quinta-feira, 20 de junho de 2024

Opus Alfa - Opus Alfa (1972)

 

Estamos habituados, por uma questão mercadológica, de marketing, a ouvir bandas e álbuns oriundos da Inglaterra e Estados Unidos, majoritariamente. É fato que são grandes centros que produziram e ainda produzem, bandas e logo a indústria vira seus olhos para esses mercados. Mas não podemos negligenciar os países que, mesmo imersos em uma condição underground de mercado, gozam de uma riqueza cultural musical enorme.

O Uruguai, por exemplo, embora tenha uma pequena extensão territorial tem uma prolífica história no rock n’ roll construindo uma cena excelente, sobretudo nos anos 1970, até mesmo intensificada por um clima político de opressão que certamente, mesmo diante de uma censura, serviu de inspiração para os músicos e bandas marginais e de espírito contestador.

Mas apesar de uma cena rica, naquela época estava em um status de “promissora” e, quando deu os primeiros passos, dependia das pessoas abastadas que traziam da Europa, sobretudo da Inglaterra e também dos Estados Unidos, justamente os mercados mais rentáveis da música, os discos que acabavam compartilhando com os amigos. Esse era o “download” daquela época!

Ao longo dos anos a cena “encorpava” e se fazia aparecer. Alguns músicos, inspirados, além do sistema político, e pelas bandas internacionais, formavam suas primeiras bandas de garagem e esboçavam seus primeiros acordes e assim despertou interesse de alguns selos, muitos deles começando também as suas trajetórias.

E, diante de tantas bandas que surgiram, muitas delas obscuras e undergrounds, uma se destacou por uma sonoridade tão singular, tão exótica, tão forte, que merece uma menção, mesmo que tenha tido uma efêmera história: Falo do OPUS ALFA.

Opus Alfa

O Opus Alfa surgiu na capital Montevidéu, em meados dos anos 1960 e teve, como espinha dorsal, dois caras importantes para a construção sonora da banda e que, no futuro, com os seus diversos projetos musicais, tornaram-se essenciais para o rock uruguaio: Jorge “Flaco” Barral, baixista e guitarrista, e Daniel Bertolone, guitarrista, flautista e vocalista.

Apesar da banda ter sido fundada em 1970, Daniel e Flaco já tinham alguma reputação na música, tocando, cada um deles, pelo menos, em pouco mais de cinco ou seis bandas e levaram para o Opus Alfa o arcabouço musical diverso necessário para a construção da identidade sonora da banda.

Daniel Bertolone

Flaco Barral

Mas os primórdios do Opus Alfa traziam músicas covers de bandas americanas e principalmente inglesas, como Jimi Hendrix, Cream, entre outras que executavam o hard psych, além de um embrionário prog rock que estava ganhando alguma notoriedade na Inglaterra. E a transição para as músicas autorais se deu graças a entrada de Flaco Barral à banda.

Ele entrou para o Opus Alfa quando a banda já existia e a condição que ele impôs ao entrar na banda, além de tocar baixo, era que fizessem as suas próprias músicas. E com isso um novo capítulo da banda foi inaugurada. 

Bertolone, que esteve desde o início do Opus Alfa, começou em uma banda que tinha como baterista o Daniel Crapuccet. Eles tocavam no início músicas dos Beatles e Rolling Stones e depois descobriram o psych rock. Tanto Bertolone quanto Crapuccet passaram a gostar desse tipo de música e formaram juntos o Opus Alfa, que tinha Jose Luis no baixo. Essa foi a primeira formação do Opus Alfa.

Porém essa formação não teve vida longa, tendo a seção rítmica a que mais sofreu mudanças, porque Jose Luis foi para os Estados Unidos e Daniel Crapuccet que decidiu formar a sua própria banda, entrando, por volta de março de 1971, Jorge “Flaco” Barral, no baixo, e Jorge Graf, na bateria e percussão, Atilano Losada, nos teclados e violinos, além de Jesús Figueroa nos vocais. Foi neste ponto da história do Opus Alfa a intenção em gravar músicas autorais e com letras em espanhol.

Opus Alfa em 1971

Mas a formação original se apresentou muito antes dessa reformulação no line up da banda em casas de shows pequenas com seus repertórios covers e quando Flaco Barral e os demais músicos entraram na banda, foi necessário um tempo para ensaiarem com a nova formação, até porque estavam compondo material novo, antes de gravar o seu debut, o único lançado em 1972, homônimo.

