As origens primitivas, o big
bang! O início que começa do nada! A história que não diz por ela só, devido a
regras “documentais” acaba por não dar existência a quem merece dado a certos “infortúnios”
no caminho tortuoso e difícil. Um álbum não lançado, o vilipêndio da indústria
fonográfica, a fraqueza psicotrópica dos músicos. Tudo irrompe no ostracismo, na
obscuridade do rock n’ roll. Isso faz com que o pioneirismo não seja
credenciado a determinadas bandas?
Infelizmente essa se torna
uma pergunta recorrente, talvez seja pela falta de consistência dela, algo que
não se deve levar em consideração, pois o início sempre é questionável, muito
por conta da riqueza da sonoridade e da cena e de algumas situações hipotéticas
e relativas referente a concepção da música para cada ouvinte.
Mas algumas bandas que não
gozam da pedra fundamental da origem da música pesada, por exemplo, precisa ser
lembrado, serem colocadas no seu devido lugar, independente das agruras que
sofrera no passado ou se essas redundaram em seu fracasso comercial.
Bandas britânicas, polo da
música pesada nos anos 1960, 1970 e 1980, como The Who, The Yardbirds, Black
Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple, Iron Maiden, Saxon, cada qual em sua
geração ditaram moda no hard rock, imprimiram o seu modo de tocar e inspiraram
cenas, comportamentos, tudo relacionado a música pesada em todas as sua
encarnações, mas o que dizer das bandas obscuras que são contemporâneas aos
figurões? Devem ser apagadas da história por motivos comerciais?
Claro que as bandas
conhecidas são dignas de seu status, mas são aquelas à margem, as undergrounds
que pereceram pelo simples fato de ter “existido” comercialmente falando. Estamos
falando de música ou negócios?
E diante dessa discussão um
tanto quanto existencial, surge da escuridão, na efervescente Inglaterra no
final da década de 1960, mais precisamente em 1968, o WICKED LADY, que já é
underground e provocador já no nome, que navegou no obscuro da cena, ainda
embrionária da música pesada, na cidade de Northampton.
A banda era a personificação
da cena contracultural da época, e aquela máxima, muito em voga em 1968, de “paz
e amor” do hipismo definitivamente não era a vibe dos moleques do Wicked Lady.
A música era pesada, crua, direta, arrogante, totalmente indulgente, um tapa na
cara das músicas experimentais, chapantes do movimento hippista.
A banda era formada por Martin Weaver (vocal/guitarra), “Mad” Dick Smith (bateria) e Bob “Motorist” Jeffries (baixo) e como muitos jovens músicos começaram a tocar em pubs sujos e altamente perigosos, de pessoas que eram verdadeiras bombas relógio, sempre interessadas em brigar, tocando músicas dos outros.
A primeira banda de Weaver, por exemplo, era cover, e que logo foi demitido pelo empresário com a alegação de que não se encaixava no som e que o baterista Dick e o baixista Bob também faziam parte dessa banda, mas que logo saíram e a formação, o embrião do Wicked Lady fora formado.
Mas e o nome? Por que Wicked Lady? Diz a história de que os caras estavam em um pub bebendo muito, tentando pensar em um nome, porque tinham já um show marcado e o promotor do evento queria o nome para anunciar o show.
O nome não saía, estavam bêbados e pouco
inspirados, mas, sem querer, em um olhar despretensioso para um papel que
anunciava uma cerveja que estava sendo lançada chamada “Wicked Lady” e que
estava ali sobre a mesa. O guitarrista Marti Weaver pegou o papel e disse: “Que
tal o nosso nome?” Os demais estavam tão chapados e cansados de pensar que
decidiram aceitar sem contestar.
Os shows eram explosivos! A
banda queria ser a mais barulhenta e pesada da cena e isso causava problemas
nos pubs e casas de shows da região. A banda costumava deixar o feedback da
guitarra quando terminavam uma música, enquanto “Mad Dick” quebrava a bateria e
jogava seus destroços para a plateia e fazia isso antes do show acabar o que
fazia, claro, que o precoce fim se materializasse deixando os donos das casas
de show irritados e os promotores também, perdendo dinheiro.
O Wicked Lady tinha muito
seguidores de motoqueiros que causavam problemas e os shows terminavam em um
verdadeiro inferno, brigavam com a polícia nas ruas, os moradores reclamavam da
música alta e chamavam a polícia e muitos dos pubs pelos quais o Wicked Lady
passava deixava sua marca destruidora, pois, por conta desses “distúrbios”
perdiam sua licença e eram impedidos de colocar música. Dá para notar que a
reputação da banda não era das melhores.
