A música na transição das
décadas de 1970 e 1980 estava sofrendo algumas mudanças, sendo impactadas por
ebulições em todos os aspectos, propriamente sonoros e comerciais,
principalmente. Embora algumas vertentes do rock n’ roll, por exemplo, sofria
com o ostracismo, como o progressivo, com alguns figurões sumindo do mapa e
outras bandas revendo sua música, outras padeciam com egos inflados de seus
músicos e o uso demasiado de drogas que estavam decretando os finais de algumas
icônicas bandas de hard rock.
O punk rock, subjugado e
relegado aos guetos periféricos de Nova Iorque e outros punhados em Londres,
ganhava, no final dos anos 1970, alguma notoriedade, graças a bandas “cabide”
como o Sex Pistols, tendo os seus poucos anos de fama. O heavy metal já não tinha
aquela visibilidade como em meados dos anos 1980, sob o aspecto sonoro, claro,
dando lugar a uma cena andrógina do glam metal que proliferava em Los Angeles.
Apesar de algumas mudanças nas
principais cenas rock terem acontecido, independentemente do período da
história que o cerca, há sempre aquelas bandas marginalizadas que lutam contra
o tempo, contra os modismos impostos pela indústria fonográfica, a principal
mantenedora dessas mudanças, que, com a mola propulsora do marketing dissemina
regras, dita “conceitos” também nos cenários musicais.
Bandas marginalizadas, mas que
defendem, com unhas e dentes a verdade da sua música e desafiam a doutrina do
tempo e mesclam com a dignidade da sua originalidade vertentes que, a priori,
seria impossível para os “padrões” conservadores que permeiam no universo do
rock há tempos. Os seus fracassos, para uma horda de alienados, podem parecer
algo relacionado a capacidades dessas bandas de produzirem grandes trabalhos,
mas a realidade é que não se curvam aos modismos e vai na contramão das tais
famigeradas regras marqueteiras das
grandes gravadoras e mais atualmente dos pasteurizados das redes sociais.
E um bom exemplo vem de
Barcelona, na Espanha e se chama ROCKCELONA. Pois é, que raios de nome é esse?
Ainda temos a intolerância, o escárnio dos idiotas atrofiados cognitivamente
falando, que, em suas temíveis zonas de conforto, fazem galhofa dos nomes das
bandas, de suas capas de disco e tudo o que valha, para depreciar o trabalhar e
continuar nas suas mesmices existenciais. Mas o Rockcelona veio ao mundo em um
período em que o hard rock estava meio em baixa, com bandas figuronas
perecendo, mergulhadas em pendências judiciais entre seus rockstars ou estes
mergulhados em drogas.
E nesse panorama nasce o
Rockcelona. O seu nome pode ser a junção do rock n’ roll com parte do nome da
região em que foi concebida. A banda foi formada em 1977, vindo mais
precisamente de L'Hospitalet de
Llobregat, pelo vocalista Alfredo Valcárcel.
E, como muitas bandas obscuras
vindas da Espanha, o Rockcelona restringiu-se ao que costumo chamar ao
“regionalismo”, que para o azar do mundo, não ganhou sucesso global. A banda
lançou apenas um álbum, em 1979, chamado “La Bruja”, pelo selo “Columbia/Private
Records” e tinha as suas arestas fincadas no voluptuoso e incendiário hard rock
tipicamente do início dos anos 1970, mas que abraçou também algumas vertentes
em voga na sua época como o punk rock. Diria sem medo que “La Bruja” é tão
indulgente e sujo quanto alguns clássicos do punk ou até mais, ouso dizer.
O álbum é explosivo, é
intenso, é volumoso, é pesado e pode ser comparado a bandas de seu país que
surgiram e lançaram seus trabalhos muito antes do Rockcelona, tais como Leño,
Asfalto, Burning ou ainda o The Storm. Sabe aquele típico “hardão setentista”
lançado entre 1972 e 1974? Assim é “La Bruja”.
Aquele hard rock fuzzed, misturadas com guitarras ácidas,
meio psicodélicas, em alguns momentos, outros momentos distorcidas e pesadas,
com letras igualmente incendiárias, cantadas predominantemente em castelhano,
bem como algumas em inglês.
Definitivamente “La Bruja” é
um pilar do hard rock de sua época e, por conta disso, se configurou para o que
era conhecido à época por “rock urbano”, com aquela guitarra suja, afiada,
linhas de baixo marcadas e bateria pesada e muito, mas muito louca.
A formação do Rockcelona que
concebeu “La Bruja” tinha, além do vocalista Alfredo “Freddy” Valcárcel, Alberto
”Albert” Balsells, na guitarra principal, Antonio “Tony” Cruz, na guitarra
base, Javier A. Latorre (Javi) no baixo e Francisco “Kiko” Aparicio na bateria.
O álbum é inaugurado pela
faixa título, “La Bruja” e já esfrega na cara do ouvinte riffs sujos e
pegajosos de guitarra ao estilo proto doom, extremamente denso, com vocais de
bom alcance. Logo ganha velocidade, ao estilo heavy rock e já com o vocal
gritado e assim permanece até explodir um catártico solo de guitarra
extremamente pesado, mudando ritmicamente, ficando mais arrastado o som, mas
logo tornando a ficar veloz e poderoso. Não há como negar que a faixa “La
Bruja” seria o farol para toda a estrutura sonora do álbum.
