Muitas histórias desfilaram e
certamente desfilarão neste reles e humilde blog. Eu confesso em dizer que
aprecio as histórias que permeiam no rock n’ roll, pois penso que estas
personificam, desenham as linhas sonoras dos álbuns aqui dissecados. São
exemplos de luta, de persistência e principalmente de músicos promissores que,
por diversos motivos, fracassam sob o aspecto comercial, perecendo, caindo no mais
profundo ostracismo.
Mas o fracasso não obscurece o
talento e o talento, ainda que com muita dificuldade, em algum momento, vem à
luz por intermédio de abnegados fãs de rock obscuro, de selos alternativos que,
graças às redes sociais e outras ferramentas de comunicação, fazem que essas
bandas ganhem vida de novo por conta de seus álbuns.
E eu, em minhas incursões e
garimpos pela grande rede, descobri uma banda canadense, da região de Ontário,
que trazia um nome que muitos conhecem pela música, clássica, do Black Sabbath:
WARPIG. Pois é, caros leitores, o Canadá não vive apenas do grande Rush. Há uma
infinidade de bandas que compõe o lado esquecido de uma cena rock aquecida e
forte.
E o Warpig é uma daquelas
inúmeras bandas promissoras que trafegaram, silenciosamente, pelos anos 1960 e
que, apesar de produzirem pouco, deixou um trabalho de muito talento e que, de
alguma forma, inaugurou, mesmo que na mais profunda obscuridade, um estilo, uma
sonoridade que viria a florescer nos anos 1970: o hard rock.
Mas apesar das dificuldades na
sua gênese o Warpig ganhou certa repercussão graças as suas inúmeras
apresentações ao vivo, como muitas bandas que não tiveram apoio da mídia, das
rádios, das gravadoras. Muitos shows, o tempo inteiro na estrada.
Trazendo à tona a história do
Warpig, teve a sua formação construída da mesma forma que tantas outras bandas
de Ontário, mais precisamente da região de Woodstock, em meados dos anos 1960. O
Warpig evoluiu do “Mass Destruction”, uma banda de garagem, também de Woodstock,
com o vocalista e guitarrista Rick Donmoyer e o baixista Terry Brett.
Donmoyer tocou antes em várias
bandas, como “The Turbines” e “The Kingbees”, também conhecido como “The Wot”.
No final de 1966 Donmoyer se viu procurando um novo projeto e se juntou ao
“Mass Destruction” que trazia o já mencionado baixista Terry Brett, Dana
Snitch, tecladista e guitarrista e o baterista Terry Hook, todos, como disse
também, nativos de Woodstock. Isso foi em 1968.
O Mass Destruction começou a
ensaiar no porão da casa de Hook, como o início de tantas outras jovens bandas
de outros tantos jovens músicos, e logo a banda mudaria o nome para “Warpig”. E
do ensaio a nova banda começou a se apresentar ao vivo e conseguiu construir
alguma reputação por suas avassaladoras performances e carismáticas, trazendo
consigo um número considerável de seguidores, conseguindo chamar a atenção
também de alguns executivos de gravadoras e críticos de rock n’ roll.
Enquanto o Warpig se
apresentava ao vivo, gravava seu material autoral, fugindo um pouco dos covers
de bandas que a inspiraram a construir a sua sonoridade e, graças a essa virada
em sua história e também graças às suas apresentações, acabou por chamar a
atenção do dono da gravadora Fonthill Records que assistia ao show e
imediatamente assinou com o Warpig no final de 1968.
Isso estimulou, ainda mais, os
jovens músicos a continuar compor músicas autorais e, enquanto escreviam seu
próprio material, deixando de lado sua dependência dos covers, a trajetória do
Warpig mudaria completamente em 1969, quando o Led Zeppelin se envolveu em sua
turnê massiva que conquistaria o Canadá. Esse frenesi do Zeppelin em terras
canadenses infundiria bandas emergente, como o próprio Warpig, com uma sensação
de novo impulso energético e vitalidade.
O hard rock estaria na moda e
isso traria a audiência de fãs jovens ávidos por novidades, mas infelizmente,
não deixaria de trazer à tona as dificuldades dessas bandas, incluindo o
próprio Warpig, a financiar suas próprias despesas de gravação. E continuou a
revezar o seu trabalho de estúdio com as suas apresentações ao vivo, ganhando
espaço também na cena independente de Toronto.
