sábado, 13 de setembro de 2025

Piel de Pueblo - Rock de Las Heridas (1972)

 

Final dos anos 1960 e início dos anos 1970. A América Latina ainda não tinha sido acometida pelos regimes totalitaristas e autoritários que mancharia de sangue as soberanias de seus principais países, colocando nas cordas, as suas democracias. Claro que, quando tais regimes foram instaurados, os músicos e as bandas de rock sofreram e muito para divulgar a sua arte, principalmente aquelas bandas, cujas letras, tinham um forte viés crítico.

E a Argentina, em especial, foi e, claro, ainda é, um celeiro para o rock n’ roll e também um cenário para a inspiração aos músicos que tinham um viés fortemente crítico, dado seu agitado e opressivo governo nos anos 1970 que fomentou um sombrio momento de total autoritarismo.

Evidentemente, meus caros e estimados leitores, que podemos citar uma enormidade de bandas que fizeram a história do rock argentino, principalmente nos anos 1970, com flertes no hard rock e prog rock, mas gostaria de falar de uma, em especial, que teve uma curta passagem por este mundo, mas, ainda assim deixou um legado para a música pesada daquele país: PIEL DE PUEBLO.

Piel de Pueblo

Para muitos ela não era conhecida e de fato não teve holofotes para a sua precoce e fugaz vida na cena rock da Argentina, mas aqui neste reles e humilde blog, as bandas e/ou projetos “fracassados” tem vez e por aqui a abnegação por difundi-las é imensa, porque apesar da pouca fama, deixou uma marca importante para a história do hard rock argentino com seu único álbum, lançado em 1972, chamado “Rock de las Heridas”.

Porém antes de falar de seu seminal álbum, convém trazer à tona a história por trás do Piel de Pueblo que, ao contrário da banda, fez fama, não só no rock n’ roll, mas em outras vertentes culturais: falo de Alberto Ramón Garcia, conhecido como “Pajarito Zaguri”, que esteve à frente da fundação do Piel de Pueblo, na virada de 1971 para 1972, e era músico, compositor e ator.

Pajarito Zaguri deu seus primeiros passos musicais, em meados dos anos 1950, mais precisamente em 1956, na banda “Los Shabaduba”. Em 1966 foi co-fundador de uma banda importante da Argentina, chamada ” Los Beatniks”. Mas durou pouco tempo e, com a sua dissolução, em 1969, se apresentou com algumas bandas em um curto período de tempo, como “Los Náufragos” e “La Barra de Chocolate”.

Quando Zaguri deixa a banda La Barra de Chocolate, desejava criar um projeto mais ousado, trazendo uma versão mais pesada a sua música, com uma pegada blues rock e de viés politizado e para a empreitada convoca seu antigo companheiro de La Barra de Chocolate e Los Beatniks, o guitarrista Nacho Smilari, que também teve uma breve passagem pela banda “Vox Dei”, após a saída de Juan Carlos Godoy e junto com Willy Pedemonte no baixo e Carlos Calabró na bateria, criariam o “Piel de Pueblo”. Tem a participação de Héctor López Fürst, músico de jazz e ex-integrante da banda “Los Blue Strings”.

Pajarito Zaguri

Banda formada, o Piel de Pueblo não demora muito para lançar seu debut, em 1972, o “Rock de Las Heridas”, pelo selo “Disc Jockey”. O único trabalho da banda entrega riffs contundentes e guitarras fuzz. As músicas são explosivas, com uma guitarra ácida, lisérgica, atingindo um som áspero, pesado, agressivo, mas com uma composição cuidadosa e dinâmica. Um hard rock típico, com passagens de blues rock, solos elétricos e estridentes que, pela mão de Smilari, constrói suas boas e instigantes passagens psicodélicas e que se somam as letras de mensagens poderosas de Zaguri, contribuindo para temas políticos, sociais e espirituais, dando um toque especial a este álbum que, além de mostrar a qualidade e o engajamento de seus músicos, revela também essa condição na estética, na arte gráfica do álbum, mostrando o sol a chorar e a Terra envolta em sangue.


Para se dimensionar o cerne poético das letras desse álbum, segue um trecho de uma das músicas e o quão impactante é, onde a reflexão e a atemporalidade se faz presente:

"Todo o tempo que você perdeu ontem

Recupere-o pensando hoje

Porque é hora de você saber ver

O que está acontecendo ao seu redor

O silêncio que eu faço é

Um som ensurdecedor

De uma voz que tem muita sede

De uma pele que quer ver o sol

Cara, você não quer ver

Cego você está em seu ser"

O álbum é inaugurado com a faixa “Silencio Para Um Pueblo Dormido”, composta por Pajarito Zaguri, entrega um ritmo instigante e hipnótico, produzido pelo baixo cujas notas se tornam caóticas, obsessivas e agressivo, bem agressivo. A bateria é pesada e as guitarras, freneticamente, não param de dedilhar, nos quase cinco minutos de duração da música. Riffs poderosos e desconcertantes que corroboram a sua condição de peso.

