Toda banda tem o seu lado
“dark side”, tem parte ou toda história relegada, esquecida pelo tempo, jogada
ao mais puro e total ostracismo. Muitos podem ser os motivos, talvez não seja
tão prudente elenca-los por aqui, mas o fato é que se o blog em que você, caro
e estimado leitor, está lendo, enaltece o fracasso, as bandas e seus trabalhos
vilipendiados.
E a banda que falaremos aqui
tem a sua importância que não é, creio, devidamente creditada, dentro da cena
har e prog da Itália com lançamentos verdadeiramente icônicos, podendo citar
álbuns do naipe de “La Bibbia”, debut de 1971, e o terceiro trabalho de 1973,
“Contaminazione”, que completou este ano de 2023, cinquenta anos de lançamento.
O primeiro é um avassalador
hard rock com pitadas progressivas que figura, sem sombra de dúvidas, como um
dos pioneiros do estilo na Itália e o segundo álbum mencionado é um excelente
álbum de progressivo sinfônico que está nos anais da vertente no “País da
Bota”.
E a partir daí passei, de
forma compulsiva, a buscar, ler, escrever e ouvir tudo do velho Il Rovescio
della Medaglia e a cada nova audição era um estupendo momento de êxtase. Sou fã?
Sim! Talvez tudo que eu vir a escrever sobre a banda neste humilde blog, soe como
algo questionador, pelo fato de ser um apreciador da banda, mas que nada! A
banda definitivamente é fantástica.
E, seguindo nessa discussão,
eu vou falar de um álbum que não é tão comentado e que é, por muitos
apreciadores do estilo, completamente dispensável e quiçá pelos próprios
músicos que foram parte da concepção deste trabalho. Falo do segundo álbum da
banda, o “Io Come Io”, de 1972, lançado pelo selo RCA.
Para muitos é um “álbum
menor”, que para muitos poderia ser excluído do catálogo da banda, da sua
discografia, mas quando o ouvi, pela primeira vez, seguindo aquelas audições
quando conheci o RDM, me desafiou, me instigou a entende-lo, a vê-lo de outras
formas, que não as convencionais no que tange as percepções da qualidade sonora
dos álbuns.
Estamos tão acostumados com
o progressivo associado à sofisticação, a músicas complexas, com melodias
intricadas, que quando se ouve a produção insipiente de “Io Come Io”, gera a
famosa rejeição de imediato.
Não se engane, caro leitor,
“Io Come Io” tem, a meu ver, todos os elementos que edificam o prog rock, mas é
sujo, é denso, intenso, pesado, beirando, em alguns momentos, algo
despretensioso, por isso o percebo como “garage rock”.
“Io Come Io” é um álbum
repleto de energia e, por mais que seja sombrio, é solar por esse fator, por
ser um trabalho frenético, apesar de apresentar gravações apressadas, o que impactou
na produção, mas os músicos são tão grandiosos que, o que se percebe é a
destreza dos seus instrumentos.
Não se sabe ao certo, mas
“Io Come Io” é um álbum conceitual e no encarte do LP original são citados
alguns versos do filósofo alemão Hegel, que diz:
“Na
filosofia, as determinações do conhecimento são consideradas não
unilateralmente, apenas como determinações das coisas, mas juntamente com o
conhecimento a que se referem...”
Ou seja, a “busca de si
mesmo em um mundo cheio de contradições”. “Io Come Io” é composta por quatro
partes principais, das quais as partes são divididas em movimentos. É
claramente estruturado com sua própria lógica lírica e instrumental, com as
partes mais dinâmicas colocadas no início e no final, e as mais “técnicas”
concentradas nos grooves. É um som
áspero, cinzelado, mas que realça a dinâmica de cada instrumento.
Antes de dissecar o álbum com as suas músicas,
acho extremamente conveniente expor um pouco da história, dos primórdios do Il
Rovescio della Medaglia, mesmo que brevemente.
A banda foi formada em Roma
no final de 1970 e se chamava “Il Lombrichi”, mudando o nome para “Rovescio
Della Medaglia” com a entrada do vocalista Pino Ballarini, o terceiro, na
sucessão. A banda foi formada por Enzo Vita, guitarrista, pelo baixista Stefano
Urso e pelo baterista Gino Campoli.
