Sydney, Austrália, 1974. O ano
trazia grandes momentos para o rock progressivo. Grandes álbuns, grandes
bandas, alguns feitos clássicos que arrebatou o mundo, mas que aconteciam em
alguns “polos” tradicionais dessas vertentes, como a Inglaterra, a Itália e a
Alemanha, deixando como coadjuvantes vários outros países.
E a Austrália sempre esteve
nesse rol de vilipêndio por parte da indústria fonográfica, mas, por mais que o
aspecto comercial ofusque esses países, nada que um bom garimpo nos proporcione
gratas surpresas, com ótimas e obscuras bandas e a terra do canguru tem sim
belas bandas e grandes álbuns.
E um exemplo é o ALEPH. O
nome, que pode parecer inusitado e deslocado, mas entrega uma sonoridade
extremamente arrojada e diria inédita, pois conseguiu a proeza de fundir o rock
progressivo com uma música mais acessível, diria até mais popular.
A concepção do Aleph surge das
cinzas de outra banda, baseada na cidade de Armidale, chamada Bogislav.
Debandaram do Bogislav o baterista Ron Carpenter, o guitarrista e vocalista
Dave Froggatt e o baixista Dave Highet. A banda tinha seis integrantes,
juntando-se aos ex-integrantes do Bogislav o vocalista Joe Walmsley, a
tecladista e vocalista Mary Jane Carpenter e a tecladista Mary Hansen.
E aqui vale uma boa curiosidade
histórica: Ron Carpenter, antes de ingressar no Aleph, tocou bateria, nos
primórdios, no AC/DC, entre 1973 e parte de 1974, nas diversas formações da
clássica banda de hard rock e heavy metal, que esteve baseada em Sydney, mas
logo largou a banda dos irmãos Young para formar o Aleph, pelos idos de 1974. E
cabe outra curiosidade: o Aleph e o AC/DC se encontrariam mais tarde, Sydney
Haymarket, entre 1975 e 1976, em shows, dividindo o palco, inclusive.
As bandas se conheceram no
estúdio, no Albert Studios, em Sydney para a gravação dos seus respectivos
primeiros álbuns, em 1974, mas o AC/DC gravou e lançou seu primeiro trabalho,
chamado “High Voltage”, em 1975, o Aleph demoraria cerca de três anos para
lançar seu primeiro e único trabalho, acontecendo em 1977.
Intitulado “Surface Tension”,
foi lançado pela Atlantic Records e oferece seis faixas de registros de rock
progressivo que oscilam entre 4 e 6 minutos com exceção feita para a música
“Mountaineer” que dura pouco mais de 15 minutos. O álbum entrega um esbanjado
trabalho centralizado no mellotron, sintetizadores, moogs e tudo o mais, com
guitarras pesadas focados em riffs pegajosos e solos enérgicos. Traz uma
sonoridade complexa que nos remete ao Yes nos seus primeiros trabalhos, mas,
por outro lado, é capaz de fundir uma sonoridade mais acessível, mais
radiofônica, algo mais direto.
Nesse aspecto podemos, sem
medo ou receio, de incluir o Aleph, mesmo que não tenha gozado de popularidade,
ao rol de bandas como o Sebastian Hardie, no pioneirismo do art/prog rock
australiano. E isso se confirma com a atmosfera dramática e desencantada que
transparece na suíte “Mountaineer”, nela materializa o típico prog rock da
Austrália e pesará também sobre o conjunto de “Surface Tension”, mesmo tendo
algumas variações, bem discretas.
Não podemos negligenciar a
capacidade que o Aleph teve de aliar complexidade e acessibilidade a música,
trazendo os teclados e a guitarra em patamares mais alto em sua sonoridade,
sendo percebida uma abordagem maior para as teclas em algumas músicas e a
guitarra em outras ou ainda o protagonismo de ambos os instrumentos em algumas
faixas, simultaneamente. O arranjo e a orquestração parecem, caros amigos
leitores, superar o virtuosismo.
Mas o Aleph trabalhou muito
antes de lançar seu “Surface Tension” e, no final de 1974, começou a fazer
muitos shows em Sydney e, ao longo dos anos seguintes, conquistou alguns
seguidores, alguns fãs, devido a exatamente esse nível consistentemente alto de
musicalidade, o que rendeu até mesmo um contrato forte com a Warner Brothers.
E, para variar, mesmo com a reputação sendo bem construída, os primeiros anos foram, além de muito trabalho, como também difícil. Tudo parecia conspirar contra a possibilidade de um sucesso nacional. O mais grave evento foi a turnê nacional da banda em 1976, resultando em um prejuízo financeiro significativo. Esse período o seu álbum ainda não tinha sido lançado e quando “Surface Tension” também foi frustrante para a banda, no aspecto da qualidade da gravação.
Tanto que posteriormente o
Aleph solicitou à Warner a regravação de seu álbum para aparar as arestas do
problema técnico o que foi categoricamente negado, abalando a relação entre a
banda e o selo que logo em 1977 viria a se desgastar e findar. Mas antes de
chegarmos ao desfecho histórico da banda, vamos dissecar um pouco de “Surface
Tension”.
