A essência do rock n’ roll, é
claro, é a música. É o que movimenta o nosso amor, a nossa passionalidade, o
nosso prazer, o nosso deleite. O que pode parecer tão óbvio que chega a ser
ridículo, não é totalmente um fato que o define. Outras nuances determinam
grandes eventos históricos e está basicamente ligado a dinheiro e orgulho ou
diria egos feridos e inflados.
Ao longo de décadas que
falamos e ouvimos rock, sempre presenciamos batalhas judiciais por brigas
contratuais, pelo uso de nomes de bandas, tudo parece fundamentar a condição
humana de sua fraqueza em buscar o poder, o doce veneno do glamour.
E não se enganem, estimados
leitores, que eventos como esses flutuam entre as bandas milionárias e famosas,
afinal, como disse, é uma condição humana de sobressair-se ao semelhante, de
ser mais poderoso que o outro, então, presenciamos alguns tristes eventos
destrutivos de finais melancólicos de história de bandas que poderiam entregar
muito mais, porém, tiveram sua existência abreviadas por batalhas judiciais.
Mas há alguns casos que
acompanhamos atentamente, como se tivesse lendo tabloides sensacionalistas de
músicos pasteurizados, o rompimento de bandas e o nascimento de outras. De
projetos até mais ousados que as suas matrizes musicais. E eu preciso falar de
uma banda emblemática da Itália que realmente mudou o mapa do rock progressivo
daquele país: New Trolls.
Mas não falarei diretamente dessa seminal banda, mas de desdobramentos judiciais que fizeram com que seus tarimbados músicos se separassem. Adivinhem: foi travada uma contenda judicial para quem utilizaria o nome “New Trolls”, em 1973. De um lado do ringue tinha o guitarrista e vocalista da banda e um dos líderes, o Nico Di Palo e do outro lado, também uma das figuras importantes trazia simplesmente Vittorio De Scalzi.
Di Palo saiu em uma pequena vantagem levando consigo a formação que havia lançado o álbum “Ut”, um ano antes da briga legal, em 1972. O juiz que analisou o caso deu o seguinte veredicto: de que os músicos fundadores da banda poderiam usar o nome “New Trolls” desde que os mesmos fizessem parte da mesma banda, no caso De Scalzi, Di Palo e Belleno.
Mas os caras estavam em pé de briga, como poderiam se juntar para fazer com que usassem o nome “New Trolls”? Evidente que isso não iria para frente, então o nome fatalmente hibernaria, não seria usado e foi o que aconteceu. Cada um permaneceu no seu lado e sem o New Trolls a tira colo.
Então o De Scalzi decidiu fundar uma banda chamada NT Atomic System com os “ex-colaboradores Rosset e D’Adamo, enquanto a ala de Nico Di Palo permaneceu sem um nome. Mas esse último já estava o contrato com a gravadora Fonit Cetra, de Milão, já estava assinado e um novo álbum pronto para ser impresso: E agora: o que o nosso amigo Nico irá fazer? Estava em uma situação difícil, ou seja, de escolher um nome para a sua banda para o trâmite de lançamento fosse feito. E todos sabem que o processo de escolha de nome de banda, embora pareça, simples, não é.
Então com uma boa dose de “polêmica” e de sarcasmo a banda, formada por Nico Di Palo, nos vocais e guitarra, Gianni Belleno, nos vocais e bateria, Frank Laugelli no baixo e Maurizio Salvi, nos teclados, órgão e teclados, lançaram um álbum com um gigantesco ponto de interrogação na capa denotando que a banda nascera sem nome.
O álbum com um evidente ponto
de interrogação geralmente é chamado pelos primeiros nomes dos seus
integrantes: Nico, Gianni, Frank, Maurizio. Mas ele tinha um nome e foi chamado
de “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” e lançado em 1973. O que não é
inominável é o conteúdo deste único trabalho dessa banda: Um verdadeiro furacão
que une hard rock, rock progressivo e música clássica. Um álbum verdadeiramente
arrojado e poderoso.
Diria, sem medo de errar que “Canti
D'Innocenza Canti D'Esperienza” é o lado mais rock e até mesmo visceral do New
Trolls, afinal essa é a formação do New Trolls, de grande parte, pelo menos da banda.
É isso que as vezes faz com que valha a pena acompanharmos algumas contendas
judiciais entre as bandas e/ou os músicos, porque os projetos fluem, a criatividade
voa alto.
“Canti D'Innocenza Canti
D'Esperienza” traz uma gangorra sonora destacado por momentos mais acústicos e
reflexivos, enquanto outros momentos são caracterizados por um som
verdadeiramente massivo cujas referências chamam verdadeiramente a atenção e
traz à tona coisas como Hendrix, Sabbath, Deep Purple e até Atomic Rooster em sua
primeira encarnação.
As guitarras são o instrumento principal, consequentemente, apoiado por uma sonoridade potente, aliada a uma densa, enérgica mistura de teclados e coros que, além de proporcionar um timbre amplo e saturado, não deixe margens de dúvidas sobre a homogeneidade e capacidade dos instrumentistas desta banda.
O “lado A”, conhecido pelo nome de “Canti D'Innocenza”, traz a faixa inaugural chamada “Innocenza Esperienza” que já irrompe em riffs poderosos e pegajosos de guitarra. Um hard rock, um hard prog com pitadas clássicas com um ótimo drive, riffs e mais riffs e muita, mais muita energia. Os vocais são altos, quase gritados. Definitivamente é uma ótima música de entrada, que já chega tirando o fôlego dos ouvintes.
