A cena progressiva italiana
não é marcada apenas pelas bandas sinfônicas e vocalistas passionais em um alto
tom de dramaticidade, embora não podemos negligenciar que tal vertente foi a
edificação do bom e velho prog rock italiano. Nós temos, naquelas bandas, uma
cena que, mesmo vilipendiada e esquecida, vive e respira, mesmo que a duras
penas, sem o menor tipo de apoio e compreensão pela indústria fonográfica,
desde sempre e os ardorosos fãs de rock progressivo, que o dark prog.
Eu não sei, ao certo, se
existe esta terminologia, mas penso que é maid do que adequada para trazer
materialização a bandas como Goblin, por exemplo, que elevou o nível do dark
prog italiano e que, depois de persistir, perseverar por décadas e décadas
conseguiu notoriedade não apenas na Itália, mas em outros países que abraçam
intensamente a cena espalhados pelo planeta progressivo.
O real é que a cena
progressiva dark é formada por pequenos guetos, como todo o occult rock, em
todas as vertentes sonoras e que hoje, discretamente vem ganhando algum espaço,
muito graças a bandas como o Ghost que atualmente até grammy sueco, de onde foi
formada, já ganhou. É uma banda que está no mainstream, goza de grande
popularidade, mas que ainda mantém a chama do occult rock que foi responsável
pela construção de sua música lá para o fim da primeira década dos anos 2000.
O fato é que a cena do
progressivo oculto, apesar de escanteada desde sempre, tem bandas que, mesmo
esquecidas, tiveram a sua importância quanto ao seu pioneirismo e mesmo que muitas
dessas bandas mais recentes, como o próprio Ghost, mencionada aqui neste texto,
não fale abertamente, sobre algumas referências, não há como não observar, como
perceber a presença, em seu som, de bandas como o Goblin, entre tantas outras
como Blue Oyster Cult, Alice Cooper, Kiss, Mercyful Fate, entre tantas outras.
Mas até mesmo o grande e
icônico Goblin, com seus anos e anos de estrada também tem, claro, as suas
influências e só existe porque outras poucas bandas que o antecederam,
sobretudo na Itália, criaram um conceito sonoro, criaram uma base que viria a
se tornar definitiva ontem hoje e, sem sombra de dúvida, sempre. São legados
que, mesmo reinando na penumbra do esquecimento, se torna referência, porque
desbravaram o estilo no estado bruto de sua existência. Falo de bandas como
Jacula e Antonius Rex. Já ouviram falar nessas bandas? Não?
E aos desavisados que não conhecem tais bandas, que foram os responsáveis pelo “big bang” do dark prog na Itália e quiçá no planeta, lá para o final dos anos 1960, teve, como mente pensante e importância, a cargo do guitarrista, compositor e mente brilhante Antônio Bartoccetti.
Bartoccetti esteve à frente
em vários projetos, em diversas bandas que, pelo norte da Itália, ajudaram a
caracterizar o som da Itália progressiva, quando sequer existia direito um som
progressivo, diante do modismo do beat italiano. E lá estava Bartoccetti e seus
poucos amigos que faziam uma música arrojada e incompreendida desde sempre.
Mas o cume da sua história
musical foi com o Jacula, criada em Milão, no final dos anos 1960, mais
precisamente no ano de 1969. Poucos meses depois de sua fundação, Bartoccetti,
ao lado de Fiamma Dallo Spirito (voz, violino e flauta), Doris Norton (bateria)
e Charles Tiring (teclados), Antonius, como era conhecido, lançou o álbum “In
Cauda Semper Stat Venenum”, o qual saiu em uma edição limitada de 300 cópias
apenas, um álbum cunhado “artesanalmente”, diria. Esse álbum foi produzido em
Londres e foram distribuídas apenas entre os produtores, donos das gravadoras,
a banda e algumas seitas que Bartoccetti seguia e tinham como base para
construir as letras de suas músicas.
A sonoridade, arrojada e
totalmente nova, era baseada em composições voltadas para o órgão de igreja
que, apesar de erudito, trazia um tom extremamente sombrio e novo no rock, bem
como guitarras distorcidas, ao estilo, pasmem Black Metal, onde consideram o
Jacula como o pai do Black Metal tão conhecido na Noruega.
