouxe consigo a pedra fundamental da música pesada na Alemanha. Falo do BAUMSTAM.
Certamente você, meu bom amigo
leitor, nunca tenha ouvido falar dessa banda em sua vida ou conheça, porém
nunca tenha visto ou ouvido, em uma conversa de amigos apreciadores do rock
setentista, o nome dessa banda em algum momento. É claro! A banda é pouco
conhecida e tida pelos especialistas como muito rara. Sendo ou não rara, o fato
é que o Baumstam não figura entre os grandes do rock alemão dos anos 1960 ou
1970, mas tem uma relevância inominável quando se fala de pioneirismo do hard
rock germânico. Como pode? Parece estranho, mas sim, ela foi importante.
E como prova irrefutável
apresento o seu debut, o avassalador “On Tour”, lançado no longínquo ano de
1975, alvo de discussão no meu texto de hoje. Mas antes tentarei falar um pouco
da história da banda, mas, por questões óbvias, será um tanto quanto difícil,
pois a banda não gozava de tanta popularidade e infelizmente na grande rede
poucas são as referências sobre ela, mas tentaremos trazer um pouco de suas
raízes.
A história do Baumstam começa
aqui com uma conhecida letra de Herbert Grönemeyer, que diz:
“...Nas profundezas do oeste,
onde o sol está se pondo.”
Nas profundezas do oeste da Alemanha fica a região do Ruhr. E nas agitações dos fornos das minas, nas torres sinuosas das fábricas e pequenos assentamentos de trabalhadores entre Bochum e Dortmund fica a cidade de Witten, onde a banda foi formada lá pelo ano de 1972.
Como disse o início dos anos 1970 tínhamos uma hecatombe de bandas de krautrock, com sonoridades calcadas no órgão, ruídos eletrônicos e, por vezes, guitarras lisérgicas e pesadas e assim também aconteceu em Witten. E por lá os ex-amigos de escola Ulrich Klawitter e Michael Lobbe nas guitarras, Gerd Stracke na bateria e Michael Willecke no baixo fundaram uma banda, o Baumstam, com apenas um “M” no final.
Logo quando o Baumstam foi
formado começou a tocar em casas de shows razoavelmente grandes e em shows ao
ar livre e a fazer também turnês conjuntas com bandas como Franz K. e Faithful
Breath. Sua sonoridade era pesada, rústica, garageira tendo a guitarra dupla, a
guitarra fuzz como o cerne dessa sonoridade que à época não era comum, não era
cotidiano e que causou entusiasmo entre os fãs nos shows, por isso que logo na
sua formação recebeu muitas ofertas de shows importantes e grandes, se tornando
inovador para a história do hard rock alemão, diria para o rock e todas as suas
vertentes naquele país.
Mas como acontece com a
esmagadora maioria das bandas o Baumstam teve baixas, teve saídas de
integrantes e o primeiro a abandonar o barco foi Michael Willecke que deixou a
banda em 1974, sendo substituído por Volker Wobbe, no baixo. A bateria foi
assumida pelo Gerhard (Gerd) Meyer von Stracke.
Depois de algum tempo de
formada, cerca de três anos finalmente a hora do Baumstam de lançar
oficialmente um álbum novo havia chegado e o anos era 1975. A banda se reuniria
Knöterich Studio de Lothar Simmsheuser em Witten-Annen e as nove faixas para o
LP foram gravadas, pasmem, em apenas um final de semana, afinal, os jovens
músicos não tinham grana para alugar, por um longo tempo, um estúdio. Um pedal
de distorção “Schaller” e uma velha guitarra “Framus Deluxe”, o som da banda
estava pronto.
Eu não sou um profundo conhecedor dos instrumentos musicais, da sua parte técnica, mas, optei por colocar essa informação no meu texto, após as minhas pesquisas, na web, sobre a banda, para enfatizar a essência da sonoridade do Baumstam e a importância que esta teve para a história do rock alemão nos anos 1970.
O álbum, que se chamaria “On
Tour”, foi distribuído em seu próprio selo BMF, como o número de catálogo BS
6232 855. Atualmente um vinil original de “On Tour” pode ser disputado a tapas
por colecionadores de raridades e pode chegar a um valor na bagatela de mais
600 euros! Sim, prezados leitores, um álbum de caráter cult e que hoje é uma
verdadeira pérola, um ouro raro e caro para se adquirir.
