Muitos trabalhos, muitos
álbuns se perderam nos anos 1960 e 1970, sejam pela incompreensão de sua
música, muitas delas nessas épocas, embrionárias e logo de difícil digestão, e
consequentemente a rejeição pela indústria fonográfica. O número de bandas parece
ser interminável, muitas caem na obscuridade, são esquecidas, trafegam no
ostracismo, tendem a desaparecer, não vingam.
Mas não se enganem caros
leitores que questões como essa são de ordem da qualidade, ou melhor, da falta
de qualidade. Claro que temos bandas ruins nesse rol, mas acredite que os
álbuns e as bandas são incríveis, o som revolucionário, de vanguarda, por isso
esse blog existe: para tentar difundir a história e, sobretudo o som dessas
bandas vilipendiadas.
E a banda de hoje é o
exemplo fiel e contundente do esquecimento, por conta da incompreensão de sua
textura sonora e do consequente esquecimento. Chama-se PLUS e surgiu na
Inglaterra na transição dos anos 1960 e 1970, férteis para o rock n’ roll e
suas vertentes mais importantes e significativas.
A sua história, a formação da banda, quase tudo está envolta em uma camada nebulosa, escura, obscura mesmo, misteriosa, o que aguça ainda mais o interesse, admito. Eles lançaram apenas um álbum. Eles nunca fizeram um show, nunca se apresentou em lugar algum, não há registro disso, pelo menos.
Não tocaram em nenhuma rádio à época,
não tiveram nenhum tipo de publicidade, na imprensa, absolutamente nada. Então
se pode dizer que não teria longevidade, sobretudo por este aspecto mais
comercial.
Mas ao ouvir “The Seven
Deadly Sins”, lançado em 1969, entrega uma joia, uma pérola, de uma
singularidade sonora, complexa, flertando com inúmeros estilos que no final da
década de 1960 eram apenas maquetes, estavam começando, sendo construída. Definitivamente
o Plus foi um fracasso comercial, estava de fato fadado a esse fim, mas ainda
assim esteve muito a frente do seu tempo por conta deste clássico obscuro.
Mas os mistérios não terminam por aí. Até mesmo a formação da banda traz dúvidas. Não há fotos dos músicos e parece que nem todos foram creditados no álbum. Conta com os irmãos Newman, Tony, na guitarra e Mike, na bateria, além de Max Simms no baixo.
A
única parte conhecida dessa história obscura é o ex-baixista e produtor do The
Yardbirds, Simon Napier-Bell que apadrinhou os músicos mencionados e que também
ajudou a compor metade do álbum, cerca de seis músicas, aproximadamente, além
de Ray Singer, este último foi um cantor de bandas nos anos 1960, e mais tarde
ajudou a iniciar as carreiras de pessoas como David Sylvian, Japan e Joan
Armatrading. Napier-Bell foi e é um empresário que gerenciou The Yardbirds,
Marc Bolan e T Rex, Ultravox, Wham! , e, por um tempo o Asia.
Ouvindo algumas faixas de
“The Seven Deadly Sins” nota-se a presença de vocalistas, um coro inteiro, às
vezes, além de piano, órgão, violinos, violoncelos etc. levando a crer que se
trata mais de um trabalho dos produtores, do Napier-Bell e Ray Singer do que da
própria banda, embora os irmãos Newman sejam creditados com alguma importância,
tendo criado a outra metade das músicas contidas no álbum.
“The Seven Deadly Sins” é um
álbum conceitual e como o título sugere (tradução literal significa: “Os Sete
Pecados Capitais”), fala claro, sobre os pecados capitais. Isso está evidente
também na arte gráfica. A capa do disco é gritante nesse sentido com a cruz ao
centro e sete pessoas com indumentárias denotando um forte viés religioso
sinalizando uma missa católica.
“The Seven Deadly Sins” foi
concebido, inspirado na peça homônima de Bertolt Brecht e também diante de um
cenário um tanto quanto badalado, do interesse renovado do público para com a
religião ligado ao rock n’ roll ou algo mais, diria, arrojado, desse conceito,
sobretudo devido a peça teatral “Jesus Christ Superstar” e do álbum do Electric
Prunes chamado “Mass in F. Minor”.
E quando falamos em
obscuridade, mas trazendo uma revolução sonora, carregada de vanguardismo, é
porque “The Seven Deadly Sins” é um álbum conceitual baseado nos setes pecados
capital com um toque sombrio, obscuro, estranho, docemente estranho e que, em
1969 era uma novidade, afinal poucas bandas se aventuravam nessa proposta de
construção de álbum. Poucos foram lançados, como “Tommy”, do The Who, por
exemplo.
“The Deadly Seven Sins” traz
uma variedade sonora, um mix de sons que faz deste trabalho único e importante,
onde podemos destacar uma lisergia psicodélica, no ápice em 1969, com seções de
hard rock envolto em uma camada bem experimental, com temperos de jazz rock e
blues. Um álbum versátil, complexo e poderoso.
O disco começa com a faixa Introit: "Twenty Thousand People" que soa como algo soturno e distante, um feitiço
evocado por um padre de uma belíssima estranheza. Traz um vocal melancólico e
comercial, algo melódico e marcante aos ouvidos com uma bela sequência de piano
e um solo de guitarra com muita personalidade, diria até mesmo pesada.
Na sequência temos “Gloria In Excelsis: Toccata” começa com "Toccata i fugą d-mol" de Bach, que depois de um tempo se transforma suavemente em uma melodia simples, um rock direto e que evolui para uma entonação coral dos pecados capitais, escrita por Napier-Bell e Singer, que pode ser ouvida em uma igreja local. O texto foi ligeiramente atualizado para se adequar ao tema abrangente.
