Não é novidade aos queridos
amigos leitores que o cerne deste humilde e reles blog é sobre as bandas
obscuras, isto é, pouco conhecidas do grande público. Aqueles álbuns e bandas
que não tiveram nenhum apoio, foram esquecidas, caíram simplesmente no
ostracismo e engavetadas no baú escuro e empoeirado do rock n’ roll.
Mas parece que algumas bandas encarnam essa condição, tem como método existir dessa forma e praticam, concebem a sua música, a sua arte, nesse aspecto. São obscuras e edificam a sua história dessa forma. São tão raras, tão obscuras e undergrounds que sequer tem a certeza dos nomes dos seus integrantes, não há nomes, não há silhuetas de sua anatomia, não há registros, nada.
E para nós, amantes,
enamorados do rock obscuro, não há nada melhor e estimulante ter acesso,
ouvi-las e melhor: quando gostamos. A excitação parece se incontida! E para
mim, que cria textos sobre muitas delas, que pesquisa sobre elas, parece ser
superlativo esses sentimentos de prazer.
E a banda alvo de mais um novo texto veio até mim, graças, claro, às minhas incursões pela grande rede, pelas redes sociais e outros canais de comunicação que, abnegados que são, difundem a música obscura a todo preço. E quando ouvi seu álbum foi como se arrebatado fosse por um trovão sonoro que me chacoalhou dos pés à cabeça! Aquele som, aquela banda, aquele álbum que, quando estabelecemos um primeiro contato, já te deixa de joelhos em uma sensação prazerosa de subserviência.
E essa banda vem, adivinhem,
da Itália! Ah a Itália, bons amigos leitores que, a cada dia nos proporciona
novidades em todas as suas gerações, em todas as suas décadas e momentos
históricos. E o melhor é que a década de 1970 naquele país parece interminável,
inesgotável nas suas bandas, nos faz parecer ser uma selva ainda intocada,
selvagem, um universo vasto e inexplorável.
Mas sem mais delongas vamos
às devidas apresentações. Essa banda se chama PSYCHEGROUND. O nome denuncia os
seus predicados: psicodélico, mesclado a momentos de hard rock, jazz rock,
blues e súbitos momentos de prog rock ainda embrionário na Itália.
À época a banda, dada a sua
aura misteriosa, foi confundida, até pela sua sonoridade por mais uma banda
britânica. E claro, além do seu nome, em inglês, e pela música, muito típica da
Inglaterra, sugestiona o ouvinte a esse caminho, mas não, a banda foi concebida
em terras italianas.
Se o nome denuncia a sua
vertente sonora, a capa, desenhada em um intenso e chamativo fundo vermelho,
traz um homem, de proeminente barba, com uma bandana colorida, o que, se me
permitam a licença poética, retratavam, em imagens, os costumes, os
comportamentos da época, a contracultura na música, capitaneada pela música
lisérgica, psicodélica.
E o que dizer do nome do único álbum lançado em 1971? Simplesmente se chama "Psychedelic and Underground Music"! Música psicodélica e underground! O nome entrega a sua condição, mostra o seu direcionamento, define a obscuridade de sua história.
E quem esteve por trás de "Psychedelic
and Underground Music"? Na época se tratava de um mistério! Ninguém sabia
quem eram os músicos que conceberam este álbum e quem compôs as suas músicas. No
álbum lançado nos primórdios anos 1970 não tinha fotos, não tinha nomes, nada
que apresentasse os caras que estiveram por trás deste excelente trabalho, mas
tinha um nome, um pseudônimo: “Ninety”.
“Ninety” era Gianpiero
Reverberi, figura conhecida na música italiana nos anos 1960 e 1970 e foi quem
escreveu, concebeu as músicas de “Psychedelic and Underground Music” e também
produziu o New trolls e o Le Orme, sendo que neste último foi, por um curto
período de tempo, membro efetivo da banda. E os responsáveis por materializar
em estúdio as músicas, por questões contratuais, foram os músicos do Nuova
Idea, banda que sequer ainda tinha lançado seu primeiro álbum, com este nome, o
“In The Begining”, em 1971. “Psychedelic
and Underground Music” foi gravado no estúdio de Gianpiero Reverberi.
O genovês Gianpiero
Reverberi se notabilizou, além de trabalhar com o rock n’ roll italiano nos anos
1970, por trabalhar em uma ampla gama de mídias, como temas sonoros para TV,
trilhas sonoras para os famosos “faroestes espaguetes” e ao lado de Robert
Mellin compôs a memorável música tema para a TV a série infantil “As Aventuras
de Robinson Crusoé”, em 1964, além de produzir também álbuns de muitos cantores
populares da Itália.
E a formação da banda tinha Enrico
Casagni no baixo, flauta e vocal, Claudio Ghiglino na guitarra e vocal, e Paolo
Siani na bateria e vocal, Giorgio Usai nos teclados e vocal, e Marco Zoccheddu
na guitarra e vocais. Seus nomes não foram creditados no álbum lançado, nas
apenas 500 cópias lançadas em 1971 pelo pequeno selo “Lúpus”. E, nessas
condições, outras bandas também lançaram seus álbuns sem creditar músicos,
nesta mesma camada de mistério, tais como Planetarium, Blue Phantom, Fourth
Sensation e Underground Set.
