O ano era 1968, o mês era
março. Após deixar a banda de Bruce Cockburn chamada “The Flying Circus”, Neil
Lillie, que nasceu em Winnipeg, Canadá, se reuniu com o tecladista Ed Roth, que
nasceu em Toronto e o vocalista Jimmy Livingstone, também de Toronto para
formar uma nova banda. O fato era que Neil, que estava à frente dessa nova
empreitada em sua carreira, queria algo novo e arrojado, por isso convocou os
amigos Ed e Livingstone com quem já haviam trabalhado juntos em bandas como
“The Just Us”, “The Tripp” e “Livingstone’s Tripp (que Roth e Livingstone
renomearam para Livingstone’s Journey após a saída de Lillie para se juntar a
Rick James, de forma breve, na versão final da banda “The Mynah Byrds”, em maio
de 1967.
Juntou-se a esse novo projeto
o guitarrista David Kindred e o baterista Gary Hall e a nova banda, que
inicialmente se chamaria “New King Boiler”, começou, como muitas bandas no
início de sua história, a ensaiar no porão da avó de Lillie, em maio de 1968.
Mas não demorou muito para ter a primeira baixa na sua formação, onde Kindred
saiu, dando lugar a Dave Burt, nascido em Hamilton, Ontário, que tinha sido
guitarrista da banda “Fraser Loveman Group”.
A avó de Lillie era muito
simpática e se envolveu com o início da banda de seu neto e se simpatizou com
os companheiros de banda dele e apelidou, carinhosamente de “Coffee” Gary Hall
que bebia café de forma quase que compulsória e os demais integrantes, para
fazer uma galhofa, decidiu chamá-lo de “Coffi”.
A banda mudou de nome,
passando a se chamar “Heather Merryweather”, em homenagem a uma música que a
banda tocou, cujas letras foram escritas por uma amiga dos caras chamada June
Nelson, a banda logo encurtaria, em nova mudança, para “Merryweather”. Depois
de gravar uma única faixa inédita, “Heather Merryweather”, no outono, a banda
foi para Los Angeles, com a intenção, claro, de gravar oficialmente o seu
trabalho, mas Livingstone desistiu de seguir com seus amigos antes que a banda
assinasse contrato com a Capitol Records, na primavera de 1968. Pouco antes do
lançamento do álbum de estreia, produzido por John Gross, Lillie mudaria seu
sobrenome e se tornou Neil Merryweather.
O segundo álbum duplo da banda foi gravado em Los Angeles com a mesma formação do seu debut (Merryweather, Roth, Hall e Burt), mas também contou com a ajuda de Steve Miller, Barry Goldberg e Charlie Musselwhite, o ex-guitarrista do Traffic, Dave Mason, o guitarrista Howard Roberts e o violinista Bobby Notkoff.
A banda, após o
lançamento de seu álbum, foi anunciada como atração da famosa casa de shows Whisky
a Go Go, em West Hollywood, com a icônica banda Mountain em 29 de julho de 1969.
Merryweather se apresentaria ainda no Thee Experience, em Los Angeles, em 21 e
23 de dezembro de 1969 e apareceu também no Balboa Stadium, em San Diego com os
psicodélicos do Country Joe & The Fish, Poco, Chicago e Framework, em 12 de
outubro de 1969.
A banda estava engrenando, o sucesso parecia evidente, mas surgiram mais baixas na sua formação e dessa vez foi em dose tripla. Burt, Hall e Roth sairiam da banda para unir forças com Rick James em uma banda chamada “Salt and Pepper”. Neil Merryweather ficou atônito com essas baixas, até porque a banda estava indo muito bem, mas precisava reagir, já que queria seguir com a sua carreira de músico e estar em bandas. Voltou para Toronto para recrutar novos músicos.
Os escolhidos foi o ex-baterista do Ugly Ducklings, Robin Boers e o guitarrista John Richardson, do Nucleus e antes disso “Lords of London. Retornou para Los Angeles para gravar um álbum para o selo de blues, “Kent”, no início de 1970. O trabalho foi creditado a Neil Merryweather, John Richardson e Boers, negligenciando, sabe-se lá o porquê, a presença, a participação do ex-membro do 48th Parallel, JJ Velker, nos teclados e sintetizadores.
