A cena progressiva e
psicodélica no Brasil é dotada de heróis. Heróis? Talvez essa não seja a
palavra que define os músicos, bandas e público que compuseram e que, ainda
hoje, compõe esse movimento, os chamaria de abnegados, verdadeiros
desbravadores de uma música que ainda detém um caráter contracultural, embora alguns
conceitos e percepções tenham assumido novas “roupagens”, mas a essência
marginal, contra o status quo, o impacto estético e a liberdade criativa
continuam permeando os pilares das bandas que, com muita dificuldade, surgem e
tentam, com galhardia, perpetuar a cena nos dias contemporâneos, tão
pasteurizados e perecíveis.
Mas não se enganem, bons amigos leitores, que nos longínquos anos 1960 e
1970 era diferente. Nunca! Pelo contrário! A precariedade e o pouco suporte
estrutural e de disseminação da música era notório. As poucas bandas que
conseguiram, aos trancos e barrancos, lançar material, mesmo que com a baixa
qualidade, podem ser consideradas como privilegiadas, levando-se em
consideração que muitas e muitas bandas não vingaram e morreram sem sequer ver
a luz ou ter uma história discográfica.
Mas há de se ter, como disse,
galhardia, determinação e ser movido pela força motriz da música. Sim! A
persistência tendo a música como norte, como caminho e crença para seguir mesmo
que em tempos bicudos. E hoje, apesar das dificuldades ainda evidentes e
latentes, uma horda de grandes bandas tem trazido um novo frescor a cena
psicodélica e progressiva, um novo oxigênio tem trazido vida nova e uma
perspectiva de longevidade e qualidade à cena e eu falo do Brasil, caros amigos
leitores, não apenas dos grandes polos do rock n’ roll universal.
E apesar de não ter apoio das mídias de
massa, os abnegados fãs, músicos e donos de selos undergrounds se juntam em uma
epopeia com o intuito de disseminar e multiplicar a boa música alternativa e
livre de amarras e, graças algumas ferramentas dos novos tempos da forma de se
comunicar, como as redes sociais, por exemplo, ecoam de lugares inusitados,
bandas de mais puro garbo sonoro, enaltecendo a história dos pioneiros
desbravadores. E da terra do carimbó, da guitarrada e da lambada, surgiu, em 2015,
uma banda que sintetiza, com uma qualidade sonora incrível, a efervescência
cultural paraense, chamada STEAMY FROGS.
Steamy Frogs
O Steamy Frogs que, em tradução livre, significa “sapos fumegantes”, foi formada tendo como cerne
musical o rock psicodélico, o rock progressivo e o psych, mas com o
“tempero amazônico”, a veia regional, folclórica, falando de temas inerentes à
cultura brasileira e de temas sobrenaturais como a morte, por exemplo e
questões sociais e comportamentais humanos.
O Steamy Frogs é um exemplo claro e
bem definido de que o rock regional, que pautou as grandes bandas do estilo na
década de 1970, como O Terço, Terreno Baldio, entre outras, assume uma
roupagem contemporânea com uma levada mais “world music”, as novas facetas da
música que tem o pé no passado, com a essência de sua criatividade sonora.
E
esse som aflora na estética do Steamy Frogs com vestimentas típicas, com a cara pintada,
mostrando o Brasil nas suas mais belas nuances culturais. E por falar na banda,
a mesma é formada por Lucas Castanha no vocal e guitarra, Olavo Nascimento na
guitarra e backing vocal, Felipe Mendes no teclado, Tiago Ribeiro no baixo,
Walber Moraes no saxofone e Leandro Sena na bateria.
Como qualquer banda do
estilo no Brasil demorou um pouco, desde a sua fundação, para lançar um
material, até que, finalmente em 2017 lançou seu primeiro single chamado
“Levantei”, gravado e produzido por Andro Baudelaire e em outubro do mesmo ano
lançou “Trubal” gravada por Daniel Avelar e produzida pela banda.
Mas músicas
como “A Ponte” foi um das primeiras a ser compostas pela banda, ainda em 2015,
já delineando a sua proposta sonora, de forma evidente, com muito rock
psicodélico e progressivo com um viés tipicamente regional, com levadas
latinas, inclusive.