Reza a lenda que a banda
gravou os seus primeiros materiais, as suas primeiras composições em um porão,
não tinham recursos para alugar um estúdio decente para compor seus riffs,
arranjos e letras. O guitarrista Martin Weaver, em algumas entrevistas que
concedeu, disse que as faixas, gravadas entre 1968 e 1972, foram gravadas durante
alguns ensaios em um revox de quatro faixas e dizia ainda que as faixas foram
colocadas para que pudéssemos lembrar como foram as músicas, não com a intenção
de lançá-las. Em nossas mentes, éramos apenas uma banda ao vivo; a música
gravada sempre parecia fraca e estéril em comparação com o som ao vivo.
Daí chega-se a conclusão, apesar da baixa qualidade na forma em que tais faixas foram produzidas, que a verdade, a crueza, a sujeira da música do Wicked Lady é evidente e notável, a grandeza do seu som é evidenciada pela sua decadência, pela sua adversidade e total falta de estrutura.
E esses registros sonoros traduziram em dois álbuns chamados “The Axeman Cometh” e “Psychotic Overkill” e o último será tema dessa aventura, dessa resenha. Mas por que o “Psychotic Overkill”? Porque traz a banda como ela foi, o auge, o ápice de sua condição, com todos os entraves técnicos e sonoros, trafegando do rock de garagem, na música pesada, no proto metal, no punk de vanguarda, no anti “paz e amor” da cena psicodélica, mas que, em algum momento, gozava de alguns “temperos lisérgicos” mesclados a hoje conhecida cena stoner rock das décadas de 2000. Esse álbum é concepção de tudo que conhecemos e entendemos de rock n’ roll, com clichês à parte.
O material de “Psychotic
Overkill”, bem como também de “The Axeman Cometh” não foram lançados à época,
sendo redescobertos e lançados em CD pelo selo “Kissing Spell” na década de
1990, sendo o primeiro lançado mais precisamente em 1994 e mais recentemente
lançados no formato em vinil pelo selo “Guerssen”.
Mas voltando aos primórdios,
devido às dificuldades impostas pelo atual cenário a qual o Wicked Lady estava
inserido o fim da banda foi iminente, acontecendo, precocemente, em 1970, mas
Smith e Weaver logo se reagruparam com o novo baixista, Del “German Head”
Morley e a partir daí retomaram as suas gravações em caráter, como dizia
Weaver, mais desleixado e sem nenhum interesse em registrar formalmente e assim
surgiu a estrutura ideal para o “Psychotic Overkill”, segunda leva de materiais
gravados, que consistia em uma seção intensa de riffs de guitarra, com alguns
wah wah ao estilo Jimi Hendrix Experience, peso aliados à lisergia, a famosa
crueza, sujeira, agressividade e um quê de dançante em alguns momentos.
“I'm a Freak” inaugura o
álbum em uma espécie de petardo sonoro, um proto metal de encher os olhos e
acalentar a alma, além de fomentar o desejo ato de headbangear. É pesado, é
direto, é agressivo, é veloz e já começa com riffs pegajosos, com o vocal
gritado de Weaver, a bateria batendo forte e agressiva com um baixo pulsante. É
a ode ao peso em uníssono! A uma participação intensa e magistral de toda a
banda nessa excelente faixa.
“Tell the Truth” corrobora,
na sequência, o que foi inaugurado em “I’m Freak”: o riff sujo e pegajoso, algo
meio doom metal, mas em uma “voltagem” mais lenta, mas não menos pesada. Uma
vibe pesada, um hard agressivo e arrogante, mas em um tom mais obscuro, escuro,
perigoso. Percebe-se também um pouco mais de complexidade, estrutura nos solos
de guitarra, mais bem elaborados.
E já que falei em Jimi
Hendrix Experience por aqui há sim um cover, relembrando o passado dos músicos,
da icônica banda de Hendrix, o clássico “Voodoo Chile (Slight Return)”. Nessa
excelente versão a original, tomada por uma levada mais blueseira, é esquecida
pelo Wicked Lady, mas o wah wah, marcante identidade na forma que Hendrix tocava
com a sua guitarra, foi copiada, mas o hardão comeu solto com a versão de
Wicked Lady, menos sofisticada, mas desleixada e poderosa, e isso não se pode
negar. Uma versão arrojada, arriscada e que não ficou no básico da cópia, na
arriscada zona de conforto, muito pelo contrário. A música ganhou uma cara, um
DNA todo especial do Wicked Lady.
