Estamos habituados, por uma
questão mercadológica, de marketing, a ouvir bandas e álbuns oriundos da
Inglaterra e Estados Unidos, majoritariamente. É fato que são grandes centros
que produziram e ainda produzem, bandas e logo a indústria vira seus olhos para
esses mercados. Mas não podemos negligenciar os países que, mesmo imersos em
uma condição underground de mercado, gozam de uma riqueza cultural musical
enorme.
O Uruguai, por exemplo, embora
tenha uma pequena extensão territorial tem uma prolífica história no rock n’
roll construindo uma cena excelente, sobretudo nos anos 1970, até mesmo
intensificada por um clima político de opressão que certamente, mesmo diante de
uma censura, serviu de inspiração para os músicos e bandas marginais e de
espírito contestador.
Mas apesar de uma cena rica, naquela época estava em um status de “promissora” e, quando deu os primeiros passos, dependia das pessoas abastadas que traziam da Europa, sobretudo da Inglaterra e também dos Estados Unidos, justamente os mercados mais rentáveis da música, os discos que acabavam compartilhando com os amigos. Esse era o “download” daquela época!
Ao longo dos anos a cena
“encorpava” e se fazia aparecer. Alguns músicos, inspirados, além do sistema
político, e pelas bandas internacionais, formavam suas primeiras bandas de
garagem e esboçavam seus primeiros acordes e assim despertou interesse de
alguns selos, muitos deles começando também as suas trajetórias.
E, diante de tantas bandas que surgiram, muitas delas obscuras e undergrounds, uma se destacou por uma sonoridade tão singular, tão exótica, tão forte, que merece uma menção, mesmo que tenha tido uma efêmera história: Falo do OPUS ALFA.
O Opus Alfa surgiu na capital
Montevidéu, em meados dos anos 1960 e teve, como espinha dorsal, dois caras
importantes para a construção sonora da banda e que, no futuro, com os seus
diversos projetos musicais, tornaram-se essenciais para o rock uruguaio: Jorge
“Flaco” Barral, baixista e guitarrista, e Daniel Bertolone, guitarrista,
flautista e vocalista.
Apesar da banda ter sido
fundada em 1970, Daniel e Flaco já tinham alguma reputação na música, tocando,
cada um deles, pelo menos, em pouco mais de cinco ou seis bandas e levaram para
o Opus Alfa o arcabouço musical diverso necessário para a construção da
identidade sonora da banda.
Mas os primórdios do Opus Alfa
traziam músicas covers de bandas americanas e principalmente inglesas, como
Jimi Hendrix, Cream, entre outras que executavam o hard psych, além de
um embrionário prog rock que estava ganhando alguma notoriedade na Inglaterra.
E a transição para as músicas autorais se deu graças a entrada de Flaco Barral
à banda.
Ele entrou para o Opus Alfa
quando a banda já existia e a condição que ele impôs ao entrar na banda, além
de tocar baixo, era que fizessem as suas próprias músicas. E com isso um novo
capítulo da banda foi inaugurada.
Bertolone, que esteve desde o
início do Opus Alfa, começou em uma banda que tinha como baterista o Daniel
Crapuccet. Eles tocavam no início músicas dos Beatles e Rolling Stones e depois
descobriram o psych rock. Tanto Bertolone quanto Crapuccet passaram a gostar
desse tipo de música e formaram juntos o Opus Alfa, que tinha Jose Luis no
baixo. Essa foi a primeira formação do Opus Alfa.
Porém essa formação não teve
vida longa, tendo a seção rítmica a que mais sofreu mudanças, porque Jose Luis
foi para os Estados Unidos e Daniel Crapuccet que decidiu formar a sua própria
banda, entrando, por volta de março de 1971, Jorge “Flaco” Barral, no baixo, e
Jorge Graf, na bateria e percussão, Atilano Losada, nos teclados e violinos,
além de Jesús Figueroa nos vocais. Foi neste ponto da história do Opus Alfa a
intenção em gravar músicas autorais e com letras em espanhol.
Mas a formação original se
apresentou muito antes dessa reformulação no line up da banda em casas de shows
pequenas com seus repertórios covers e quando Flaco Barral e os demais músicos
entraram na banda, foi necessário um tempo para ensaiarem com a nova formação,
até porque estavam compondo material novo, antes de gravar o seu debut, o único
lançado em 1972, homônimo.
