A principal honraria que este reles
e humilde blog me proporciona, além, é claro, de meu ímpeto e interesse, é a
busca incessante e passional pelas obscuridades que estão, lamentavelmente,
relegados ao ostracismo e vilipêndio da indústria fonográfica e até mesmo dos
fãs de rock n’ roll.
E não se enganem, estimados
leitores, de que tais bandas foram relegadas ao ostracismo pelo fato de não
entregarem nada de contundente sob o aspecto sonoro. Nunca! Muitas bandas
obscuras trouxeram na sua época algo realmente cativante em termos de música,
ou seja, se tornaram, mesmo trafegando nas sombras, referência no estilo.
Esse também é um dos fatores
pelo qual me estimulo a continuar desbravando tais bandas, com a intenção de
desmistificar certas “verdades” dentro das mais diversas cenas de rock ao longo
das décadas. Não se enganem, bons amigos leitores, em algumas verdades
absolutas por aí, principalmente quando se fala em pioneirismo na música.
Claro que assuntos como esse,
sempre difíceis de se contextualizar, são deveras complexos, afinal são tantos
fatores a se levarem em consideração, tantos quesitos e condicionantes que
podem ou não derrubar certas teses e afirmações. Esses debates, além de gerarem
discussões acaloradas, suscitam também, dependendo da forma como são
conduzidas, podem ser extremamente enriquecedores.
Mas questionamentos, verdades e certezas à parte recentemente descobri uma banda que me surpreendeu positivamente e me fez chegar a uma conclusão de forte sustentação: de que há muito a se desbravar no rock n’ roll, de que a selva ainda tem pontos inexplorados.
Antes de falar do álbum e
banda eu gostaria de dizer que os anos 1960 foram marcados, principalmente em
meados daquela década, pela psicodelia, pela batida psicodélica, pela revolução
do “Flower Power”, pelo experimentalismo lisérgico de suas principais bandas.
Poucas foram as bandas que se aventuraram em uma abordagem sonora mais pesada e
nesse rol podemos incluir bandas como Blue Cheer, The Who, Steppenwolf, Led
Zeppelin que, mesmo antes dos anos 1970, período em que surgiram, em profusão,
as bandas de hard rock, gravaram seus primeiros discos pesados.
Algumas bandas, as mencionadas
acima, atingiram o êxito comercial, outras caíram no limbo do esquecimento,
como o Blue Cheer que hoje goza de algum sucesso, graças ao advento das mídias
sociais e o compartilhar de seu trabalho pelos aficionados pelo seu som e
ostenta o status de banda “cult”.
Porém a banda que descobri gravou apenas um álbum, para variar, e está em uma condição de muito rara, pouquíssimo conhecida. Falo da banda DRAGONFLY, com seu trabalho, homônimo, de 1968. Mas o que o Dragonfly tem? O que o seu desconhecido único trabalho oferece? Peso! Muito peso! Um som poderoso e incomum para a época em que foi concebido! Não quero, tomado por um êxtase, me antecipar e falar do álbum, afinal, ainda tenho algo, embora pouco, a dizer da história da banda, mas preciso dizer que é um trabalho arrojado, arrebatador e revolucionário para a época!
E falando em história, vamos tecer algumas linhas sobre o Dragonfly e seu único álbum. E já começa com algumas informações estranhas acerca da origem da banda. Muitos afirmam que o Dragonfly não era um nome de banda, mas sim de um álbum e que os músicos envolvidos jamais divulgaram e tão pouco fizeram shows com este nome. Trata-se meramente de um álbum de uma banda norte americana, mais precisamente do Colorado, chamada “The Legend”. Outras fontes já dão conta que sim, era uma banda formada com outro nome e que em um passado pouco distante se chamava The Legend e mais tarde, Dragonfly.
The Legend, como disse, era de
Colorado, nos Estados Unidos, mas que oscilava entre lá e Los Angeles para
gravar e lançar seus materiais. A formação conta com Jack Duncan (baixo), Barry
Davis (bateria, vocais de apoio), Gerry Jimerfield (guitarra, vocais principais),
Randy Russ (guitarra, vocais de apoio) e Ernie McElwaine (teclados).
As origens do The Legend
remontam até El Paso, onde em 1965 Duncan e Davis se conheceram e se tornaram
amigos rapidamente enquanto tocavam em uma banda chamada “The Paws”. Jimerfield
e McElwaine, animados com a ida do The Paws para um show no Novo México,
fizeram uma viagem para conferir e ficaram impressionados com a performance da
banda.
