Uma de minhas grandes alegrias
durante esse período em que produzo textos de bandas e álbuns obscuros,
esquecidos pela mídia, pelo tempo e até pelos fãs de rock n’ roll é desbravar,
conhecer coisas novas, independente do período em que foram concebidos.
Essa busca incessante pelos
músicos e bandas que amamos, essa avidez rumo a desconhecidos caminhos que
nossos músicos fizeram em sua trajetória musical é digno de um prazer
imensurável. Apenas os fãs pela música obscura saberão descrever isso com
requintes de detalhes.
É claro que são projetos
esquecidos não apenas pelos fãs ou desconhecidos, mas negligenciado pelos
próprios músicos, algo feito que fugiria, diria, de uma “normalidade”
discográfica desse músico.
E vou exemplificar um que
considero um dos expoentes da música pesada no Brasil. Um cara que deixou, de
forma indelével, a sua marca no hard, no heavy e que merece, por todo sempre,
ser reverenciado: Falo do grande Percy Weiss.
Aos que acompanha o rock brasileiro, sobretudo dos anos 1970, Weiss conquistou notoriedade tocando em bandas seminais como Made in Brazil, tida hoje como a banda mais antiga em atividade no Brasil e certamente uma das mais influentes desse país. Sua estreia foi com o excelente “Jack, o estripador”, de 1975, o segundo trabalho da banda.
Percy teve a difícil
responsabilidade de substituir outro grande vocalista do rock brasileiro, o
teatral e influente Cornelius Lucifer que se notabilizou pela sua estética
subversiva e extravagante. Ele ficou conhecido por gravar o debut do Made in
Brazil, que completou 50 anos em 2024, conhecido pelo “Disco da banana”, de
1974. Percy sofreu com as comparações com Cornelius no início, mas, com seu
carisma e presença de palco, além, é claro, de sua potente voz, acabou conquistando
seus fãs.
Weiss participaria do seminal
e censurado álbum “Massacre”, gravado em 1975, mas podado pela infame Ditadura
Militar sendo engavetado, proibido de ser lançado, vendo a luz apenas em 2005.
Weiss deixaria a banda em 1979 para tocar em outra importante banda do cenário
rock brasileiro chamado Patrulha do Espaço substituindo outro seminal
vocalista, que fez sucesso nos Mutantes, o Arnaldo Batista.
Percy tocaria junto com
músicos excepcionais como os já falecidos guitarristas Dudu Chermont e Walter
Baillot e do baixista Cokinho, além, claro, do baterista Rollando Castello
Junior. Um cara com esse currículo musical não poderia deixar de ganhar
adeptos, seguidores fieis, verdadeiros apreciadores, do genuíno rock brasileiro
da melhor década, a de 1970.
Mas esse grande vocalista,
como tantos outros, começou sua carreira em bandas totalmente, diria, atípicas
e diferentes, em termos sonoros, do que ele se notabilizaria. Para se ter uma
noção, ele iniciaria a sua trajetória musical em bandas de baile, o que, de
certa forma, era comum, na transição dos anos 1960 para os anos 1970 no Brasil.
E a primeira era a U.S. Mail
e, para variar, as bandas tinham nomes em inglês e cantava músicas igualmente
em inglês nas domingueiras do Clube Banespa, em São Paulo, cidade que adotou
desde os cinco anos de idade. Mas o que verdadeiramente me chamou a atenção foi
ouvir a voz inconfundível e poderosa de Percy Weiss em uma banda chamada Quarto
Crescente, que passou pela vida do grande vocalista antes do Made in Brazil e
Patrulha do Espaço, em 1973.
E um dos grandes momentos de
se conhecer bandas obscuras é ter a alegria, não só de desbravar os escombros empoeirados
do rock nacional, vilipendiado pela grande mídia e indústria, mas também
possibilita navegar nos mares selvagens e intocáveis das carreiras de músicos
emblemáticos, como Percy, por exemplo.