Eram novos caminhos a serem traçados, mas após o lançamento do álbum, não atraiu o interesse de muita gente, a um público bem limitado, mas a banda, com a adição de Goldberg, Musselwhite e a namorada de Neil, a ex-vocalista do “CK Strong”, Lynn Carey, gravou “Ivar Avenue Reunion” e depois, sem Goldberg e Musselwhite, metade de “Vacuum Cleaner”, para o selo RCA. Este último trabalho foi completado com uma nova formação com o guitarrista Kal David e um retorno de Roth e Hall e lançado como Merryweather/Carey.
A banda evoluiu e seguiu seu
caminho gravando mais quatro álbuns, porém com um novo nome, “Mama Lion”,
sempre tendo à frente a dupla Neil Merryweather e a sua namorada Lynn Carey. A
banda evoluiria sim, mas sempre tendo, na sua trajetória, as mudanças na sua
formação e quando o Mama Lion foi concebido, tiveram dois recém-chegados, são
eles: o guitarrista Rick Gaxiola e o tecladista James Newton Howard, sim, ele
mesmo, o famoso músico que se notabilizaria com um excelente compositor de trilha
sonora de filmes. Eles assinariam com a Family Records, a recém-criada
gravadora de Artie Ripp. Seu debut sairia em 1972 e se chamaria “Preserve
Wildlife”.
Uma informação precisa ser
trazida à tona, pois o Mama Lion gravaria quatro álbuns, mas simultaneamente
com outro nome também, o HEAVY CRUISER. A realidade era que Neil levou os caras
do Mama Lion para o estúdio para fazer umas demos de algumas músicas. Gravaram
meia dúzia de músicas e, alguns dias depois, o Mama Lion saiu em turnê e que
acabou em Nova Iorque para tocar no Central Park com Billy Preston. Dessas
demos Neil chamou de “Heavy Cruiser”. Mas o Mama Lion não seria totalmente
esquecido.
O Mama Lion teria Carey e o Heavy Cruiser não teria a presença da vocalista e a vertente sonora das duas encarnações seriam bem distintas, pois com o Mama Lion funcionaria como um veículo para a voz e a presença de palco de Lynn Carey, já o Heavy Cruiser assumiria uma postura mais pesada, com um heavy rock e hard rock mais proeminente. E é com o Heavy Cruiser que falarei na resenha de hoje.
O Heavy Cruiser lançou seu
debut, autointitulado, em 1972, pelo selo Family Productions, nos Estados
Unidos e Philips na França, Alemanha e Espanha, álbum este que falarei também.
Este álbum apresenta composições de Merry Weather, Howard e até mesmo da
namorada de Neil, Lynn Carey, mesmo ausente desse projeto do Heavy Cruiser.
“Heavy Cruiser” foi gravado no
Hollywood Spectrum e Paramount Studios, de Los Angeles. O álbum foi produzido
pelos engenheiros Bruce Albertine, que trabalhou com James Brown e Siouxsie and
the Banshees) e John La Salle. A imagem recortada e colada na contracapa mostra
a banda como velejadores armados à deriva em terreno montanhoso contra um
cenário lunar gigante. Eles foram fotografados por maria Del Ré.
O debut do Heavy Cruiser traz,
como disse anteriormente, um caráter muito experimental e não pensem, distintos
leitores, que é aquela coisa viajante, cheia de ruídos ou algo do tipo, mas
algo literal mesmo, onde os caras entraram em estúdio e fizeram algo totalmente
despretensioso, sem a intenção de gravar e lançar. Nada neste álbum é polido,
bem produzido, porém não é, em momento algum, ruim ou descartável, pelo
contrário, o charme deste álbum está exatamente nessa definição!
É um álbum empolgado, com
guitarras fuzz, distorcidas e em até determinados momentos com uma pegada bem
lisérgica, o que faz dele não totalmente pesado, do início ao fim, até porque
percebe-se claramente o brilho dos órgãos que o torna também meio sombrio. É
perceptível também o talento de Neil e companhia, mostrando certa inquietude
criativa, produzindo materiais distintos entre Mama Lion e Heavy Cruiser, mesmo
se tratando da mesma banda, exceto Lynn Carey que esteve ausente na formação da
segunda banda.