Mas foi em 2018 que a banda
deu um passo importante na sua história lançando o EP chamado “Kambô”, com o
incondicional apoio de Daniel Avelar, Thiago Albuquerque e Henrique Maia. Este
EP teve a parceria com o selo Abbey Monsters e a distribuição digital feita
pela AmpliCriativa.
A formação da banda, responsável pela criação de “Kambô”,
tinha: Lucas Castanha no vocal, violão e guitarra, Olavo Nascimento na
guitarra, backing vocal, Felipe Mendes no sintetizador e efeitos, Tiago ribeiro
no baixo e Lucas Armstrong na bateria. Conta com três faixas: “Sapiens”, “Indecisão
da Odisseia Paradoxal Interestelar” e “Denis D'or” e trouxe o psicodélico e
progressivo como carro chefe, mas o rock regional e o folclore amazônico estão
presentes neste trabalho.
"Kambô" (2018)
O Steamy Frogs começou a
ganhar alguma notoriedade em suas apresentações ao vivo em festivais e grandes
casas de shows de Belém, no Pará como: “Capitão Poço”, “Castanhal”, “Cojituba”,
“Apoena”, entre outras. Participou do “Woodstock Old & New
Festival 2016” no Insano Marina Club, do CCAA Fest 2016 e 2018, do Programa
Protótipo da TV Cultura, da 10ª edição do Rock Rio Guamá e do “Psica Festival”
2018.
A banda estava ganhando corpo, experiência de palco e muita rodagem, até
que em 2019 o grande momento para a banda finalmente surgiu: o tão esperado
lançamento de um novo álbum. Nascia o “Labirinto Mental”, alvo de minha
resenha. E antes de falar do conceito do álbum, bem como de cada faixa
que o compõe, não posso deixar de falar das minhas impressões iniciais, quando
botei o “play” e comecei a ouvir “Labirinto Mental”. Nossa!
Catártico, um arrebatamento sonoro! Uma sonoridade psicodélica, lisérgica, que me
transportou para os anos 1960 e 1970, a complexidade progressiva vem encorpando
o trabalho também, com uma grande excelência instrumental, uma sinergia sonora,
vocais fantásticos, um som viajante e que retrata, com fidelidade, os sons
brasileiros na sua mais perfeita harmonia e melodia. “Labirinto Mental”,
lançado pelo selo “Urtiga”, traz um momento de amadurecimento sonoro da banda,
em relação ao seu antecessor EP, entregando ao ouvinte uma miscelânea sonora
calcada no prog rock, psych, world music e música regional do Brasil.
O
conceito do álbum conta a trajetória de um índio da tribo Kaxinawá Hylidae que, para resolver os seus problemas psicológicos, trata-se com um ritual proposto
pelo xamã, com o qual conhece o veneno do sapo Kambô. Hylidae, após a busca
pela sua cura, começa a vivenciar experiências correlatas na tribo concreta e
no ambiente espiritual.
Ele enfrenta uma guerra nos
dois universos: no físico, como pessoa; e como sapo no espaço incorpóreo. E
após a vitória do seu povo luta pela reconstrução da sua tribo. Certamente uma
continuação do EP “Kambô”, mostrando a veia progressiva da banda. O álbum
começa com “Labirinto” com um envolvente saxofone viajante me remetendo a
bandas como King Crimson e uma pegada meio sinfônica, com um vocal melódico,
dramático. Uma faixa bem moderna e solar. A música fala da força da imaginação
das crianças e as suas descobertas.
"Labirinto"
“Bicho Solto” já inicia
pesada com riffs de guitarra bem elaborados, mas com um balanço meio “new
wave”, um som meio dançante, animada, com uma “cozinha” bem afiada, bateria bem
marcada e um baixo bem ritmado e pulsante. A faixa fala do ritmo de vida da
juventude.
"Bicho Solto", Performance Outros Nativos
E eis que surge “A Ponte”,
com um som mais experimental, com dedilhados de guitarra mais lisérgicos,
ruídos que nos remete a um space rock à la Hawkwind e Pink Floyd de seus
primórdios sessentistas. Traz uma balada meio introspectiva no início, mas que
logo irrompe em um hard rock progressivo com solos curtos e diretos de guitarra
e vocais melancólicos, fechando com um solo mais complexo, entregando uma veia
mais hard, mais pesada. A música fala da morte, não como o fim, mas como uma
passagem, talvez o início de uma viagem.
