quinta-feira, 31 de março de 2022

Blue Phantom - Distortions (1971)

 


A banda que abrilhantará esta resenha faz jus ao conceito deste relés e humilde blog. Uma banda obscura, que pouco se sabe a respeito que sequer tem imagens, fotos ou registro histórico de seus músicos.

É só mesmo a Itália para proporcionar esse momento único de enaltecer a cena obscura do rock n’ roll que geralmente produzem verdadeiras pérolas indispensáveis para a audição de apreciadores do estilo.

Parece que a cena italiana é interminável. Grandiosa não só na dimensão qualitativa, mas quantitativa também. Por mais que sejam antigas trazem a novidade para o nosso rol, para a nossa história de bandas que conhecemos, é o velho novo.

Então como disse essa banda é obscura e talvez não possa ser considerada como uma banda que aspirasse a intenção de ter ou seguir uma carreira, construir uma história discográfica, mas um projeto que foi concebido, estudado e que teria fim quando atingisse seu êxito que era, evidente, da gravação dessas músicas.

A banda se chamava BLUE PHANTOM com o lançamento de seu único trabalho chamado “Distortions”, de 1971. Trata-se de um álbum que fora concebido por um compositor chamado Armando Sciascia que assinava seus trabalhos com um pseudônimo: “H. Tical”.

Sciascia, além de compositor, era produtor e editor de filmes italianos nos anos 1960 e também foi fundador do selo, da gravadora “Vedette Records”, onde o álbum foi gravado. Na tiragem original, em LP, consta que “Distortions” foi gravado pela subsidiária da Vedette Records, a “Spider Records”.

Armando Sciacia (H. Tical)

E aqui cabe uma breve história de Armando Sciascia e da sua gravadora e que muito pode explicar a razão de ser do Blue Phantom. Após turnês bem sucedidas pela Europa com a sua orquestra e uma série impressionante de gravações com a Fonit Cetra, então a grande gravadora da Itália na década de 1960, H.Tical formou a “Vedette Records” com sede em Milão, que acabou se tornando um importante selo que abrigou música clássica, jazz e repertório étnico em vários selos que logo foram distribuídos mundialmente.

A Vedette tornou-se a primeira gravadroa para, entre outros, The Equipe 84, the Pooh, Inti-Illimani, e depois incluindo Giorgio Gaber e o distribuidor italiano para toda a Elektra, gravadora norte americana, incluindo The Doors.

Os estúdios de gravação de Vedette também serviram como laboratórios de música experimental não apenas para música eletrônica, mas onde alguns dos melhores músicos de jazz e estúdio da Itália frequentemente se reuniam para sessões improvisadas ou gravações ao vivo.



E acredita-se que, como base na filosofia da Vedette Records pode se delinear a proposta do Blue Phantom e o motivo pelo qual os músicos responsáveis pela concepção de “Distortions” não serem creditados, pois provavelmente se tratavam de músicos de estúdio que passeavam, transitavam pela gravadora fazendo trabalhos de improvisação, de jazz rock, progressivo e psicodelia, música para jovens, de vanguarda à época.

Foi a partir dessas músicas improvisadas e espontâneas que o Blue Phantom nasceu, surgiu e podemos descrevê-la como uma das primeiras gravações, dos primeiros registros bem sucedidos do que se convencionou chamar de “heavy rock psicodélico” na Itália e o nome “Distortions” talvez explique o cerne da música dessa banda. É um som de pura distorção, lisérgico, experimental, com o peso dos riffs de guitarra, bateria pesada, o free jazz dava o tom para a construção dessa música.

E mesmo com a infinidade de aparelhos eletrônicos de hoje, a distorção do som já é uma prática normal e até comum, mas nos anos 1970, os músicos não tinham tal tecnologia à disposição, tudo ainda era muito rudimentar e ainda que o moog fosse um experimento e o digital algo distante e talvez inimaginável, o Blue Phantom produziu algo, diria, revolucionário e importante para a história da música. E os músicos sabiam o que estavam fazendo e sabiam também que a sua música seria discutida até os dias atuais, afinal música atemporal e de vanguarda é isso.

E aqui também cabe uma curiosidade: apesar de o álbum ser considerado obscuro e raro, “Distortions” foi distribuído não apenas na Itália, mas também no Reino Unido e na França. E com esse histórico profissional de Sciascia de ser editor e produtor de filmes italianos, grande parte das músicas de “Distortions” foram usadas como trilha sonora de um filme, de 1973, chamado “Sinner: Diary of a Nymphomaniac”, de Jess Franco, um pouco antes de bandas que ficou conhecida por gravar trilhas sonoras para filmes na Itália como o Goblin, por exemplo.

