quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Nico, Gianni, Frank, Maurizio - Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza (1973)

 

A essência do rock n’ roll, é claro, é a música. É o que movimenta o nosso amor, a nossa passionalidade, o nosso prazer, o nosso deleite. O que pode parecer tão óbvio que chega a ser ridículo, não é totalmente um fato que o define. Outras nuances determinam grandes eventos históricos e está basicamente ligado a dinheiro e orgulho ou diria egos feridos e inflados.

Ao longo de décadas que falamos e ouvimos rock, sempre presenciamos batalhas judiciais por brigas contratuais, pelo uso de nomes de bandas, tudo parece fundamentar a condição humana de sua fraqueza em buscar o poder, o doce veneno do glamour.

E não se enganem, estimados leitores, que eventos como esses flutuam entre as bandas milionárias e famosas, afinal, como disse, é uma condição humana de sobressair-se ao semelhante, de ser mais poderoso que o outro, então, presenciamos alguns tristes eventos destrutivos de finais melancólicos de história de bandas que poderiam entregar muito mais, porém, tiveram sua existência abreviadas por batalhas judiciais.

Mas há alguns casos que acompanhamos atentamente, como se tivesse lendo tabloides sensacionalistas de músicos pasteurizados, o rompimento de bandas e o nascimento de outras. De projetos até mais ousados que as suas matrizes musicais. E eu preciso falar de uma banda emblemática da Itália que realmente mudou o mapa do rock progressivo daquele país: New Trolls.

New Trolls

Mas não falarei diretamente dessa seminal banda, mas de desdobramentos judiciais que fizeram com que seus tarimbados músicos se separassem. Adivinhem: foi travada uma contenda judicial para quem utilizaria o nome “New Trolls”, em 1973. De um lado do ringue tinha o guitarrista e vocalista da banda e um dos líderes, o Nico Di Palo e do outro lado, também uma das figuras importantes trazia simplesmente Vittorio De Scalzi.

Nico e Vittorio

Di Palo saiu em uma pequena vantagem levando consigo a formação que havia lançado o álbum “Ut”, um ano antes da briga legal, em 1972. O juiz que analisou o caso deu o seguinte veredicto: de que os músicos fundadores da banda poderiam usar o nome “New Trolls” desde que os mesmos fizessem parte da mesma banda, no caso De Scalzi, Di Palo e Belleno.

New Trolls - "Ut" (1972)

Mas os caras estavam em pé de briga, como poderiam se juntar para fazer com que usassem o nome “New Trolls”? Evidente que isso não iria para frente, então o nome fatalmente hibernaria, não seria usado e foi o que aconteceu. Cada um permaneceu no seu lado e sem o New Trolls a tira colo.

Então o De Scalzi decidiu fundar uma banda chamada NT Atomic System com os “ex-colaboradores Rosset e D’Adamo, enquanto a ala de Nico Di Palo permaneceu sem um nome. Mas esse último já estava o contrato com a gravadora Fonit Cetra, de Milão, já estava assinado e um novo álbum pronto para ser impresso: E agora: o que o nosso amigo Nico irá fazer? Estava em uma situação difícil, ou seja, de escolher um nome para a sua banda para o trâmite de lançamento fosse feito. E todos sabem que o processo de escolha de nome de banda, embora pareça, simples, não é.

"Atomic System" (1973)

Então com uma boa dose de “polêmica” e de sarcasmo a banda, formada por Nico Di Palo, nos vocais e guitarra, Gianni Belleno, nos vocais e bateria, Frank Laugelli no baixo e Maurizio Salvi, nos teclados, órgão e teclados, lançaram um álbum com um gigantesco ponto de interrogação na capa denotando que a banda nascera sem nome.

Nico, Gianni, Frank, Maurizio

 Era uma capa misteriosa, anônima, sem sigla, nada, nenhuma informação. Aos desavisados que não acompanhou a novela judicial deve ter recebido esse lançamento com outro ponto de interrogação na cabeça e claramente se perguntou: mas que banda é essa? Foi evidentemente intencional por parte de Nico. Ele queria responder, com a sua arte, o seu descontentamento com a decisão do juiz.

O álbum com um evidente ponto de interrogação geralmente é chamado pelos primeiros nomes dos seus integrantes: Nico, Gianni, Frank, Maurizio. Mas ele tinha um nome e foi chamado de “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” e lançado em 1973. O que não é inominável é o conteúdo deste único trabalho dessa banda: Um verdadeiro furacão que une hard rock, rock progressivo e música clássica. Um álbum verdadeiramente arrojado e poderoso.

Diria, sem medo de errar que “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” é o lado mais rock e até mesmo visceral do New Trolls, afinal essa é a formação do New Trolls, de grande parte, pelo menos da banda. É isso que as vezes faz com que valha a pena acompanharmos algumas contendas judiciais entre as bandas e/ou os músicos, porque os projetos fluem, a criatividade voa alto.

“Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” traz uma gangorra sonora destacado por momentos mais acústicos e reflexivos, enquanto outros momentos são caracterizados por um som verdadeiramente massivo cujas referências chamam verdadeiramente a atenção e traz à tona coisas como Hendrix, Sabbath, Deep Purple e até Atomic Rooster em sua primeira encarnação.

As guitarras são o instrumento principal, consequentemente, apoiado por uma sonoridade potente, aliada a uma densa, enérgica mistura de teclados e coros que, além de proporcionar um timbre amplo e saturado, não deixe margens de dúvidas sobre a homogeneidade e capacidade dos instrumentistas desta banda.

