domingo, 29 de junho de 2025

Heavy Cruiser - Heavy Cruiser (1972)

 

O ano era 1968, o mês era março. Após deixar a banda de Bruce Cockburn chamada “The Flying Circus”, Neil Lillie, que nasceu em Winnipeg, Canadá, se reuniu com o tecladista Ed Roth, que nasceu em Toronto e o vocalista Jimmy Livingstone, também de Toronto para formar uma nova banda. O fato era que Neil, que estava à frente dessa nova empreitada em sua carreira, queria algo novo e arrojado, por isso convocou os amigos Ed e Livingstone com quem já haviam trabalhado juntos em bandas como “The Just Us”, “The Tripp” e “Livingstone’s Tripp (que Roth e Livingstone renomearam para Livingstone’s Journey após a saída de Lillie para se juntar a Rick James, de forma breve, na versão final da banda “The Mynah Byrds”, em maio de 1967.

Juntou-se a esse novo projeto o guitarrista David Kindred e o baterista Gary Hall e a nova banda, que inicialmente se chamaria “New King Boiler”, começou, como muitas bandas no início de sua história, a ensaiar no porão da avó de Lillie, em maio de 1968. Mas não demorou muito para ter a primeira baixa na sua formação, onde Kindred saiu, dando lugar a Dave Burt, nascido em Hamilton, Ontário, que tinha sido guitarrista da banda “Fraser Loveman Group”.

A avó de Lillie era muito simpática e se envolveu com o início da banda de seu neto e se simpatizou com os companheiros de banda dele e apelidou, carinhosamente de “Coffee” Gary Hall que bebia café de forma quase que compulsória e os demais integrantes, para fazer uma galhofa, decidiu chamá-lo de “Coffi”.

A banda mudou de nome, passando a se chamar “Heather Merryweather”, em homenagem a uma música que a banda tocou, cujas letras foram escritas por uma amiga dos caras chamada June Nelson, a banda logo encurtaria, em nova mudança, para “Merryweather”. Depois de gravar uma única faixa inédita, “Heather Merryweather”, no outono, a banda foi para Los Angeles, com a intenção, claro, de gravar oficialmente o seu trabalho, mas Livingstone desistiu de seguir com seus amigos antes que a banda assinasse contrato com a Capitol Records, na primavera de 1968. Pouco antes do lançamento do álbum de estreia, produzido por John Gross, Lillie mudaria seu sobrenome e se tornou Neil Merryweather.

O segundo álbum duplo da banda foi gravado em Los Angeles com a mesma formação do seu debut (Merryweather, Roth, Hall e Burt), mas também contou com a ajuda de Steve Miller, Barry Goldberg e Charlie Musselwhite, o ex-guitarrista do Traffic, Dave Mason, o guitarrista Howard Roberts e o violinista Bobby Notkoff. 

A banda, após o lançamento de seu álbum, foi anunciada como atração da famosa casa de shows Whisky a Go Go, em West Hollywood, com a icônica banda Mountain em 29 de julho de 1969. Merryweather se apresentaria ainda no Thee Experience, em Los Angeles, em 21 e 23 de dezembro de 1969 e apareceu também no Balboa Stadium, em San Diego com os psicodélicos do Country Joe & The Fish, Poco, Chicago e Framework, em 12 de outubro de 1969. 

"Merryweather" (1969)

A banda estava engrenando, o sucesso parecia evidente, mas surgiram mais baixas na sua formação e dessa vez foi em dose tripla. Burt, Hall e Roth sairiam da banda para unir forças com Rick James em uma banda chamada “Salt and Pepper”. Neil Merryweather ficou atônito com essas baixas, até porque a banda estava indo muito bem, mas precisava reagir, já que queria seguir com a sua carreira de músico e estar em bandas. Voltou para Toronto para recrutar novos músicos.

Os escolhidos foi o ex-baterista do Ugly Ducklings, Robin Boers e o guitarrista John Richardson, do Nucleus e antes disso “Lords of London. Retornou para Los Angeles para gravar um álbum para o selo de blues, “Kent”, no início de 1970. O trabalho foi creditado a Neil Merryweather, John Richardson e Boers, negligenciando, sabe-se lá o porquê, a presença, a participação do ex-membro do 48th Parallel, JJ Velker, nos teclados e sintetizadores.