E falando em gravação de álbum, o processo, para variar, de contratação do Opus Alfa por um selo foi um pouco demorado. A gravadora “De la Planta” foi a que contratou, no fim das contas, o Opus Alfa e foi uma das mais importantes daquela época no Uruguai, porque reunia as bandas progressivas da cena uruguaia. Um dos sócios foi talvez o maior engenheiro de som do Uruguai, chamado Carlos Piriz e que era engenheiro de som nos estúdios ION, de Buenos Aires, na Argentna, sendo dirigida por Koyo Abuchja, que era guitarrista rítmico de uma banda uruguaia famosa chamada Los Delfines.

Esse se tornou um diferencial, ou seja, essa relação com estúdios argentinos, pois tinham uma infraestrutura muito melhor que a dos estúdios do Uruguai, mas para ter o resultado satisfatório na produção custaria para o Opus Alfa um processo corrido na gravação de seu primeiro trabalho em 1972. Quando foram contratados, receberam de Carlos Piriz as passagens aéreas de ida e volta de Buenos Aires, além de estadias em hotel, para gravar o álbum. Mas os únicos dias que Piriz tinha disponível em estúdio era sábado e domingo, então a banda, que precisava gravar seu álbum, e também de um ótimo engenheiro de som, gravou, em apenas dois dias o seu debut, ou seja, tempo curtíssimo e impensado para os dias atuais. 

O Opus Alfa lançou seu primeiro single, pelo selo “De la Planta”, com as músicas “Song for Kenny and the Children” e “Guest House. No dia 15 de dezembro de 1971 se apresentaram no Teatro Solís, em Montevidéu, algo que até então não era comum entre as bandas da cena rock à época. Tocou também em teatros, festas e salões de dança por todo o Uruguai, participando também do Festival BARock, em Buenos Aires, tudo antes de lançar seu trabalho único, em 1972.

“Opus Alfa” traz um trabalho poderoso de hard rock, com forte influência no blues e psicodelia, com vocais e guitarras lisérgicos, ácidos. Nota-se nuances progressivas também. Era o início da década de 1970 e várias vertentes hoje conhecidas e bem definidas naquela época ainda era embrionária e trafegava muito no experimentalismo, daí a “dificuldade” de classificar a sonoridade de uma banda e Opus Alfa se enquadrava nessa condição.

O álbum é inaugurado com a faixa “Blues de Mi Ciudad” e como nome sugere, o blues rock impera, com a “cozinha” ditando o ritmo e uma camada generosa de teclados que entrega algo mais psicodélico a música, tendo, inclusive, alguns solos chapantes, ácidos. Os vocais, imponentes, traz a cereja do bolo meio bluesy à faixa. O destaque também fica para os solos envolventes, que acalenta e nos faz dançar em um clima mesmerizante.

"Blues de Mi Ciudad"

“Ilusión” começa acústica, ao dedilhado discreto e suave de um violão, com um fundo contemplativo, de orquestra, com um vocal límpido, vivo. Segue uma vibe meio folk, com uma pegada mais psicodélica. Segue com “Vamos Mal. Ah No!” que mete o pé na porta e vem com um petardo, um volumoso hard rock tipicamente dos anos 1970. O vocal, antes límpido e melódico, vem mais rasgado, tendo como base os riffs poderosos de guitarra, bateria marcada em uma batida forte e baixo pulsante. E quando surge o solo da guitarra é que a música ganha em volume, em peso! Os instrumentos se convergem para essa explosiva condição.

"Vamos Mal. Ah No!"

“El Hueco de Mi Soledad” chega sombria, estranha. A guitarra “chora”, melancólica, com solos curtos, e me remete a um blues antigo, triste e ainda traz um violino discreto que entrega uma textura ainda mais soturna. Aos poucos a guitarra fica mais ácida, mais lisérgica, a música vai aumentando o tom, gradativamente, vai ficando mais pesada e drástica, quase dramática. Cheia de nuances, sem dúvida uma das melhores faixas do álbum.