E falando em gravação de álbum, o processo, para variar, de contratação do Opus Alfa por um selo foi um pouco
demorado. A gravadora “De la Planta” foi a que contratou, no fim das contas, o
Opus Alfa e foi uma das mais importantes daquela época no Uruguai, porque
reunia as bandas progressivas da cena uruguaia. Um dos sócios foi talvez o
maior engenheiro de som do Uruguai, chamado Carlos Piriz e que era engenheiro
de som nos estúdios ION, de Buenos Aires, na Argentna, sendo dirigida por Koyo
Abuchja, que era guitarrista rítmico de uma banda uruguaia famosa chamada Los
Delfines.
Esse se tornou um diferencial,
ou seja, essa relação com estúdios argentinos, pois tinham uma infraestrutura
muito melhor que a dos estúdios do Uruguai, mas para ter o resultado
satisfatório na produção custaria para o Opus Alfa um processo corrido na
gravação de seu primeiro trabalho em 1972. Quando foram contratados, receberam
de Carlos Piriz as passagens aéreas de ida e volta de Buenos Aires, além de
estadias em hotel, para gravar o álbum. Mas os únicos dias que Piriz tinha
disponível em estúdio era sábado e domingo, então a banda, que precisava gravar
seu álbum, e também de um ótimo engenheiro de som, gravou, em apenas dois dias
o seu debut, ou seja, tempo curtíssimo e impensado para os dias atuais.
O Opus Alfa lançou seu
primeiro single, pelo selo “De la Planta”, com as músicas “Song for Kenny and
the Children” e “Guest House. No dia 15 de dezembro de 1971 se apresentaram no
Teatro Solís, em Montevidéu, algo que até então não era comum entre as bandas
da cena rock à época. Tocou também em teatros, festas e salões de dança por
todo o Uruguai, participando também do Festival BARock, em Buenos Aires, tudo
antes de lançar seu trabalho único, em 1972.
“Opus Alfa” traz um trabalho
poderoso de hard rock, com forte influência no blues e psicodelia, com vocais e
guitarras lisérgicos, ácidos. Nota-se nuances progressivas também. Era o início
da década de 1970 e várias vertentes hoje conhecidas e bem definidas naquela
época ainda era embrionária e trafegava muito no experimentalismo, daí a
“dificuldade” de classificar a sonoridade de uma banda e Opus Alfa se
enquadrava nessa condição.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Blues de Mi Ciudad” e como nome sugere, o blues rock impera, com a
“cozinha” ditando o ritmo e uma camada generosa de teclados que entrega algo
mais psicodélico a música, tendo, inclusive, alguns solos chapantes, ácidos. Os
vocais, imponentes, traz a cereja do bolo meio bluesy à faixa. O destaque
também fica para os solos envolventes, que acalenta e nos faz dançar em um
clima mesmerizante.
“Ilusión” começa acústica, ao
dedilhado discreto e suave de um violão, com um fundo contemplativo, de
orquestra, com um vocal límpido, vivo. Segue uma vibe meio folk, com uma pegada
mais psicodélica. Segue com “Vamos Mal. Ah No!” que mete o pé na porta e vem
com um petardo, um volumoso hard rock tipicamente dos anos 1970. O vocal, antes
límpido e melódico, vem mais rasgado, tendo como base os riffs poderosos de
guitarra, bateria marcada em uma batida forte e baixo pulsante. E quando surge
o solo da guitarra é que a música ganha em volume, em peso! Os instrumentos se
convergem para essa explosiva condição.
“El Hueco de Mi Soledad” chega
sombria, estranha. A guitarra “chora”, melancólica, com solos curtos, e me
remete a um blues antigo, triste e ainda traz um violino discreto que entrega
uma textura ainda mais soturna. Aos poucos a guitarra fica mais ácida, mais
lisérgica, a música vai aumentando o tom, gradativamente, vai ficando mais
pesada e drástica, quase dramática. Cheia de nuances, sem dúvida uma das
melhores faixas do álbum.
