sábado, 27 de setembro de 2025

Amos Key - First Key (1973)

 

É possível extrair boa música de um prog rock com peças descontraídas e repletas de improvisação e experimentação? Talvez essa pergunta não passe de um devaneio febril de minha parte, mas confesso que, a aventura pela qual estou submetido graças às histórias que tenho, a base de muita galhardia, contado neste reles blog, essa pergunta insiste em povoar os meus pensamentos.

Acredito que tais questionamentos surgem por conta de estereótipos que se constroem em certas vertentes do rock n’ roll e que, de alguma forma, nos aprisiona em determinadas questões que não tem, a meu ver, nenhuma ou mínima validade de aprofundamento: o rock é o rock e ponto final. Tudo é rock n’ roll. Evidente que nos deixamos seduzir em questionar ou abordar o que é hard rock, prog rock, blues rock, porque eles estão nas músicas das bandas, mas o fato é que tudo é rock.

Mas de um tempo para cá tenho feito essa pergunta: o prog, tido como uma música sofistica, e de fato é, pode ter uma intima ligação com uma sonoridade mais despretensiosa, improvisada, minimalista ou ainda suja? E, contando, como disse, certas histórias aqui neste simples e humilde blog, tenho desbravado alguns álbuns e bandas que, ao ouvir, me entrega um prog rock capaz de ser despretensioso, calcado em jam sessions ou até mesmo sujo.

E fazendo algumas incursões no universo da música rara e obscura eu lembrei de uma banda, claro, com essa proposta e que, de alguma forma me trouxe a resposta, ou pelo menos uma das respostas, a essa inquietante pergunta. Qual é? AMOS KEY.


Amos Key

A banda alemã Amos Key sintetiza, pelo menos em meus pensamentos, o conceito de uma banda progressiva, mas que traz uma espécie de escárnio sonoro, porque, intencionalmente, traz um som, em seu único álbum, lançado em 1973, de nome “First Key”, uma sonoridade despretensiosa, pouco arrojada, mas ao ouvi-los, percebe-se, por exemplo, referências de bandas icônicas como Emerson, Lake & Palmer e a outra alemã Triumvirat. E, convenhamos, bons amigos leitores, são bandas icônicas porque trazem sofisticação ao seu som. Porém, no caso do ELP, você percebe também, sobretudo ao vivo, uma sonoridade pesada com apresentações arrebatadoras.

Talvez você, um dos poucos certamente, que esteja lendo esse texto deverá me achar um herege, um leviano que está ousando em associar a música do Emerson, Lake & Palmer, a algo sujo, agressivo e até despojado, apesar da sofisticação e da qualidade de seus músicos, mas há também uma liberdade criativa sonora, que propicia uma sonoridade tão diversa e pouco rotulada.

O Amos Key, com seu primeiro trabalho, pode não ter oferecido nada de novo e arrojado, mas nos ensina que é possível aliar certas coisas que, dentro da música, tão dogmatizadas, torna-se possível, embora inusitados. Mas mesmo com todo o aparato pouco ortodoxo, digamos, os instrumentos são executados de forma virtuosa e com qualidade. Sem dúvida “First Key” é um trabalho que deve ser procurado e apreciado por puristas do prog rock sofisticado e até por aqueles que gostam também de algo mais sujo e agressivo. Todo o álbum é produzido de forma clara e poderosa, não podemos negligenciar isso!

Inclusive encontrei uma citação da própria banda falando da sua música e é emblemática a forma como a aborda, descontruindo, de forma categórica, e até engraçada a sua sonoridade, aderindo ao conceito de “progressividade zero”, onde tal vertente sonora estava em voga, principalmente no ano do lançamento de seu primeiro álbum, 1973. Leiam:

"Um verdadeiro tesouro de mutilações de música clássica, fragmentos anêmicos de jazz e clichês de rock desdentados. Há uma falta de substância musical para improvisações, então você conceitua. Mas simplório, muito simplório. Não há preocupação, nem fundo ideológico. Progressividade zero."

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Mas falemos ou pelo menos tentemos falar um pouco do Amos Key, porque pouco se tem de referência dessa banda na grande rede. A banda foi formada na cidade de Emmering, na Baviera, no ano de 1970 e tinha na formação um power trio: Thomas Molin (também conhecido como Thomas Müller, teclados, vocais), Andreas Gross (baixo, guitarra, vocais) e Lutz Ludwig (bateria).

Os primórdios do Amos Key foram dedicados ao rock clássico, trazendo a música clássica e a “harmonizando” com o rock n’ roll. E isso refletiu-se no seu álbum onde é notório as influências de Bach, Beethoven e Schumann, trazendo também, como disse, os clássicos do rock progressivo como ELP, Ekseption e The Nice.

“First Key” traz sim uma música complexa, mas muito acessível. São três músicos talentosos, diria arrojados e ousados e a sua sonoridade tem o baixo, bateria e primordialmente o teclado como instrumentos centrais, com a guitarra aparecendo ocasionalmente, muito discretamente. Há momentos em que a som adquire uma atmosfera sombria, com tecidos soturnos, mas a nítida sensação é de que esses caras se recusam a se levar muito a sério. Definitivamente “First Key” é um álbum despretensioso e bem divertido de ouvir, embora tenha nuances bem definidas de complexidade, com o prog sinfônico em voga, com pitadas generosas de uma música pesada.

Como disse o teclado é o cerne da música e, embora óbvio, traz qualidade à música e a surpresa fica para a seção rítmica. Certamente ao ouvinte a bateria e o baixo trarão surpresa. É uma música que flui. Os vocais podem não ser apurados, o sotaque forte e evidente e a mixagem não é das melhores, mas a quem diga que tudo isso é o “charme” da coisa e eu confesso que isso me atrai de forma arrebatadora.