Mas não enganem, caros e
estimados leitores, que o Quarto Crescente, que Percy Weiss tocou nos anos 1970
é a banda QUARTO CRESCENTE que irei falar neste texto, aquela, igualmente
obscura e desconhecida do início dos anos 1980, mas prometo explicar com
requintes de detalhes.
Mas ambas as bandas, de mesmo
nome, eram bandas totalmente desconhecidas, claro, por isso figuram aqui neste
reles e humilde blog, mas o Quarto Crescente oitentista contava com músicos
tarimbados, a começar pelo próprio Percy, que à época quando foi convidado, já
gozava de fama, bem como Babalu, nome artístico de Antônio Medeiros Junior,
também conhecido como Tony Babalu, que também, como Percy, chegou a gravar
alguns álbuns com o Made in Brazil.
Não podemos esquecer de que
Percy Weiss foi o frontman de bandas como Chave do Sol, mostrando que era um
músico de versatilidade, não se limitando ao hard rock e heavy metal. E foi
exatamente por isso, além, claro, da admiração que tenho pelo seu trabalho, que
me chamou a atenção, essa versatilidade. E o que dizer, já que falamos do heavy
metal, de sua participação na banda dos anos 1980, o Harppia?
Gravou talvez um dos mais
influentes trabalhos, não apenas da banda, mas de toda uma cena pesada
underground daquela década, o “7”, de 1987. Weiss foi convidado quando o
vocalista original, Jack Santiago, se recusou a continuar no projeto de retomar
a banda, após sua dissolução precoce, saindo da banda. Embora o Harppia não
tenha respirado os ares do sucesso, “7” se tornou referência no estilo, afinal
ter, em sua formação, Weiss no vocal, Tibério Luthier na bateria, Cláudio Cruz
no baixo, Fillippo Lippo e Flávio Gutok nas guitarras, não poderia ser
diferente.
Mas o assunto é o Quarto
Crescente, o Quarto Crescente dos anos 1980. “Quarto Crescente”, o álbum,
nasceu do desejo do baterista Horácio Malanconi Neto, de gravar um trabalho de
estúdio, com músicas autorais. Nos primórdios da banda, os jovens músicos
começaram como uma banda de bar e utilizaram o curioso nome de “Cadela”, mas
quando decidiram que iriam levar a sério o projeto de gravar um álbum, optaram
por um nome, digamos, menos impactante ou, para alguns, melhor.
Os jovens músicos, a “ala”
menos conhecida da formação que gravou o único trabalho do Quarto Crescente,
quando convidou Percy Weiss para o cargo de vocalista da banda, lembraram que
Weiss havia tocado, lá em 1973, em uma banda chamada “Quarto Crescente” e
perguntaram ao vocalista se poderiam usar o nome, já que a banda não existia
mais, Percy autorizou e a partir daí, surgiria a nova e mais arrojada “versão”
do Quarto Crescente, porém com o Percy novamente como frontman.
O álbum, como acontece com
várias bandas undergrounds, foi
concebido em tempo recorde, levando, pasmem, uma semana para gravar, mixar e
masterizar o trabalho. A produção e a direção dos arranjos são dos próprios
músicos, o que corrobora a condição das bandas independentes no Brasil e no
mundo também. Completava a banda, além de Horácio, Percy e Babalu, Tigueis no
baixo.
“Quarto Crescente” tinha tudo
para ser sucesso comercial, afinal tinha um já Percy e Babalu que gozavam de
alguma reputação e experiência, além de trazer músicas lentas, algumas boas
baladas de apelo comercial, mas muito bem-feitas. O álbum trazia um rock n’
roll voltado para o hard rock, o classic rock, música brasileira e umas
discretas pitadas de rock progressivo e até mesmo um blues rock.
O álbum é inaugurado com a faixa “Bicicleta” que é envolvida por uma belíssima balada blues, sustentada pelo lindo e melódico vocal de Percy Weiss, mostrando versatilidade. Solos de guitarra breves, mas viajantes, contemplativos, com uma entrosada e linda seção rítmica entregando uma textura mais comercial. A letra personificação a condição sonora.