A banda, já que falei de processo de gravação, entrou em estúdio em 1970, juntamente com os produtores Robbie Irving e Jim Croteau, e entregou uma mistura única de sons que levou em consideração todos os sons contemporâneos da época, em uma sopa sonora inacreditavelmente inusitada. Com uma variedade de sons que misturavam tudo, do proto metal ao blues rock, juntamente com o surf rock, sons psicodélicos, prog rock. O Warpig, com seu álbum, provou criar uma diversidade de sons que fizeram outras bandas locais empalidecer em comparação.
O álbum da banda, simplesmente chamado de “Warpig”, teve o término da gravação na primavera de 1970, mas teria que esperar alguns anos para ser lançado devido ao fato de que a gravadora Fonthill havia sido adquirida pela London Records, em 1971, que acabou por renegociar o contrato e, para variar, atrasou o lançamento real do álbum até 1972!
Isso foi realmente ruim para a
banda, porque o Warpig entregou um álbum de hard rock por excelência em 1970,
na época em que o rock psicodélico dos anos 1960 estava se metamorfoseando no
hard dos anos 1970 e no prog rock também dos anos 1970. O Warpig ainda tinha a
capacidade de criar composições progressivas mais complexas, capturando, como
disse, várias sonoridades que estavam embrionárias nos anos 1970. Então, por
conta de questões contratuais, o Warpig poderia assumir um protagonismo
histórico e rivalizar com a tríade fantástica da música pesada da Inglaterra:
Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath, pois, digo, sem medo de errar, que o
Warpig trafegou nos estilos sonoros praticados por essas famosas bandas.
Adicione isso a acidez
lisérgica de influências do Cream e Jimi Hendrix, a uma fúria juvenil marcada
por experimentalismos, com uma eficácia habilidosa e comovente, sendo estes os
ingredientes certos para uma banda de rock atingir o ápice do sucesso comercial
e mundial, mas o desfecho provaria o contrário. Alia-se a isso negligência de
divulgação da gravadora, músicas não tocadas nas rádios, falta de gerenciamento
adequado, negligência total, que é capaz de causar uma perda de todo o ímpeto
de jovens músicos ávidos por ganhar o mundo. Mas antes de trazer o fim, falemos
de suas músicas.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Flaggit” que já entrega, de imediato, o lado blues rock e hard rock do
álbum. É pesada e direta, rápida, que nos remete, juntamente com riffs
grudentos de guitarra, uma porção proto metal. Solos mais diretos de guitarra
corroboram a sua condição de um hard rock com pitadas blueseiras de excelente
qualidade. Não podemos negligenciar também a bateria pesada, marcada, com um
baixo pulsante e vivo.
“Tough Nuts” começa com aquele
teclado psicodélico, que remete ao The Doors, repleto de lisergia, mas depois
irrompe em uma explosão hard, cheia de peso, que lembra um doom metal sujo e
arrastado e nisso fica uma inusitada “rivalidade” entre a pegada pesada e
lisérgica. O destaque também fica para a bateria pesada, destruindo tudo,
arrasando com tímpanos suaves e delicados. É pesada, é psicodélica, é intensa!
Segue com “Melody with Balls”
que traz uma introdução arrasadora de um riff pesado e sujo que remete ao
Sabbath e a fase mais dura do Zeppelin e que logo fica meio cadenciada,
dançante, mas não menos pesada, porque a bateria, com uma batida pesada, e os
solos de guitarra, faziam questão de deixá-la mais voltada para o hard rock.
Mas não fica apenas no peso, mas depois assume um lado mais experimental,
viajante, remetendo ao psicodelismo, porém por pouco tempo, porque os riffs de
guitarra voltariam para mantê-la pesada.
“Advance Am” (Advance in A
Minor) inaugura o lado progressivo do álbum. A sua introdução tem nos teclados
o destaque, trazendo uma sonoridade calcada no beat, no psicodélico também, me
remetendo às bandas como Iron Butterfly, por exemplo. Uma sonoridade viajante,
contemplativa, sombria, estranha, em alguns momentos. Mas o peso vai ganhando
corpo, graças a bateria que bate forte, uma batida seca, porém intensa, um
baixo forte e pulsante, a seção rítmica ganha destaque nesse momento da faixa
de sete minutos e meio de duração. E assim ela vai tendo mudanças de andamento
bem interessante, mostrando um Warpig bem complexo e até mesmo sofisticado.
“Rock Star” traz de volta o hard rock veloz e pesado, mas um pouco mais dançante e com uma pegada inicial meio jazzístico, a bateria ajuda muito para essa percepção. Um “fusion hard” cheio de energia e peso e muito solar. É animada e corrobora com solos bem dedilhados de guitarra. O vocal ganha destaque nessa faixa também, variando da limpidez a momentos mais gritados e potentes.
