Uma banda empoeirada, que vem diretamente das quenturas do inferno, mas não vou dizer que seja rara, mas sim esquecida, relegada ao ostracismo pelo massificado público que gosta do rock n’ roll!
Vilipendiada sim, mas importante por ter criado, juntamente com bandas do naipe de Alice Cooper e The Crazy World of Arthur Brown, do “horror rock”, do rock teatral, voltado para o caos, para a loucura do ocultismo, do satanismo.
Uma das poucas bandas que conseguiu, com maestria, contracenar as suas músicas. Falo do BLACK WIDOW. Falo da banda que foi a primeira ou uma das primeiras a levar os rituais aos palcos em uma espécie de missa negra cênica que, simbioticamente, complementava a sua música, fazendo com que o teatro expressasse a realidade, a verdade de seu som.
Gostaria de falar do segundo álbum de estúdio do Black Widow, homônimo, de 1971. Depois de “Sacrifice”, de 1970, que praticamente inaugurou o progressivo obscuro, com levadas jazzísticas, e pitadas psicodélicas hipnóticas e envolventes e que falava das figuras demoníacas mitológicas, dos rituais sabáticos, temos em “Black Widow” uma sonoridade mais agressiva, mais hard rock, mais progressivo e temas apocalípticos, direcionando a banda a uma proposta um pouco diferente ou acintosamente mais diferente do que “Sacrifice”.
Temas apocalípticos,
comportamento humano estavam todos sintetizados em sua música em “Black Widow”,
mas os temas ocultos foram minimizados, quase reduzidos. A razão não se saberá
ao certo, talvez para atingir novos públicos ou uma simples mudança de curso da
banda, mas o fato que tal mudança não deu certo, não teve sucesso sob o aspecto
comercial da coisa. Mas não impactou no quesito criativo. O segundo álbum do
Black Widow, mostrou uma banda versátil e competente que flertou com uma música
mais pesada, um hard rock ainda embrionário no início dos anos 1970 que também
ajudou a construir o prog rock mais evidente em seu trabalho anterior, o genial
“Sacrifice”.
Mas antes de entrarmos no
universo do álbum em questão torna-se mais do que conveniente retroagir no
tempo e falar dos primórdios do Black Widow que ajudará a entender um pouco da
construção de sua curta, mas significativa carreira discográfica.
O Black Widow foi formado em
1969 na cidade de Leicester, na Inglaterra, em setembro. A banda se tornou
conhecida pelas suas apresentações teatrais e sempre foi associada, em um
contexto de coadjuvante, com o seu vizinho de Birmingham, o Black Sabbath, mas
eram apenas algumas semelhanças, como o teor das letras de terror e satânicas,
mas as semelhanças terminavam aí, sendo uma mais multifacetada sonoramente
falando e a outra majoritariamente mais pesada e agressiva e, é claro, a popularidade.
Porém a banda foi
originalmente formada em 1966 com o nome Pesky Gee! com Kay Garrett (vocais),
Kip Trevor (vocais, guitarra e gaita), Chris Dredge (guitarra), Bob Bond
(baixo), Clive Box (bateria e piano), Gerry "Zoot" Taylor (órgão),
Clive Jones (também conhecido como Clive Beer-Jones; saxofone e flauta).
Jim Gannon (guitarra e vocal)
substituiu Dredge na primavera de 1969. A banda se separou em setembro de 1969.
A banda lançou um álbum pela Pye Records como “Pesky Gee!, Exclamation Mark”,
ainda em 1969, antes de Garrett deixar a banda. Os membros restantes continuaram
como Black Widow e lançaram seu álbum de estreia, “Sacrifice”, em 1970.
Essas mudanças na formação
também foram cruciais e constantes em 1971 saindo o baixista Bob Bond e
entrando Geoff Griffith e a entrada do baterista Romeo Challenger no lugar de
Clive Box, lançando o autointitulado álbum naquela nova década e nova também
foi a proposta sonora deste trabalho do Black Widow. E essas mudanças na
formação do Black Widow foram determinantes para dar o peso a sonoridade da
banda, marca registrada deste álbum.
A formação do Black Widow
que foi responsável pelo nascimento de “Black Widow” tinha Kip Trevor vocais
principais, harmonias e maracas, Jim Gannon nos vocais, na guitarra principal e
guitarra acústica, Zoot Taylor no órgão e piano, Clive Jones no sax e flauta,
Geoff Griffith nos vocais e baixo e Romeo Challenger na bateria.
E o álbum abre com “Tears
and Wine” que é um verdadeiro pé na porta, bateria pesada com o sax dançante,
insinuante de Clive Jones e uma camada discreta, mas substancial dos teclados
que varia entre peso e um vocal melodioso, quase delicado que, entre riffs de
guitarra e bateria arrasa quarteirão, mostra o quão versátil é o álbum
personificado nesta inaugural faixa.