A faixa inaugural é “Banshee”
que nada mais é do que um progressivo sinfônico com “chicotadas” bem dadas de
um hard rock intenso e enérgico, aquele estilo de prog rock que eu
verdadeiramente aprecio. Essa definitivamente seria a essência do álbum, do
início ao fim.
“Man Who Fell” é digno de
atenção ao seu piano e moog elétrico muito bem executado, com um timbre vocal
exuberante de ótimo alcance. Não podemos negligenciar o mellotron que adorna com
extrema elegância, dando uma textura altiva à faixa, sem contar com o hammond
que “quebra” a música com a cumplicidade do violão. Excelente!
A sequência traz a majestosa “Morning”. Uma composição excepcional, mostrando que os caras têm uma capacidade incrível de aliar melodia, harmonia, letras bem encaixadas, tudo em seu devido lugar! “(You Never Were A) Dreamer” também entrega a versatilidade que é “Surface Tension”, uma faixa enérgica, o prog sinfônico se entrelaça com a pegada mais vibrante do hard rock, com pinceladas comerciais que torna mais acessível a faixa aos ouvidos mais exigentes e aqueles mais “despojados”.
"Mountaineer", a
mais longa do álbum, é a síntese do rock progressivo, com viradas rítmicas, com
variâncias de sons, com alto nível de complexidade, mas enérgica, com os
instrumentos usados a toda prova, mostrando que seus músicos trazem também algo
orgânico a sua música. Tudo construído com perspicácia e facilidade natural,
afinal, essa é a marca da banda, construída neste álbum. Excelente faixa e
ponto alto do álbum.
O álbum fecha com “Heaven's Archaepelago” que traz de volta memórias, com a sua introdução ao piano, de bandas progressivas como Yes e até, em alguns momentos, o Supertramp. Não podemos deixar de lado, nesta música, o domínio do mellotron que oferece uma energia, algo solar, diria sem titubear.
Os problemas teimavam em
testar o Aleph. Em 1978 a banda perdia o vocalista Joe Walmsley devido a uma
grave doença e naquele mesmo ano teve seu PA, seus equipamentos, vendidos como
resultado de uma alta dívida de cerca de US$ 400.000. A banda foi forçada a abandonar
sua turnê por vários meses depois que Ron Carpenter foi convidado para ocupar o
lugar de baterista temporário do Cold Chisel. Carpenter também passou grande
parte de 1979 dedicando suas energias à banda First Light, que gravou e lançou
um álbum autofinanciado naquele mesmo ano.
Em 1979, Carpenter convenceu,
em uma vã tentativa de salvar o Aleph, os membros restantes, bem como as suas
famílias a se mudarem para Byron Bay, onde a banda posteriormente se instalou.
Ao longo dos anos a formação foi reduzida de cinco integrantes para quatro
integrantes e, finalmente um trio, com Carpenter eventualmente assumindo as
funções de vocalista.
O Aleph, para se reerguer, foi forçado a se tornar uma banda cover com a garantia de conseguir casas lotadas e consequentemente bons cachês. Aceitaram! O que outrora fora concebida como original com o lançamento de seu álbum, se viram forçados a tocar covers variando de punk rock a new wave, de música eletrônica a rock clássico. E deu certo, o Aleph conseguiu tocar com alguma frequência e com casas cheias.
Assim foi até 1983! Embora não
tenha explorado tão firmemente o seu lado criativo, produzindo músicas
autorais, conseguiram lucrar o suficiente para pagar as suas dívidas contraídas
em um passado não muito distante. Mas o ano de 1983 marcaria o fim das
atividades do Aleph. O fato é que uma banda tão inventiva, que produziu um
álbum do naipe de “Surface Tension”, não conseguiria seguir sem o mínimo de
estrutura por parte de uma gravadora e reproduzindo músicas de outras bandas.
“Surface Tension” pode não ser
uma obra-prima esquecida e vilipendiada, mas sem sombra de dúvida se trata de
um álbum valioso, arrojado e interessante para qualquer apreciador de
progressivo sinfônico, hard rock e crossover progressivo dos anos 1970. Então,
caro amigo leitor, não se deixe levar para questões relacionadas a pioneirismos
ou quaisquer “títulos” que esse trabalho deve ou deveria ter recebido, mas
apenas ouça com muito respeito e reverência a um álbum solar, divertido. O
Aleph merecia um futuro melhor! Certamente entregaria muito ao longo dos anos
com uma discografia bem arrojada.
A banda:
Joe Walmsley no vocal
Dave Froggatt na guitarra e
vocal
Mary Jane Carpenter nos
teclados e vocal
Mary Hansen nos teclados e
sintetizadores
David Highet no baixo
Ron Carpenter na bateria e percussão
Faixas:
1 - Banshee
2 - Man Who Fell
3 - Morning
4 - (You Never Were A) Dreamer
5 - Mountaineer
6 - Heaven's Archaepelago
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