"Silencio Para Un Pueblo Dormido"

Segue com "La Tierra En 998 Pedazos", do baixista Willy Pedemonte, é indiscutivelmente a música mais complexa do álbum, com mais de nova minutos de duração traz o mais genuíno hard rock e proto metal. As arestas do heavy metal argentino se encontram nessa faixa. A letra ressalta a discussão atemporal do meio ambiente e o cenário de degradação desta. As guitarras da dupla Zaguri e Smilari dilaceram o ouvinte sem nenhuma piedade, com riffs pesados e solos de tirar o fôlego, dando apenas uma pausa no meio da música. Espetacular música!

"La Tierra en 998 Pedazos"

"Jugando a Las Palabras", composta pela dupla Pajarito e Smilari, mostra um viés psicodélico e ácida, sobretudo na forma como esta sensação dupla dedilha suas guitarras. Aqui a sintonia é perfeita, onde mostram os seus domínios com as seis cordas. É pesada, densa, sombria, viva!

"Jugando a Las Palabras"

"Por Tener Un Poco Más", composta por Carlos Calabró e Pajarito, mostra um lado mais progressivo, algo de sofisticado é percebida, é sentido. Embora as guitarras ainda estejam muito presentes, o que uma predominância de todo o álbum, é o violino que dá uma atmosfera mais progressivo, mais contemplativo. Uma “audácia” concebida pela banda diante de um álbum cujo hard rock impera!

"Por Tener Un Poco Más"

“Sexo Galáctico”, de Willy Pedemonte, traz o retorno à hiperatividade das guitarras que, de forma pesada e agressiva, traz uma verdadeira hecatombe sonora revelando a veia do hard rock e do heavy rock, com uma seção rítmica intensa, agressiva e cheia de groove.

"Sexo Galáctico"

“La Palida de Nacho” inicia uma sequência avassaladora de uma pegada hard e heavy, uma sequência poderosa atestando o DNA desse álbum calcado na música pesada e todas compostas pelo excelente Pajarito Zaguri. Assim o é “Vien Amigo a La Zapada” e fecha com a também pesada, mas com nuances bem “temperadas” de blues rock a última faixa: “El Rockito de La Bufanda”.

"La Palida de Nacho"

“Rock de Las Heridas” não teve o impacto, a repercussão esperada à época e o Piel de Pueblo, precocemente, se separou no mesmo ano do lançamento de seu único trabalho, ainda em 1972. Nacho Smilari juntamente com Carlos Calabró formariam a banda “Cuero”, no ano seguinte, 1973. Já Willy Pedemonte iria tocar guitarra com “Miguel Cantilo y Grupo Sur”. Pajarito Zaguri se reuniria com Rocky Rodriguez, produzindo o álbum “Salgan del Camino”, em 1973, com a banda “Rockal y La Cria”. Gravou um single chamado “El Pampero Libertad/Copado y Colocado, com ajuda de Alejandro Media e membros da banda “La Pesada”.

Em maio de 1975 Zaguri gravaria músicas com Kubero Díaz, se reencontraria com seu antigo companheiro de Piel de Pueblo, Willy Pedemonte, Topo Dáloisio (ex-Diplodocum Red and Brown), Gastón Cubillas (ex-Grupo Sur) e Guillermo Migoya que foram finalmente lançadas no LP de 1976, "Pájaro y La Murga del Rock & Roll", onde Pappo toca órgão em "Intentando Los Blues" e também piano em "El Vago Del Oeste". Pajarito Zaguri morreria de câncer em abril de 2013, em sua casa, em Buenos Aires.

“Rock de Las Heridas” teria um lançamento, pelo selo Disc Jockey, no mesmo ano, 1972, na Bolívia e um ano depois, pela gravadora Asfona, no Chile, todos no formato “LP”. Já em 1977, pelo selo Samantha, o álbum foi relançado em 1977 na Argentina, no formato “LP”. E somente em 2002, pela gravadora La Ciruela Electrica, mais um relançamento, também em “LP”, na Argentina.

O que torna “Rock de Las Heridas” especial, atraente, diria, é, acima de tudo, que os seus integrantes fazem sob o aspecto instrumental que é espetacular. São solos de tirar o fôlego, “produzidos” quase que sem parar e de uma forma diferente uns dos outros. Algo caótico, mas milimetricamente calculado. Este trabalho do Piel de Pueblo é recomendado para os ardorosos fãs de hard rock e até mesmo de heavy metal, aos que que curtem música pesada, bem como aqueles que se identificam com letras de músicas de protesto e de cunho social aguçado. Um álbum pouco conhecido, de uma banda obscura? Sim! Mas que deixa, quando se ouve, a percepção de que se trata, ainda assim, de um álbum divisor de águas para a história pesada, não somente na Argentina, mas em toda a América Latina.


A banda:

Alberto Ramón Garcia (Pajarito Zaguri) na guitarra e vocal

Carlos Calabró na bateria

Ignacio Smilari na guitarra

Willy Pedemonte no baixo


Com: 

Hector Lopez no violino


 

Faixas:

1 - Silencio para un Pueblo Dormido

2 - La Tierra en 998 Pedazos

3 - Jugando a las Palabras

4 - Para Tener un Poco Mas

5 - Sexo Galáctico

6 - La Palida de Nacho

7 - Veni Amigo a la Zapada

8 - El Rockito de la Bufonada




"Rock de Las Heridas" (1972)

































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