quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Epizootic - Daybreak (1976)

 

Por que os anos 1970 é o melhor período do rock n’ roll em termos de qualidade sonora? Tudo bem, estimados leitores, que essa frase, essa pergunta tem um caráter de opinião, afinal há de ter outras pessoas que contestarão dizendo que os anos 1960 foram prolíficos ou ainda os anos 1980.

Mas é inegável que a década de 1970 deixou uma marca indelével para o rock n’ roll descortinando vertentes tão especiais para os nossos ouvidos e alma, como hard rock, rock progressivo, jazz rock, blues rock entre tantos outros.

A resposta? Era a capacidade de algumas grandes bandas de flertar, com grande facilidade, com várias vertentes sonoras em um álbum ou mais arrojadamente ainda, em uma música. Tantas nuances, tantas mudanças de ritmo que confesso me arrebatamento a cada audição desse tipo.

E aí eu preciso retomar a importância dessa década para o rock! Somente ela foi capaz de nos proporcionar esse momento singular. Os estilos estavam nascendo, eram embrionários, as doses de experimentalismo eram cavalares, não havia, ouso dizer, nomenclaturas identificando tais vertentes, não havia rótulos, nada.

As bandas ousavam, experimentavam, a criatividade era latente, não havia receios, medos, o que comandava as pretensões musicais era pura e simplesmente o amor pela música, a verdade que ela trazia personificadas nos músicos e primordialmente, a criatividade. A subserviência era por ela, sem preocupações com o mercado fonográfico.

E muitas dessas bandas padeceram pelo simples fato de não sucumbirem ao glamour e facilidades do sucesso comercial e suas músicas plásticas com prazo de validade. Não é à toa que essas muitas bandas caíram no limbo do esquecimento, nos escombros da obscuridade, mergulhadas em um fracasso comercial. Mas são únicas, singulares, importantes para um nicho de fãs que sempre apreciaram tais músicas de vanguarda.

Podemos elencar inúmeras bandas que se enquadram nessa condição, mas gostaria de falar de uma banda que conheci recentemente e que veio da sempre surpreendente Suécia chamada EPIZOOTIC e que, para variar, lançou apenas um álbum, em 1976, chamado “Daybreak”.

Epizootic

O nome da banda, meio doido, atípico, entrega, com seu álbum, uma sonoridade vivaz, cheia de recursos sonoros, que vai do peso do hard rock, a sofisticação do rock progressivo, a lisergia do psicodélico. Uma sonoridade arrojada, mesmo não apresentando nada de revolucionário surgia na segunda metade dos anos 1970 que estava despertando para o punk rock que, mesmo não gozando de tanta popularidade, estava atraindo olhares interessados da indústria, deixando de lado as bandas que privilegiavam uma sonoridade mais rebuscada e complexa.

As origens do Epizootic remontam de meados dos anos 1970 na cidade sueca de Gotemburgo, quando quatro garotos decidiram se juntar e formar uma banda de rock com viés sinfônico, cantando em inglês e com certas conotações pesadas, de hard rock. O desejo incondicional de jovens, ávidos por ganhar o mundo, era evidente na sonoridade do Epizootic. As letras em inglês, com a intenção de atingir o mercado externo, parece que tudo estava meticulosamente calculado para o sucesso ou será que tudo não passou de um sonho febril? Pois é, o desfecho parece revelar o segundo cenário.

“Daybreak” foi concebido de uma forma totalmente independente, por um selo que parecia pertencer aos próprios músicos, de nome “Fejl” e, apesar de ser um álbum com dez faixas complexas e arrojadas, nota-se clara falta de produção. Mas isso não parece ser nenhum demérito, pelo contrário, bandas e álbuns obscuros de “formato garageiras”, quando lançam trabalhos com essas características, passam a se um charme, algo que agrega a sua sonoridade.

Aqui cabe uma curiosidade referente ao nome da gravadora: “Fejl”. Tal termo é uma grafia sueca da palavra inglesa “fail” que significa “falha”, “falhar”. Sinceramente não conseguir interpretar o motivo pelo qual leva esse nome, mas, licenças poéticas à parte, talvez seja pelo fato do álbum não ter atingido o status de sucesso.

Não podemos negligenciar o fato de que “Daybreak” é um ambicioso trabalho, mesmo que "artesanal", por conta da produção. Ah são jovens e como tal querem ganhar o mundo, serem donos deles, custe o que custar. E não há como se render a essa crueza que entrelaça com uma complexidade e nos deixa um tanto quanto perdidos quando tentamos classificar uma sonoridade. Então, caros leitores amigos, esqueça as formalidades da nomenclatura e se deixe levar pelo som de Epizootic.

E como não apreciar essa “dúvida”: guitarra pesada, elementos de jazz fundamentado pelo tecladista e toques de música progressiva evidentes na flauta. O vocal, embora não seja um primor, dá o seu recado e mostra um trabalho de banda muito firme, coeso e complexo, porém orgânico. A formação que gravou “Daybreak” traz: Pär Ericsson nos vocais, baixo, flauta, Bengt Fischer na guitarra, Lars Liljegren no piano, sintetizadores e vocais e Lars Johansson na bateria e percussão.