Mas o sombrio não fica no
conteúdo sonoro não, mas também na arte gráfica deste clássico álbum do dark
prog, mostrando uma imagem em preto e branco, de um homem comendo pedaços de um
cadáver dentro de um cemitério! Não tem como associar às capas de Black Metal,
daquelas mais conhecidas lançadas na década de 1990, período de seu auge, não
é?
O segundo álbum do Jacula
foi “Tardo Pede In Magiam Versus”, de 1971, também lançado em número limitado
de cópias (cerca de 1.000) e por um selo até hoje desconhecido e isso parece
ter sido uma constante em toda a história de produção de Bartocccetti. Este
trabalho também contou com Norton agora nos vocais e sintetizadores, além de
Tiring e da adição de Albert Goodman (bateria), este LP destaca mais a guitarra
distorcida e o violino.
A capa de “Tardo Pede in
Magiam Versus” é a mesma de “In Cauda Semper Stat Venenum”, porém no formato
colorido e, para variar, acabou causando muita revolta na Itália, sendo
censurado. Lamentável, não é?
O Jacula se desintegrou, mas
Bartoccetti não parou, fundando o grupo Invisible Force, ao lado do eterno
colega Charles Tiring, Elisabeth d’Esperance (voz) e Peter McDonald (bateria),
com os quais lançou os singles “Morti Vident” e “1999 Mundi Finis”, ambos em
1971. A linha é similar ao que apareceu no segundo disco do Jacula.
O Invisible Force mudou de
nome, adotando Dietro Noi Deserto, trazendo Bartoccetti no baixo ao lado de
Luciano Lura (voz, órgão), Luciano Quaggia (guitarra) e Mauro Baldassari
(bateria), que lançou os singles “Dentro Me” e “Aiuto”, canções mais voltadas
para o rock clássico italiano do que para o progressivo.
Mas essa introdução toda é
para falar de outra banda que humildemente considero como a pedra fundamental da
história do dark prog italiano e mundial e que proporcionou Bartoccetti e
companhia investir mais na versatilidade de sons e sonoridades, experimentando
mais. Falo do ANTONIUS REX, banda esta alvo da resenha de hoje.
Levou o seu nome, como o
cara que sempre esteve no comando, a liderança das concepções do som seja do
Jacula como também do Antonius Rex. Mas contou com o apoio, sempre
incondicional, de Doris Norton, nos teclados e vocais, além do baterista Albert
Goodman. “Neque Semper Arcum Tendit Rex”, gravado em 1974, primeiro álbum da banda, é
tido, por muitos, como um primeiro álbum solo de Antônio Bartoccetti, mas
considero como um álbum de banda, de todos os envolvidos, como Doris Norton e
Goodman e, como não mencionar essas figuras tão importantes?
Mas o álbum não fora lançado
naquele ano de 1974, tudo novamente por causa da arte da capa e do seu conteúdo
e dessa vez foi a gravadora “Vertigo” que achou a capa ultrajante, porque
continha uma mensagem “diabólica” do século XVII e algumas letras fortes,
principalmente na faixa “Devil Letter”, o álbum foi engavetado. Depois desse
revés tentou lança-lo pelo selo do baterista Albert Goodman, “Darkness”, mas nunca
passou por uma questão promocional.
Então somente em 1977 o Antonius Rex conseguiu, à duras penas, lançar o que é considerado o seu primeiro álbum lançado oficialmente: “Zora”. E será esse o álbum a ser comentado, a ser resenhado. “Zora” foi lançado pelo pequeno selo “Tickle” e, para manter o estilo Bartoccetti de ser, com uma capa para lá de excelente e pouco ortodoxa, para a nossa alegria.
Apresenta uma linda bruxa
quase nua, com os seios de fora, chicoteando caveiras que estão tocando um
concerto em um navio prestes a afundar. Mas também, para variar, gerou repulsa
entre os conservadores de plantão, tendo uma nova capa diferente e mais
“comportada” no ano seguinte com uma capa diferente, tendo apenas uma pequena
imagem de uma das caveiras. O resto, tudo em preto contendo apenas o nome da
banda e do álbum.
“Zora” traz a mente
inquietante e criativa de Antônio Bartoccetti, sem sombra de dúvida. É fato que
trazem à memória o seu trabalho anterior, sobretudo como o Jacula, mas já se
observava coisas novas, uma sonoridade mais experimental sim, mas voltada para
um progressivo que, no ano em que foi concebido “Zora”, estava mais do que
consolidado, apesar de pouco popular, que na realidade, convenhamos, sempre,
mas piorou com o surgimento comercial do punk e disco music.
