terça-feira, 16 de julho de 2024

Morte Macabre - Symphonic Holocaust (1998)

 

Será que podemos guardar uma geração, uma vertente sonora em uma caixa, como um produto velho e carcomido e esquecer? Aquele discurso de que está obsoleto e que deve ficar, no mínimo para a história da música e pouco falar sobre, quanto mais executá-la, trazê-la à tona?

Não sou contrário, nobres e estimados leitores, ao novo, aos “testes” geracionais que a vida nos impõe e, claro, com a música que é o nosso assunto por aqui. A mudança, embora temida por tantos, se faz importante, mas a importância não pode ser comparada à obrigações e/ou posturas conservadoras instituídas.

Os anos 1990 foi a “era do grunge”, de Kurt Cobain, das roupas de flanela, de um rock n’ roll mais direto, a necessidade de simplificar diante da arrogância sonora dos músicos de rock progressivo ou ainda dos excessos do glam metal de meados dos anos 1980.

Evidente que podemos questionar as tais gerações, isso é democrático, salutar, diria, mas tudo, consequentemente, é uma questão de opinião. Sob o aspecto comercial o rock progressivo estava, ainda mais, à margem nos anos 1990. As gigantes do estilo até enchiam arenas, mas estavam descaracterizadas sonoramente falando.

Mas não se enganem o rock progressivo ainda tinha sua carga criativa cheia, forte, contundente, consistente e tinha um público que estava ávida por consumi-la. Alguns países, inclusive, via a sua cena ressurgir, como a Itália, que via, aos borbotões, bandas bem interessantes ganharem vida.

No norte da Europa se testemunhavam o surgimento de bandas muito legais e que traziam, revisitavam, os sons ocultos dos anos 1970, mas com roupagens contemporâneas com o rejeitado metal progressivo, por exemplo. Ouso dizer que muitas dessas bandas que surgiram nos anos 1990 e também na década de 2000, podem figurar na história do prog rock recente.

E não podemos negligenciar o que a Suécia tem feito, nesses últimos trinta anos, a serviço, não apenas ao rock progressivo, mas ao rock n’ roll como um todo. Grandes bandas vêm surgindo enaltecendo, em uma espécie bem-sucedida de homenagem aos seus predecessores, a música dos anos 1970, entregando sons novos e relevantes.

E preciso citar o MORTE MACABRE. Essa banda assumiu um caráter de projeto com início, desenvolvimento e fim efêmero, o que, convenhamos, é uma pena, que uniu duas proeminentes bandas suecas dos anos 1990 que são o Landberk e o Anekdoten. E a formação trazia Nicklas Berg no mellotron, fender rhodes, theremin, sampler, guitarra, baixo, Peter Nordins na bateria e percussão, Reine Fiske na guitarra, violino, mellotron, fender rhodes e Stefan Dimie no baixo e moog. Berg e Nordins tocavam no Anekdoten e Dimie e Fiske eram membros do Landberk.

Morte Macabre

E o resultado dessa fusão veio o único álbum da banda chamado “Symphonic Holocaust”, lançado, pelo selo antigo chamado “Mellotronen”, que pertencia ao baixista Stefan Dimie, em 1998, no formato CD, sendo as sessões de gravação no estúdio Largen, na Suécia. Além de ter sido concebido em uma época avessa ao prog rock, sob o aspecto comercial, trata-se de um álbum desafiador para ouvidos mais conservadores do rock progressivo muito acostumado a ouvir as sonoridades setentistas. É um trabalho extremamente nervoso, temperamental, contundente e tem, ouso dizer, tudo para que, daqui a 50 anos, seja celebrado como um clássico esquecido e que será considerado como “cult”.

É um trabalho complexo, de personalidade, avesso aos estereótipos, que entrega beleza, sombras, um trabalho excepcional de occult rock, de dark progressive, que não se via a tempos, desde bandas como Antonius Rex e Goblin. A propósito os temais musicais são oriundas de trilhas sonoras de filmes de terror, majoritariamente europeus, baseando-se exatamente no que o Goblin fez nos anos 1970, com os filmes do cineasta Dario Argento, além de duas faixas originais, compostas pelos integrantes da banda.

Pode não parecer, diante disso, algo novo ou revolucionário, mas o habitat sonoro em “Symphonic Holocaust” é muito bem definido e principalmente bem delineado: o tema de filmes de terror é muito bem explorado, sobretudo o do occult rock, do progressivo de terror é extremamente orgânico e sofisticado, ao mesmo tempo. É uma ode aos desbravadores Jacula, Goblin, Museo Rosenbach e tantos outros undergrounds que lutaram contra uma onda de conservadorismo que persiste até os dias de hoje.

Filmes como “The Beyond”, “The House by the Cemetery”, “City of the Living Dead”, “Cannibal Holocaust”, “Zombie” e "Rosemary's Babe", do grande diretor Roman Polanski, além de duas faixas escritas pelo Morte Macabre. Os filmes, de baixo orçamento, os famosos “Lado B”, também são marginais como a sonoridade desta banda.

Antes de dissecar cada faixa deste álbum convém ressaltar um detalhe muito interessante e que, de alguma forma corrobora a textura sombria de “Symphonic Holocaust”: o Mellotron. Quase todos os membros da banda tocam o instrumento, colocando-o, obrigatoriamente, como ponto central da estrutura sonora deste álbum. A melancolia, a atmosfera densa e particularmente sombria é a tônica deste trabalho do Morte Macabre. Então vamos a elas!

