Final dos anos 1960 e início
dos anos 1970. A América Latina ainda não tinha sido acometida pelos regimes
totalitaristas e autoritários que mancharia de sangue as soberanias de seus
principais países, colocando nas cordas, as suas democracias. Claro que, quando
tais regimes foram instaurados, os músicos e as bandas de rock sofreram e muito
para divulgar a sua arte, principalmente aquelas bandas, cujas letras, tinham
um forte viés crítico.
E a Argentina, em especial,
foi e, claro, ainda é, um celeiro para o rock n’ roll e também um cenário para
a inspiração aos músicos que tinham um viés fortemente crítico, dado seu
agitado e opressivo governo nos anos 1970 que fomentou um sombrio momento de
total autoritarismo.
Evidentemente, meus caros e
estimados leitores, que podemos citar uma enormidade de bandas que fizeram a
história do rock argentino, principalmente nos anos 1970, com flertes no hard
rock e prog rock, mas gostaria de falar de uma, em especial, que teve uma curta
passagem por este mundo, mas, ainda assim deixou um legado para a música pesada
daquele país: PIEL DE PUEBLO.
Para muitos ela não era conhecida e de fato não teve holofotes para a sua precoce e fugaz vida na cena rock da Argentina, mas aqui neste reles e humilde blog, as bandas e/ou projetos “fracassados” tem vez e por aqui a abnegação por difundi-las é imensa, porque apesar da pouca fama, deixou uma marca importante para a história do hard rock argentino com seu único álbum, lançado em 1972, chamado “Rock de las Heridas”.
Porém antes de falar de seu
seminal álbum, convém trazer à tona a história por trás do Piel de Pueblo que,
ao contrário da banda, fez fama, não só no rock n’ roll, mas em outras
vertentes culturais: falo de Alberto Ramón Garcia, conhecido como “Pajarito Zaguri”,
que esteve à frente da fundação do Piel de Pueblo, na virada de 1971 para 1972,
e era músico, compositor e ator.
Pajarito Zaguri deu seus
primeiros passos musicais, em meados dos anos 1950, mais precisamente em 1956, na
banda “Los Shabaduba”. Em 1966 foi co-fundador de uma banda importante da
Argentina, chamada ” Los Beatniks”. Mas durou pouco tempo e, com a
sua dissolução, em 1969, se apresentou com algumas bandas em um curto período
de tempo, como “Los Náufragos” e “La Barra de Chocolate”.
Quando Zaguri deixa a banda La
Barra de Chocolate, desejava criar um projeto mais ousado, trazendo uma versão
mais pesada a sua música, com uma pegada blues rock e de viés politizado e para
a empreitada convoca seu antigo companheiro de La Barra de Chocolate e Los
Beatniks, o guitarrista Nacho Smilari, que também teve uma breve passagem pela
banda “Vox Dei”, após a saída de Juan Carlos Godoy e junto com Willy Pedemonte
no baixo e Carlos Calabró na bateria, criariam o “Piel de Pueblo”. Tem a
participação de Héctor López Fürst, músico de jazz e ex-integrante da banda “Los
Blue Strings”.
Banda formada, o Piel de
Pueblo não demora muito para lançar seu debut,
em 1972, o “Rock de Las Heridas”, pelo selo “Disc Jockey”. O único trabalho da banda
entrega riffs contundentes e guitarras fuzz. As músicas são explosivas, com uma
guitarra ácida, lisérgica, atingindo um som áspero, pesado, agressivo, mas com
uma composição cuidadosa e dinâmica. Um hard rock típico, com passagens de
blues rock, solos elétricos e estridentes que, pela mão de Smilari, constrói
suas boas e instigantes passagens psicodélicas e que se somam as letras de
mensagens poderosas de Zaguri, contribuindo para temas políticos, sociais e
espirituais, dando um toque especial a este álbum que, além de mostrar a
qualidade e o engajamento de seus músicos, revela também essa condição na
estética, na arte gráfica do álbum, mostrando o sol a chorar e a Terra envolta
em sangue.
Para se dimensionar o cerne
poético das letras desse álbum, segue um trecho de uma das músicas e o quão
impactante é, onde a reflexão e a atemporalidade se faz presente:
"Todo
o tempo que você perdeu ontem
Recupere-o
pensando hoje
Porque
é hora de você saber ver
O
que está acontecendo ao seu redor
O
silêncio que eu faço é
Um
som ensurdecedor
De
uma voz que tem muita sede
De
uma pele que quer ver o sol
Cara,
você não quer ver
Cego
você está em seu ser"
O álbum é inaugurado com a
faixa “Silencio Para Um Pueblo Dormido”, composta por Pajarito Zaguri, entrega
um ritmo instigante e hipnótico, produzido pelo baixo cujas notas se tornam
caóticas, obsessivas e agressivo, bem agressivo. A bateria é pesada e as
guitarras, freneticamente, não param de dedilhar, nos quase cinco minutos de
duração da música. Riffs poderosos e desconcertantes que corroboram a sua
condição de peso.