“Daybreak” é um hard prog que lembra mais uma produção de porão do que uma gravação propriamente dita. Mas a música é poderosa e extremamente cativante e interessante, com excelentes ideias instrumentais, extremamente arrojadas, complexas e orgânicas. Um trabalho obscuro que merece reverências, que merece crédito pela sua sonoridade.

O álbum é inaugurado com a faixa “Epizootic”. Um som de águas agitadas no início, mas que logo irrompem em solos rápido e pesados de guitarra trazendo o prenúncio de um hard rock cadenciado com teclados em uma sequência animada, que volta a guitarra, com riffs duros, sombrios e agressivos. Segue com “Sunset, Emotion” que tem, mais uma vez, o destaque dos riffs pesados e solos curtos e diretos da guitarra. É igualmente cadenciado pelos teclados enérgicos e uma seção rítmica bem coesa, com bateria marcada e baixo pulsante. Mas o que mais estimula na faixa é a salutar “rivalidade” entre teclados e guitarra.

"Sunset, Emotion"

“Eye Ball” os teclados inauguram a faixa e remete a uma pegada mais progressiva sinfônica aliada ao hard rock que se mostra presente do início ao fim do álbum. O vocal é mais rasgado, direto. Os riffs de guitarra são destaque e traz uma textura mais pesada e suja à música. E a doce “rivalidade” entre a guitarra e o teclado, mais uma vez, ganha destaque também e no meio termo, o baixo fica mais galopante ainda. “Fantacy” começa mais branda, mais leve. Dedilhados de guitarra e vocais mais doces trazem uma balada, com momentos mais pesados protagonizados por riffs de guitarra e assim vai alternando com um solo mais elaborado da guitarra no meio.

"Eye Ball"

O álbum segue com a faixa título, “Daybreak”, instrumental, ganha, mais uma vez, protagonismo a guitarra. Solos pesados, arrastados, em alguns momentos, e outros com uma pegada hard blues, tendo a “cozinha” dando uma textura mais bluesy também, sem deixar de lado, o agora discreto teclado. “What Mercy is This” já começa intensa, pesada! Os riffs de guitarra são pesados, agressivos, mas que ficam cadenciados com a bateria, cheia de groove e o baixo vívido e igualmente pesado. É extremamente animado a “batalha” entre os solos de guitarra e os teclados.

"What Mercy is This"

“Indian Reservation” começa introspectiva, contemplativa. Os dedilhados de guitarra reaparecem. Os vocais sussurrados, mas o peso já assume a dianteira da música. Bateria agressiva, os pratos parecem fazer a música levitar. Os teclados tocados com uma energia incrível, o baixo é esmurrado! Todo esse roteiro pesado logo devolve o posto para o ambiente anterior, de balada, com flautas. Repleta de recursos sonoros, de mudanças rítmicas. “Pictures of an Ordinary Life” começa pesado. A bateria dá o tom, o ritmo com os teclados em uma pegada sinfônica, mas descamba para uma sonoridade curiosamente radiofônica, meio dançante, inclusive. As flautas aparecem ao estilo Jethro Tull, com vivacidade. Mais uma faixa cheia de mudanças rítmicas mostrando a versatilidade da banda.

"Indian Reservation"

A penúltima faixa se chama “Pluto” que inicia curiosamente com um riffs que me remeteu ao heavy metal, pesado e rápido! O típico, porém, ousado, hard rock com uma evidente pegada heavy metal que ainda era embrionário. Mas as ousadias do Epizootic não param por aí. O peso inaugural dá lugar, mais uma vez, a flauta que, juntamente com a seção rítmica entrega um groove, algo dançante, mas que logo dá lugar ao peso capitaneado pela guitarra. E fecha com “Sinbad” já começa revelando o que foi o álbum: riffs agressivos de guitarra “rivalizando” com o teclado. Mas essa música retrata também o que foi o álbum na reta final: músicas pesadas e muito mais agressivas.

"Sinbad"

Embora o Epizootic não tenha atingido o sucesso comercial o seu único álbum ganhou “nove estrelas”, uma classificação de raridade na "Enciclopédia da Música Progressiva Sueca". São esses fatos que fazem de determinadas bandas e álbuns atingiram o status de “cult”, ou seja, um nome bonitinho para esquecemos de você no passado e envergonhados decidimos atribuir um status de importância para você.

E falando em sucessos e fracassos, após a experiência curta e precoce com o Epizootic o vocalista e baixista Pär Ericson e o guitarrista Bengt Fischer alcançaria o sucesso com a famosa banda de heavy metal EF Band, durante os anos 1980, quando se mudaram para o Reino Unido, gravando uma boa quantidade de álbuns. Infelizmente, em 2001 Fischer morreria devido a complicações com o câncer. O pianista Lars Liljegren mais tarde tocaria com Ragnarök e Triangulus. 