A cena rock de El Paso, à
época, era proeminente, tinham muitas bandas e, claro, um público fiel e
interessado na música que tais bandas executavam. The Paws era uma banda que
gozava de algum sucesso, mesmo tendo tido muitas mudanças na formação. Eram
bem-sucedidos, por isso que Jimerfield e McElwaine fizeram uma longa viagem de
Colorado para o Novo México para vê-los.
Jack se juntou ao The Pawns em
1965 e quando o baterista Jimmy Wagnon, do Bobby Fuller Four, saiu, Barry Davis
foi contratado. Os outros dois caras da banda eram casados, então Jack e Barry
se tornaram bons amigos. Bobby Fuller era de El Paso e tinha um grande estúdio
de gravação em sua casa. Jack conhecia Bobby e seu irmão Randall desde os 16
anos de idade e fez alguns trabalhos de rodie local para eles. Quando Jack se
juntou ao The Pawns, ele estava aprendendo violão, mas o baixista queria sair.
Ele vendeu seu baixo para Jack por US$ 50,00 e mostrou a ele o básico das
músicas.
Por intermédio de Bobby
Fuller, The Pawns se interessaram em tocar em Farmington, no Novo México, com
um promotor local de lá. The Pawns iam lá uma vez a cada dois meses e tocavam.
Eles eram muito populares, ganhavam muito dinheiro e a notícia se espalhou
sobre eles. Uma noite de sábado, Jimerfield e McElaine, foram até Farmington
para ouvir sobre o que The Pawns era. Como disse ficaram impressionados com o
que viram e, depois do show, Gerry se apresentou a Jack, disse que tinha
conexões na Costa Oeste e se ofereceu para montar algo se Jack e Barry
quisessem. Aqui seria o embrião do The Legend/Dragonfly.
Poucos meses depois, eles
ligaram para Gerry. Ele os convidou para se mudarem para Durango e disse que
eles poderiam ficar de graça no motel dos pais dele. Barry e Jack jogaram seus
equipamentos na parte de trás do capô rígido de um Chevy Bel Air Canary Yellow
57 de Barry e partiram para Durango. A banda ensaiou lá por alguns meses como
um quarteto e então decidiu que era hora de alugar outra guitarra. Jack e Barry
sugeriram outro garoto chamado Randy Russ. Ele estava em uma banda competitiva
de El Paso chamada “Instigators”, mas quando eles ligaram, ele agarrou a
chance. Randy se mudou para Durango e tudo parecia que ia dar certo com essa
formação.
A banda, que agora se chamada
“Lords of London”, foi até a área de Denver e tocou em muitos clubes da época. Eles
foram bem recebidos e começaram a tocar como banda de abertura no famoso “Family
Dog”. Uma das bandas com quem eles pareciam acabar trocando sets era uma banda
chamada American Standard com um ótimo guitarrista chamado Tommy Bolin,
simplesmente. Passaram alguns apertos por lá, mas logo voltariam para Colorado
para tocar no “verão do amor”, em 1967 e tiveram tempos de sucesso por lá.
Estavam todos prontos para
lançar um álbum, quando voltaram para Los Angeles, juntamente com seus
empresários, mas surgiu um “problema”. Os caras achavam que bandas de rock não
deveriam escrever seu próprio material e tão pouco tocar em estúdio. Estavam
procurando um novo nome quando um companheiro de viagem chamado Mark Clark
sugeriu “The Jimerfield Legend”. Gerry era o cara mais velho e experiente da
banda. Era líder da banda e o mais carismático. Muitos shows foram feitos com
esse nome e uma das referências históricas a ele é de um dos pôsteres do Family
Dog que pode ser visto na parede da escada da casa de Steve McQueen no filme “Bullit”.
Mas os empresários não queriam
usar esse nome para a banda. E se Gerry saísse da banda, o que seria? Então o
álbum saiu com o nome de “The Legend”, com um monte de músicas escolhidas pelos
empresários e tocadas por músicos de estúdio, embora por alguns dos melhores da
época, como Carol Kaye e Hal Blane. Os arranjos foram feitos por Gene Page, da
Motown, além de Barry White.