"El Hueco de Mi Soledad"

“Miel y Humo” continua na proposta mais para balada rock, com a pegada meio bluesy, que alterna entre a leveza e o peso, caracterizado pelos riffs de guitarra e a bateria marcada. O solo de guitarra é mais elaborado e complexo e tem como base o blues rock.

"Miel Y Humo"

“Padre” começa com uma abordagem mais prog rock e mais psicodélica, um tanto quanto introspectiva. Os teclados trazem uma textura mais contemplativa. Vocais “rivalizam” com a flauta, a “cozinha”, mais uma vez, dita o ritmo.

"Padre"

“Destino de Mis Pasos” é quase executada à capela. O vocal, mais austero e limpo, parece ainda mais grave e consensual. O violão, ao fundo, traz uma pegada acústica e folk. Logo a bateria e o hammond dão uma versão mais viva da faixa, também psicodélica. Violinos são ouvidos e dão uma sensação mais “viajante” à música.

"Destino de Mis Pasos"

“Tanguez” vem inteiramente psicodélica, carregada nos teclados, com vocais mais dramáticos, melódicos e melancólicos. Não sou adepto das comparações, mas me remete aos primórdios do The Doors, que traz também aquele “tempero” mais sombrio.

"Tanguez"

E fecha com “Calma de um Dia” que retorna à potência do hard rock, com solos iniciais de guitarra que vem pesado e solar. Mas tem uma vibe mais comercial, diria mais radiofônica, mas sem soar ruim e plástico. Pelo contrário: é pesado, é alegre e intenso.

"Calma de um dia"

As palavras, em algumas entrevistas que pude ler de alguns integrantes do Opus Alfa, espalhadas pela grande rede, sintetizam o que é o álbum e o momento do rock n’ roll em todo o mundo: “Queríamos experimentar!" Essa era a razão de ser do Opus Alfa: deixar a criatividade aflorar e fazer de sua curta, mas importante história, algo singular. Foram importantes para a música de seu país, para o Uruguai, em um momento em que tudo era novo, embrionário e que precisava ser desbravado.

Mas quase que imediatamente após o lançamento de seu único álbum, em 1972, a banda decidiria o seu precoce fim, em um comunicado público. Porém antes do derradeiro fim convoca se sus fãs para um último show no Teatro del Círculo em 17 de julho de 1972.

Opus Alfa em 1972

O Opus Alfa traria conotações política, mas indiretamente. Eles queriam tocar e a grande preocupação era se tornar genuíno em sua música. Claro que o cenário político no Uruguai, bem como na América Latina, suscitava um posicionamento mais firme e presente e a banda era afetava, como muitos cidadãos em todas as esferas do pensamento, eram, mas a música para o Opus Alfa era prioridade, bem como o comportamento humano diante do cenário político que, sem sombra de dúvida, afetava a qualquer um que vivia no Uruguai nos anos 1970.

Jorge Barral, Daniel Bertolone e Jorge Graf uniriam forças formando o power trio Días de Blues, com o qual alcançariam um sucesso ainda maior e que iria transcender fronteiras, obtendo sucesso em seu país, na Argentina e em praticamente toda a América Latina.

"Dias de Blues" (1972)

A Logística foi praticamente a mesma do Opus Alfa: o mesmo estúdio e o mesmo engenheiro de som, mas a música e a sua execução, eram distintas em relação ao Opus Alfa. Com o Días de Blues a ênfase estava a forma de tocar. Os caras entraram em estado de transe, em uma dimensão diferente e muito poderosa para conceber os seus primeiros trabalhos.

A banda fez muitos shows e gravou mais álbuns alavancando, ainda mais, a carreira desses músicos, para outros projetos que viriam a participar. Jesús Figueroa desenvolveria uma carreira solo de sucesso gravando dois álbuns pelo selo Sondor: "Jesús con Todos" e "Mágica Fuente".




A banda:

Daniel Bertolone na guitarra, flauta e vocal

Jorge Barral no baixo, violão e guitarra

Jesús Figueroa no vocal

Atilano Losada nos teclados e violino

Jorge Graf na bateria

 

Faixas:

1- Blues de mi Ciudad

2- Ilusión

3- Vamos Mal. Ah no!

4- El Hueco de mi Soledad

5- Miel y Humo

6- Padre

7- Destino de Mis Pasos

8- Tanguez

9- Calma de un Día



"Opus Alfa" (1972)

 







 






































 


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