É possível extrair boa música
de um prog rock com peças descontraídas e repletas de improvisação e
experimentação? Talvez essa pergunta não passe de um devaneio febril de minha
parte, mas confesso que, a aventura pela qual estou submetido graças às
histórias que tenho, a base de muita galhardia, contado neste reles blog, essa
pergunta insiste em povoar os meus pensamentos.
Acredito que tais
questionamentos surgem por conta de estereótipos que se constroem em certas
vertentes do rock n’ roll e que, de alguma forma, nos aprisiona em determinadas
questões que não tem, a meu ver, nenhuma ou mínima validade de aprofundamento:
o rock é o rock e ponto final. Tudo é rock n’ roll. Evidente que nos deixamos
seduzir em questionar ou abordar o que é hard rock, prog rock, blues rock,
porque eles estão nas músicas das bandas, mas o fato é que tudo é rock.
Mas de um tempo para cá tenho
feito essa pergunta: o prog, tido como uma música sofistica, e de fato é, pode
ter uma intima ligação com uma sonoridade mais despretensiosa, improvisada,
minimalista ou ainda suja? E, contando, como disse, certas histórias aqui neste
simples e humilde blog, tenho desbravado alguns álbuns e bandas que, ao ouvir,
me entrega um prog rock capaz de ser despretensioso, calcado em jam sessions ou
até mesmo sujo.
E fazendo algumas incursões no
universo da música rara e obscura eu lembrei de uma banda, claro, com essa
proposta e que, de alguma forma me trouxe a resposta, ou pelo menos uma das
respostas, a essa inquietante pergunta. Qual é? AMOS KEY.
A banda alemã Amos Key
sintetiza, pelo menos em meus pensamentos, o conceito de uma banda progressiva,
mas que traz uma espécie de escárnio sonoro, porque, intencionalmente, traz um
som, em seu único álbum, lançado em 1973, de nome “First Key”, uma sonoridade
despretensiosa, pouco arrojada, mas ao ouvi-los, percebe-se, por exemplo,
referências de bandas icônicas como Emerson, Lake & Palmer e a outra alemã
Triumvirat. E, convenhamos, bons amigos leitores, são bandas icônicas porque
trazem sofisticação ao seu som. Porém, no caso do ELP, você percebe também,
sobretudo ao vivo, uma sonoridade pesada com apresentações arrebatadoras.
Talvez você, um dos poucos
certamente, que esteja lendo esse texto deverá me achar um herege, um leviano
que está ousando em associar a música do Emerson, Lake & Palmer, a algo
sujo, agressivo e até despojado, apesar da sofisticação e da qualidade de seus
músicos, mas há também uma liberdade criativa sonora, que propicia uma
sonoridade tão diversa e pouco rotulada.
O Amos Key, com seu primeiro
trabalho, pode não ter oferecido nada de novo e arrojado, mas nos ensina que é
possível aliar certas coisas que, dentro da música, tão dogmatizadas, torna-se
possível, embora inusitados. Mas mesmo com todo o aparato pouco ortodoxo,
digamos, os instrumentos são executados de forma virtuosa e com qualidade. Sem
dúvida “First Key” é um trabalho que deve ser procurado e apreciado por
puristas do prog rock sofisticado e até por aqueles que gostam também de algo
mais sujo e agressivo. Todo o álbum é produzido de forma clara e poderosa, não
podemos negligenciar isso!
Inclusive encontrei uma
citação da própria banda falando da sua música e é emblemática a forma como a
aborda, descontruindo, de forma categórica, e até engraçada a sua sonoridade, aderindo
ao conceito de “progressividade zero”, onde tal vertente sonora estava em voga,
principalmente no ano do lançamento de seu primeiro álbum, 1973. Leiam:
"Um
verdadeiro tesouro de mutilações de música clássica, fragmentos anêmicos de
jazz e clichês de rock desdentados. Há uma falta de substância musical para
improvisações, então você conceitua. Mas simplório, muito simplório. Não há
preocupação, nem fundo ideológico. Progressividade zero."