O “lado A”, conhecido pelo nome de “Canti D'Innocenza”, traz a faixa inaugural chamada “Innocenza Esperienza” que já irrompe em riffs poderosos e pegajosos de guitarra. Um hard rock, um hard prog com pitadas clássicas com um ótimo drive, riffs e mais riffs e muita, mais muita energia. Os vocais são altos, quase gritados. Definitivamente é uma ótima música de entrada, que já chega tirando o fôlego dos ouvintes.

"Innocenza Esperienza"

“Signora Carolina” é uma mistura inusitada de Gentle Giant e Deep Purple. Doses interessantes de experimentalismo, folk, algo meio minimalista, barroco e pitadas mais heavy mostra uma música mais versátil e cheio de momentos distintos que a faz diversificada. Uma abertura clássica e um final har rock faz dessa balada rock especial. O “lado A” acaba com a faixa “Simona", uma balada curta, muito legal.

"Signora Carolina"

O “lado B”, chamado de “Canti D'Esperienza” surge com a faixa "L'amico della Porta Accanto", que traz novamente muito hard rock em sua abordagem. Diria, sem medo de errar, que essa música é uma espécie de prenúncio, de antecipação do heavy metal dos anos 1980, com um belíssimo uso de estrutura e órgão. Um proto prog metal que fala de uma cidade multiétnica onde marinheiros de todas as raças, nacionalidade e religiões todos os dias procuram relacionamentos de qualquer tipo e por qualquer meio.

"L'Amico della Porta Accanto"

Segue com "Vecchia Amica" que é outra epopeia sonora! Uma base pura de hard rock, mas com estrutura de rock progressivo, com viradas incríveis de bateria. A faixa tem de tudo, variação, profundidade, com ótimos e simples riffs, órgão louco, escaldante, seção rítmica animada e um final jazzístico que se torna a cereja do bolo no final.

"Vecchia Amica"

E o derradeiro fim vem com a faixa “Angelo Invecchiato” traz uma pegada meio lisérgica, psicodélica, sem tanta conexão com o hard rock e o heavy rock ou ainda o prog rock. É suave, diria com pitadas de space rock, bem sonhadoras.

"Angelo Invecchiato"

Logo após o lançamento de “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” a banda tem a sua primeira baixa: o baterista Gianni Belleno deixa a banda para dedicar-se a sua banda paralela, com viés mais pop, chamada Tritons e o trio restante decide colocar um nome na banda, passando a se chamar “Ibis”. Essa decisão veio após uma enquete de leitores organizada pela revista Ciao 2001!, encontrando também uma novo baterista à banda. O nome? Ric Parnell, que tinha sido baterista do Atomic Rooster.

Ric Parnell

Com novo nome e baterista e também um contrato com uma nova gravadora, a Polydor, eles gravaram o segundo álbum que viria a se chamar “Sun Supreme”, lançado em 1974 e completamente cantado em inglês. Trata-se de um álbum de transição, com seu estilo voltado para o hard rock e letras em inglês, a ideia era principalmente atingir o mercado externo, pois se assemelhou às bandas globalizadas e, para muitos, um trabalho pouco convincente do Ibis. Se é pouco convincente é algo a se discutir, mas definitivamente está um pouco distante da inspiração que gerou o debut da banda.

"Sun Supreme" (1974)

Mas os problemas com a formação do Ibis continuariam. Salvi e Parnell foram substituídos por Renzo Tortora e Pasquale Venditto, ambos vindos da banda Formum Livii. Com a nova formação o Ibis lançaria em 1975 o seu terceiro álbum que, para muitos especialistas, seria seu melhor trabalho, o trabalho mais maduro e definitivo. Apenas duas faixas foram cantadas em inglês e o resto cantado em italiano e neste trabalho se percebe uma pegada mais hard e prog, porém bem consistente.

"Ibis" (1975)

Mesmo com três lançamentos de álbuns o Ibis decretaria o seu fim em 1975, culminando com o retorno do New Trolls em 1975, com Nico Di Palo e seu antigo companheiro de banda, o baterista Gianni Belleno, gravando o álbum Concerto Grosso número 2.

Em 2007 o tecladista Maurizio Salvi formou uma banda chamada “Ibis Prog Machine” com o objetivo de reviver o antigo nome e as antigas músicas do velho Ibis. A banda contava com outro tecladista, Renato Rosset (ex-New Trolls Atomic System e Nova), os guitarristas Corrado Rustici (ex-Cervello e Nova) e Claudio Cinquegrana, o vocalista e baixista Roberto Tiranti e o baterista Marco Canavese, mas teve vida curta e se separou em 2008.

O “ponto de interrogação” teve relançamentos ao longo dos anos e 1987 foi lançado, em CD, pelo mesmo selo da gravação original, Fonit Cetra do Japão, além de outro lançamento, também em CD, pelo mesmo selo, em 1991, na Itália. Mais um relançamento em CD, pelo selo VM, em 2004, e finalmente em LP, pelo selo Vinyl Magic, em 2009, na Itália.

Guerras judiciais, embates de egos, brigas.... Tudo isso pode acarretar em finais tristes e precoces em histórias deslumbrantes de bandas, mas pode suscitar novas empreitadas e arrojadas no mundo da música e o ponto de interrogação trouxe um envolvente e intenso álbum com um maiúsculo ponto de exclamação que personifica na qualidade que esse trabalho proporcionou aos súditos do bom e velho rock n’ roll.



A banda:

Nico Di Palo na guitarra e vocal

Maurizio Slavi no paino, órgão, teclados

Frank Laugelli no baixo

Gianni Belleno na bateria e vocal

 

Faixas:

Canti D'Innocenza:

1 - Innocenza Esperienza

2 - Signora Carolina

3 - Simona

Canti D'Esperienza:

4 - L'Amico Della porta Accanto

5 - Vecchia Amica

6 - Angelo Invecchiato 



"Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza" (1973) 

















 








 




 


 




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