Além, claro, do lançamento original de "Daybreak", em 1976, pelo selo sueco, dos próprio músicos, Fejl, há alguns poucos relançamentos, como um de 1999, no formato CD, na Alemanha provavelmente não oficial e outro, no formato LP, pelo selo germânico "Long Hair", de 2020. O fato é se tratar de um clássico obscuro!





A banda:

Pär Ericsson nos vocais, baixo, flauta

Bengt Fischer na guitarra

Lars Liljegren no piano, sintetizadores e vocal

Lars Johansson na bateria e percussão

 

Faixas:

1 - Epizootic

2 - Sunset, Emotion

3 - Eye Ball

4 - Fantacy

5 - Daybreak

6 - What Mercy is This

7 - Indian Reservation

8 - Pictures of an Ordinary Life

9 - Pluto

10 - Sinbad



"Daybreak" (1976)




 



 

















 


2 comentários:

  1. Sobre os anos 70, tenho uma opinião sobre.
    O século XX foi de muitas mudanças, em todos âmbitos possível, música, dança, surgimento do cinema, evolução da fotografia, na arte no geral, ou até mesmo em outros temas.
    A música, por exemplo, teve uma revolução gigante em dois aspectos, são eles: vocal e surgimentos de gêneros da música. Sim, eu entendo você que diz que a música boa mesmo é a música erudita, sim, em relação a melodia, nada se compara, mas a experiência que é passada nas músicas cantadas, são completamente diferentes.
    Não citar opera, que apesar ser uma música cantada, trata-se mais de uma narração, papo para outro comentário. Enfim.
    Os anos 70 foi a melhor década simplesmente por uma combinação de fatores, tudo bem, nem tão simples assim, mas por estes motivos.
    A libertação pós guerra mundial, a voz do proletariado inglês, a junção do folclore com música moderna nas américas, disseminação das culturas orientais, religião principalmente, tudo isso surge ali pelos idos dos anos 60, entretanto, se consolidam na década seguinte influenciando os artistas.
    Isso ocorre no cenário brasileiro também, surgem as bandas seiscentistas, mas se consolidam na década posterior, meio que acompanhando o resto do mundo.
    Posso citar vários artistas, isso não mudaria nada, pois sabemos de quem estou falando.
    A verdade sobre os anos 70 é uma só, a arte foi muito boa porque existia verdade, foi congênito tudo que aconteceu ali, eu não vivi esta época, porém, é só pegar qualquer disco de qualquer ano entre 70 a 79, que irei me emocionar.
    Não é preciso ter vivido para sentir, muito menos comentar, mas é preciso saber o mínimo para perceber e concluir o que é melhor.
    Mesmo as bandas obscuras, sem os holofotes das mídias da época ou atuais, carregam com suas músicas uma arte pura, verdadeira e grande qualidade.
    VIVA O ROCK!

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    1. Raonny, bom dia. Obrigado por deixar a sua mensagem, como sempre, contundente em informações que nos "provoca" a refletir.

      O erudito está em tudo: na ópera, no hard rock, no heavy metal, no prog rock, em todas as manifestações artísticas, mas infelizmente, com esses estereótipos atribuímos apenas ao rock progressivo.

      Mas não podemos, por outro lado, negligenciar isso, afinal, bandas como Renaissance, por exemplo, soube, com maestria, aliar o rock, música popular à época, da juventude transviada, a música erudita e meio que ditou as regras para a feitura, a base dessa música. Claro que outras bandas seguiram essa toada, mas vejo no Renaissance isso mais claramente.

      E tudo isso vem carregado de um estímulo social, comportamental e revolucionário gigantesco, como você muito bem pontuou. O Krautrock alemão surgiu como uma comuna hippie, fazendo frente à uma sociedade conservadora e invadida por "produtos enlatados" e pasteurizados do pós guerra.

      O Punk surgiu com os proletariados, os jovens sem futuro dos guetos sujos e esquecidos de Nova Iorque e de Londres, o heavy metal surgiu como um estrondo nas cinzentas cidades fabris da Inglaterra...

      O rock n' roll sempre surgindo dos escombros da sociedade! e os anos 1970 foram prolíficos nesse sentido. Eclodiu de maneira tal que, juntamente com os anos 1960, um pouco menos, dividiram os esforços para fazer do rock algo subversivo e contestador.

      As bandas raras e obscuras imprimem, especialmente, essa questão, tornando tudo mais genuíno, porque são "escravas da criatividade", sem nenhuma influência mercadológica, fazendo do rock ainda vivo e relevante, sobretudo em um período de descaracterização sonora e de uma onda perversa de conservadorismo de seus pseudo fãs.

      Por isso que esse blog, marginal, mesmo que, nos escombros e pouco visualizado por esse público alienado, existe e, por isso, mesmo que de forma escassa, valorizo todas as mensagens aqui deixada, principalmente a sua e agradeço por isso.

      Mesmo que obscuro, como as bandas que os compõe, esse blog é genuíno e alternativo a tudo que vemos atualmente, que é tendencioso e vendido e quando surgem mensagens como a sua me enche de estímulo para continuar seguindo e difundindo a arte marginal.

      Obrigado!

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