As
informações recomendam que os potenciais compradores garantam que
"adquiram protetores auriculares de bom tamanho em tempo hábil".
Mas falemos ou pelo menos
tentemos falar um pouco do Amos Key, porque pouco se tem de referência dessa
banda na grande rede. A banda foi formada na cidade de Emmering, na Baviera, no
ano de 1970 e tinha na formação um power trio: Thomas Molin (também conhecido
como Thomas Müller, teclados, vocais), Andreas Gross (baixo, guitarra, vocais)
e Lutz Ludwig (bateria).
Os primórdios do Amos Key
foram dedicados ao rock clássico, trazendo a música clássica e a “harmonizando”
com o rock n’ roll. E isso refletiu-se no seu álbum onde é notório as
influências de Bach, Beethoven e Schumann, trazendo também, como disse, os
clássicos do rock progressivo como ELP, Ekseption e The Nice.
“First Key” traz sim uma
música complexa, mas muito acessível. São três músicos talentosos, diria
arrojados e ousados e a sua sonoridade tem o baixo, bateria e primordialmente o
teclado como instrumentos centrais, com a guitarra aparecendo ocasionalmente,
muito discretamente. Há momentos em que a som adquire uma atmosfera sombria,
com tecidos soturnos, mas a nítida sensação é de que esses caras se recusam a
se levar muito a sério. Definitivamente “First Key” é um álbum despretensioso e
bem divertido de ouvir, embora tenha nuances bem definidas de complexidade, com
o prog sinfônico em voga, com pitadas generosas de uma música pesada.
Como disse o teclado é o cerne
da música e, embora óbvio, traz qualidade à música e a surpresa fica para a
seção rítmica. Certamente ao ouvinte a bateria e o baixo trarão surpresa. É uma
música que flui. Os vocais podem não ser apurados, o sotaque forte e evidente e
a mixagem não é das melhores, mas a quem diga que tudo isso é o “charme” da
coisa e eu confesso que isso me atrai de forma arrebatadora.
O álbum é inaugurado com a
faixa “Shoebread” e já mostra a banda no seu auge, dando o seu cartão de
entrada. Os teclados te introduzem ao prog rock, ao prog sinfônico, os
interlúdios “prog” são extremamente cativantes, mas te remetem também ao psych
dos anos 1960, com uma pegada lisérgica, ácida. É inegável a seção rítmica com
seu talento e arrojo, entregando uma vibe jazzística pesada e animada. As
variâncias de ritmo corroboram a pegada progressiva. O que eles são capazes de
fazer com uma música de pouco mais de quatro minutos!
Segue com “Ensterknickstimmstamm”
que traz, de imediato, as influências de ELP, com os teclados sendo tocado de
forma enérgica, intensa e extremamente vibrante, tão vibrante e intensa que
chega a ser pesado e agressivo. Mais uma vez a bateria e baixo tocados ao
extremo. Baixo pulsante e pesado, bateria com uma batida forte. Na metade da
faixa as teclas ficam mais sombrias, pesadas, mas logo voltam ao original,
enérgica e cativante. O solo de teclas é arrebatador.
"Knecht Ruprecht" já
me remete a bandas como Triumvirat, fazendo tal referência por esta se tratar
de uma banda, digamos, um pouco mais famosa da Alemanha. Segue basicamente a
proposta da faixa anterior: peso, teclados em evidência corroborando o peso da
música, juntamente com o baixo e a bateria dando todo o “corpo” à música. Diria
que esta faixa tem até um pouco de velocidade.
“Sometimes...” é sombria, é soturna e os teclados, embora mais contidos, é estranho e perigoso, com vocais mais discretos e quase anasalados. Segue com “Got the Feelin’” que retorna ao viés mais pesado e vibrante, a versão predominante da banda neste álbum. Já se percebem, finalmente, riffs de guitarra, com a seção rítmica assumindo protagonismo.
“Escape” começa com um choro
de bebê e traz consigo, de volta, o prog rock em sua versão mais genuína com os
teclados cheios de energia, intensos e vibrantes. As viradas rítmicas ganham
força e arrebatam. Aqui, nesta faixa, é admirável o aparato instrumental. A
sinergia é esplêndida entre baixo, bateria e teclado.