Eram novos caminhos a serem traçados, mas após o lançamento do álbum, não atraiu o interesse de muita gente, a um público bem limitado, mas a banda, com a adição de Goldberg, Musselwhite e a namorada de Neil, a ex-vocalista do “CK Strong”, Lynn Carey, gravou “Ivar Avenue Reunion” e depois, sem Goldberg e Musselwhite, metade de “Vacuum Cleaner”, para o selo RCA. Este último trabalho foi completado com uma nova formação com o guitarrista Kal David e um retorno de Roth e Hall e lançado como Merryweather/Carey.

A banda evoluiu e seguiu seu caminho gravando mais quatro álbuns, porém com um novo nome, “Mama Lion”, sempre tendo à frente a dupla Neil Merryweather e a sua namorada Lynn Carey. A banda evoluiria sim, mas sempre tendo, na sua trajetória, as mudanças na sua formação e quando o Mama Lion foi concebido, tiveram dois recém-chegados, são eles: o guitarrista Rick Gaxiola e o tecladista James Newton Howard, sim, ele mesmo, o famoso músico que se notabilizaria com um excelente compositor de trilha sonora de filmes. Eles assinariam com a Family Records, a recém-criada gravadora de Artie Ripp. Seu debut sairia em 1972 e se chamaria “Preserve Wildlife”.

Mama Lion

"Preserve Wildfire" (1972)

Uma informação precisa ser trazida à tona, pois o Mama Lion gravaria quatro álbuns, mas simultaneamente com outro nome também, o HEAVY CRUISER. A realidade era que Neil levou os caras do Mama Lion para o estúdio para fazer umas demos de algumas músicas. Gravaram meia dúzia de músicas e, alguns dias depois, o Mama Lion saiu em turnê e que acabou em Nova Iorque para tocar no Central Park com Billy Preston. Dessas demos Neil chamou de “Heavy Cruiser”. Mas o Mama Lion não seria totalmente esquecido.

O Mama Lion teria Carey e o Heavy Cruiser não teria a presença da vocalista e a vertente sonora das duas encarnações seriam bem distintas, pois com o Mama Lion funcionaria como um veículo para a voz e a presença de palco de Lynn Carey, já o Heavy Cruiser assumiria uma postura mais pesada, com um heavy rock e hard rock mais proeminente. E é com o Heavy Cruiser que falarei na resenha de hoje.


Heavy Cruiser

O Heavy Cruiser lançou seu debut, autointitulado, em 1972, pelo selo Family Productions, nos Estados Unidos e Philips na França, Alemanha e Espanha, álbum este que falarei também. Este álbum apresenta composições de Merry Weather, Howard e até mesmo da namorada de Neil, Lynn Carey, mesmo ausente desse projeto do Heavy Cruiser.

“Heavy Cruiser” foi gravado no Hollywood Spectrum e Paramount Studios, de Los Angeles. O álbum foi produzido pelos engenheiros Bruce Albertine, que trabalhou com James Brown e Siouxsie and the Banshees) e John La Salle. A imagem recortada e colada na contracapa mostra a banda como velejadores armados à deriva em terreno montanhoso contra um cenário lunar gigante. Eles foram fotografados por maria Del Ré.

O debut do Heavy Cruiser traz, como disse anteriormente, um caráter muito experimental e não pensem, distintos leitores, que é aquela coisa viajante, cheia de ruídos ou algo do tipo, mas algo literal mesmo, onde os caras entraram em estúdio e fizeram algo totalmente despretensioso, sem a intenção de gravar e lançar. Nada neste álbum é polido, bem produzido, porém não é, em momento algum, ruim ou descartável, pelo contrário, o charme deste álbum está exatamente nessa definição!

É um álbum empolgado, com guitarras fuzz, distorcidas e em até determinados momentos com uma pegada bem lisérgica, o que faz dele não totalmente pesado, do início ao fim, até porque percebe-se claramente o brilho dos órgãos que o torna também meio sombrio. É perceptível também o talento de Neil e companhia, mostrando certa inquietude criativa, produzindo materiais distintos entre Mama Lion e Heavy Cruiser, mesmo se tratando da mesma banda, exceto Lynn Carey que esteve ausente na formação da segunda banda.