A faixa inaugural é “Apoteosi del Mistero”, que é do filme “City of the Living Dead” e essa faixa já começa para mim arrebatadora! Ondas de mellotron logo no topo, quando um som mais completo e “cheio” já chega logo, em menos de um minuto. A guitarra tem seu destaque, bem como a “cozinha” rítmica, com baixo e principalmente a bateria, marcada e altiva, dando o tom mais pesado à faixa.

"Apoteosi del Mistero"

Na sequência temos a primeira faixa composta pela banda, “Threats of Stark Reality” que traz uma textura sombria e extremamente experimental que remeteu à psicodelia ácida da cena krautrock, com uma aura de space rock também, diria. Uma faixa assustadora e que poderia adentrar em qualquer filme de terror, facilmente.

"Threats of Stark Reality"

"Sequenza Ritmica e Tema", é do filme “The Beyond”. É inegável dizer que bateria, guitarra e baixa atinge com força os ouvidos e o coração, tendo, evidentemente o mellotron entrando gradativamente no contexto sonoro. Um constraste improvável, mas que harmoniza em um caos oculto e tenebroso e assim a música vai seguindo até seu fim louco, docemente louco. Convém lembrar também que cada músico decidiu empreender com solos de seus instrumentos, mesmo assim tudo conectado.

"Sequenza Ritmica e Tema"

Segue com “Lullaby”, tema do clássico filme “Rosemary’s Baby”, de Roman Polanski. É clássico aos ouvidos e parece te colocar dentro do ambiente da trama horripilante construída por Polanski e quando entra finalmente pela primeira vez no álbum um vocal da Yessica Lindkvist com suas suaves e terrivelmente sedutadora vocalização de “la-la”, pronto! Uma música que verdadeiramente dignifica a proposta sonora de “Symphonic Holocaust”. As linhas de baixo esparsas e descontraídas reforça as sombras que permeiam na música, juntamente com a bateria, sem contar, claro, com o mellotron.

"Lullaby"

“Quiet Drops” é sublime, porque aqui o destaque fica para a guitarra, tão focada e poderosa. Uma faixa contemplativa, viajante, chapante, lisérgica, progressiva, linda! A beleza da introspecção a torna única, singular. A bateria vai encorpando, dando mais vivacidade à música. Sem dúvida uma das mais interessantes faixas do álbum. “Opening Theme” soa como uma improvisação informal, que abre os trabalhos para a faixa seguinte...

"Quiet Drops"

“The Photosession” o arrebentar do mar na costa, nas pedras são acompanhados por uma suave e notas de guitarra que reproduz um momento singular e harmônico e aí vem os toques dos pratos da bateria, as notas incidentais de guitarra e baixo se fundem e logo depois o fender rhodes e o mellotron em seguida. Tudo tão conectados, mas orgânico, típico de músicas instrumentais. 

"The Photosession"

E o grand finale é realmente apoteótico e colossal com a faixa-título “Symphonic Holocaust” que, no auge dos seus quase dezoito minutos revela-se a mais pesada e fantasticamente complexa, trazendo uma miscelânea de vertentes percebidas, ou melhor, ouvidas em todas as faixas anteriores do álbum. O mellotron ganha destaque, trazendo uma textura sombria, mas logo o peso do hard prog se faz presente, com riffs pegajosos de guitarra e bateria marcada e pesada.

"Symphonic Holocaust"

O volumoso arsenal instrumental de “Symphonic Holocaust” faz do Morte Macabre e seu único rebento um trabalho singularmente especial. As faixas são sedutoras, suaves em grande parte, como se fosse ninar os ouvintes, os transportando para um sombrio pesadelo. Um clássico que se perde no tempo da música plastificada e sem vida dos anos 1990. Uma ode à temporalidade da carne e à inevitável passagem do tempo. Um álbum emocional, sombrio e humano.




A banda:

Reine Fiske na guitarra, violin, mellotron, fender Rhodes

Nicklas Berg no mellotron, fender Rhodes, theremin, sampler, guitarra e baixo.

Stefan Dimle no baixo, mellotron e moog

Peter Nordins na bateria, percussão e mellotron/ drums, percussion, Mellotron

 

Com:

Yessica Lindkvist na voz na faixa 4

Janne Hansson no waves Fx na faixa 7

 

Faixas:

1 - Apoteosi del Mistero

2 - Threats of Stark Reality

3 - Sequenza Ritmica e Tema

4 - Lullaby

5 - Quiet Drops

6 - Opening Theme

7 - The Photosession

8 - Symphonic Holocaust




"Symphonic Holocaust" (1998)



 


 


























4 comentários:

  1. Apressei a ousadia em comentar algo que poucos comentam. Também faço um trabalho similar no meu blog. Veja em peculiarprog.com.

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    1. Vinício, bom dia.

      Obrigado por compartilhar seu blog. Estou acessando ele e gostando muito! Vou fixá-lo em minhas sugestões de acesso aqui no blog.

      Parabéns pelo conteúdo e obrigado por visitar me blog!

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  2. Prezado Bruno Moraes, a união dos músicos do LANDBERK e ANEKDOTEN (muito próximo do King Crimson) resultou neste fantástico e literalmente "único" trabalho. "Symphonic Holocaust", de 1998, é um álbum genial e imperdível. Seu trabalho é importante e merece aplausos.
    Parabéns pela dedicação e determinação!

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    1. Caro Geraldo,

      Obrigado por ler! Desde que resenhei sobre este álbum e banda tenho feito audições contínuas dele. É um álbum viciante e descolado do seu tempo.

      Arrojado e ousado!

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