“Sunflight” começa meio
familiar, com uma guitarra ao estilo Yes, mas só por alguns instantes em sua
fase inaugural, porque logo irrompe para uma explosão de peso sonoro,
capitaneados por riffs e solos de guitarra pesados e bateria marcada. Mas esse
peso e contrabalanceado por um vocal límpido, transparente, quase cristalino
que traz leveza à música. Os solos vão se intensificando, cada vez mais altos,
mesclados aos riffs grudentos e pesados.
“U.X.I.B.” começa pagã,
sonoridades folk, lisérgicas, psicodélica, torna a faixa introspectiva,
sombria, estranha. Mas esse momento mais introspectivo dá lugar a solos lindos
de guitarra, de tirar o fôlego, com a bateria arrogantemente pesada, baixo
galopante e cheio de groove, isso tudo com um tecido de guitarra que cobria
todo esse aparato instrumental. Sem dúvida mais uma faixa hard progressiva,
repleta de mudanças rítmicas de tirar o fôlego.
E finalmente fecha com “The
Moth” que lembra, mais uma vez, The Doors, com um duplo destaque, com bateria
cheia de groove e teclados dançantes e animados. Depois ganha uma camada meio
jazzística em um fusion nervoso e envenenado, com solos de bateria, de teclados.
Aqui a banda foge um pouco do hard rock que se mostrou predominante em todo o
álbum e constrói uma música com uma pegada mais comercial, mas sem soar ruim ou
vazia.
A compra da Fonthill Records
pela London Records, em 1971, além de ter adiado o lançamento oficial do álbum
homônimo do Warpig e complicado um pouco a vida dos seus músicos, que fez com
que revissem o contrato, lançando o trabalho em 1972, veio junto com um
abandono de divulgação da banda pela London Records.
Faltou apoio e difusão do
trabalho da banda, porém, ainda assim, em 1973, o álbum foi relançado e
reeditado pela London, com uma nova capa e duas faixas regravadas no Toronto
Sound com Terry Brown, produtor icônico das grandes bandas do rock canadense,
são elas: "Flaggit" e " Rock Star". Inclusive a versão
regravada do single “Rock Star” chegaria às paradas, finalmente, e ficou por
sete semanas.
Essa nova capa, relançada pelo
selo London Records, traz uma foto de uma vela acesa ao lado de um ankh, o
símbolo egípcio da chave da vida em jogo americano carmesim. A contracapa
mostra uma imagem com a vela apagada. A capa interna tem uma foto vermelha da
banda em um bosque profunda e há uma nota final nos créditos do álbum que diz:
“Para melhor resposta, este disco deve ser tocado alto!”
O Warpig continuou se
apresentando ao vivo, fazendo shows e revezando, gravando material novo no
estúdio quando tinha um tempo vago. Mas o que deveria ser o segundo álbum da
banda foi arquivado quando eles não conseguiram encontrar um distribuidor. Se
viram obrigados a interromper o projeto praticamente pela metade.
Snitch deixou a banda por
diferenças musicais e um tanto quanto irritado com a gestão da banda, bem como
o caminho sem luz no fim do túnel que o Warpig estava seguindo. Não demorou
muito que os demais integrantes da banda também debandarem. A separação
completa da banda ocorreu pouco tempo depois, no final de 1973. Todos passaram
a fazer projetos externos e suas próprias coisas, Donmoyer continuou na música
por mais alguns anos, principalmente fazendo turnê com a banda Ash Mountain,
sediada em Toronto.
Em 2003 o Warpig reaparece quando algumas cópias de seu álbum de estreia, piratas, começaram a atrair preços altos no Ebay, no mercado negro. A banda, aproveitando esse momento, foi reformulada, trazendo a sua formação original. Eles se reuniram para ver o que aconteceria e, desde então, concentraram suas energias nos ensaios em tempo praticamente integral.
Finalmente seu álbum autointitulado foi oficialmente relançado em 2006, agora pela Relapse Records, embora muitas versões piratas em CD e vinil continuassem a aparecer e serem comercializadas.
O álbum foi remasterizado
digitalmente por Peter Moore (Cowboy Junkies) e contou com um novo layout de
arte criado pelo artista Orion Landau. A versão em CD de “Warpig” foi lançada
pela Relapse em outubro de 2006.
A banda:
Rick Donmoyer nos vocais e
guitarra
Terry Hook na bateria
Dana Snith nos teclados e
vocais
Terry Brett no baixo
Faixas:
1 - Flaggit
2 - Tough Nuts
3 - Melody with Balls
4 - Advance Am
5 - Rock Star
6 - Sunflight
7 - U.X.I.B.
8 - The Moth









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