sábado, 8 de novembro de 2025

Tapiman - Tapiman (1972)

 

Costumo associar ou comparar algumas bandas, principalmente aquelas de vida efêmera, com uma estrela cadente, como são conhecidos, popularmente, como meteoros. São fugazes, são manifestações naturais, que, quando surgem, são fugazes e, dependendo de sua magnitude, destroem tudo o que veem pela frente.

Não há comparação melhor com as bandas obscuras e que surgem na escuridão, na obscuridade, vivem uma vida curta, desaparecem sem deixar rastros, mas, ainda assim, conseguem servir de referência para suas vertentes sonoras, mas não gozando de sucesso e popularidade.

E como estrelas fugazes podem ser apreciados por poucos, afinal tem de estar com os seus telescópios, seus olhares voltados para o lugar certo e no momento certo. E repararam quando presenciamos tais fenômenos nos sentimos privilegiados? Pois é, caros leitores, isso se aplica também às bandas que surgem, vivem e perecem obscuramente.

Por isso que costumo dizer que nasci no “tempo errado”. O tempo é relativo, porque temos a sorte de termos gravadoras undergrounds abnegadas e dispostas em trazer à tona bandas e álbuns esquecidos e jogados no fundo do baú empoeirado do rock n’ roll e que podemos ouvir e perceber, definitivamente que, os anos 1970, foram os mais prolíficos para o rock.

Então falemos de uma excepcional banda catalã, surgida, claro, em Barcelona, que abalou com as estruturas sônicas daquela proeminente cena rock trazendo um hard rock potente calcado ainda no blues rock e no que convencionaríamos, no futuro, de heavy metal. A banda? TAPIMAN.

Tapiman

As origens do Tapiman vêm do exímio baterista Josep María Vilaseca "Tapi", que era uma lenda do rock espanhol, tido, inclusive como o melhor baterista de seu tempo. Reza a lenda de quem o conheceu, de que ele era um menino e mais a frente um jovem a frente de seu tempo, que gostava de beber e se divertir. Tapi era uma maravilha com as baquetas na mão. Parecia levitar com seu instrumento, quando se apresentava.

E a sua trajetória no rock se fez com a banda Vértice e em 1969 ingressaria no Maquina!, uma referência do rock catalão na transição das décadas de 1960 para a de 1970. Com a dissolução do Maquina!, Tapi decidiu alçar novos voos e contou com o excelente guitarrista Miguel Ángel Núñez para formar o Tapiman, lá pelo ano de 1970. A origem do nome “Tapiman” vem do nome “Tapi” de Josep e a contração do nome do guitarrista Miguel (MAN). Se juntaria, logo após, à banda o baixista Pepe Fernández, que tocou também no Vértice com Tapi. Vale dizer também que “Tapi” era o nome artístico de Josep, porque ele morava rua Tapioles (Tapi / oles), na Chinatown de Barcelona.

O “power trio” estava formado. E eles de fato trouxeram algo novo, arrojado ao rock n’ roll espanhol. E com um punhado de músicas no braço os jovens músicos foram em busca de algum produtor, empresário ou gravadora para materializar seu sonho de gravar um álbum e as suas músicas, até que o selo Edigsa decidiu gravar, em 1971, o primeiro single do Tapiman, com duas músicas, "Hey, You!" e "Sugar Stone", duas grandes canções que seriam o prelúdio do que viria mais tarde com seu primeiro álbum.

E o destaque fica para “Sugar Stone” que apresenta um hard rock puro, potente, vigoroso, tido, por muitos, como uma das músicas pioneiras da música pesada na Espanha e que tinha alusões claras, em sua letra, a temas psicodélicos, fruto ainda de uma fase no rock onde a lisergia reinava ou pelo menos, lá pelos idos de 1971, terminava seu reinado.

Fica o destaque também em dizer que o Tapiman foi o primeiro “power trio” da história do rock espanhol e nitidamente mostrava influências de bandas como Black Sabbath que à época estava iniciando a sua trajetória com a sua trinca pesada de álbuns seminais e pesados, além de Jimi Hendrix e, claro, Cream, o primeiro “power trio” da história do rock. Outra novidade para o rock espanhol era o baterista como vocalista também, mesmo que Tapi tivesse certa barreira com o idioma inglês, compensava com potência e por vezes um vocal rasgado que harmonizava perfeitamente com a sonoridade do Tapiman.

Naquele mesmo ano, 1971, o Tapiman lançaria outro single, agora com as músicas “Love Country” e “Walking All Along the Life”, porém com outro guitarrista. Seria a primeira baixa da banda, saindo o grande guitarrista fundador, Miguel Ángel, devido ao serviço militar obrigatório. Tapi não demorou muito para encontrar um novo guitarrista para compor a banda e este foi outro exímio “guitar man” chamado Max Sunyer, outra lenda viva que também havia tocado no Vértice e que já era um guitarrista profissional experiente.