“Signora Carolina” é uma
mistura inusitada de Gentle Giant e Deep Purple. Doses interessantes de
experimentalismo, folk, algo meio minimalista, barroco e pitadas mais heavy
mostra uma música mais versátil e cheio de momentos distintos que a faz
diversificada. Uma abertura clássica e um final har rock faz dessa balada rock
especial. O “lado A” acaba com a faixa “Simona", uma balada curta, muito
legal.
O “lado B”, chamado de “Canti
D'Esperienza” surge com a faixa "L'amico della Porta Accanto", que
traz novamente muito hard rock em sua abordagem. Diria, sem medo de errar, que
essa música é uma espécie de prenúncio, de antecipação do heavy metal dos anos
1980, com um belíssimo uso de estrutura e órgão. Um proto prog metal que fala
de uma cidade multiétnica onde marinheiros de todas as raças, nacionalidade e
religiões todos os dias procuram relacionamentos de qualquer tipo e por
qualquer meio.
Segue com "Vecchia Amica" que é outra epopeia sonora! Uma base pura de hard rock, mas com estrutura de rock progressivo, com viradas incríveis de bateria. A faixa tem de tudo, variação, profundidade, com ótimos e simples riffs, órgão louco, escaldante, seção rítmica animada e um final jazzístico que se torna a cereja do bolo no final.
E o derradeiro fim vem com a
faixa “Angelo Invecchiato” traz uma pegada meio lisérgica, psicodélica, sem
tanta conexão com o hard rock e o heavy rock ou ainda o prog rock. É suave,
diria com pitadas de space rock, bem sonhadoras.
Logo após o lançamento de “Canti
D'Innocenza Canti D'Esperienza” a banda tem a sua primeira baixa: o baterista
Gianni Belleno deixa a banda para dedicar-se a sua banda paralela, com viés
mais pop, chamada Tritons e o trio restante decide colocar um nome na banda,
passando a se chamar “Ibis”. Essa decisão veio após uma enquete de leitores
organizada pela revista Ciao 2001!, encontrando também uma novo baterista à
banda. O nome? Ric Parnell, que tinha sido baterista do Atomic Rooster.
Com novo nome e baterista e
também um contrato com uma nova gravadora, a Polydor, eles gravaram o segundo
álbum que viria a se chamar “Sun Supreme”, lançado em 1974 e completamente
cantado em inglês. Trata-se de um álbum de transição, com seu estilo voltado
para o hard rock e letras em inglês, a ideia era principalmente atingir o
mercado externo, pois se assemelhou às bandas globalizadas e, para muitos, um
trabalho pouco convincente do Ibis. Se é pouco convincente é algo a se
discutir, mas definitivamente está um pouco distante da inspiração que gerou o debut da banda.
Mas os problemas com a
formação do Ibis continuariam. Salvi e Parnell foram substituídos por Renzo
Tortora e Pasquale Venditto, ambos vindos da banda Formum Livii. Com a nova
formação o Ibis lançaria em 1975 o seu terceiro álbum que, para muitos
especialistas, seria seu melhor trabalho, o trabalho mais maduro e definitivo.
Apenas duas faixas foram cantadas em inglês e o resto cantado em italiano e
neste trabalho se percebe uma pegada mais hard e prog, porém bem consistente.
Mesmo com três lançamentos de
álbuns o Ibis decretaria o seu fim em 1975, culminando com o retorno do New
Trolls em 1975, com Nico Di Palo e seu antigo companheiro de banda, o baterista
Gianni Belleno, gravando o álbum Concerto Grosso número 2.
Em 2007 o tecladista Maurizio
Salvi formou uma banda chamada “Ibis Prog Machine” com o objetivo de reviver o
antigo nome e as antigas músicas do velho Ibis. A banda contava com outro
tecladista, Renato Rosset (ex-New Trolls Atomic System e Nova), os guitarristas
Corrado Rustici (ex-Cervello e Nova) e Claudio Cinquegrana, o vocalista e
baixista Roberto Tiranti e o baterista Marco Canavese, mas teve vida curta e se
separou em 2008.
O “ponto de interrogação” teve
relançamentos ao longo dos anos e 1987 foi lançado, em CD, pelo mesmo selo da
gravação original, Fonit Cetra do Japão, além de outro lançamento, também em
CD, pelo mesmo selo, em 1991, na Itália. Mais um relançamento em CD, pelo selo
VM, em 2004, e finalmente em LP, pelo selo Vinyl Magic, em 2009, na Itália.
Guerras judiciais, embates de
egos, brigas.... Tudo isso pode acarretar em finais tristes e precoces em
histórias deslumbrantes de bandas, mas pode suscitar novas empreitadas e
arrojadas no mundo da música e o ponto de interrogação trouxe um envolvente e
intenso álbum com um maiúsculo ponto de exclamação que personifica na qualidade
que esse trabalho proporcionou aos súditos do bom e velho rock n’ roll.
A banda:
Nico Di Palo na guitarra e
vocal
Maurizio Slavi no paino,
órgão, teclados
Frank Laugelli no baixo
Gianni Belleno na bateria e
vocal
Faixas:
Canti D'Innocenza:
1 - Innocenza Esperienza
2 - Signora Carolina
3 - Simona
Canti D'Esperienza:
4 - L'Amico Della porta
Accanto
5 - Vecchia Amica
6 - Angelo Invecchiato
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