sábado, 26 de abril de 2025

Minotaurus - Fly Away (1978)

 

Você costuma se incomodar com aquelas bandas que não costumam classificar? E diante desse cenário costuma rejeitá-las categoricamente? Me parece que essas perguntas, embora sejam desafiadoras estruturar uma resposta, creio ser relevante para entender, mesmo que de forma parcial, a indústria fonográfica e a sua política antiga e conservadora que, sem dúvida, reflete o comportamento do mercado.

Parece ser cômodo e seguro da nossa parte ter uma espécie de compreensão profunda da vertente sonora de determinadas bandas para, a partir daí, criar um vínculo, uma identificação partindo da premissa de suas predileções. Muitas bandas pereceram, ao longo dos anos, por deixar apenas a sua criatividade ser a sua força motriz, o principal condutor de suas músicas.

Os anos 1970 nos “brindou” com uma infinidade de bandas que fracassaram por não ter sequência em sua história na cena musical rock, porque nunca se permitiu estereotipar, se rotular, mesmo lutando contra um mercado consumidor conservador e uma indústria com uma política tão ortodoxa quanto.

Na Alemanha, por exemplo, não faltaram bandas que precocemente saíram de cena, pagando um preço alto por deixar que a criatividade seja a dona de seus caminhos sonoros e, sob o aspecto comercial, fracassaram. Muitas sofreram por serem adicionadas no “saco” do krautrock para atender às demandas mercadológicas e facilitarem os negócios das gravadoras e muitas delas não praticaram o estilo em suas músicas.

E isso acabou construindo uma ideia equivocada de que a Alemanha, sobretudo nos anos 1970, reduziu-se a apenas o experimentalismo do kraut das transições da década de 1960 para os anos 1970 e isso, convenhamos, não é verdade! A Alemanha muito ofereceu, em termos de diversidade de som, nos anos 1970, principalmente.

E eu gostaria de apresentar uma banda que lamentavelmente não teve muita chance de apresentar a sua música e, como tantas outras, mesmo com persistência, não vingaram e pairaram no mais soturno e sombrio campo do esquecimento do rock, tendo ainda a desconfiança e a rejeição de tantos questionando as suas qualidades pelo simples fato de terem seus propósitos fracassados. Mas como neste blog as bandas fracassadas e esquecidas ganham protagonismo, essa é digna de apresentações: MINOTAURUS.

Minotaurus

A banda foi formada na cidade de Oberhausen, na área do Ruhr Ocidental, na Alemanha, começando sua trajetória em meados dos anos de 1970. Como muitas bandas, a banda foi concebida por seis jovens, quando decidiram se juntar para fazer música juntos. Era a Alemanha que proliferava em bandas de rock nos mais diversos estilos e vertentes, então os impetuosos jovens da época tinham como desejo ganhar fama e sucesso fazendo shows e tocando sua música. Eles tinham dois guitarristas, Michael Helsberg (nascido em 07/02/1957 em Oberhausen) e Ludger "Lucky" Hofstetter, este último treinado em violão clássico e violoncelo. Ulli Poetschulat tocou bateria, Dietmar Barzen os teclados. Também havia Bernd Maciej no baixo e Peter Scheu nos vocais.

A maioria desses jovens músicos foram autodidatas, não tinham grana para contratar professores de música ou coisa que o valha e a base de muitos ensaios e persistência, conseguiram fazer os seus primeiros shows. Nos primórdios o Minotaurus, começaram a construir seu nome fornecendo acompanhamento ao vivo para o filme do famoso diretor de cinema, Stanley Kubrick, em seu filme chamado “7117” no Festival de Curtas-Metragens de Oberhausen (Filmothek).

E com isso os caras do Minotaurus estavam, de forma gradual, ganhando fama local e, com isso escrevendo, compondo cada vez mais músicas autorais. Material eles já tinham agora faltava um contrato assinado para oficializar um lançamento de suas músicas e mais uma etapa havia sido superada, pois entrou no circuito Hans-Werner "Roller" Suedbrack, Uwe "Jacke" Ziemert e o falecido Wolfgang "Jagger" Jäger, se tornando responsáveis pelo sistema de PA.

Bem agora o lançamento de um álbum estava mais maduro, um novo trabalho estava por nascer e isso excitou os jovens e promissores músicos. E em 1977 eles decidiram lançar esse álbum! A gravação de seu primeiro trabalho ocorreu de 13 a 15 de janeiro de 1978, no estúdio Langendreer Sound, de propriedade de Günter Henne, da banda Epidaurus, e sob a direção do baterista da banda, Manfred Struck. O tecladista Dietmar Barzen foi autorizado para usar o mellotron dos amigos do Epidaurus, porque os meninos do Minotaurus não tinham dinheiro para ter um instrumento minimamente bom para gravar as suas músicas. Os primeiros anos foram difíceis apesar de gozarem de alguma fama.