Hard rock, psych rock, músicas
breves, curtas, mas inspiradas, sujas, perigosas, intensas. As faixas covers
são um destaque à parte, embebidas de ácido, pesadas, fazendo desse primeiro
trabalho do Heavy Cruiser um alento e tanto para os apreciadores da velho
hardão setentista.
E por falar em covers o álbum
já começa com um clássico absoluto, “C'mon Everybody”, de Eddie Cochran e J.
Capehart. E começa pesadona, intensa, cheio de riffs de guitarra pesados,
duros, agressivos e bateria pesada e marcada. Aos que não conhecem Heavy
Cruiser e fizer uma “audição às cegas” perceberia um punk rock ao estilo
Ramones, mas um pouco pesado. Os vocais de Neil são ásperos, gritados, sem
nenhum apuro técnico.
“My Little Firefly”,
composição de Neil, já traz uma vibe mais blues rock. A guitarra “chorona” de
Gaxoila é magnífica, mesmo em dedilhados simples. O vocal já é mais melódica e
segue o ritmo da guitarra. Uma balada bluesy competente que tem a “cozinha”
eficiente e que faz o seu papel de dar o groove e o ritmo mesmo em uma pegada
mais leve. Solos diretos e viajantes de guitarra dão um tempero muito agradável
à faixa.
“Don't Stop Now” já tem o
destaque dos teclados que, de forma solar, encorpa a música juntamente com os
solos de guitarra que, em uma espécie de batalha faz da música pesada, mas
dançante. Não aprecio comparações, mas me remete ao Deep Purple, porém menos
sofisticado e cool. E o jeito Heavy Cruiser de ser que faz da banda singular
até aqui na terceira faixa.
“Wonder Wheel” é uma faixa de
tiro curto, mas que tem potência e presença. Algo de rockabilly em uma versão
mais explosiva com o vocal, mais uma vez, rasgado e potente. “Outlaw” foge um
pouco da proposta do álbum e tem uma levada mais acústica, o vocal mais
melódico, arriscaria dizer que lembra até mesmo um folk rock, o que realmente
foge ao que a banda se propôs a fazer com o seu debut, porém é bem agradável.
Segue com “Let Your Rider Run”
que até assusta no início, com piano e voz que lembra Elton John. Eu arriscaria
dizer ainda que aquela proposta arrojada e suja do Heavy Cruiser cairia por
terra aqui com essa faixa, porque me parece ser bem radiofônica e com um belo
arranjo. A banda vem mostrando nessa segunda metade do seu debut um pouco mais
de repertório sonoro.
A sequência traz outro cover
clássico, “Louie Louie”. O indefectível riff de guitarra introdutório não tem
como deixar o ouvinte parado. É dançante, animada, solar. E o Heavy Cruiser não
a altera tanto, talvez com o intuito de manter a essência da faixa e Neil,
novamente, se destaca com o vocal alto, gritado, mas com um pouco mais de
qualidade. Ah o destaque fica para o solo de guitarra e teclados, com aquela
batalha que todo mundo fomenta.
“As Long as We Believe” começa
atípica também. Algo com um Southern Rock, com backing vocals bem eficientes e
que podem corroborar essa vertente. Pianos em destaque, vocais mais discretos e
legais. Mais uma música que poderia, sem dúvidas, tocar em qualquer rádio.
“'Lectric Lady” retoma o peso
característico do Heavy Cruiser, piano mais enérgico, bateria marcada e pesada,
riffs curtos de guitarra que é o prenúncio de solos mais diretos e pesados.
Vocais poderosos, melódicos e por vezes gritados. Pesada!
E fecha com a faixa mais longa
e mais complexa da banda, a “Miracles of Pure Device” que já te entrega um solo
de bateria excelente que logo ganha a companhia de teclados e um baixo mais
pulsante e galopante. É uma faixa um tanto quanto atípica no contexto do álbum,
um caráter mais experimental e que se desloca totalmente da proposta do debut
do Heavy Cruiser. Na metade da faixa a bateria torna a ganhar protagonismo. A
seção rítmica nessa faixa ganha destaque.