Quanto ao uso de “Distortions” no filme de Franco essa foi a decisão de seu editor na época, Gerard Kikoine. Muitos dos filmes de Franco que usaram a música de "Distortions", "Trafic Pop" e "Harlem Pop Trotters" foram produzidos por Robert de Nesle. Franco enviaria impressões silenciosas em preto e branco para Kikoine para trabalhar. A música foi sua escolha, pois ele tinha acesso a todas as gravações na época.

Reza a lenda que o nome da banda ou diria do projeto “Blue Phantom” foi cunhado, construído para dar mais visibilidade nas lojas de discos, principalmente por ser tratar de um álbum que raramente fora lançado para o público em geral.

O álbum é inaugurado por “Diodo” e começa em grande estilo para quem curte peso e muitos riffs de guitarra, porque essa faixa entrega exatamente isso: tudo isso envolto com uma textura frenética de teclados, com a bateria marcada e um baixo pulsante. Fantástica faixa!

"Diodo"

“Metamorphosis” baixa um pouco o tom pesadão da faixa anterior e segue para um caminho mais jazzístico, mas os riffs de guitarra continuam a temperar o contexto sonoro desta faixa, e variando entre o jazz e o hard rock, aparecendo, de forma gradativa, na música. Muito experimentalismo e improvisação têm nessa faixa.

"Metamorphosis"

“Microchaos” abre com o peso do rock em evidência com um viés caótico, tenso, frenético, com destaque para os riffs de guitarra e a bateria quebrando tudo sem perdão, com os teclados seguindo a mesma toada.

“Compression” traz algo de experimental, algo de progressivo de vanguarda, algo lisérgico, psicodélico, percebendo-se um pouco de Pink Floyd da era psicodélica, mesclado a tudo isso uma levada jazzy com a bateria seguindo essa tendência.

"Compression"

Segue com “Equilibrium” basicamente com a proposta da faixa anterior: lisérgica, ácida, experimental, em dados momentos, tendo o destaque para as teclas, para o moog e alguns ruídos eletrônicos que corroboram a sua condição experimental.

“Dipnoi” traz de volta o peso, a agressividade do hard rock, com uma curiosa velocidade digna de bandas de heavy metal oitentistas, uma base proto metal extremamente representativa, com alguns solos simples e diretos de guitarra, mas interessantes que lembram The Doors, inclusive.

"Dipnoi"

“Distillation” mantém o peso e a sua introdução nos remete ao peso da guitarra de bandas como Black Sabbath, por exemplo. Um riff obscuro, tenso, intenso e poderoso, mas aquela bateria com uma pegada jazzística, meio que envolta em muito peso, se faz perceber lindamente.

"Distillation"

“Violence” é inaugurado com uns ruídos estranhos e débeis, mas depois, gradativamente, a bateria aparece em destaque com riffs alucinados de guitarra e o frenesi se faz a partir daí. Peso, denso e poderosa são características dessa faixa.

Na sequência vem “Equivalence” com solos viajantes de guitarra ao estilo David Gilmour, curtos, mas bem executados, trazendo um clima psicodélico a música e bem contemplativa também. 

"Equivalence"

O álbum fecha com a faixa mais ácida de todas: “Psycho-Nebulous”. A guitarra torna-se uma das protagonistas dessa faixa com uma camada obscura e intrigante dos teclados, trazendo algum experimentalismo e algo relacionado a um prog rock bem interessante.

"Psycho-Nebulous"

“Distortions” de fato é um álbum, além de obscuro, sombrio, estranho, em grande parte do seu momento e isso pode se explicar pelo fato do mesmo ter sido concebido para ser uma trilha sonora para um filme de drama e isso não soa tão estranho olhando para esse prisma, afinal significa que toda a música evoca cenas ou situações, dentro do filme, estranhas e sombrias. 

“Distortions” levou muito tempo para ser relançado, tendo conquistado isso apenas em 2008. Um clássico obscuro extremamente versátil, complexo, tenso, intenso, frenético e de suma importância para a história do rock progressivo italiano, bem como outras vertentes que vai do jazz rock ao hard rock daquele país. É música de vanguarda, revolucionária e altamente recomendado.


A banda:

Não creditada.

Apenas com a composição e produtor de H. Tical (Armando Sciascia)

Faixas:

1 - Diodo

2 - Metamorphosis

3 - Microchaos

4 - Compression

5 - Equilibrium

6 - Dipnoi

7 - Distillation

8 - Violence

9 - Equivalence

10 - Psycho-Nebulous 


Blue Phantom - "Distortions" (1971)



















 


 




4 comentários:

  1. Confesso que não conhecia a banda, porém é sempre bom conhecer bandas novas, principalmente fora do eixo convencional.
    Esta banda trouxe muitos ingredientes que eu aprecio.
    Parabéns pela resenha, muito boa!

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    1. Meu amigo Raonny fico feliz que a banda, que o álbum te agradou, realmente ele traz alguns elementos sonoros que faz da banda versátil e, claro, excelente, mesmo sem ter sequer os nomes que conceberam esse trabalho. Obrigado pela mensagem!

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