Vale, como registro histórico, que, pouco antes disso, Tapi, juntamente com três dos músicos do Vértice, além de ter colaborado com os singles que a banda lançou, gravaria, em 1970, um álbum de nome “Rock n’ Roll Music”, de um rock muito poderoso e com tendências muito progressivas que incluíram versões de John Mayall e Ray Charles. Este álbum foi lançado com uma tiragem muito curta. Esse projeto é um claro avanço do que viria mais tarde a ser o Tapiman.

"I Want a Boogie"

Para alguns críticos da época e fãs também esse segundo single lançado pelo Tapiman perderia a força do anterior lançado, sendo um passo em falso considerando o que viria no ano seguinte com o seu primeiro álbum, mas para outros a adição de Sunyer foi preponderante para o crescimento sonoro da banda. Independentemente de qualquer coisa, a chama estava acesa, a força do Tapiman ainda estava lá com seu DNA explosivo calcado no blues e hard rock.

O início dos anos 1970 foram confusos para a Espanha, dada a sua instabilidade social e política. Em 1971, antes do Tapiman lançar o primeiro álbum, participaria do festival permanente do Iris Hall de Barcelona. Juntamente com o Tapiman estavam bandas como Smash, Sisa, Pan, Alcaçuz entre outras.

Dado o clima de revolta que ainda enfileirava após os chamados processos de “Burgos”, a polícia se dedicou a bater, sem dó, nos apreciadores de rock n’ roll que saída do festival, pelo fato de serem “cabeludos”. O Tapiman também participaria, em Madrid, de um festival de rock progressivo que no ano anterior não pôde ser realizado por causa de uma batalha campal entre estudantes e roqueiros. Mas, apesar dessa instabilidade política e da atmosfera de violência, também foram dias de grande emoção e diversão.

E assim surgiria para o mundo, graças ao olhar do selo Edigsa, que confiou no trabalho arrojado e louco do Tapiman, o álbum homônimo, em 1972, tendo como base no que foi lançado no primeiro single, que contava ainda com Miguel Ángel à frente da guitarra na banda. Mas claro que teve a assinatura de Max Sunyer dada a sua já experiência no universo da música. A capa, marcante, com uma caveira rosa, foi concebida por Guillem Paris, membro do Pan e Licorice, bandas que compartilharam palcos e a cena no início dos anos 1970.

“Tapiman” surgiu como uma bomba do hard rock muito à frente do seu tempo, um álbum cru, sujo e forte, totalmente despretensioso. Pepe e Tapi fazem uma seção rítmica bem entrosada, com a bateria que é uma verdadeira delícia e que deixa um bom terreno para Max implantar todas as suas habilidades na guitarra. Apesar da energia do álbum, não se destacam propriamente por serem muito pesados ou muito progressivos, têm uma personalidade muito marcada e inconfundível e um trabalho importante e realizado nas partes mais psicodélicas.

Apesar de ser um álbum similar ao que estava se fazendo na Europa e nos Estados Unidos, com o viés do peso, do hard rock e até mesmo pegada progressiva e blueseira, o que tornava, também, o debut do Tapiman especial e único é a sua veia psicodélica e principalmente uma camada proto heavy que, certamente, serviria de referência para a cena metal da Espanha e da Europa nos anos 1980 e nas gerações de músicos mais à frente.

O álbum é bem recebido à época e teve boas críticas na também escassa imprensa que atuava na área musical nos longínquos anos 1970. Mas ainda assim não foi considerado como o melhor álbum de hard rock gravado na Espanha, essa parte é plenamente discutível, pois temos, de fato, bons trabalhos lançados no início dos anos 1970, mas “Tapiman” definitivamente foi o melhor de sua época! Ah já que falamos de melhores álbuns, destaco, da mesma cena espanhola de Barcelona, um trabalho magnífico, lançado anos mais tarde, em 1979, do álbum “La Bruja”, da banda Rockcelona, cuja resenha pode ser lida aqui.

Abre com a faixa “Wrong World” que já entrega, em sua introdução, um riff que deixaria bem claro o que vamos ouvir em todo o trabalho do Tapiman: um hard rock volumoso, pesado, agressivo, potente, com uma jam enérgica e viva. A sequência traz "Gosseberry Park" que me remete a uma veia mais pop, mas que não entra em conflito com a proposta do álbum. O resultado é uma música elegante, cativante e amigável para o rádio.

"Wrong World"

Segue com “Don't Ask Why” que revela um blues progressivo portentoso que traz a sensação de que você nunca sabe como vai continuar, mas não se torna excessivo, indigesto ou ainda enfadonho, porque a guitarra soa melhor, uma sonoridade mais rebuscada e o final é apoteótico. “Practice” não foge à regra e traz um festival de riffs de guitarra pesados e agressivos com uma bateria marcada e extremamente pesada. É de tirar o fôlego!

"Don't Ask Why"

“Paris” é um belo instrumental que soa melancólico acompanhado por um órgão Hammond, onde a guitarra de Sunyer se torna o destaque, que chora suavemente e que me remete, em parte, a um blues antigo. “No Chance” começa com a guitarra mais viajante e uma sonoridade mais calcada no psych, um psicodélico mais pesado, que traz à memória Cream e Hendrix.