Segue com "La Tierra En
998 Pedazos", do baixista Willy Pedemonte, é indiscutivelmente a música
mais complexa do álbum, com mais de nova minutos de duração traz o mais genuíno
hard rock e proto metal. As arestas do heavy metal argentino se encontram nessa
faixa. A letra ressalta a discussão atemporal do meio ambiente e o cenário de
degradação desta. As guitarras da dupla Zaguri e Smilari dilaceram o ouvinte
sem nenhuma piedade, com riffs pesados e solos de tirar o fôlego, dando apenas
uma pausa no meio da música. Espetacular música!
"Jugando a Las
Palabras", composta pela dupla Pajarito e Smilari, mostra um viés
psicodélico e ácida, sobretudo na forma como esta sensação dupla dedilha suas
guitarras. Aqui a sintonia é perfeita, onde mostram os seus domínios com as
seis cordas. É pesada, densa, sombria, viva!
"Por Tener Un Poco
Más", composta por Carlos Calabró e Pajarito, mostra um lado mais
progressivo, algo de sofisticado é percebida, é sentido. Embora as guitarras
ainda estejam muito presentes, o que uma predominância de todo o álbum, é o
violino que dá uma atmosfera mais progressivo, mais contemplativo. Uma “audácia”
concebida pela banda diante de um álbum cujo hard rock impera!
“Sexo Galáctico”, de Willy
Pedemonte, traz o retorno à hiperatividade das guitarras que, de forma pesada e
agressiva, traz uma verdadeira hecatombe sonora revelando a veia do hard rock e
do heavy rock, com uma seção rítmica intensa, agressiva e cheia de groove.
“La Palida de Nacho” inicia
uma sequência avassaladora de uma pegada hard e heavy, uma sequência poderosa
atestando o DNA desse álbum calcado na música pesada e todas compostas pelo
excelente Pajarito Zaguri. Assim o é “Vien Amigo a La Zapada” e fecha com a
também pesada, mas com nuances bem “temperadas” de blues rock a última faixa:
“El Rockito de La Bufanda”.
“Rock de Las Heridas” não teve
o impacto, a repercussão esperada à época e o Piel de Pueblo, precocemente, se
separou no mesmo ano do lançamento de seu único trabalho, ainda em 1972. Nacho
Smilari juntamente com Carlos Calabró formariam a banda “Cuero”, no ano
seguinte, 1973. Já Willy Pedemonte iria tocar guitarra com “Miguel Cantilo y
Grupo Sur”. Pajarito Zaguri se reuniria com Rocky Rodriguez, produzindo o álbum
“Salgan del Camino”, em 1973, com a banda “Rockal y La Cria”. Gravou um single
chamado “El Pampero Libertad/Copado y Colocado, com ajuda de Alejandro Media e
membros da banda “La Pesada”.
Em maio de 1975 Zaguri
gravaria músicas com Kubero Díaz, se reencontraria com seu antigo companheiro
de Piel de Pueblo, Willy Pedemonte, Topo Dáloisio (ex-Diplodocum Red and
Brown), Gastón Cubillas (ex-Grupo Sur) e Guillermo Migoya que foram finalmente
lançadas no LP de 1976, "Pájaro y La Murga del Rock & Roll", onde
Pappo toca órgão em "Intentando Los Blues" e também piano em "El
Vago Del Oeste". Pajarito Zaguri morreria de câncer em abril de 2013, em
sua casa, em Buenos Aires.
“Rock de Las Heridas” teria um
lançamento, pelo selo Disc Jockey, no mesmo ano, 1972, na Bolívia e um ano
depois, pela gravadora Asfona, no Chile, todos no formato “LP”. Já em 1977,
pelo selo Samantha, o álbum foi relançado em 1977 na Argentina, no formato
“LP”. E somente em 2002, pela gravadora La Ciruela Electrica, mais um
relançamento, também em “LP”, na Argentina.
O que torna “Rock de Las
Heridas” especial, atraente, diria, é, acima de tudo, que os seus integrantes
fazem sob o aspecto instrumental que é espetacular. São solos de tirar o
fôlego, “produzidos” quase que sem parar e de uma forma diferente uns dos outros.
Algo caótico, mas milimetricamente calculado. Este trabalho do Piel de Pueblo é
recomendado para os ardorosos fãs de hard rock e até mesmo de heavy metal, aos
que que curtem música pesada, bem como aqueles que se identificam com letras de
músicas de protesto e de cunho social aguçado. Um álbum pouco conhecido, de uma
banda obscura? Sim! Mas que deixa, quando se ouve, a percepção de que se trata,
ainda assim, de um álbum divisor de águas para a história pesada, não somente
na Argentina, mas em toda a América Latina.
A banda:
Alberto Ramón Garcia (Pajarito
Zaguri) na guitarra e vocal
Carlos Calabró na bateria
Ignacio Smilari na guitarra
Willy Pedemonte no baixo
Com:
Hector Lopez no violino
Faixas:
1 - Silencio para un Pueblo Dormido
2 - La Tierra en 998 Pedazos
3 - Jugando a las Palabras
4 - Para Tener un Poco Mas
5 - Sexo Galáctico
6 - La Palida de Nacho
7 - Veni Amigo a la Zapada
8 - El Rockito de la Bufonada
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