Nunca escondi as minhas
predileções pelas bandas que nunca se renderam aos estereótipos da música. Sabe
aquele rótulo, aquele carimbo de banda predominantemente de hard rock, prog
rock etc?
Evidente que muitas bandas
conquistaram seus status de grande por ter sido desbravadoras nas suas
vertentes sonoras, mas quando falamos, por exemplo, nos prolíficos anos 1970,
não há como uma banda competente e talentosa que não tenha se rendido a alguns
estilos que tiveram seu nascimento e aperfeiçoamento naqueles áureos anos para
o rock n’ roll.
E a minha frenética e
intensa busca por essas relíquias e riquezas sonoras têm sido deveras
interessantes e no universo das bandas obscuras e raras é o que mais encontramos
com tais características. Acredito que são obscuras e pouco conhecidas por
conta dessa condicionante, entre outros fatores, é claro.
E conheci uma banda na
história que refleti fielmente essa característica e digo mais: os seus
primeiros dois álbuns, de apenas três em sua discografia, apenas, para retratar
duas bandas diferentes. Para alguns mais conservadores diriam que essa banda,
em especial, seria descaracterizada e totalmente perdida no que tange a sua
orientação sonora. Eu diria que são músicos, criativamente falando, inquietos e
que deixam aflorar as suas inspirações. Falo da banda PROCESSION.
No caso do Procession além
das inquietudes criativas e da capacidade instrumental de seus músicos, outras
necessidades determinaram algumas mudanças no rumo de sua música ao longo da
primeira metade dos anos 1970 e essas necessidades têm nascedouro em questões
comerciais e monetárias.
O Procession foi formado na
cidade de Turim, na Itália, em 1971 e como tantas bandas que não tem o mínimo
de apoio e respaldo pela indústria fonográfica para a sua arte, foi
persistente, foi determinada para chegar ao topo vendendo a sua música,
entregando as suas verdades sonoras e em 1972, lançou o seu debut chamado
“Frontiera”.
E falando em persistência,
talento e arte, “Frontiera” é considerado como um audacioso e corajoso trabalho
e sem dúvida alguma é tido como um dos primeiros álbuns de hard rock lançado na
Itália. E assim o é! Pesado, forte, intenso, visceral, pode ser entendido
facilmente como um álbum que elevou o nível da música pesada na Itália, mesmo
que não tenha sido o primeiro a ser concebido com essas arestas na terra da
bota.
E mesmo sendo um pesado
álbum de rock foi construído sob a proposta conceitual, falando, como sugere o
nome do trabalho, sobre a questão da imigração na Itália, falando, em especial
dos sulistas indo para as regiões do norte do país.
Mas a pequena gravadora do
Procession à época, a “Help” (uma subsidiária da RCA que também lançou o
primeiro álbum de Quella Vecchia Locanda) estava falindo e, para variar, as
cifras das vendas de “Frontiera” estava muito aquém do que os executivos do
selo e dos músicos da banda do que projetaram.
Então a banda decidiu que
iria se submeter a algumas mudanças e elas foram drásticas, radicais! Cerca de
2/5 da banda permaneceu para o próximo projeto que viria ganhar a luz apenas
dois anos depois do lançamento de seu primeiro álbum, o “Frontiera”
A formação do Procession
quando conceberam “Frontiera” tinha: Gianfranco Gaza no vocal, harpa de boca,
Roby Munciguerra na guitarra, Marcello Capra também na guitarra, Angelo Girardi
no baixo, bandolim e Giancarlo Capello na bateria, percussão.
A banda, que tinha dois
guitarristas, passa a ter apenas um, permanecendo Roby e saindo Capra. Gaza, o
vocalista, continuou na banda e teve uma mudança que para muitos foi bem
significativa para a sua sonoridade, com a entrada de Maurizio Gianotti no
saxofone e flauta, além da saída do baterista Capello sem nenhuma substituição
com outro baterista de forma efetiva no “cargo”. E foi basicamente com esse
time que o Procession retornaria aos estúdios para gravar o seu segundo álbum
chamado “Fiaba”, em 1974, alvo de minha resenha de hoje.
“Fiaba”, lançado agora pelo
selo “Fonit” ganha outra roupagem totalmente distinta do que o seu antecessor,
o “Frontiera”: assume um untuoso progressivo sinfônico, com algumas nuances de
hard rock, mas os teclados, flautas, sax e muito violão acústico alternavam com
algo jazzístico e até para o folk rock, inclusive. Traziam influências do
progressivo sinfônico que reinava na Itália em meados dos anos 1970, com algo
de progressivo britânico sem soar cópia ou algo que valha.
E para essa empreitada, o
Procession contou com grandes músicos convidados, que são: Francesco
"Froggio" Francica na bateria, percussão, ele tocava na grande banda Raccomandata
con Ricevuta di Ritorno, Franco Fernandez e Ettore Vigo nos teclados, esse
último era da banda Delirium, além dos vocais excelentes de Silvana Aliotta, da
até então recém-aposentada banda Circus 2000, em uma das faixas do álbum. A
banda contou ainda, nos shows, com os serviços de Roberto Balocco, ex- Capsicum
Red, na bateria.