“Lovespell”, a segunda faixa,
é a primeira do álbum cantada em inglês, e começa um tanto quanto bluesy, uma
pegada meio blueseira, um blues rock, mas sem nenhuma pretensão de parecer tão
blues assim, afinal a “veia” sonora do álbum está calcada no hard rock. Mas o
destaque fica para a faixa mais cadenciada, com a bateria ditando o ritmo,
concedendo tal textura a música, com um vocal mais límpido, mais melodioso.
Solos de guitarra se estendem de forma competente, complexa, mas poderosa.
“Colt 45” retorna à proposta
do álbum, com a introdução de riffs pesados de guitarra, bateria pesada e
marcada, com baixo pulsante, fazendo uma “cozinha” extremamente entrosada e
pesada. Mais uma vez solos de guitarra são destaque, trazendo mais e mais peso
ao contexto sonoro da música.
A sequência traz “Magbalino” que
não foge à regra, entregando os famosos e famigerados riffs de guitarra que
abrem alas diretamente para solos de guitarra elegantes e potentes. A faixa é
inteiramente instrumental e corrobora a destreza de seus músicos, com mais uma
vez a “cozinha” destroçando em qualidade e sinergia. A faixa traz algumas
mudanças de ritmo, mas sempre flertando com o bom e velho hard rock.
“Hombre Triste” segue com os
já vivos e intensos riffs de guitarra, mas essa faixa traz uma curiosa e
intensa pegada “punk”, sendo mais pesado, despretensioso e sujo, típico desta
vertente. Uma mescla interessante e explosiva de hard rock e punk rock que
muitas bandas praticariam nos anos seguintes ganhando, inclusive, notoriedade.
A música é veloz, intensa e solar. Os solos de guitarra personificam essa
condição. É verdadeiramente poderoso!
“La Tierra de Fuego” traz uma
faixa cadenciada, ao estilo Black Sabbath, um genuíno hard rock, com pegada
heavy rock, de atmosfera densa e soturna, que se assemelharia a uma dessas
faixas de occult rock do início dos
anos 1970 facilmente. O destaque aqui fica para o vocal que está mais
cristalino, diria dramático, melancólico. A “cozinha”, mais uma vez, dá o seu
recado, com baixo pulsante e bateria pesada, com solos de guitarra diretos, mas
eficientes.
“Buscándote Rock and Roll” soa
atípico, tal como uma balada. O Rockcelona tira literalmente o pé do
acelerador, mas os riffs de guitarra, sujos, meio doom metal, continuam lá,
para certificar o DNA da sua sonoridade. Mas eis que logo assume o peso
costumeiro que permeia o álbum, com aquela velocidade típica do heavy metal,
com vocais gritados. É inacreditável o quanto, em apenas uma música, a banda
flerta em vários estilos, sem soar deslocado ou fragmentado.
E finalmente o álbum fecha com
“Queen, Friend and Dread”, mais uma faixa cantada em inglês, que inicia, para
variar, com aquela pegada hard com riffs de guitarra sujos e despretensiosos,
com a velocidade do heavy metal e a indulgência do punk rock. E depois de um
solo de guitarra de tirar o fôlego, a pegada veloz retoma com os riffs
pegajosos novamente e assim a banda vai flertando com vertentes que revelam as
distintas passagens rítmicas fazendo de som rico e cheio de recursos.
O Rockcelona teria uma precoce
vida, de cerca de dois anos, mas realizou alguns shows apenas em Barcelona se
tornando uma banda regional. Tocou no Instituto Jose María de Calasanz, ainda
em 1977, ano de sua fundação com bandas como Elektra e Mortimer e também nas 12
horas de Rock de Barcelona, no Centro Juvenil Meridiana, em 1978, com bandas
como Zen, Detonation, Calocha, Hermaneys, Krisis, Mitgdia, Stigma, Ekber e
Fruint.
Após o lançamento do seu único
álbum, “La Bruja”, a banda se desfez misteriosamente. Talvez o seu som
estivesse deslocado no tempo, um tempo que já não era interessante para a
indústria fonográfica o hard rock, para o público que, como uma ovelha que
segue, alienada, as tendências geridas pelo marketing perverso, estava
interessado em outras vertentes. O fato é que o Rockcelona pereceu mas deixou
um álbum que, por ser raro e ter caído no ostracismo, não ter sido referência,
mas que pode e deve servir de ponto fundamental para a música pesada em todas as
suas vertentes.
Atualmente ou melhor, desde
sempre, sobretudo nessas últimas duas décadas, com o ressurgimento do interesse
pelos discos de vinil, o álbum original lançado pelo Rockcelona, lá em 1979,
está em uma condição de raríssimo artigo que hoje está em uma faixa de 30.000
pesetas (180 euros). Entretanto há informações que dão conta de que “La Bruja”
trafega no mercado consumidor na faixa dos 300 a 400 euros! É a condição que
fomenta o status de banda “cult”.
A banda:
Alfredo “Freddy” Valcárcel nos
vocais
Alberto ”Albert” Balsells na
guitarra principal
Antonio “Tony” Cruz na
guitarra base
Javier A. Latorre (Javi) no
baixo
Francisco “Kiko” Aparicio na
bateria
Faixas:
1 - La Bruja
2 - Lovespell
3 - Colt 45
4 - Magbalino
5 - Hombre Triste
6 - La Tierra de Fuego
7 - Buscándote Rock and Roll
8 - Queen, Friend and dread
Versão para download aqui
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