O rock progressivo italiano
nos revela uma complexidade de sons e perpassa em muitos gêneros do rock n' roll. Até
mesmo o mais genuíno do progressivo já nadou nas águas de outros estilos e, com
o passar do tempo, vem se reinventando.
E a banda que tentarei falar absorve de forma plena e precisa, essa
máxima, sendo uma banda extremamente versátil, apesar de ter tido uma
discografia e vida curtas, mas que certamente entrou para os anais da história
da música da Itália progressiva.
Falo da excelente IL ROVESCIO DELLA MEDAGLIA. O
RDM, como também é conhecido, foi formado em Roma no final de 1970 e se chamava “Il
Lombrichi”, mudando o nome para “Rovescio Della Medaglia” com a entrada do
vocalista Pino Ballarini, o terceiro, na sucessão. A banda foi formada por
Enzo Vita, guitarrista, pelo baixista Stefano Urso e pelo baterista Gino
Campoli.
O primeiro vocalista foi Gianni Mereu, depois assumiu Sandro Falbo, da
banda “Le Rivelazioni e logo depois Pino Ballarini, que se mudou para Roma,
vindo da região de Pescara, onde tocou em bandas como “Nassa” e “Poema”. E a
chegada de Ballarini trouxe também a sorte, pois imediatamente a banda
assinaria contrato com o selo RCA, isso em 1970, para gravar um novo álbum.
Il Rovescio Della Medaglia
E por falar em gravações, o
Rovescio é mais conhecido pelo seu terceiro, o grande “Contaminazione”,
de 1973, sendo muito bem produzido. Era o auge do
Rovescio. A banda gozava de um momento épico de sua maturidade musical. O
sucesso, o reconhecimento com “Contaminazione” é merecido e justo.
Um excelente
álbum conceitual, calcado no progressivo sinfônico, com ótimos arranjos e
melodias intrincadas que alçou o Rovescio a um razoável sucesso. Mas o álbum a
ser comentado desta excelente banda obscura é o seu debut: “La Bibbia”, de
1971.
Trata-se de um seminal álbum predominantemente de hard rock com pitadas
de rock progressivo, extremamente pesado e obscuro que, para muitos
especialistas, trata-se da banda pioneira do metal italiano, do hard rock
daquele país.
O álbum é uma espécie de “alive in studio”, talvez esse seja o
motivo pelo petardo que é “La Bibbia” e vem com um livreto redondo em formato
de medalhão, em referência ao nome da banda que, em tradução livre, significa “O
Reverso da Medalha”.
A banda estava começando a
aparecer para o mundo e ganhando relativa notoriedade nos seus primeiros shows,
graças as suas vorazes apresentações, intensas, pesadas, tendo “La Bibbia” como
seu primeiro repertório.
O Rovescio fez uma apresentação no Festival Viareggio
Pop e, graças a essa oportunidade, se tornaram uma das bandas ao vivo mais
populares da Itália no início dos anos 1970. Com o seu primeiro trabalho, o Il
Rovescio Della Medaglia passou a ser considerado, por muitos como o “Black
Sabbath italiano”, um absurdo essas comparações que tem apenas o intuito de
rotular o que não deve, afinal, a banda, ao longo dos anos, mostrou-se muito
versátil e eclética com os lançamentos posteriores dos seus álbuns, sendo
corroborado no segundo e terceiro trabalhos.
Um detalhe de “La Bibbia” é que não há
apenas o visceral hard rock, mas também uma sofisticação na sua música, que,
além da atmosfera sombria e beligerante, há arranjos complexos, com passagens
rítmicas de cair o queixo. Ouso dizer que o hard rock cedeu um pouco de seu
espaço predominante ao rock progressivo, um hard prog certamente pioneiro, não
só na Itália, mas no mundo inteiro.
“La Bibbia”, apesar da predominância do
hardão setentista, traz um conceito por detrás de suas faixas musicais. Como
diz na tradução, “A Bíblia”, o álbum é dividido em seis movimentos (músicas)
sobre o tema bíblico da evolução do mundo: do nada ao dilúvio universal.
Apesar do reconhecimento,
sobretudo entre os jovens, de uma das melhores performances ao vivo, a banda, à época, sofreu com muitos boicotes, devido as suas apresentações explosivas
no palco, com som pesado e alto, além de suas posturas altamente críticas e
politizadas no que tange a sociedade e seus costumes.