“Serra Pelada” vem com uma
pegada totalmente distinta. Algo de country rock é evidente. Uma faixa solar e
animada, e a gaita ganha destaque, fazendo da música um pouco mais dançante,
mas a letra traz um cenário meio apocalíptico daqueles tempos e dos atuais também.
“Aves Noturnas” traz outra
vibe do álbum e agora é o hard rock que ganha protagonismo. Guitarras mais
pesadas, baixo mais pulsante, bateria com mais pegada, com mais peso e
agressividade, com vocal mais pungente, vivo e alto. A potência vocal de Weiss
nos remete ao Made in Brazil de um passado não muito distante em sua carreira.
Essa faixa trouxe uma discussão polêmica. Para muitos há uma semelhança desta
com a música do Made in Brazil chamada “Me Faça Sonhar”, do álbum “Minha Vida é
o Rock n’ Roll”, de 1981. A questão do plágio foi levantada, mas a polêmica é:
quem plagiou? O Quarto Crescente ou o Made in Brazil? Ambos os álbuns foram
gravados em 1981!
Mas tudo indica que não
ocorreu plágio e tentarei explicar, caros leitores: pouco antes da separação de
Percy com o Made in Brazil, ele e Oswaldo Vecchione haviam começado a trabalhar
uma nova música que ficou inacabada. E os dois tiveram a ideia de terminar a
faixa inacabada para o projeto que estavam desenvolvendo, daí a aparição de
algumas frases em comum nas duas músicas.
A faixa seguinte traz um
medley intitulado “Jovem Guarda” com parte das faixas “Gênio”/”Pica Pau”/”Parei
na Contra Mão”/”Rua Augusta”/”O Bom”/”Splish/Splash”/”Você me Acende”. É bem
divertido, animado, mas fica nisso. A banda decidiu lembrar um pouco do popular
movimento musical que dominou as paradas de sucesso de meados dos anos 1960.
Segue com “Mercado Modelo” retoma
a pegada mais pesada do álbum, sendo animada, pesada, que já começa com solos
curtos, pesados e diretos de guitarra e que remete um pouco dos anos 1960 do
rock no Brasil, sendo bem dançante, algo um pouco voltado também para o
rockabilly. Certamente uma das melhores faixas do álbum e que retrata com
fidelidade dos comportamentos da sociedade à época em sua letra.
“Boa Garota” traz de volta as
baladas do álbum, mas com um toque mais “apimentado”, mais pesado. A presença
dos riffs de guitarra corrobora esse detalhe picante. Os vocais, mais uma vez,
cheio de sedução e balanço de Weiss se destaca, bem como a presença da flauta
contrabalanceando o peso, mas executado com personalidade.
Segue com “Regue Fajuto” e,
como sugere o nome, traz a pegada reggae, mas com uma levada um tanto quanto
new wave e um apelo radiofônico e letra romântica que corrobora esse apelo
comercial. Não podemos negligenciar, contudo, o trabalho de baixo de Tigueis
que é fabuloso, cheio de groove e ritmo. Cabe aqui, já que mencionei em
Tigueis, não podemos comparar ou lembrar do Tigueis da banda Chave do Sol, mas
não é. O Tigueis do Quarto Crescente Antonio Carlos Lopes e é conhecido por seu
trabalho de luthier e seu registro ao lado do grupo Cão Fila.
“Fique Frio” resgata a
sonoridade do Made in Brazil, mas não se caracteriza como plágio, afinal, Percy
trazia um pouco do DNA da banda por ter feito parte dela em seu ápice musical e
criativo. Mas em “Fique Frio”, além do hard rock, traz aquela pegada dançante
que me remete, como em “Boa Garota” aos anos 1960.