Um ano após o lançamento de “Heavy Cruiser”, a banda entraria em estúdio novamente, em 1973, e gravaria o segundo álbum com o nome Heavy Cruiser e que se chamaria “Lucky Dog”, seguindo basicamente a mesma proposta do álbum inaugural. Mas mesmo com os dois álbuns desse projeto do Mama Lion, chamado “Heavy Cruiser” que estava agradando Neil e sua banda, teve seus problemas e entraves.
E aconteceu quando o Mama Lion entrou em atrito durante a sua turnê europeia. Merryweather entrou em conflito com o produtor Artie Ripp e suas práticas comerciais, rompendo com Lynn Carey e toda a banda. Neil Merryweather se juntaria a Billy Joel, em uma fita demo que acabou rendendo um contrato com a Columbia Records. Outro detalhe que incomodou Neil, quando esteve somando esforços com o Heavy Cruiser foram algumas obrigações contratuais que impediram que os nomes dos integrantes da banda não fossem creditados nos dois álbuns do Heavy Cruiser. E isso foi determinação de Artie Ripp.
Merryweather, com o fim do
Mama Lion ou Heavy Cruiser, gravaria com uma banda chamada “The Space Rangers”
e dessa reunião surtiria em dois álbuns, gravados pela Mercury: “Space Rangers”
e “Kryptonite”, isso entre 1974 e 1975. Tocou também com uma banda chamada
“Band of Angels”, um trio de garotas, mudando-se para a Holanda e por lá
produzindo algumas músicas. Seu último álbum solo, “Differences”, foi gravado
na Holanda também, em 1978, com a participação de músicos britânicos, como o
baterista Clive Edwards, de Pat Travers e até mesmo o UFO. Seu último esforço
em uma banda, chamada “Eyes”, lançou um único álbum em 1980. Depois dedicou-se
em outra área como design e fotografia, retornando suas atividades musicais, de
forma esporádica, no final dos anos 1990.
Howard lançou um álbum solo de instrumentais em 1974 pelo selo Kama Sutra. Em 1975 ele se juntaria à banda de apoio de Elton John. Entre 1975 e 1980, ele tocou em álbuns de Melissa Manchester, Leo Sayer, Diana Ross, Olivia Newton-John, Kiki Dee, Valerie Carter, Samantha Sang, Boz Scaggs e vários outros artistas. Ele se voltou para o trabalho de trilha sonora dos anos 1990 em diante, começando com sua trilha sonora para a comédia romântica de 1990 “Pretty Woman”. Gary "Coffi" Hall morreu repentinamente em sua casa em 4 de dezembro de 2010. Ele dirigia a banda e o coral do colégio Midway enquanto morava em Lakota, ND com seu filho de 12 anos, Collin.
“Heavy Cruiser” teve um
lançamento não oficial, em CD, pelo selo Progressive Line (Austrália, 2002) e
uma reimpressão, em vinil verde, pela Lucky Pig Records (Alemanha, 2013). Os
alemães O-Music relançaram “Lucky Dog” em 2012 junto com os dois títulos dos
Space Rangers.
Projetos efêmeros, nomes
ocultos e não creditados em seus álbuns, trabalhos despojados, adicionam
tempero a um período na carreira de Neil Merryweather e companhia, extremamente
obscuro e com um peso colecionável para aqueles que desbravam o submundo do
rock n’ roll, bem como, claro, a músicas pouco ortodoxas e marginalizadas pelo
mainstream. Heavy Cruiser é essencial!
A banda:
Rick Gaxoila na guitarra
Coffi Hall na Bateria, percussões
James Newton Howard nos teclados
Neil Merryweather nos vocais, baixo,
e guitarra acústica
Faixas:
1 - C'mon Everybody
2 - My Little Firefly
3 - Don't Stop Now
4 - Wonder Wheel
5 - Outlaw
6 - Let Your Rider Run
7 - Louie Louie
8 - As Long As We Believe
9 - 'Lectric Lady
10 - Miracles of Pure Device
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