“The Gypsy” começa meio folk
com dedilhados de violão e contrasta gritantemente com a faixa anterior. Em
alguns momentos temos uma pegada mais rasgada com riffs e solos de guitarra
capitaneando tal momento, mas voltando ao violão e flauta dando um tom mais “tranquilo”
e tendendo, além do folk, para o prog rock de “Sacrifice”.
“Bridge Passage” dá abertura
para a “When my Mind Was Young” com uma linha mais comercial, diria radiofônica
remetendo aos anos sessenta tendo como referência bandas como Beatles, algo
meio gospel também, uma viagem meio progressiva como Pink Floyd com solos de
guitarra mais elaborados, em determinados momentos, à lá David Gilmour.
“The Journey” traz de volta
o peso, algo talvez cadenciado, mas com a força da bateria marcada e pesada com
os riffs de guitarra e os teclados executados de forma visceral. E esse
cadenciado me lembra de um pouco do blues rock, uma faixa extremamente
multifacetada, rica, de várias texturas, a banda talvez em seu apogeu criativo
neste álbum pode ser sintetizado nesta música sem dúvida uma das melhores deste
álbum.
“Poser” segue na mesma
toada, uma levada meio bluesy mesclado ao peso do hard rock e, mais uma vez, a
bateria e a guitarra travam um salutar desafio, com o vocal bem executado
divinamente despretensioso.
E eis que surge uma das
melhores do álbum: “Mary Clark”! Para a introdução nos reserva uma levada meio jazzística,
o vocal domina as atenções com destaque para alguma introspecção que às vezes
irrompe a explosão de seu alcance que vai às alturas e nessa miscelânea toda
ainda temos o peso genuíno que dar razão de ser a esse trabalho do Black Widow.
“Wait Until Tomorrow’ é o
exemplo perfeito do hardão setentista, bateria quebrando tudo, riffs raivosos
de guitarra, vocal meio arrastado e uma camada soberba dos instrumentos de
sopro de Clive Jones que entrega mais sofisticação à música”. O que dizer do
saxofone envolvente e solar deste gênio multi-instrumentista?
“An Afterthought” vem à tona
novamente o folk com o progressivo, uma música curta, mas que trouxe um Black
Widow mais contemplativo e fecha com “Legend of Creation”, uma verdadeira epopeia,
uma faixa totalmente progressiva capitaneada pelo sax de Jones, que entrega uma
sonoridade mais sofisticada e complexa.
E a turnê de promoção de “Black
Widow” se deu, porém quase não há registros da banda disponível pela grande
rede, além do excelente “Demons of The Night Gather To See Black Widow”, de
1970, que foi gravado para uma TV alemã e cujo set list foi construído com as
faixas de “Sacrifice”, há um raríssimo show, de 1971, que cobre a turnê do
segundo álbum e conta com uma mescla de músicas dos dois primeiros álbuns de estúdio
do Black Widow. Esse show foi realizado na Itália, mais precisamente em Milão,
no Teatro Lírico, além de outros dois shows em Roma e Arezzo com as bandas que
estavam surgindo à época e que já gozavam de alguma reputação como o Yes e
Premiata Forneria Marconi, as bandas da casa.
Porém o único show
documentado foi em Milão, tendo versões arrebatadoras como a faixa “Sacrifice”
com mais de 13 minutos de duração e a inédita “Wish You Woild” que fora lançada
como single em 1971. Infelizmente a qualidade da gravação é bem precária, mas
capta a banda em seu ápice, poderosa e visceral tocando clássicos obscuros de
seus primeiros dois álbuns de estúdio.
Se o álbum não atingiu êxito
comercial que a banda esperava e ansiava depois da repercussão de “Sacrifice” e
seus temas obscuros e ocultistas que alguns setores da sociedade conservadora
abominavam por não entender as diversas formas e manifestações da arte,
inclusive a própria indústria fonográfica, conseguiu no aspecto criativo, pois
mesmo depois de algumas mudanças significativas na formação da banda, o que gera
incertezas, acarretara em um momento de grande virada na sua história
discográfica culminando com o talve melhor álbum da banda, o seu terceiro
álbum, intitulado apenas como “III”. Grande álbum, grande banda, que merece
todo reconhecimento por seu protagonismo na história do occult rock, do dark
progressive.
A banda:
Kip Trevor nos vocais, maracas
Jim Gannon na guitarra
Zoot Taylor no órgão Hammond
e piano
Clive Jones na flauta e
saxofone
Geoff Griffith no baixo e
vocal
Romeo Challenger na bateria
Faixas:
1- Tears and Wine
2- The Gypsy
3- Bridge Passage
4- When My Mind Was Young
5- The journey
6- Poser
7- Mary Clark
8- Wait Until Tomorrow
9- An Afterthought
10- Legend of Creation
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