E fecha com “Triste Cidade” da
mesma forma como começou o álbum, com uma faixa voltada para o blues rock, mas
nesta a veia blueseira me parece mais viva, evidente e pesada. O trabalho da
guitarra é muito mais apurado nesse sentido e a gaita ganha mais protagonismo
trazendo o balanço do velho blues. Solos de guitarra mais elaborados, a
“cozinha” entregando um groove legal. Fechou em grande estilo!
A minha reverência com o
gigante e inesquecível Percy Weiss me possibilitou desbravar o lado obscuro de
sua brilhante trajetória musical me fazendo descobrir o Quarto Crescente e a
sua faceta mais despojada, livre e consequentemente versátil. Um Percy blues
rock, blueseiro, MPB, rockabilly. Um múltiplo músico que merece todas as
reverências eternas. Quarto Crescente entregou ao mundo um álbum sem pompas,
simples, cru em sua concepção, simples, um som sincero feito com a verdade de
quatro músicos que só queriam produzir música dignamente no Brasil dominado por
pseudo músicas pasteurizadas para atender a efêmeras necessidades de mercado.
Em “Quarto Crescente” tiveram
alguns músicos convidados fazendo percussão, gaita, flauta, mas não consegui
encontrar nenhuma referência com os seus nomes para aqui elencar. Um trabalho
atípico, mas extremamente palatável a vários ouvidos, dos mais exigentes até
aqueles que apreciam a verdadeira música popular.
A banda:
Percy Weiss nos vocais
Tony Babalu na guitarra
Horácio na bateria
Tigueis no baixo
Faixas:
1 - Bicicleta
2 - Serra Pelada
3 - Ave Noturna (Rock n Roll)
4 - Jovem Guarda: Gênio / O
Pica Pau / Parei Na Contramão / Rua Augusta / O Bom / Splish Splash) / Você Me
Acende
5 - Mercado Modelo
6 - Boa Garota
7 - Regue Fajuto
8 - Fique Frio
9 - Triste Cidade
Muito bom o seu blog. Cheguei aqui por meio do Máquina de Fazer Sonhos. Estou devorando os artigos. Muita coisa legal. Só uma coisa que não entendi: você colocou como palavras-chave "Alternativo"; "Rock de garagem"; "Underground", na chamada do blog. Eu sei que essas palavras são meio que universais para coisas que não estão no mainstream, MAS, na hora que entrei no blog, quase que saio sem nem ler nada. E por quê? Porque, pelo menos para mim, essas tags que você colocou estão muito relacionadas a um tipo de "música" que eu acho uma merda: alternativo tem a ver com Nirvana, grunge, punk, todas essas coisas que eu acho um cocô. Já "rock de garagem", mais ainda. Tem a ver com toda aquela bobagem punk de "Do it yourself", blá-blá-blá, revolução anarcocomunista, blá-blá-blá, Legião Urbana, RDP, palhaços socialistas, blá-blá-blá "mudar a sociedade", isso me dá até náuseas. Mas, enfim, eu comecei a ler a primeira matéria sobre o Quarto Crescente, fui lendo as outras, e só tem bandas legais, da melhor época do rock: progressivo, hard, psicodélico, etc. Enfim, absolutamente nada a ver com essas tags que você marcou. Mas, OK, se você acha que procede, vai fundo. Gostei demais do blog. Muito bom mesmo. Abraços.
ResponderExcluirOlá amigo! Que bom ler essas mensagens! Agradeço e muito por ler, pelos elogios! Mensagens como a sua me enchem de estímulo para continuar seguindo!
ExcluirQuanto às suas ponderações quanto as nomenclaturas. Muito pertinentes! São nomenclaturas e quando a utilizamos para definir as músicas que ouvimos ganham dimensões distintas, para bandas que geralmente se diferenciam uma das outras.
Eu confesso que, com a sua excelente crítica acerca dessas designações às essas músicas, me pus a refletir e desde já te agradeço enormemente.
Agradeço tanto que fiz algumas mudanças lá nos tags e coloquei apenas "raridades" e "obscuridades" que são definitivamente a essência desse blog.
Mais uma vez muito obrigado!