“Why Don't You Let Me Try”
segue com a mesma proposta do album, riffs pesados e marcantes, mas traz uma
pegada mais dançante e diria até mais acessível aos ouvidos, podendo cativar a
todos os ouvidos e espectadores possíveis. A bateria traz o cerne dessa
percepção sonora, dando certo groove, com o baixo confirmando tudo isso e dando
a textura necessária ao som.
Na sequência tem, a meu ver,
uma das melhores faixas do álbum: “Sin City” e segue aquele vibe mais “solar”
da faixa anterior, bem dançante, os riffs ainda vivazes e presentes, com solos
lindos de guitarra que faz você viajar e que provoca arrepios. Baixos e riffs
de guitarra me remeteram ao heavy metal que, uma década depois se notabilizou
com o Iron Maiden, aquele meio “cavalgado”. Excelente faixa!
“Passion” já surge tirando o
fôlego! Pesada, intensa, com bateria arrebentando com tudo, riffs de guitarra
acompanhando, com um vocal mais trabalhado, mais melódico. Outra ótima faixa
que é bem mais direta e perigosa que as faixas anteriores talvez.
Mas o épico do álbum é guardado para o fim, para fechar com chave de ouro: “Ship of Ghosts”, com os seus 22 minutos de duração, que antes dos comentários acerca da música, vale aqui uma curiosidade da sua origem: nos pubs e casas de shows que a banda tocava essa música, eles a tocavam repetidamente, improvisava, até para “alongar” a duração dos shows porque não tinham repertório para tocar, a ponto de serem retirados do palco pelo dono do local ou serem ameaçados pelo público que não aguentavam mais.
Não esperem, pelo tempo de duração, que “Ship of Ghosts” é uma suíte, uma viagem progressiva, apesar de suas variância de som, mas sempre privilegiando o peso, a agressividade, mas com certa dosagem de complexidade e arrojo na composição, embora, em algumas entrevistas, o guitarrista Martin Weaver discordar de que as músicas do Wicked Lady tenham sido submetidas a um processo de composição e arranjos ou coisa que o valha, mas apenas como ele disse: “riffs e palavras”.
Riffs e palavras que traria um eldorado para a história da música pesada, um caminho que foi desbravado para muitos seguirem e construírem a música pesada a partir do pilar deixado pelo Wicked Lady.
O passado pode não ter sido favorável, sob o aspecto comercial, para a banda, mas a música fala por si só e entrega ao mundo, cedo ou tarde, a capacidade de desbravar de uma banda que deixou registrado não apenas músicas, mas as suas verdades e que resistiu ao tempo, às intempéries causadas pelo cenário adverso de conservadores medrosos, de uma indústria fonográfica míope e ávidas apenas por dinheiro que esquecem, marginalizam as grandes obscuras bandas.
Wicked Lady é uma daquelas bandas cuja história às vezes pode ofuscar sua própria música, mas não evita a sua importância que, graças aos abnegados gestores de selos alternativos trouxe à luz o rock obscuro do Wicked Lady.
E falando em vilipêndio da indústria fonográfica cabe aqui mais
uma curiosidade: Weaver, em uma de suas entrevistas, disse que quase conseguiu um
contrato de gravação na época, mas havia batido na cara do executivo da
gravadora A&R porque ele insultou a sua namorada. É isso, são histórias pitorescas
que definem o seu curso.
Martin Weaver, quando o Wicked Lady finalizou pela segunda vez, se juntou ao Dark e participou da gravação do álbum “Round The Edges” que fora gravado em uma semana no estúdio SIS em Northampton, Inglaterra, sendo feitas cerca de 80 cópias entregues nas mãos dos músicos para serem repassados às pessoas mais próximas.
Weaver formou uma banda
chamada "Radar" nos anos 1980 e depois se concentrou na música solo tocando
sintetizadores e guitarra. Dark se reformou nos anos 1990 e ele ajudou a gravar o
álbum "The Anonymous Days”. Fizeram um show beneficente em 2011.
O Wicked Lady esteve nos escombros do rock inglês na transição dos anos 1960 e 1970, mas, graças a abnegados do mundo da música e fãs interessados em desbravar as obscuridades o material que produziu à época ganhou luz, vindo à tona para corroborar a sua importância para a música pesada nos seus primórdios.
A banda:
Del "German Head" Morley no baixo
Dick Smith na bateria
Martin Weaver na guitarra, vocais
Faixas:
1 - I'm A Freak
2 - Tell The Truth
3 - Passion
4 - Voodoo Chile ( Jimi Hendrix )
5 - Why Don't You Let Me
Try
6 - Sin City
7 - Ship Of Ghosts
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