sábado, 25 de fevereiro de 2023

Il Tempio delle Clesside - Il Tempio delle Clesside (2010)

 

O flerte entre o passado e o presente no rock progressivo italiano pulsa, faz do futuro algo mais consistente, relevante, novo e seguro. A cena respira o frescor da contemporaneidade, a história é celebrada a cada banda que surge, a cada fã que a reverencia, o ciclo da riqueza sonora parece se renovar contemplando o clássico, a essência não está inerte, é viva e se renova a cada dia.

Os desbravadores e persistentes músicos e bandas dos anos 1970 deixaram um legado de verdade sonora muito eloquente e foram responsáveis por entregar o leme do barco da cena progressiva italiana para os jovens que, munidos da proposta e embebidos dela, navegaram por mares bravios, sim, mas domados fazendo da atual cena mais forte, mais intensa, vívida, plena, com bandas com uma sonoridade calcada nos tempos de outrora, mas olhando para as tendências dos novos tempos.

E quando esses tempos, essas “eras” se fundem? Seria possível gerações se darem as mãos e entregarem trabalhos consistentes e interessantes para o público? Diante do discurso acima seria fácil e, convenhamos que é fácil sim, principalmente quando falamos do rock progressivo italiano. O velho e o novo que, em muitas situações da vida, são tratados como água e vinho, de uma forma tão separada e divergente, se convergem quando a Itália progressiva é a pauta. E temos um exemplo emblemático para a história dessa cena. Um case de sucesso, de crítica e público, que se atende pelo nome de IL TEMPIO DELLE CLESSIDE.

Il Tempio delle Clesside

Definitivamente a banda Il Tempio delle Clesside  é um grande e bem sucedido exemplo do casamento entre o novo e o clássico. A banda foi formada em Gênova no ano de 2006 por dois jovens músicos, a tecladista Elisa Montaldo e o baixista Gabriele Guidi Colombi, estes oriundos da banda Hidebehind.

Elisa convidou para o posto de vocalista nada menos do que Stefano “Lupo” Galifi, da clássica banda obscura Museo Rosenbach. A ideia original era tocar o debut do Museo, “Zarathustra” ao vivo com seu original vocalista com novos arranjos, tanto que o nome da banda vem de uma das partes da suíte da faixa deste álbum clássico, “Zarathustra”, “Il Tempio dele Clessidre”.

Stefano "Lupo" Galifi

Uma verdadeira homenagem a década de 1970 com novas roupagens. Em 2007 algumas performances ao vivo começaram a acontecer com belos shows, a química parecia ser muito grande, a banda estava entrosada, então decidiram compor músicas novas, um material novo para um novo álbum.

Então, em setembro de 2010, o álbum autointitulado foi lançado pelo selo emblemático “Black Widow Records”. Um trabalho ambicioso, importante e com altas dosagens de aventura, uma aventura sonora que, repleto de audácia, porque trazia, de forma intencional, além de propostas setentistas, uma música mais contemporânea, moderna.

Para este álbum de 2010, homônimo, a banda teve algumas modificações em seu line-up e contou com Stefano Galifi no vocal, Elisa Montaldo no teclado e hammond, Giulio Canepa na guitarra, Fábio Gremo no baixo e Paolo Tixi na bateria, com Antonio Fantinuoli no cello e Max Manfredi na narração, na faixa 7. Gabriele Guidi Colombi, que tinha formado, juntamente com Elisa, a banda, a deixou antes do lançamento do debut do Il Tempio delle Clesside.

Para confirmar o quanto a banda é versátil e competente, o trabalho da arte gráfica, da capa do álbum contou com Maurilio Tavormina na arte, Fabio Gremo na concepção e Elisa e Andrea Montaldo no logo da banda. Em contato com Elisa, antes da concepção desta resenha, que nos brindou com valiosas informações sobre o álbum, diz que o mesmo tem o conceito geral, a ideia do tempo: “Tempo como o elemento que domina a vida dos seres humanos (até mesmo a capa simboliza o destino e o tempo), onde os homens estão em constante luta para dominar o tempo e como ele regula os nossos aspectos da vida”.

Apesar de um projeto audacioso, Elisa disse que a gravação do álbum fora longo e complicado, pois, além dos poucos recursos disponíveis, a composição, arranjo e gravação das músicas tiveram um conceito “vintage”, mas com muita paixão e criatividade. Assim é o álbum: com referências ao metal, mas muito melódico, sinfônico, jovem, robusto, clássico, remetendo a bandas como Il Balletto di Bronzo, Yes, Gentle Giant e é claro Museo Rosenbach.

A música encontrada em “Il Tempio delle Clesside” é principalmente muito densa, pesada e altamente energética, com pausas instrumentais arrebatadoras e conduzida pelo órgão e pela guitarra, sendo tocados de maneira divertida, solar, mas sem esquecer o mellotron, mais clássico, dando um caráter “vintage”, mas sem soar datado. Trata-se de um hard rock, com pitadas generosas de um melódico com alto teor de dramaticidade capitaneado pelo vocal de Stefano “Lupo” Galifi. É denso sim, pesado também, mas de uma delicadeza singular. Em suma: este álbum é um misto de um rock mais pesado, com um prog “romântico” com sabor italiano e humores melancólicos e alegres.