"A Ponte"
“Terminal” traz
experimentações minimalistas ao estilo krautrock alemão para dar passagem a
faixa “Levantei” que curiosamente me fez lembrar a “new wave” da década de 1980
com um progressivo sinfônico com o destaque, claro, para os teclados e um vocal
mais rasgado e imponente, com um bom alcance. “Terminal” traz a tensão e a
ansiedade já a faixa “Levantei” o sentimento de aceitação.
"Levantei"
“Era Cinza” abre com um
baixo mais pulsante, um groove interessante, mas ainda com o viés oitentista da
“new wave” britânica, com destaque, mais uma vez para os teclados, com riffs de
guitarra que confere, em alguns momentos, peso à música. A música fala das
incertezas do futuro e da vida e como podemos, como seres humanos, melhorar o
todo ao nosso redor.
"Era Cinza", ao vivo no Rock Rio Guamá
A instrumental “Trubal” tem
um pé no psicodélico e algumas “nuances” de stoner prog, com claras influências
de bandas como Camel, por exemplo, repletos de alternâncias rítmicas,
entregando o que há de melhor da banda: seus dotes instrumentais, uma simbiose
perfeita entre seus instrumentistas. A faixa mostra a percepção futurista do
mundo e a reconstrução do planeta após a guerra.
"Trubal" ao vivo no Woodstock Old & New Festival (2016)
E fecha com a faixa “As
Portas” que mescla o progressivo, hard rock e o psicodélico. Essa faixa retrata
o que é o álbum na sua gênese. Harmonia e melodia em evidência, viradas
rítmicas em profusão, guitarras distorcidas e saxofone frenético torna a música
mais poderosa e ameaçadora. A faixa fala das diversas opções que a vida nos
oferece. Fantástica música para fechar esse igualmente fantástico álbum.
"As Portas", ao vivo no Espaço Cultural Apoena (2019)
“Labirinto Mental” teve seus
arranjos feitos entre 2017 e 2018, mostrando o cuidado e todo o sentimento de
perfeccionismo do Steamy Frogs que certamente ostentava um desejo de criar um
trabalho calcado no rock progressivo e rock psicodélico, mostrando uma simbiose
entre as vertentes, tendo também, no processo criativo, de composição, a
participação coletiva de cada integrante, mostrando sinergia também nesse
aspecto.
Quatro meses após o lançamento de “Labirinto Mental” o Steamy Frogs
lançou o EP “Os Cutacas”, idealizado e produzido pelo guitarrista Olavo
Nascimento que é formado em música pela Universidade Federal do Pará e dá aula
de musicalização e instrumentos para crianças, entre 7 a 11 anos de idade, há
cerca de um ano, mostrando que a música é sinônimo de transformação pessoal e
social.
Steamy Frogs e os Cutacas ao vivo no Teatro Margarida Schivasappa
Pois é, vejo que além do “Labirinto Mental”, o trabalho social da banda
também produzirá um legado para a música de que tanto amamos e que, a duras
penas, e graças a abnegados como o Steamy Frogs e toda uma cena, permanece.
Tudo em prol da música tão somente.
A banda:
Lucas Castanha no vocal e
guitarra
Olavo Nascimento na guitarra
e backing vocal
Felipe Mendes nos teclados
Tiago Ribeiro no baixo
Walber Moraes no saxofone
Leandro Sena na bateria
Faixas:
1 - Labirinto
2 - Bicho Solto
3 - A Ponte
4 - Terminal
5 - Levantei
6 -
Era Cinza
7 - Trubal
8 - As Portas
"Labirinto Mental" (2019)
ótima matéria! e mais uma banda que já vem com escoliose de tentar carregar esse estilo que é marginalizado no Brasil desde os anos 70 e que hoje tem pouco espaço, porém existe um público fiel... no Norte existe uma boa safra do prog psicodélico!
ResponderExcluirCaro Átila muito obrigado pelos elogios e por ter lido! Verdade! São bandas e fãs abnegados que faz com que a resistência aconteça e que a cena se propague, apesar das dificuldades!
ExcluirHouve lançamento em mídia física desse disco?
ResponderExcluirCara teve sim. Lançaram em CD e creio que em vinil.
ExcluirDá uma acessada no Facebook deles, digitando, claro, o nome da banda e pergunte a eles...
Costumam responder e são muito educados e atenciosos.