E assim foi lançado, em 1978, “Fly Away”, lançado de forma independente, com uma prensagem pequena, com cerca de apenas 1.000 cópias, fabicadas em Pallas, em Diepholz, originalmente sem tampa. Os caras do Minotaurus optaram por distribuírem muitas cópias entre amigos, antes de conceberem uma capa, uma arte da capa. Quando o projeto da capa foi concluído, eles pensaram que encomendar 600 cópias seria o suficiente para divulgar a música da banda seria o suficiente, mas ainda assim, um número muito incipiente.

A capa escolhida mostrava um Minotauro, o lendário se com cabeça de touro da antiga Creta Minóica. Essas 600 cópias foram todas vendidas e a banda descobriu que ainda tinha cerca de 200 LP’s sem capas guardadas! Era a chance de aproveitar as boas vendas de “Fly Away” e vender essas cópias restantes. Então Ulli Poetschulat mandou imprimir mais 200 capas, desta vez com uma nova obra de arte mostrando um avião desenhado por Heike Zywitzki.

Já que eu comecei esse texto falando de diversidade sonora e bandas e álbuns que pouco se permitiram rotular, nada mais prudente do que fazer uma breve descrição da multiplicidade sonora de “Fly Away”, o debut do Minotaurus. Este álbum traz na sua base sonora um progressivo sinfônico calcado no peso do hard rock, pois entrega uma sonoridade solar, vívida e cheia de energia, revelando ainda texturas de space rock, algum experimentalismo, reminiscências do krautrock dos anos 1960, com uma pegada, em alguns momentos de blues e até jazz fusion.

A banda, que lançou um álbum um tanto quanto descolado do seu tempo, em 1978, com o punk em evidência e a música “disco”, bebeu das fontes sonoras do início dos anos 1970 quando o progressivo e o hard rock fora prolífico. A variedade de tons sonoros faz com que “Fly Away” se torne um álbum agradável, fazendo dele um álbum imprevisível e extremamente versátil, mostrando que aqueles jovens músicos autodidatas fizeram um bom trabalho graças a sua dedicação nos ensaios e nos trabalhos composicionais.

Um álbum forte nos instrumentais, com guitarras ricas em notas, teclados, órgãos e mellotrons solares e enérgicos e vocais teatrais fez desse álbum, a meu ver, especial e que muita gente considera como uma influência evidente do medalhão Genesis. Bem se é eu não poderia dizer com tamanha propriedade, mas o fato é que um álbum desse naipe sendo lançado em pleno 1978 é, no mínimo arrojado pelos audaciosos músicos do Minotaurus.

O álbum é inaugurado pela faixa “7117” que, como disse foi composta para acompanhar a exibição do filme de Stanley Kubrick com o mesmo nome, por volta de 1976, se mostra muito dinâmica e ao mesmo tempo apresenta algumas passagens bonitas e melódicas, destaque para os solos de guitarra e de mellotron. Tudo isso envoltos em uma entrega vocal ao estilo psicodélico espacial. Essas passagens mais explosivas são compensadas com passagens mais pastorais e acústicas. Um trabalho inaugural excelente!

"7117"

Segue com “Your Dream” que também é muito bem executada, com passagens suaves e até líricas, com destaques das guitarras, com solos e riffs maravilhosos, teclados enérgicos, tudo isso sobre uma cama de mellotron, embora a característica principal seja do teclado e de linhas de guitarras mais bem trabalhadas.

"Your Dream"

“Lonely Seas” começa de maneira sútil, percussão tilitante, violão levemente dedilhado, tocado de forma acústica e vocais sombrios e quase frágeis ou melancólicos, que faz da faixa mais dramática. Mas logo isso dá lugar a teclados triturantes e enérgicos e guitarra cortante e distorcida que cria certa tensão que a impressão que nos passa é de que vai explodir. E quando isso acontece tem solos mais melódicos e notas complexas.

"Lonely Seas"

“Highway” surge com uma pegada mais psicodélica, lembrando e muito um psych rock norte americano, algo como se fosse lançado nos anos 1960, trazendo uma lisergia principalmente nos riffs de guitarra fazendo da música até algo mais dançante. Mas a épica estava por vir, a excelente faixa título, “Fly Away”, no auge dos seus quase treze minutos de duração, trazendo um excelente progressivo sinfônico, com uma excepcional seção rítmica que entrega muitas mudanças de andamento, mostrando os músicos muita destreza em seus instrumentos. Não podemos negligenciar um mellotron enérgico que proporciona um clima nostálgico e solar. A guitarra e gigante e poderosa.