Mas tiveram, como sempre,
o apoio da juventude italiana, cansada do poder constituído, lotando as
casas de shows. Antes de dissecar o “La
Bibbia”, e ainda no assunto “subversão”, outro motivo que fez com que a banda
sofresse com retaliações, foi a provocação ao regime fascista narrando
simplesmente a bíblia cristã da forma deles em apenas 6 musicas, um show de
interpretação teatral.
Era a Itália nos anos 1970, um caldeirão político e
comportamental narrado por bandas furiosas e marginais, que sempre explodia,
como um vulcão. Então “La Bibbia” começa com
“Il Nulla”, um conjunto de sonoridades dissonantes e perturbadoras que tem na
sua introdução, longa e sombria, um conjunto fantasticamente desarmônico e
muito barulho, tudo meticulosamente calculado com a intenção poderosa de expor
a mensagem conceitual do álbum.
"Il Nulla"
“La Creazione” despeja riffs
poderosos de guitarra e um vocal melódico, de grande alcance de Pino Ballarini.
Uma faixa com excelentes incursões dinâmicas, complexas, com alternâncias rítmicas
de tirar o fôlego, um exemplo genuíno de um belo hard rock.
"La Creazione"
Segue com “L'ammonimento”
com muito hardão setentista e, em uma audição mais direta e óbvia, podemos
perceber uma forte influência do Black Sabbath. Sim, talvez. Mas, com mais
detalhe e com uma mente mais aberta, percebemos algumas facetas sonoras,
melódicas e até progressivas que faz com que a banda tinja a sua estrutura
tipicamente sonora.
"L'ammonimento"
E eis que desemboca na excelente
“Sodoma e Gomorra”, que me remete a um bom metal progressivo de hoje, uma
música vanguardista, com uma levada jazzística da bateria, uma música de muitos
recursos, sobretudo instrumentais.
"Sodoma e Gomorra"
Chegamos com “Il Giudizio”
uma verdadeira faixa que faz jus o lado hard prog do Il Rovescio Della
Medaglia, com muito hard rock e progressivo, uma música visceral, apaixonante,
diria até um pouco solar e animada, com muita vivacidade e força.
"Il Giudizio"
E fechamos com o clima
obscuro de “Il Diluvio”, um estilo meio gótico, docemente estranho e ameaçador
aos ouvidos e a alma, mas que retrata com fidelidade o conceito e a música
deste excelente disco de estreia do Il Rovescio Della Medaglia.
"Il Diluvio"
Com os lançamentos de “Io
come Io”, segundo álbum de 1972 e “Contaminazione”, de 1973, a banda ainda
gozava de sua reputação adquirida pelas apresentações ao vivo, sempre poderosas
e avassaladoras, mas em dezembro de 1973, o roubo de seu grande e caro PA fez
com que surgissem alguns problemas, traçando um novo direcionamento para o
Rovescio.
"Io Come Io" (1972)
Pino Ballarini foi embora para a Suíça, sendo rapidamente substituído
por Michele Zarrillo, do Semiramis, mas que, no fim acabou que os demais
integrantes seguissem como uma banda instrumental. O álbum ao vivo “Giudizio
Avrai”, lançado no final dos anos 1980, contém uma gravação dessa época, com o
som da banda predominantemente instrumental e com muito teclado.
"Giudizio Avrai" (1975)
O último
lançamento da banda é um single de 1975, tendo uma menção na capa de um novo
álbum, mas nunca foi lançado e com um rodízio muito grande na formação do
Rovescio até 1977, a banda finaliza as suas atividades.
No início dos anos
1990, o guitarrista Enzo Vita reformula o Il Rovescio Della Medaglia com uma
nova formação lançando um novo álbum, em 1995, chamado “Il Ritorno” e logo
depois os álbuns “Vitae”, em 2000, “Microstorie”, em 2011 e “Tribal Domestic”,
em 2016. Mas isso é uma outra história.
A banda:
1 - Il Nulla
2 - La Creazione
3 - L'Ammonimento
4 - Sodoma E Gomorra
5 - Il Giudizio
6 - Il Diluvio
Faixas:
Pino Ballarini vocais e
flauta
Enzo Vita na guitarra
Stefano Urso no baixo
Gino Campoli na bateria
Download de "La Bibbia", de 1971:
Nenhum comentário:
Postar um comentário