“On Tour” centraliza sua
performance nas suas notas de guitarras distorcidas, com um toque áspero, sujo,
garageiro, com um som nem um pouco polido e que pode agredir aos ouvidos que
preza por um som mais limpo e sofisticado. Para muitos poderia ser considerado
como um álbum psicodélico e pessoalmente não discordo, mas o psych, com
guitarras lisérgicas, é um tempero ao som pesado calcado no velho hard rock e
que poderia, ainda, remeter ao som mais atual que é o stoner rock. Guitarras
distorcidas, sujas, ásperas, sem dúvidas traz à mente o stoner, o doom metal
tão em voga nos dias de hoje. O Baumstam definitivamente foi singular no seu
tempo, estando muito a frente dele. O som curto era bem estruturado, fazendo
das faixas de “On Tour” extremamente atraente. Então vamos a elas?
O álbum é inaugurado com a
faixa título, “On Tour” que já entrega a guitarra distorcida e lisérgica, cheia
de peso e groove. Sim, ela tem um groove forte e torna-se inevitável que faça
com que você balance a cabeça freneticamente. A interação entre as duas
guitarras é incrível, significativa. O vocal, rouco e áspero, se encaixa
perfeitamente com o som. Essa é a porta de entrada para o “mundo” de “On Tour”
e o Baumstam.
Segue com “Lucky Strike” que, se passasse despercebido, poderia ser considerada como uma sequência se não fosse pela parte do verso mais silencioso. Mas a sonoridade, de alguma forma, se mantém na proposta da faixa anterior, com o peso das guitarras duplas, com solos sujos e pesados, um baixo mais pulsante e uma bateria, igualmente pesada, porém marcada.
“Hold Me” foge um pouco à
regra das faixas iniciais e começa de forma mais acústica e até calma. Ela é
tocada em um ritmo mais lento e apenas na parte do meio surge a guitarra mais
distorcida e rápida, dando-lhe um pouco mais de peso. A faixa traz ainda uma
“pitada” mais de blues, mais dramática a música. Até o vocal fica um tanto
quanto melódico.
A próxima faixa é “Jazz Break”
e tem relativamente pouco a ver com jazz. Começa com uma pegada meio groove,
mas aumenta o tom no seu decorrer para um típico krautrock, baseado em uma
guitarra solo distorcida e pesada, calcada em tonalidades psicodélicas.
Semelhante à faixa título, a
próxima música, “Dusty Road”, atravessa os canais auditivos e faz também as
cabeças tremerem freneticamente por todo o tempo. É pesada, é intensa, é
rústica, é poderosa. A faixa ao vivo “Girl I Want To Stay Into Your Fire” segue
a sua jornada na sua crueza sem filtros, pesada, intensa, sem cortes, cheia de
groove e guitarras fuzz e lisérgicas.
“Last Letter” tem o violão que toca os acordes rítmicos e a guitarra elétrica que vibra no topo com o vocal principal que soa melancólico. Uma mudança até bem-vinda em relação às faixas que predomina com o peso e a aspereza.
Mas tudo volta a ficar mais
rápido com “Fifteen Years Old Mary”, onde o “fuzz” age novamente e de forma
impiedosa, a guitarra dupla, cheia de distorção, ganha vida novamente nessa
faixa. Percebe-se, ouso dizer, que essa faixa se adequaria a um heavy metal de
vanguarda, um proto metal respeitável. A banda mostra o seu pioneirismo nessa
faixa.
E “On Tour” finalmente é
fechado com a faixa “He's A Liar” e traz algo atípico, até então, para o álbum,
uma pegada mais progressiva, mas sem deixar de lado o seu peso, os riffs de
guitarra sujos e despretensiosos. Mas aqui você ouve um Baumstam mais
sofisticado, mais arrojado, mas ainda assim, hard e poderoso.
Após o lançamento de “On Tour”
o Baumstam não teve falta de oportunidades de se apresentar. Muitas ofertas de
shows surgiram e a banda continua a fazer shows em casas importantes. A bela
produção do LP fez com que as grandes gravadoras mantivessem seus radares
ligados para gravar a banda e divulgar “On Tour” com uma turnê maior, com mais
estrutura que a banda merecia. Mas
Mas os músicos não conseguiram
chegar a um acordo sobre um contrato de gravação oferecido pela Deutsche
Grammophon, motivando a separação do Baumstam em 1977 e o capítulo da história
inicial da banda se fecharia de forma precoce, porém não em definitivo. Para
Ulrich Klawitter e Gerd Stracke, no entanto, a música não havia acabado naquela
época, eles continuaram a tocar, independentemente um do outro, nas bandas de
Witten, tocando localmente.