Escrita pelos irmãos Newman,
Avarice: "Daddy's Thing" abre com interessantes sons clássicos de
viola, mas quando os teclados e a guitarra aparecem, a faixa se transforma em
um hard rock intenso e viril. Ao ouví-la me faz lembrar uma faixa mais
acessível, mais comercial, pop, diria, dos anos 1960, tais como Beatles, por
exemplo.
“Pride: Pride” soa como uma
balada também ao mesmo estilo Beatles, com um viés mais acessível aos ouvidos,
mas com um caráter mais soturno, mais desafiador nesse quesito, um som
belíssimo, mas extremamente obscuro.
Sloth: "Open Up Your
Eyes" é outra faixa de rock com um baixo forte de Simms, super pulsante,
que traz uma pegada meio funk, meio dançante diria, com pitadas experimentais e
um dos melhores solos de guitarra de Tony Newman.
“Wrath: Gemegemera” traz de
volta o peso e algo um tanto quanto perturbador remetendo aos primórdios da
música pesada com o choro de uma criança e os gritos de torcedores de futebol,
com um baixo poderoso e esmagador que entrega o tempero da música com a cozinha
poderosa e a bateria dando o ritmo também.
Uma voz maníaca gritando
"Vire seus olhos!" é precedido por um curto canto gregoriano, e então
The Secrets: "Devil's Hymn" se transforma em uma música pitoresca com
a uma atmosférica jazzística, é definitivamente sublime e diabólica, ao mesmo
tempo, é de sentir arrepios e faz com o conceito harmonize plenamente com a
música.
“Lust: Maybe You're The
Same” soa como aquelas músicas sessentistas do The Who, cheia de toques pop,
mas com muito brilho, força e intensidade e ótimas harmonias vocais. Uma bela
faixa!
Envy: "I'm Talking As A Friend" é outra
joia! Excelente
faixa que introduz com uma atmosfera meio experimental, um som meio minimalista
mas que irrompe em uma balada pop ao som de um violão acústico tocado
magistralmente.
“Gluttony: Something To
Threaten Your Family” inicia um som dissonante do violino trazendo uma
atmosfera sombria que nos faz lembrar um filme de terror em seu ápice de sustos
e mortes, mas a guitarra acústica e boas harmonias vocais contrabalanceiam com
o som apocalíptico em uma balada rock.
“The Dismissal: Twenty
Thousand People” fecha o álbum com uma proposta experimental aliado ao peso do
hard rock, com viagens psicodélicas e progressivas e sintetiza a proposta
complexa e versátil do álbum.
“The Seven Deadly Sins” criada em seu tempo, mas que rompeu com todos os seus paradigmas, foi algo arrojado, singular, espetacular. A música é impressionante, apesar de esquecida e obscura, cercada de mistério e fatores desconhecidos. A seção rítmica é enérgica, intensa, eclética, em um período de experimentalismo e ode à criatividade.
Eis aqui neste álbum um exemplo sincero da precursão do rock
progressivo que conhecemos hoje. É inusitado, é interessante, pois colocou o
rock n’ roll, meio que em voga nesta fase transitória de décadas, em um patamar
popular e de construção do conceito de sua música valorizando a letra, as
composições, a história.
O que era pouco digerível na época, talvez seja esse um dos fatores do seu ostracismo, “The Seven Deadly Sins” conseguir trafegar no obscuro e pop com uma ponte experimental como poucos conseguiram produzir à época. Os músicos sumiram, a banda finalizou, deixou de existir, mas talvez ela tenha surgido com um tempo de vida já determinado, com um fim estipulado, um projeto talvez.
Porém, pela sua
representatividade sonora, ganhou a eternidade e a referência para várias
vertentes sonoras de que tanto amamos hoje. Segundo informações, 30 anos depois
de seu lançamento o álbum fora relançado, mas não há registros de que isso
tenha sido de fato verdade. Altamente recomendado!
A banda:
Tony Newman na guitarra
Mike Newman na bateria
Max Simms no baixo
Faixas:
1 - Introit: Twenty Thousand People
2 - Gloria In Excelsis: Toccata
3 - Avarice: Daddy's Thing
4 - Pride: Pride
5 - Sloth: Open Up Your Eyes
6 - Wrath: Gemegemera
7 - The Secrets: Devil's Hymn (instrumental)
8 - Lust: Maybe You're The Same
9 - Envy: I'm Talking As a Friend
10 - Gluttony: Something To Threaten Your Family
11 - The Dismissal: Twenty
Thousand People
Minha sincera admiração por seu rico vocabulário textual, só quem é entusiasta e angariador de cultura musical tenta ter a iniciática para compreender as entrelinhas ocultas desses registros. Caí de paraquedas no blog por forças cósmicas que transcendem nossa consciência física transitória e por aqui fiquei embriagado com tantos achados preciosos. Que os budas da era de aquário nos favoreçam sempre ! Todas as tardes meus cafés com cravo e canela estão valendo a pena com essas leituras no blog. Parabéns egrégora !
ResponderExcluirPoxa vida que palavras fantásticas e extremamente edificantes! São verdadeiros estímulos para quem desbrava e escreve sobre essas bandas vilipendiadas, esquecidas. Obrigado por ter lido, obrigado pelas palavras de carinho! Espero que continue explorando todo o conteúdo do blog. Abraço!
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