“Important Matter” começa com
um solo de teclado mais austero, algo de órgão de igreja, com o baixo dando uma
camada mais consensual e vai, a música, ganhando mais corpo, ficando,
gradativamente mais pesada, a bateria com uma batida mais jazzy e pesada, um
fusion bem interessante. O prog e o fusion se fundem em uma música solar e
vívida.
“Dragon's Walk” segue com o
mesmo curso musical da faixa anterior: o cerne sonoro que gira em torno dos
teclados, a bateria aqui não é tão pesada e segue, em uma espécie de duelo, com
os teclados, além de uma pegada jazzy com destaque para a bateria, mais uma
vez. O prog se revela nas viradas de bateria, nas variâncias rítmicas muito bem
executadas.
E fecha com a faixa título,
“First Key”, que traz, mais uma vez, aquele órgão sacro muito interessante e
austero, com o destaque para o baixo, frenético e pesado, cheio de groove. A
bateria é cadenciada, fazendo da faixa mais acessível e até mesmo solar.
Infelizmente a banda não teve
uma vida e trajetória longeva, findou suas atividades em 1976. Passeou por
grande parte dos anos 1970, mas sem produzir mais material e, talvez
estigmatizado por comparações maldosas com o Emerson, Lake & Palmer etc.
Evidente que as influências são nítidas, mas isso não desmerece o que o Amos
Key produziu e nem por isso pode ser constatado como plágio ou algo do tipo.
“First Key” é divertido,
pesado, despojado, despretensioso, mas profundo e complexo, por vezes e nem por
isso pode e deve ser considerado como um trabalho banal. A contribuição dos
músicos é espetacular e, mesmo trazendo uma sonoridade atípica, tem, muito bem
definido, a sua estrutura sonora. Ludwig toca bateria de forma excelente e o
baixo de Andreas Gross traz uma carga potente, vibrante e vívida ao som da
banda, embora ele tenha declarado que se via um músico “inacabado” em
comparação direta aos seus colegas de banda. O fato é que ele tocava de forma
fresca e concisa. Mas são as teclas de Molin que molda o som da banda. É o
cerne da sonoridade do Amos Key!
“First Key”, que foi lançado
pelo selo Spiegelei, em 1974, teve poucos relançamentos ao longo dos anos. Ele
foi lançado, pela gravadora Long Hair, em 2016, no formato LP, em 2016, na
Alemanha. E naquele mesmo ano, também pelo selo Long Hair, foi relançado, no
formato CD, o álbum do Amos Key.
E falando em relançamentos, em 2010, também lançado pelo selo Long Hair, foi veio ao mundo “Keynotes”, com uma apresentação do Amos Key no SWF, em Baden-Baden, sendo remasterizado por Jörg Scheuermann. Essa apresentação aconteceu antes do lançamento de seu álbum de estúdio, em 1973 e somente em 2010 ganhou luz.
Convém lembrar que também que
foi lançado um single, de forma oficial, que estava planejado para o ano de
1975. Provavelmente seria um segundo trabalho que não teve sequência. O Amos
Key, quando gravou esse single, de nome “Fairy Witch”, era um quarteto e
contava, além dos já músicos conhecidos que compuseram o álbum de 1974, tinha,
no vocal e guitarra, Helmut Jungkunz. Em 2022 foi lançado “Third Key”: The 70
Studio Tapes” que, como o nome sugere, traziam gravações de faixas antigas da
banda, dos seus primórdios. Uma banda altamente recomendada!
A banda:
Andreas Gross na guitarra,
baixo e vocais
Thomas Molin nos teclados e
vocais
Lutz Ludwig na bateria
Faixas:
1 - Shoebread
2 - Ensterknickstimmstamm
3 - Knecht Ruprecht
4 - Sometimes...
5 - Got The Feelin
6 - Escape
7 - Important Matter
8 - Dragon's Walk
9 - First Key
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