E o reencontro do Baumstam se
deu graças ao relançamento de “On Tour”, em 2004, pelo selo “Amber Soundroom”.
Os velhos amigos de banda se reencontrariam e juntos redescobriram que poderiam
tocar novamente. Grande parte da velha magia que os moviam no passado ainda
estava viva, flamejando e que necessitava ser reacendida por música.
E eles não se resumiram a
apenas divulgar o relançamento de seu debut e gravaram o segundo álbum de
inéditas com o sugestivo nome de “Dreams of Yesterday”, em 2005. A formação de
Baumstam, para este álbum, trazia Klawitter, Strake e Volker Wobbe. Para
Michael Lobbe, o filho de Ulli, Adrian "Adi" Klawitter na guitarra e
teclados, e Anna Weigand nos vocais e flauta se juntaram à banda. Como 30 anos
antes, o engenheiro de gravação e proprietário do estúdio do Fanton Studios
envolvido era o conhecido Lothar Simmsheuser.
O até então novo álbum, do
próprio selo Schöne Töne, traz a marca registrada do Baumstam e com esse
trabalho surgiram shows por toda a Alemanha e até a França. Anna deixaria o
Baumstam em 2006, mas mesmo com essa baixa, a banda ganharia e muito com a
adição de Adi Klawitter que renovou o som da banda trazendo novas influências,
de modo que a próxima gravação já estaria prevista para 2007.
“Moment”, terceiro álbum do Baumstam, ganharia luz em 2007 e novamente dois anos depois um álbum ao vivo seria adicionado a sua discografia, oriunda da turnê de nome “Dusty Roads”, gravada em junho de 2009 no WerkStadt em Witten e lançada sob o mesmo nome de Moment e Dreams of Yesterday pelo selo Schöne Töne. A propósito clique aqui para ver algumas fotos da turnê do Baumstam no ano de 2008.
Em 2012, o aniversário de
quarenta anos da banda, precisava contar, em tom de comemoração, com um novo
trabalho de estúdio para homenagear o aniversário, mas as baixas aconteceriam. Volker
Wobbe foi substituído por Jens Gubert no baixo e Rex Dehnhardt se juntou a
Baumstam nos teclados. O trabalho de aniversário foi intitulado com a equação
72 – 12 = 40. O significado por trás disso é simplesmente ... 1972 a 2012 = 40
anos de Baumstam.
O trabalho foi lançado pelo
selo Green Tree, que já havia sido relançado várias vezes na turnê, e contém
onze novas músicas. A turnê do 40º aniversário levou Baumstam por várias
cidades da Alemanha. Era o Baumstam no seu melhor lugar, no palco, tocando
magistralmente ao vivo.
No início de 2014, Gerd
Stracke deixou a banda, de modo que outra mudança de formação foi necessária.
Adi Klawitter agora assumiu a bateria e Baumstam continuou como um quarteto
desde então. As mudanças na sua formação foram uma constante desde os seus
primórdios, mas sempre tiveram a capacidade de manter intacta a sua sonoridade,
mantendo-se extremamente fiel e consolidada.
“On Tour” tiveram
relançamentos antes de 2004 que motivou a reunião de seus músicos. E isso foi
ainda nos anos 1990, com a primeira, no formato CD, em 1990 e em 1994 pela CRC
Records. Tais relançamentos, sobretudo as do formato em vinil, em LP, foram em tiragens
bem limitadas fomentando o quesito de raridade desse trabalho, sendo essas
cópias atingindo os três dígitos de tão caro, mas disputado a tapas pelos
colecionadores de vinis.
A banda sempre esteve à margem da popularidade, trafegou nos submundos do rock, esteve longe do glamour e mesmo citada em alguns períodos de rock como uma referência para a música pesada na Alemanha, é pouco lembrada pelos fãs. Mas até os dias de hoje as músicas de “On Tour” ainda são tocadas em algumas rádios dos Estados Unidos, claro, de música underground e é tida, com alguma razão, como um dos pilares do stoner rock, da música pesada alemã.
A banda:
Ulrich Klawitter na guitarra
solo, vocais
Michael Lobbe na guitarra
acústica, 2ª guitarra elétrica
Volker Wobbe no baixo
Gerhardt Meyer na bateria,
percussão
Faixas:
1 - On Tour
2 - Lucky Strike
3 - Hold Me
4 - Jazz Break
5 - Dusty Roads
6 - Girl I Want To Stay Into
Your Fire
7 - Last Letter
8 - Fifteen Years Old Mary
9 - He's A Liar
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