Embora “Fiaba” tenha trazido
grandes novidades em sua textura sonora em relação a “Frontiera” a banda tentou
e conseguiu levar em “Fiaba” um belo contraponto entre o peso do hard rock com
a complexidade e leveza do prog sinfônico entre a guitarra de Roby Munciguerra
e a parte mais suave, digamos, representado pela flauta de Maurizio Gianotti
que contrapõe delicadamente a textura harmônica completa com uma duplicação das
notas.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Uomini Di Vento” que traz um folk rock bem solar, animado com acústico
dedilhando rapidamente um solo de guitarra mais pesado desde o seu início, logo
se desenvolvendo para um hard rock que rememora “Frontiera”. Tem uma ótima
linha de baixo, pulsante e vivo com bateria marcada, com vocais que harmonizam
com um belo som de guitarra crua e que logo se contrapõe a solos de flauta e
saxofone.
E segue com “Un Mondo
Sprecato” que começa com violão, vocal suave e sax em uma boa melodia, mas o
baixo é entusiástico e interessante, pulsa fortemente, com um solo de guitarra
meio “uivante” que logo é desafiado por um saxofone duro e intenso, mas o
mellotron acalma tudo. O vocal é muito agradável nessa linda faixa.
"C'era Una Volta” tem
uma sensação jazzística com uma longa e linda introdução de saxofone com os
pratos da bateria e um baixo ao fundo. Entra um vocal bem energético e
ensolarado, com um solo de guitarra muito suave à distância. O desempenho vocal
de Silvana Aliotta, do Circus 2000, é irretocável.
"Nottorno" começa
com uma seção fantástica de flautas e pratos acústicos, criando uma sensação
melancólica. Isso continua por algum tempo até que o ritmo aumenta com alguns
solos espaciais, uma faixa muito eficaz e paciente.
"Il Volo Della
Paura" tem um bonito inicio em violão e flauta, logo depois entra um
saxofone muito bem executado até o fim com a presença da guitarra e um ótimo
vocal.
E fecha com a faixa título,
“Fiaba” é pura felicidade sinfônica com mellotron, flautas, acústico, baixo
animado e bateria mantendo as coisas bombando.
Com o lançamento de “Fiaba”
o Procession se manteve bem em algumas apresentações ao vivo, fazendo alguns
shows, não muitos, a vida das bandas pouco conhecidas na Itália, além das
adversidades político-partidárias acirradas no país naquela época dificultava
um pouco a vida das bandas que precisavam dos shows para promover seus
trabalhos.
E mais uma vez o Procession
não conseguia, mesmo com a qualidade sonora elevada de seus dois primeiros
álbuns, alavancar, sob o aspecto comercial, o nome da banda forçando,
lamentavelmente, o fim triste e precoce da banda no ano de 1975.
O vocalista Gianfranco Gaza,
após o fim do Procession, colaborou com a banda Arti & Mestieri em seu
segundo álbum, de 1975, chamado “Giro Di Valzer Per Domani”, deixando a cena
musical logo depois e falecendo em 1986.
O guitarrista original
Marcello Capra, após deixar o Procession e tocar com Tito Schipa Jr., lançou alguns
álbuns em 1978, 1998 e 1999, principalmente trabalhos solo de violão. O
saxofonista Maurizio Gianotti mais tarde tocou com a banda de jazz-rock Combo
Jazz.
Uma nova formação do
Procession foi formada por Roby Munciguerra para alguns shows em 2006, com
Samuele Alletto no vocal, flauta, Stefano Carrara nos teclados e violão, Enzo
Martin no baixo e Max Aimone na bateria, anteriormente com Venegoni & Cia.
Esta formação lançou um novo
álbum em 2007, intitulado “Esplorare”, que inclui novas gravações de quase
todos os álbuns originais do grupo, “Frontiera” e “Fiaba”, além de uma faixa
inédita.
A mesma gravadora que lançou
este álbum do Procession, a “Eletromântica”, produziu no final de 2012, um
álbum ao vivo com a gravação inédita de um show no Lio Club de Chieri,
intitulado “9 gennaio 1972” , quando a banda ainda tocava covers de nomes como
Atomic Rooster, Free e Jethro Tull.
Uma banda que ousou por
necessidade de se tornar grande, sob o aspecto comercial, mas que, mesmo não
tendo atingindo o ápice do sucesso das paradas, se mostrou extremamente
relevante, gigante e importante para o desenho da história do rock italiano.
“Fiaba”, “Frontiera” e o Procession são indispensáveis para a história do hard
prog italiano.
A banda:
Gianfranco Gaza / vocal
Roby Munciguerra / guitarras
Maurizio Gianotti /
saxofones tenor e alto, flauta
Paolo D'Angelo / baixo
Com:
Francesco
"Froggio" Francica / bateria, percussão
Franco Fernandez / teclados
(2,6)
Ettore Vigo / teclados (3)
Silvana Aliotta / vocal (3)
Faixas:
1 - Uomini Di Vento
2 - Un Mondo Sprecato
3 - C'era Una Volta
4 - Notturno
5 - Il Volo Della Paura
6 - Fiaba
Audição de "Fiaba":
https://youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lrsOiiQ4M9VIKfqTH3_kjRn06dpJL5Y2M
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