Outro fato interessante é
que, quando busquei as referências históricas do álbum e da banda o álbum é
tido como fraco e pouco inspirador. Claro e evidente que não podemos criticar e
desrespeitar as opiniões alheias, afinal, as opiniões são particulares, mas o
que eu não concordo é com algumas alegações de que a linha de Bartoccetti muda
muito e fica longe da proposta do Jacula.
Mas é por isso que o álbum,
em minha opinião, ganha em qualidade e importância, pois apesar de tais
mudanças, o Antonius Rex assume uma um caráter de banda progressiva, mas ainda
com a essência obscura e temática ocultista e aquela sonoridade ameaçadora e
perigosa, mas com muito mais substância, riqueza em suas melodias e harmonia.
O álbum abre com “The Gnome” mostra um sintetizador, sempre em destaque, fazendo um som de vento, em uma bateria meio dance e uma linha de baixo envolvente tendo uma estrutura pesada, densa no sentido dark, obscuro da palavra, e ainda tem o vocal de Bartocelli bem melódico.
“Necromancer” mostra um rock progressivo mais estruturado, com vocais mais melancólicos com destaque nos teclados dando aquela atmosfera densa e uma guitarra com riffs e solos duros e ameaçadores. No transcorrer da música o que se percebe é um jazz fusion com um destaque instrumental impressionante.
“Spiritualist Seance” é um épico que tem na
melodia sustentada pelos teclados, a sua importância. Com um vocal feminino a
música ganha um clima ainda mais pesado, graças também a guitarra alucinada de
Bartocelli.
“Zora” assume um progressivo
mais convencional com melodias intricadas e muitas passagens. O teclado sempre
presente, o violão dedilhado, uma música frenética e progressiva excelente.
O álbum fecha com “Morte Al Potere” que tem a guitarra pegando fogo em uma sequência pesada de riffs e solos com melodias acessíveis, mas sempre com aquela atmosfera dark.
“Zora” e Antonius Rex mostram o lado negro e necessário do progressivo italiano que, apesar de desprezados pelos fãs puristas, faz desta banda e da cena a qual criou e faz parte algo rico e diferente, especial. O Antonious Rex seguia com mudanças em sua sonoridade, tendendo para o rock progressivo com músicas melancólicas, complexas e obscuras. Recomendo também o seu álbum “Ralefun”, onde você pode ler a resenha aqui, sucessor de “Zora”, de 1979.
O Antonius Rex seguiu sua carreira, mudando de formação, mas consolidando a sua história no dark prog italiano e encorpando também a sua história discográfica lançando “Anno Demoni”, de 1979 e “Praeternatural”, 1980. Na primeira década dos anos 2000, com muita dificuldade, mas com muita persistência, voltou a ativa, lançando mais dois álbuns: ”Magic Ritual”, de 2005 e “Switch on the Dark”, de 2006.
Em 2009 foi o ano de
lançamento de “Per Viam”, um álbum que marcou também a volta do Jacula. Neste
mesmo ano “Zora” foi agraciado com um lançamento comemorativo, apresentando a
inédita “Monstery” e resgatando a famosa capa da bruxa nua. O último trabalho
do Antonius Rex foi o álbum, de 2013, chamado “Hystero Demonopathy”.
A banda:
Antonio Bartoccetti na
guitarra e vocal
Doris Norton nos teclados
Albert Goodman na bateria
Faixas:
1 - The Gnome
2 - Necromancer
3 - Spiritualist Seance
4 - Zora
5 - Morte al Potere
Excelente matéria sobre um dos mais injustiçados grupos da música progressiva. Obrigado.
ResponderExcluirAmigo Alex eu que agradeço pelos elogios, por ter lido a resenha! Concordo com você! Banda injustiçada, banda vilipendiada e que foi responsável ou uma das responsáveis pela criação de uma vertente no rock muito importante: o occult rock! Obrigado!
ExcluirMais uma perola de publicação. Não conheço. Conferindo. Obrigado.
ResponderExcluirFala João Luiz!
ExcluirEspero que tenha curtido o Antonius Rex! Um pouco de dark prog italiano!