Um dos empresários viu o The Legend tocar no “Family Dog”, em Denver e ficou surpreso com a apresentação da banda e o quanto o público correspondeu, além de toda a estrutura de palco. O mesmo perguntou a banda o por que eles não tinham dito a ele que eles podiam compor e tocar tão bem. A banda tentou explicar, mas simplesmente não entenderam. Diante desse “novo” cenário o empresário volta à Los Angeles e diz ao seu colega que eles precisam deixar a banda fazer um álbum autoral.
Quando a banda viaja para Los Angeles eles começaram a gravar o que se tornaria o álbum “Dragonfly”, por isso que tem essa “lenda” de que não existe uma banda chamada Dragonfly, mas sim um álbum e que, com essa história, se reforça. Por outro lado, no referido álbum não há menção de “The Legend” também. Nesse meio tempo, o tecladista havia deixado a banda e Dragonfly foi feito basicamente como um álbum de duas guitarras, baixo e bateria. Os empresários também contrataram um produtor chamado Richard Russell (nome verdadeiro Richard Egizi) e a banda gravou o álbum no “Amigo no ID Studios”, em North Hollywood com a engenharia de Hank Cicalo.
Eles fizeram o álbum, sem nomes de membros da banda listados e sem fotos, novamente com medo de que se alguém saísse ou mudasse, isso prejudicaria a credibilidade da banda ou ainda não queriam dissociar o nome “The Legend”, pelo fato de estar ligado ao lançamento que não agradou aos músicos, por não ter material autoral. Mas há outra versão.
O nome da banda era uma
arapuca que os empresários queriam fazer com a banda. Eles queriam trazer
outros músicos, fazê-los aprender as músicas e coloca-los na estrada. Essa
versão, inclusive, foi dita pelos músicos em entrevista no portal “It’s
Psychedelic Baby Mag que pode ser conferida, em detalhes, aqui. Por isso que
não se vê os nomes dos músicos no álbum.
Por isso também que o nome teria sido alterado para “Dragonfly”, pois os empresários teriam encontrado um cara viciado em ácido que tinha feito essa arte, esse desenho, muito bonito, a meu ver, e compraram, sendo essa foto usada para a arte do segundo álbum do The Legend ou Dragonfly. As tiragens estavam guardadas no estúdio e trancadas a chave, evitando que qualquer um tivesse acesso às cópias, inclusive a banda.
Segundo os músicos as fechaduras teriam sido trocadas! E sobre o número de
cópias prensadas, teriam sido 5.000 álbuns que foram enviados para a Austrália.
E diante de tantos reveses a banda não teve nenhum apoio financeiro para
divulgar seu álbum e tão pouco foram feitos shows para tocar as músicas nesse
álbum contidas.
O álbum começa com “Blue
Monday” traz aquela introdução pesada, para a época, de riffs de guitarra, que
logo depois desliza para um groove lisérgico capitaneado pelo baixo pulsante e
vivo. Não podemos negligenciar a seção rítmica dessa faixa e o vocal rasgado e
alto, trazendo à tona um proto metal intenso.
“Enjoy Yourself” começa com
alguns solos de bateria e riffs pesados e ácidos que nos remete a bandas como
Grand Funk Railroad e até mesmo um MC5, com uma discreta levada de blues rock
ao estilo Steppenwolf. Essa mistura improvável ganha ainda mais peso com solos
de guitarra que trazem à tona o tempo em que foi concebido: uma pegada
psicodélica.
"Hootchie Kootchie
Man" traz uma versão bem arrojada e que foge integralmente da versão
original, sem blues, mas com uma versão hard rock bem cadenciada e uma
“cozinha” muito entrosada, com destaque para o baixo cheio de groove novamente.
Um típico hard rock extremamente volumoso. Cabe aqui também um espaço ao vocal
arrastado, gritado e rouco.
“I Feel It” continua no hard
rock, mas com uma levada mais radiofônica, mais acessível, com solos de
guitarra pesados e dançantes, ao estilo cravo, muito interessante. Esses
músicos definitivamente sabem como fazer bons e envolventes arranjos.
"Trombodo" é um
breve interlúdio orquestral que lembra aqueles álbuns progressivos conceituais
que logo desemboca na faixa “Portrait of Youth” que te remete ao The Who,
sobretudo pela forma complexa e cheia de recursos da bateria. Riffs de guitarra
que te coloca alguns anos à frente, com peso e lembrando aquele proto-metal.