"No Chance"

“Moonbeam” é outra faixa instrumental muito bem executada, mostrando a destreza dos músicos com seus respectivos instrumentos e traz à mente, em sua base rítmica, o rock andaluz da época. “No Control” traz de volta o peso sujo do álbum, uma guitarra arrastada, agressiva e densa, ao mesmo tempo, que me remeteu ao doom metal oitentista. Vocal rouco e rasgado também é o destaque.

"No Control (Álbum: "Hard Drive")

Eis que surge “Jenny”, a balada do álbum. Mas em vez de cair no brega previsível tem uma atmosfera sombria e, claro, psicodélica deslumbrante. Viajante! E fecha com a música mais complexa e longa do álbum, “Driving Shadow (Pepe’s Song”). Essa faixa alterna entre partes brutais de hard rock poderoso, psicodelia, um solo de bateria e os inevitáveis solos de guitarra, uma das marcas registradas desse álbum. Uma música brutal e complexa que raramente é feita nos dias de hoje.

"Jenny"

Embora, como eu disse, “Tapiman” tenha sido bem recebido pelos fãs e pela crítica e ter tido todos os predicados de seu pioneirismo, o álbum não foi bem sucedido nas vendas. Claro, porque, olhando para trás com perspectiva, pode-se perceber o quão estranho, arrojado e original foi este álbum. E como costuma acontecer, surgiriam os primeiros conflitos entre os integrantes do Tapiman.

Um dos primeiros problemas vieram com relação a seriedade com que os músicos não estavam levando no que diz respeito a condução da banda e isso, além de conflitos criativos, culminaram com a dissolução da banda no mesmo ano em que seu álbum foi lançado, em 1972. Max, por ser um músico mais experiente, vivia da música e exigia um nível de trabalho que Pepe e Tapi, aparentemente, não estavam dispostos a dar. Uma passagem, uma existência precoce e surgiu como um fenômeno da natureza.

Mas a história não terminaria em 1972. Em 2017, a abnegada gravadora Guerssen Records lançaria algumas gravações esquecidas de material restante e inacabado da primeira fase, diria da fase inaugural, do Tapiman, em 1971, resgatado pelo jornalista Alex Gómez Font, após localizar Miguel Ángel Nuñez, vocalista original da banda.

O álbum, intitulado “Hard Drive”, nos traz uma série de músicas com uma qualidade de gravação um tanto quanto precária, mas que só realçam, mais uma vez, a crueza e agressividade que fez do Tapiman a banda que foi: pesada e agressiva, trazendo a despretensiosidade ao seu DNA sonoro e que materializou em seu álbum lançado em 1972.

"Hard Drive" (1971 - 2017)

No final dos anos 1970 o Chapa Discos decidiu revitalizar o rock espanhol, materiais de bandas esquecidos pelo tempo, dos pioneiros do rock daquele país. Foram várias as bandas e, claro, o Tapiman não ficou de fora. Surgiria “Em Ruta”, em 1979. Um álbum ao vivo que foi reeditado e que trazia, além de Tapi, na bateria e vocal e Pepe Fernández no baixo e na guitarra, com mudança, teria Javier Moreno, ex Hot Panotxa.

Tapiman em 1979

“En Ruta” mostrou um Tapiman ainda vivo, mostrando seu habitual peso, seu hard rock potente e volumoso, mas faltou um pouco mais de atenção à banda por parte da equipe que o geria, bem como as intensas instabilidades que insistiram em rondar a vida da banda, muito graças a vida louca de Josep Tapi.

"En Ruta" (1979)

O primeiro álbum do Tapiman não é muito elaborado, porque é direto e cru, a síntese perfeita do que convencionamos de hard rock na sua gênese. O “power trio” espanhol sem dúvida foi um dos pioneiros do hard rock espanhol e serviu de referência para o rock espanhol, para a música pesada daquele país e ouso dizer de toda a Europa! Em 1994, Josep Tapi morreria deixando um legado de despretensiosidade do rock n’ roll e uma chama viva personificada no grande Tapiman.

“Tapiman” teve alguns relançamentos. Em 1993, no formato CD, na Espanha pelo selo PDI. Em 2003 foi lançado pela Guerssen Records e PDI, no formato LP. Em 2005 mais relançamentos na Espanha, novamente com a Guerssen e PDI: dois lançamentos no formato CD. E o mais recente, em 2012, no formato CD, pelo selo Picap, também na Espanha.





A banda:

Josep María Vilaseca "Tapi" na bateria e vocal

Max Sunyer na guitarra

Pepe Fernández no baixo

Com a minha menção honrosa ao fundador da banda, Miguel Ángel Nuñez, guitarrista.

 

Faixas:

1 - Wrong World

2 - Gosseberry Park

3 - Don't Ask Why

4 - Practice

5 - Paris

6 - No Chance

7 - Moonbeam

8 - No Control

9 - Jenny

10 - Driving Shadow (Pepe's Song)


 


"Tapiman" (1972)


























 


 










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