“Miel y Humo” continua na
proposta mais para balada rock, com a pegada meio bluesy, que alterna entre a
leveza e o peso, caracterizado pelos riffs de guitarra e a bateria marcada. O
solo de guitarra é mais elaborado e complexo e tem como base o blues rock.
“Padre” começa com uma
abordagem mais prog rock e mais psicodélica, um tanto quanto introspectiva. Os
teclados trazem uma textura mais contemplativa. Vocais “rivalizam” com a
flauta, a “cozinha”, mais uma vez, dita o ritmo.
“Destino de Mis Pasos” é quase
executada à capela. O vocal, mais austero e limpo, parece ainda mais grave e
consensual. O violão, ao fundo, traz uma pegada acústica e folk. Logo a bateria
e o hammond dão uma versão mais viva da faixa, também psicodélica. Violinos são
ouvidos e dão uma sensação mais “viajante” à música.
“Tanguez” vem inteiramente
psicodélica, carregada nos teclados, com vocais mais dramáticos, melódicos e
melancólicos. Não sou adepto das comparações, mas me remete aos primórdios do
The Doors, que traz também aquele “tempero” mais sombrio.
E fecha com “Calma de um Dia”
que retorna à potência do hard rock, com solos iniciais de guitarra que vem
pesado e solar. Mas tem uma vibe mais comercial, diria mais radiofônica, mas
sem soar ruim e plástico. Pelo contrário: é pesado, é alegre e intenso.
As palavras, em algumas
entrevistas que pude ler de alguns integrantes do Opus Alfa, espalhadas pela
grande rede, sintetizam o que é o álbum e o momento do rock n’ roll em todo o
mundo: “Queríamos experimentar!" Essa era a razão de ser do Opus Alfa: deixar
a criatividade aflorar e fazer de sua curta, mas importante história, algo
singular. Foram importantes para a música de seu país, para o Uruguai, em um
momento em que tudo era novo, embrionário e que precisava ser desbravado.
Mas quase que imediatamente
após o lançamento de seu único álbum, em 1972, a banda decidiria o seu precoce
fim, em um comunicado público. Porém antes do derradeiro fim convoca se sus fãs
para um último show no Teatro del Círculo em 17 de julho de 1972.
O Opus Alfa traria conotações
política, mas indiretamente. Eles queriam tocar e a grande preocupação era se
tornar genuíno em sua música. Claro que o cenário político no Uruguai, bem como
na América Latina, suscitava um posicionamento mais firme e presente e a banda
era afetava, como muitos cidadãos em todas as esferas do pensamento, eram, mas
a música para o Opus Alfa era prioridade, bem como o comportamento humano
diante do cenário político que, sem sombra de dúvida, afetava a qualquer um que
vivia no Uruguai nos anos 1970.
Jorge Barral, Daniel Bertolone e Jorge Graf uniriam forças formando o power trio Días de Blues, com o qual alcançariam um sucesso ainda maior e que iria transcender fronteiras, obtendo sucesso em seu país, na Argentina e em praticamente toda a América Latina.
A Logística foi praticamente a
mesma do Opus Alfa: o mesmo estúdio e o mesmo engenheiro de som, mas a música e
a sua execução, eram distintas em relação ao Opus Alfa. Com o Días de Blues a
ênfase estava a forma de tocar. Os caras entraram em estado de transe, em uma
dimensão diferente e muito poderosa para conceber os seus primeiros trabalhos.
A banda fez muitos shows e
gravou mais álbuns alavancando, ainda mais, a carreira desses músicos, para
outros projetos que viriam a participar. Jesús Figueroa desenvolveria uma
carreira solo de sucesso gravando dois álbuns pelo selo Sondor: "Jesús con
Todos" e "Mágica Fuente".
A banda:
Daniel Bertolone na guitarra,
flauta e vocal
Jorge Barral no baixo, violão
e guitarra
Jesús Figueroa no vocal
Atilano Losada nos teclados e
violino
Jorge Graf na bateria
Faixas:
1- Blues de mi Ciudad
2- Ilusión
3- Vamos Mal. Ah no!
4- El Hueco de mi Soledad
5- Miel y Humo
6- Padre
7- Destino de Mis Pasos
8- Tanguez
9- Calma de un Día
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