Há umas citações de Elisa Montaldo, em outubro de 2010, para o emblemático e necessário site “Prog Archives” com a banda, em que ela fala sobre o processo de composição das músicas e das suas inspirações e que sintetiza perfeitamente com a concepção do álbum “Il Tempio delle Clesside”:

“Quando tenho inspiração, vou imediatamente para o piano e toco: a improvisação é a coisa mais importante para mim, componho música diretamente de minhas emoções, sonhos e ideias e tento traduzi-los em música... sons dos meus teclados para criar a cor do tom certo, e tentar emular os sons progressivos clássicos que eu amo (Mellotron, Chamberlin, órgão Hammond) As guitarras estão estritamente conectadas com os teclados em nossa música, elas são muito refinadas e versáteis, Giulio é um violonista muito bom e tem uma grande sensibilidade musical que torna os arranjos originais, bem equilibrados e em harmonia com o real sentido das composições."

Elisa Montaldo

O álbum abre com a instrumental “Verso l’Alba” apresentando o que será o álbum majoritariamente: uma sonoridade bem familiar do rock progressivo dos anos 1970, com um órgão profundo, sintetizador frenético, riffs poderosos de guitarra e um estilo marcado de bateria. “Insolita Parte Di Me” começa enérgica, contagiante, forte e abre alas em para o vocal límpido de Galifi, em uma faixa melódica. Não se pode negligenciar também as camadas de teclados incríveis de Montaldo, trazendo textura a sua sonoridade.

"Verso I'Alba" e "Insolita Parte Di Me" (Live)

“Boccadasse” traz linhas fortes de bateria e uma levada meio jazzística dando passagem para o vocal e destaque para o teclado de Elisa trazendo a “camada sonora” que a música precisa. É complexo, pois traz o hard rock em fusão com o rock progressivo remetendo ao Uriah Heep do passado.

"Boccadasse"

“Le Due Metá Della Notte” é certamente uma das mais belas faixas do álbum com a linda introdução de piano de Elisa e o vocal contemplativo de Galifi, um pouco da tradicional música italiana. 

"Le Due Metá Della Notte"

“La Stanza Nascosta” é uma balada triste e dramática marcando uma dupla infalível entre o vocal de Stefano e o piano de Elisa. É docemente melancólico, dramático e intenso, mesmo que sombria.

"La Stanza Nascosta"

“Danza Esoterica Di Datura” traz a obscuridade, além do tema, como também no som com destaque no piano clássico aliado ao peso dos riffs de guitarra. Traz, claro, texturas ricas em mellotron que preenchem as vozes sombrias e indulgentes de Galifi. E todo esse conjunto se torna pesado, arrogante, intenso e complexo, repleto de mudanças de tempo. “Faldistorium” vem com pratos de bateria, notas contundentes de sintetizador que oscilam, que vibram em vibrações cheia de energia e intensidade e tudo isso envolto em uma trama jazzística que logo é interrompida por solos de guitarra que remete aos anos 1970. Logo depois vem mellotrons que encharcam a sonoridade com um hard rock mais veemente.

"Danza Esoterica di Natura" e "Faldistorium" (Live)

“L’Attesa” começa com um órgão muito pesado, com uma guitarra elétrica com riffs pegajosos e poderosos que logo recuam para uma seção mais suave que abre para um vocal mais apaixonado e teatral de Stefano.

"L'Attesa" (Live)

A suíte “Il Centro Sottile” é épica, com passagens rítmicas virtuosas e com ricos instrumentais, onde a bateria, o baixo e o mellotron desmentem uma pretensa simplicidade e calma em seu andamento. O piano é incrivelmente brilhante revelando uma seção intensa e delicada, corroborando a riqueza instrumental dessa faixa, fechando claro, com a seção vocal dando um acabamento mais pesado e melódico.

"Il Centro Sottile" (Live)

E fecha com “Antidoto Mentale” com uma proposta mais sinfônica, mas que, por outro lado entrega algo meio pop, radiofônico, mas muito original e competente.

"Antidoto Mentale" (Live)

Il Tempio dele Clessidre traz o presente, agradecendo ao passado, sem soar datado criando uma diretriz e um caminho para o futuro. A banda, sem sombra de dúvida, representa o que há de melhor na nova cena progressiva da Itália, porque respeito os desbravadores do passado, mas que também impõe a sua sonoridade arrojada e contemporânea. Não há fim, começo, meio, apenas música, música de qualidade.

A banda seguiu seu caminho sem o vocalista Stefano “Lupo” Galifi que deixaria o Il Tempio delle Clesside para retomar voltar a sua banda de origem, o Museo Rosenbach para a concepção de um novo projeto, um novo álbum que ganhou luz em 2013, o bom álbum “Barbarica”, de 2013. Elisa Montaldo e companhia gravaria, também em 2013, o seu segundo álbum chamado “AlieNatura” com um novo vocalista, o Francesco Ciapica e gravando, em 2017, o seu terceiro e último álbum de estúdio, o “Il-Lūdĕre”.