O primeiro vocalista foi
Gianni Mereu, depois assumiu Sandro Falbo, da banda “Le Rivelazioni e logo
depois Pino Ballarini, que se mudou para Roma, vindo da região de Pescara, onde
tocou em bandas como “Nassa” e “Poema”. E a chegada de Ballarini trouxe também
a sorte, pois imediatamente a banda assinaria contrato com o selo RCA, isso em 1970,
para gravar um novo álbum, que viria a ser o grande “La Bibbia”, um ano depois,
em 1971.
A faixa de abertura é “Io” começa com um som de gongo, anunciando a bateria e guitarra que criam uma atmosfera densa, soturna e perigosa. A música e a letra evocam visões estranhas, deliciosamente estranhas. Coisas e pessoas, lugares e sentimentos parecem atravessar a névoa do tempo, algumas memórias de experiências passadas, sombras, segredos da vida, o conceito entre velho e novo. O protagonista se vê desafiado pela vida e morte. E a música parece imprimir esse conceito, pois traz peso, complexidade, vivacidade, mas envolto em sombras.
"Você
diz que tudo que eu que te disse é verdade / Mas tenho medo quando você diz que
não sabe como é bom morrer!"...
“Fenomeno é uma longa faixa dividida em duas partes, “Proiezione” e “Rappresentazione”. Começa um padrão dedilhado de violão que são quebrados por riffs pesados e poderosos de guitarra. A música e letra evocam a imagem do protagonista perdido em uma estrada misteriosa, vagando sem a menor ideia tentando, de forma desespera, entender o que é falso e verdadeiro.
"O mundo em sua volta é vazio, sem vida, de manhã não há sol, a noite não há lua. O protagonista pode ver uma luz e alguém o chama, uma porta se abre para ele."
E com isso a música acalma, mas de repente
o ritmo intensifica, aumenta, vai ficando mais frenético.
A excelente e catártica “Non
Io” começa com um delicado arpejo de violão e notas crescentes de flauta. A
atmosfera é pacífica, viajante, contemplativa. A música e a letra retratam a
nova consciência do protagonista, que pode ver seus últimos dias se
desenrolando atrás dele. Ele passa a odiar as coisas materiais e reflete os
verdadeiros da vida. Nus, descalços, os protagonistas querem ir onde o céu
termina e o mar começa em busca de ideais que não podem desaparecer com o tempo
como a beleza ou a riqueza.
"Ainda
quero seguir o meu caminho, onde o céu se junta o mar / Deixando sozinho atrás
de mim aquele homem que não tem verdade...".
A última e derradeira faixa
é “Io Come Io” e é dividida em duas partes intituladas “Divenire” e “Logica” e
marca a conquista da jornada interior do protagonista, encontrando finalmente a
luz, que arde nele como um sol que nunca morrerá. É uma faixa enérgica, solar,
que personifica o momento do personagem. Hammond, riffs de guitarra, seção
rítmica poderosa, faz dessa faixa algo intenso, sob o aspecto instrumental.
“Io Come Io” teve vários relançamentos, onde a
primeira foi em 1994 com 2.000 cópias, outra em 1999, também pela RCA com
apenas 500 cópias. Em 2004 foi a vez da BMG, em 2008 pela Sony/BMG e mais
tarde, em 2019, pelo selo RCA/Mondadori.
“Io Come Io” definitivamente
vem do mesmo galho que “La Bibbia”, porém aumenta o quociente progressivo, mas
com uma roupagem um tanto quanto “garage”, algo alternativo, underground,
completamente em uma aversão ao mainstream progressivo, se é que é possível
dizer isso. Um hard rock psicodélico com aquele drama típico do rock
progressivo italiano!
A banda:
Pino Ballarini na voz,
flauta
Enzo Vita na guitarra
Stefano Urso nobaixo
Gino Campoli na bateria
Faixas
1 - Io
2 - Fenomeno
a) Proiezione
b) Rappresentazione
3 - Non Io
4 - Io come Io
a) Divenire
b) Logica
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