E já que mencionei o Undeground Set vale aqui um adendo a essa banda que tem, além da sonoridade, muita coisa em comum com o Psycheground. O Underground Set, com o seu primeiro álbum, lançado em 1970, mas “construído” ainda nos anos 1960, teve as suas músicas compostas pelo próprio Gianpiero Reverberi e a banda que as executou foram também da banda Nuova Idea.
Reza a lenda que, além de Reverberi,
outros compositores participaram de “Psychedelic and Underground Music”, são
eles: Sandro Brugnolini, Massimo Catalano e Stefano Torossi. Tais nomes, para
variar, não foram creditados no álbum, portanto não está confirmada a
informação se de fato participaram da composição das cinco faixas do álbum ou
teriam assinado essas composições para fins comerciais, promocionais, uma
prática frequente naquela época, obrigando muitos músicos e artistas a usar um
ou até mais pseudônimos.
“Psychedelic and Underground
Music” é um álbum predominantemente instrumental, com raros momentos de
harmonizações vocais e nada mais trazendo muita psicodelia, um hard psych de
muito respeito, rhythm & blues e levadas bem comerciais, radiofônicas,
diria, apesar de ser álbum obscuro e raro, com um cunho, como disse fortemente
britânico, o que levou a muita gente, à época de seu lançamento, crer se tratar
de uma banda britânica.
O álbum é inaugurado pela
faixa-título, “Psycheground”, e de entrada já nos brinda com um riff pesadão de
guitarra, mesclado a um hammond bem nervoso, um típico, mas poderoso, hard
psych ao estilo Cream. Uma sonoridade que nos remete às bandas potentes dos
anos 1960. Uma guitarra ácida, lisérgica que nos faz balançar, bater a cabeça,
mas, sobretudo viajar loucamente em sua loucura necessária.
“Easy” inicia cadenciada ao
som da bateria, algo meio jazzy, talvez, com o hammond delicadamente ao fundo,
trazendo aquele tempero psicodélico, juntando ao riff de guitarra que entrega
uma pegada meio funk, dançante, tudo envolto em um clima lisérgico, como
sempre.
“Traffic” começa
introspectiva, ao som de dedilhadas notas de guitarra e harmonizações vocais ao
estilo Vanilla Fudge e contemplativa na sua introdução vai ganhando corpo, com
riffs mais pesados de guitarra e os teclados mais eloquentes e logo irrompe com
um solo de guitarra lindíssimo, a música ganha peso, mas logo volta
contemplativa. Um exemplo de progressivo clássico.
“Ray” é solar, animada, uma
energia mais evidente, marcada por uma levada mais pop, mais acessível, mais
radiofônica, diria. O piano ganha destaque e é a camada, a textura por trás da
música, a base da música e ganha uma versão mais rock, com um solo pesado de
guitarra, mostrando uma banda extremamente versátil.
E o fim do álbum traz a
faixa “Tube” que, certamente é a mais jazzística de todas, um jazz rock que tem
o “recheio” da lisergia, da psicodelia, com o hammond conferindo essa textura
ácida à música. A qualidade da banda e de seus músicos pode ser traduzida,
materializada nessa música.
Algumas das faixas do “Psychedelic and The Underground Music”, como “Psycheground” e “Ray” estiveram em uma compilação promocional chamada “Oggi & Domani”, lançada pela “Leo Records”, em 1971. E aqui também vale outra curiosidade que o “Ninety”, o nosso Gianpiero Reverberi, usou seu pseudônimo para uma faixa no álbum “Ventaglio Musicale”, de Beppe Carta. A última faixa desse álbum contou com a composição de Gianpiero.
Reza a lenda também de que
possa ter sido uma faixa remanescente de “Psychedelic And Underground Music”. A
história é de que tenha sido um corte ou um take
estendido de uma sessão de gravação para a penúltima faixa “Ray”. E a última
teoria é devido ao longo tempo de execução da faixa, não havia espaço
suficiente para ela no álbum “Psychedelic and The Underground Music”.
E não podemos deixar de
falar da dupla Gianpiero Reverberi e do seu irmão, Gianfranco Reverberi, também
muito conhecido na Itália por produzir trilhas sonoras para os filmes, séries
de TV da Itália. Ambos gravaram junto um álbum também muito conceituado na
Itália que leva o sobrenome dos irmãos.
O álbum original, lançado em
1971, pelo Psycheground é muito raro, afinal, como disse, foram apenas 500
cópias prensadas naquele ano, sendo, claro considerado, por colecionadores, uma
preciosidade do rock italiano. “Psychedelic And Underground Music” foi
relançado, em vinil, pela Cinedelic Records em 2008 e CD pela AMS em 2009.
Um clássico raro e obscuro e
que corrobora a sua condição, a sua história em seu nome e que marcou um curto,
mas significativo momento do rock italiano, com sonoridades, embora com uma
forte influência do rock britânico dos anos 1960, com algumas grandes bandas e
álbuns que inauguraram a brilhante e vultosa cena progressiva da Itália e que,
até os dias de hoje, se perpetua com grandes novidades. Psycheground com o seu
“Psychedelic and The Underground Music” definitivamente é uma preciosidade
sonora e que vale cada segundo de nossa audição.
A banda:
“Ninety” (Gianpiero
Reverberi) na composição das músicas
Enrico Casagni no baixo,
flauta e vocal
Claudio Ghiglino na guitarra
e vocal
Paolo Siani na bateria e
vocal
Giorgio Usai nos teclados e
vocal
Marco Zoccheddu na guitarra
e vocais
Faixa:
1 – Psycheground
2 - Easy
3 - Traffic
4 - Ray
5 - Tube
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