Hard rock, psych rock, músicas breves, curtas, mas inspiradas, sujas, perigosas, intensas. As faixas covers são um destaque à parte, embebidas de ácido, pesadas, fazendo desse primeiro trabalho do Heavy Cruiser um alento e tanto para os apreciadores da velho hardão setentista.

E por falar em covers o álbum já começa com um clássico absoluto, “C'mon Everybody”, de Eddie Cochran e J. Capehart. E começa pesadona, intensa, cheio de riffs de guitarra pesados, duros, agressivos e bateria pesada e marcada. Aos que não conhecem Heavy Cruiser e fizer uma “audição às cegas” perceberia um punk rock ao estilo Ramones, mas um pouco pesado. Os vocais de Neil são ásperos, gritados, sem nenhum apuro técnico. 

"C'mon Evereybody"

“My Little Firefly”, composição de Neil, já traz uma vibe mais blues rock. A guitarra “chorona” de Gaxoila é magnífica, mesmo em dedilhados simples. O vocal já é mais melódica e segue o ritmo da guitarra. Uma balada bluesy competente que tem a “cozinha” eficiente e que faz o seu papel de dar o groove e o ritmo mesmo em uma pegada mais leve. Solos diretos e viajantes de guitarra dão um tempero muito agradável à faixa.

"My Little Firefly"

“Don't Stop Now” já tem o destaque dos teclados que, de forma solar, encorpa a música juntamente com os solos de guitarra que, em uma espécie de batalha faz da música pesada, mas dançante. Não aprecio comparações, mas me remete ao Deep Purple, porém menos sofisticado e cool. E o jeito Heavy Cruiser de ser que faz da banda singular até aqui na terceira faixa.

"Don't Stop Now"

“Wonder Wheel” é uma faixa de tiro curto, mas que tem potência e presença. Algo de rockabilly em uma versão mais explosiva com o vocal, mais uma vez, rasgado e potente. “Outlaw” foge um pouco da proposta do álbum e tem uma levada mais acústica, o vocal mais melódico, arriscaria dizer que lembra até mesmo um folk rock, o que realmente foge ao que a banda se propôs a fazer com o seu debut, porém é bem agradável.

"Wonder Wheel"

Segue com “Let Your Rider Run” que até assusta no início, com piano e voz que lembra Elton John. Eu arriscaria dizer ainda que aquela proposta arrojada e suja do Heavy Cruiser cairia por terra aqui com essa faixa, porque me parece ser bem radiofônica e com um belo arranjo. A banda vem mostrando nessa segunda metade do seu debut um pouco mais de repertório sonoro.

"Let Your Rider Run"

A sequência traz outro cover clássico, “Louie Louie”. O indefectível riff de guitarra introdutório não tem como deixar o ouvinte parado. É dançante, animada, solar. E o Heavy Cruiser não a altera tanto, talvez com o intuito de manter a essência da faixa e Neil, novamente, se destaca com o vocal alto, gritado, mas com um pouco mais de qualidade. Ah o destaque fica para o solo de guitarra e teclados, com aquela batalha que todo mundo fomenta.

"Louie Louie"

“As Long as We Believe” começa atípica também. Algo com um Southern Rock, com backing vocals bem eficientes e que podem corroborar essa vertente. Pianos em destaque, vocais mais discretos e legais. Mais uma música que poderia, sem dúvidas, tocar em qualquer rádio.

"As Long as We Believe"

“'Lectric Lady” retoma o peso característico do Heavy Cruiser, piano mais enérgico, bateria marcada e pesada, riffs curtos de guitarra que é o prenúncio de solos mais diretos e pesados. Vocais poderosos, melódicos e por vezes gritados. Pesada!

"'Letric Lady"

E fecha com a faixa mais longa e mais complexa da banda, a “Miracles of Pure Device” que já te entrega um solo de bateria excelente que logo ganha a companhia de teclados e um baixo mais pulsante e galopante. É uma faixa um tanto quanto atípica no contexto do álbum, um caráter mais experimental e que se desloca totalmente da proposta do debut do Heavy Cruiser. Na metade da faixa a bateria torna a ganhar protagonismo. A seção rítmica nessa faixa ganha destaque.