Excelente faixa!
“She don’t Care” é fantástica!
O peso, os riffs de guitarra lisérgicos, pesados, te coloca em uma máquina do
tempo rumo ao futuro, afinal é uma sonoridade rasgada, seca que te lembra
fielmente o stoner rock dos tempos de hoje. Um proto stoner de respeito.
"Time Has Slipped
Away" muda o humor do álbum e te entrega algo mais sombrio, soturno e
introspectivo, mas não menos pesado, mas com alternâncias de passagens mais
psicodélicas. O solo de guitarra é dissonante, rasgado e ácido.
“To be Free” destoa um pouco
da proposta do álbum é mostra mais do momento do rock daquele ano do que
qualquer outra coisa. Riffs de guitarra mais dançantes corrobora a condição da
faixa. “Darlin” é mais uma peça de 30 segundos começando com alguns compassos
de country antes de desabar em rajadas de risadas chapadas.
Fecha com “Miles Away” é um
saboroso “psicopop” com “tonalidades” country e de folkrock, uma pegada mais
comercial, mais beat, com sons
eletrônicos, com manipulações de vocais, com uma vibe mais experimental,
mesclado a um conceito orquestral.
Depois do lançamento de “Dragonfly” a banda estava financeiramente quebrada. O conceito de Dragonfly criado pelos empresários alheios aos maus passos sob o aspecto da gestão da banda e da carreira dos músicos que praticamente foram jogados de lado em uma investida de boicote, além de escolhas erradas, fez com que o “projeto” do The Legend que foi construída pelos empresários foram determinantes para a sua queda vertiginosa.
Não tinha shows, promoções, afinal o que era “Dragonfly” sem nomes, sem créditos, sem nada? Mas ainda assim eles conseguiram uma pequena transmissão de rádio de Los Angeles, como Jack se lembra de ouvir e receber um cheque de valor baixo de royalties da BMI. Um dos empresários chegou a promoter conseguir um show para o Dragonfly/The Legend no The Filmore West, em São Francisco. Os músicos nunca souberam o quão sério isso poderia ser e com a situação cada vez mais complicada, as pretensões de shows não se concretizaram. Então o Dragonfly seguiu o caminho de tantas bandas, direto para as sombras do esquecimento.
Por volta de 1998 Jack recebeu
uma ligação, no mínimo inusitada e surpreendente de um cara na Bélgica, dizendo
que havia uma estação de rádio que tocava vinil de bandas antigas e obscuras e
que uma das músicas do Dragonfly estava entre as dez mais pedidas pelos
ouvintes! Coisas de banda cult!
Houve várias reedições deste
álbum. A primeira foi em 1992 pelo selo “Eva”, que continua, para os fãs e
colecionadores, sendo a melhor reedição digital disponível comercialmente. Foi
originado de um “rip” de vinil com ruído leve, mas, de outra forma, um som
muito bom. Outro relançamento veio em CD pela “Gear Fab” que é pesado em
graves, muito mais barulhento e acelerado. A reedição de 2012, em CD, pela
Sunbeam aparentemente pegou esta fita master
defeituosa, mantendo a velocidade errada, aumentou o volume.
Independente da forma como
foram concebidas as reedições, em que formato, recuperar essa obra de arte é
urgente e necessário. Um trabalho calcado em revoluções sonoras que romperam
com o status quo daqueles tempos de danças psicodélicas, de beat, de lisergia
experimental. “Dragonfly” diante de tantos entraves, de obstáculos destrutivos
e irreversíveis por empresários que vislumbraram tão somente a grande
oportunidade de ganhar dinheiro em detrimento da música, ainda assim não
destruiu a essência de uma música arrojada e singular. Isso sim, manteve, até
os dias de hoje e para todo sempre, solar e poderoso.
A banda:
Gerry Jimmerfield nos vocais,
guitarra base
Randy Russ na guitarra solo
Ernie McElwaine nos teclados
Jack Duncan no baixo
Barry Davis na bateria
Faixas:
1 - Blue Monday
2 - Enjoy Yourself
3 - Hootchie Kootchie Man
4 - I Feel It
5 - Trombodo
6 - Portrait of Youth
7 - Crazy Woman
8 - She Don't Care
9 - Time Has Slipped Away
10 - To Be Free
11 - Darlin'
12 - Miles Away
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