A banda:

Stefano "Lupo" Galifi no vocal

Giulio Canepa na guitarra

Elisa Montaldo no piano, no órgão, nos teclados e vocais

Fabio Gremo no baixo

Paolo Tixi no bateria

 

Faixas:

1 - Verso l'Alba

2 - Insolita Parte di Me

3 - Boccadasse

4 - Le Due Metà della Notte

5 - La Stanza Nascosta

6 - Danza Esoterica di Datura

7 - Faldistorium

8 - L'Attesa

9 - Il Centro Sottile

10 - Antidoto Mentale 



"Il Tempio delle Clesside" (2010)



 

























 


 


 




5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Ótimo resenha, sempre direto, dando luz a ignorância (meu caso).
    Linda capa, dá vontade de comprar e fazer um quadro.
    Bruno, fico sempre desconfiado, quando o artista diz que não havia muitos recursos para a feitura do trabalho, sempre penso que pode ser uma forma de autovalorização. O que você acha disso e principalmente no caso da Elisa?
    Abraços!

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    1. Obrigado amigo por ler! Agradeço pelos elogios! Quanto a pergunta, quando um músico diz que não teve recursos para a produção de sua obra e vendo, analisando, claro, a história, a trajetória da banda, é verdade! Vide as bandas de rock progressivo dos anos 1970 no Brasil, por exemplo. Não tinham recursos, tecnologia para gravar seus álbuns e ainda assim edificam verdadeiros clássicos, referências para o rock brasileiro que ainda insistem em dizer que só os anos 1980 foram relevantes e precursores. Agora se existem casos de supervalorização para esses casos eu não sei, mas acredito ser facilmente descoberto pelas histórias da concepção do álbum, como onde foi gravado, em que condições, tamanho estrutural dos selos (gravadoras) etc. No caso da Elisa Montaldo e sua banda, ela, a banda, surgiu, mais ou menos com esses preceitos, pois se trata de uma banda underground na Itália, mas em plenos anos 2000, os recursos tecnológicos, penso, são maiores e mais acessíveis para quem tem minimamente um capital inicial para investir. A Black Widow Records, gravadora emblemática italiana, quem cedeu seus estúdios para a produção desse álbum. se dedica, de forma arrebatadora, às bandas alternativas italianas, então, por lá, ainda tem músicos, fãs e executivos de gravadoras, sejam elas pequenas ou grandes, que são abnegados pela cena progressiva daquele país. Espero ter exposto as minhas opiniões acerca de sua pergunta! Obrigado, mais uma vez, por ler!

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  3. Olá, Bruno!
    Entendo e concordo com sua análise, minha única ponderação é na comparação entre os países.
    No Brasil era bem díficil sequer comprar uma guitarra de qualidade, somente na Europa ou EUA. Por isso fico com o "pé atrás" quando bandas da Europa usam esse argumento. Não digo que todos são ricos, mas não sei se é a mesma coisa ou parecido. Enfim.

    É impressionante a quantidade de bandas com qualidade que saem do submundo da música, principalmente na Europa.

    abraços!!!

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    1. Claro que países como Itália, Alemanha, Inglaterra a realidade econômica, por exemplo, é outra, comparativamente falando com países onde a miséria impera, como o Brasil, por exemplo. Mas há realidade, histórias contadas por músicos que, independentemente do país que saiu, que são parecidas ou até iguais. Falemos, para ilustrar, do Ozzy Osbourne e dos caras do Sabbath que são oriundos de uma região fabril e de classe operariada na Inglaterra chamada Birmingham. Conta o mesmo em vários documentos da banda ou do próprio que o primeiro cachê que recebeu com as vendas do primeiro álbum, que comprou alguns pares de meia, roupas e perfume, porque cheirava mal por não ter água encanada em casa. E a essas realidades estruturais, que começam no "berço", no seio familiar, precisamos, penso, inserir uma premissa mercadológica, onde a indústria parte do princípio de que precisa aferir lucro em detrimento da arte sendo produzida. Se uma música não for "digerível" para o mercado, esqueça! Vamos engavetar o projeto como de muitos álbuns que aqui resenhei que foram redescobertos décadas depois. Então apesar de termos realidades distintas sob o aspecto socio-econômico entre alguns países, o fomento a alguns nichos do rock n' roll, a determinadas cenas são ínfimas, insuficientes, ou seja, penso que, quando falam que não há espaço e fomento às suas músicas é porque de fato o cenário é esse. Claro que na Itália, por exemplo, há uma vertente valorização e união de todos os grupos de interesse ao rock progressivo com "safras" cada vez mais prolíficas de bandas, porque existe um público, ávido e fiel que "consome" essa música, enquanto no Brasil, por exemplo, além da cena ser desunida, as bandas estão cada vez mais carentes de oferta de shows, por falta de estrutura e interesse dos executivos de gravadoras e produtores de eventos.

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