"Miracles of Pure Device"

Um ano após o lançamento de “Heavy Cruiser”, a banda entraria em estúdio novamente, em 1973, e gravaria o segundo álbum com o nome Heavy Cruiser e que se chamaria “Lucky Dog”, seguindo basicamente a mesma proposta do álbum inaugural. Mas mesmo com os dois álbuns desse projeto do Mama Lion, chamado “Heavy Cruiser” que estava agradando Neil e sua banda, teve seus problemas e entraves.

E aconteceu quando o Mama Lion entrou em atrito durante a sua turnê europeia. Merryweather entrou em conflito com o produtor Artie Ripp e suas práticas comerciais, rompendo com Lynn Carey e toda a banda. Neil Merryweather se juntaria a Billy Joel, em uma fita demo que acabou rendendo um contrato com a Columbia Records. Outro detalhe que incomodou Neil, quando esteve somando esforços com o Heavy Cruiser foram algumas obrigações contratuais que impediram que os nomes dos integrantes da banda não fossem creditados nos dois álbuns do Heavy Cruiser. E isso foi determinação de Artie Ripp.

"Lucky Dog" (1973)

Merryweather, com o fim do Mama Lion ou Heavy Cruiser, gravaria com uma banda chamada “The Space Rangers” e dessa reunião surtiria em dois álbuns, gravados pela Mercury: “Space Rangers” e “Kryptonite”, isso entre 1974 e 1975. Tocou também com uma banda chamada “Band of Angels”, um trio de garotas, mudando-se para a Holanda e por lá produzindo algumas músicas. Seu último álbum solo, “Differences”, foi gravado na Holanda também, em 1978, com a participação de músicos britânicos, como o baterista Clive Edwards, de Pat Travers e até mesmo o UFO. Seu último esforço em uma banda, chamada “Eyes”, lançou um único álbum em 1980. Depois dedicou-se em outra área como design e fotografia, retornando suas atividades musicais, de forma esporádica, no final dos anos 1990.

"The Space Rangers" (1974)

Howard lançou um álbum solo de instrumentais em 1974 pelo selo Kama Sutra. Em 1975 ele se juntaria à banda de apoio de Elton John. Entre 1975 e 1980, ele tocou em álbuns de Melissa Manchester, Leo Sayer, Diana Ross, Olivia Newton-John, Kiki Dee, Valerie Carter, Samantha Sang, Boz Scaggs e vários outros artistas. Ele se voltou para o trabalho de trilha sonora dos anos 1990 em diante, começando com sua trilha sonora para a comédia romântica de 1990 “Pretty Woman”. Gary "Coffi" Hall morreu repentinamente em sua casa em 4 de dezembro de 2010. Ele dirigia a banda e o coral do colégio Midway enquanto morava em Lakota, ND com seu filho de 12 anos, Collin.

“Heavy Cruiser” teve um lançamento não oficial, em CD, pelo selo Progressive Line (Austrália, 2002) e uma reimpressão, em vinil verde, pela Lucky Pig Records (Alemanha, 2013). Os alemães O-Music relançaram “Lucky Dog” em 2012 junto com os dois títulos dos Space Rangers.

Projetos efêmeros, nomes ocultos e não creditados em seus álbuns, trabalhos despojados, adicionam tempero a um período na carreira de Neil Merryweather e companhia, extremamente obscuro e com um peso colecionável para aqueles que desbravam o submundo do rock n’ roll, bem como, claro, a músicas pouco ortodoxas e marginalizadas pelo mainstream. Heavy Cruiser é essencial!




A banda:

Rick Gaxoila na guitarra

Coffi Hall na Bateria, percussões

James Newton Howard nos teclados

Neil Merryweather nos vocais, baixo, e guitarra acústica

 

Faixas:

1 - C'mon Everybody

2 - My Little Firefly

3 - Don't Stop Now

4 - Wonder Wheel

5 - Outlaw

6 - Let Your Rider Run

7 - Louie Louie

8 - As Long As We Believe

9 - 'Lectric Lady

10 - Miracles of Pure Device




"Heavy Cruiser" (1972)









 




























 







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