"Fly Away"

"The Day The Earth Will Die" fecha o álbum de uma forma muito cativante e dinâmica, estando mais próximas de um blues rock típico dos meados dos anos 1960 com uma textura mais psicodélica, com explosões de guitarras abrasadoras e distorcidas que se alternam com vocais mais potentes e virtuosos fazendo dessa faixa solar e otimista. São os anos 1960 mesclados ao som mais pesado e direto dos anos 1970. A faixa fecha com um número mais experimental trazendo um pouco à tona o kraut sessentista.

"The Day The Earth Will Die"

A faixa bônus é "Sunflower", que é uma música cintilante, robusta e de uma veia funky que foge um pouco a proposta do álbum, mas ele é diverso, então está tudo dentro da normalidade. Goza de uma guitarra jazzy blues solando belamente, tudo capitaneado por uma batida funky.

"Sunflower"

No mesmo ano do lançamento de “Fly Away” já surgiu um problema para o Minotaurus. O guitarrista Micky Helsberg foi o primeiro a deixar a banda e no ano seguinte, em 1979, de forma precoce, o Minotaurus finalizaria as suas atividades com cerca de 100 shows em seu currículo. De fato, um final lamentável e melancólico. Reza a lenda também que um dos motivos para o fim da banda foram as questões de negócios mau geridos.

No passar dos anos as pessoas perceberam o quão bom “Fly Away” era, até porque as suas poucas prensagens foram todas vendidas, fazendo deste trabalho muito requisitado, tanto que são pagos cerca de três dígitos pelo vinil original. Então teve uma reedição, no formato CD, em 1992, por um selo de nome Lost Pipedreams.

A realidade era que Jürgen Reinke havia vendido a essa gravadora os direitos dessas músicas sem realmente possuí-los e sem consultar os músicos do Minotaurus e como as faixas usadas para gravar esse álbum não eram oriundas das fitas master a qualidade da gravação estava aquém do que se esperava de um álbum tão grandioso.

Mas em 2002 o valoroso selo alemão Garden of Delights conseguiu localizar o baterista Ulli Poetschulat, que colocou suas fitas master à disposição do selo para que estes fizessem o lançamento. Este CD contou também com uma faixa bônus de nome “Sunflowers” que fora gravada em estúdio e que, na versão original, não entrou no vinil.

Há a informação de que o baterista do Minotaurus estaria de posse de algumas fitas para um segundo lançamento, com músicas inéditas, porém até os dias de hoje esse novo segundo álbum não foi lançado oficialmente. O que nos resta é aguardar que esse trabalho ganhe a luz do dia.

Em 1997 Micky Helsberg e sua banda M.I.D. (Manner in Dosen) onde lançaram um CD, também produzido e lançado de forma independente, chamado "Kopfschmerzen" ("Dor de cabeça"). Ele ainda mora em Oberhausen, assim como Hans-Werner Suedbrack. Ulli Poetschulat mudou-se para a antiga Alemanha Oriental e por lá trabalhou, por muito tempo, como organizador de shows, já os demais integrantes do Minotaurus nunca foram localizados e pouco se sabe dos seus paradeiros.

“Fly Away” trouxe, no final dos anos 1970, todas as marcas registradas de toda uma década, com as bases fundadas no rock progressivo sinfônico com o viés mais pesado, do hard rock. Guitarras pesadas, distorcidas, lisérgicas, melódicas e intricadas, com linhas de moog e sintetizadores de tirar o fôlego. Assim foi o único trabalho do Minotaurus que, lançados de forma praticamente artesanal, merecia um futuro mais justo, do tamanho da qualidade de seu excelente álbum. Um clássico obscuro!




A banda:

Peter Scheu nos vocais

Dietmar Barzen no órgão, mellotron, sintetizadores e clavinete

Ludger "Lucky" Hofstetter nas guitarras

Michael "Micky" Helsberg nas guitarras

Bernd Maciej no baixo

Ulli Poetschulat na bateria

 

Com:

Uwe "Jacke" Ziemert

Hans-Werner "Roller" Suedbrack

Wolfgang "Jagger" Jager

 

Faixas:

1 - 7117 (Musik Zum Gleichnamigen Film)

2 - Your Dream

3 - Lonely Seas

4 - Highway

5 - Fly Away

6 - The Day The Earth Will Die

Bonus:

7 - Sunflowers 





"Fly Away" (1978)










 

















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