O álbum é inaugurado com a faixa “Shoebread” e já mostra a banda no seu auge, dando o seu cartão de entrada. Os teclados te introduzem ao prog rock, ao prog sinfônico, os interlúdios “prog” são extremamente cativantes, mas te remetem também ao psych dos anos 1960, com uma pegada lisérgica, ácida. É inegável a seção rítmica com seu talento e arrojo, entregando uma vibe jazzística pesada e animada. As variâncias de ritmo corroboram a pegada progressiva. O que eles são capazes de fazer com uma música de pouco mais de quatro minutos!

"Shoebread"

Segue com “Ensterknickstimmstamm” que traz, de imediato, as influências de ELP, com os teclados sendo tocado de forma enérgica, intensa e extremamente vibrante, tão vibrante e intensa que chega a ser pesado e agressivo. Mais uma vez a bateria e baixo tocados ao extremo. Baixo pulsante e pesado, bateria com uma batida forte. Na metade da faixa as teclas ficam mais sombrias, pesadas, mas logo voltam ao original, enérgica e cativante. O solo de teclas é arrebatador.

"Ensterknicktimmstamm"

"Knecht Ruprecht" já me remete a bandas como Triumvirat, fazendo tal referência por esta se tratar de uma banda, digamos, um pouco mais famosa da Alemanha. Segue basicamente a proposta da faixa anterior: peso, teclados em evidência corroborando o peso da música, juntamente com o baixo e a bateria dando todo o “corpo” à música. Diria que esta faixa tem até um pouco de velocidade.

"Knecht Ruprecht"

“Sometimes...” é sombria, é soturna e os teclados, embora mais contidos, é estranho e perigoso, com vocais mais discretos e quase anasalados. Segue com “Got the Feelin’” que retorna ao viés mais pesado e vibrante, a versão predominante da banda neste álbum. Já se percebem, finalmente, riffs de guitarra, com a seção rítmica assumindo protagonismo.

"Sometimes"

“Escape” começa com um choro de bebê e traz consigo, de volta, o prog rock em sua versão mais genuína com os teclados cheios de energia, intensos e vibrantes. As viradas rítmicas ganham força e arrebatam. Aqui, nesta faixa, é admirável o aparato instrumental. A sinergia é esplêndida entre baixo, bateria e teclado.

"Escape"

“Important Matter” começa com um solo de teclado mais austero, algo de órgão de igreja, com o baixo dando uma camada mais consensual e vai, a música, ganhando mais corpo, ficando, gradativamente mais pesada, a bateria com uma batida mais jazzy e pesada, um fusion bem interessante. O prog e o fusion se fundem em uma música solar e vívida.

"Important Matter"

“Dragon's Walk” segue com o mesmo curso musical da faixa anterior: o cerne sonoro que gira em torno dos teclados, a bateria aqui não é tão pesada e segue, em uma espécie de duelo, com os teclados, além de uma pegada jazzy com destaque para a bateria, mais uma vez. O prog se revela nas viradas de bateria, nas variâncias rítmicas muito bem executadas.

"Dragon's Walk"

E fecha com a faixa título, “First Key”, que traz, mais uma vez, aquele órgão sacro muito interessante e austero, com o destaque para o baixo, frenético e pesado, cheio de groove. A bateria é cadenciada, fazendo da faixa mais acessível e até mesmo solar.

"First Key"

Infelizmente a banda não teve uma vida e trajetória longeva, findou suas atividades em 1976. Passeou por grande parte dos anos 1970, mas sem produzir mais material e, talvez estigmatizado por comparações maldosas com o Emerson, Lake & Palmer etc. Evidente que as influências são nítidas, mas isso não desmerece o que o Amos Key produziu e nem por isso pode ser constatado como plágio ou algo do tipo.

“First Key” é divertido, pesado, despojado, despretensioso, mas profundo e complexo, por vezes e nem por isso pode e deve ser considerado como um trabalho banal. A contribuição dos músicos é espetacular e, mesmo trazendo uma sonoridade atípica, tem, muito bem definido, a sua estrutura sonora. Ludwig toca bateria de forma excelente e o baixo de Andreas Gross traz uma carga potente, vibrante e vívida ao som da banda, embora ele tenha declarado que se via um músico “inacabado” em comparação direta aos seus colegas de banda. O fato é que ele tocava de forma fresca e concisa. Mas são as teclas de Molin que molda o som da banda. É o cerne da sonoridade do Amos Key!

“First Key”, que foi lançado pelo selo Spiegelei, em 1974, teve poucos relançamentos ao longo dos anos. Ele foi lançado, pela gravadora Long Hair, em 2016, no formato LP, em 2016, na Alemanha. E naquele mesmo ano, também pelo selo Long Hair, foi relançado, no formato CD, o álbum do Amos Key.

E falando em relançamentos, em 2010, também lançado pelo selo Long Hair, foi veio ao mundo “Keynotes”, com uma apresentação do Amos Key no SWF, em Baden-Baden, sendo remasterizado por Jörg Scheuermann. Essa apresentação aconteceu antes do lançamento de seu álbum de estúdio, em 1973 e somente em 2010 ganhou luz.

"Keynotes" (1973 - 2010)

Convém lembrar que também que foi lançado um single, de forma oficial, que estava planejado para o ano de 1975. Provavelmente seria um segundo trabalho que não teve sequência. O Amos Key, quando gravou esse single, de nome “Fairy Witch”, era um quarteto e contava, além dos já músicos conhecidos que compuseram o álbum de 1974, tinha, no vocal e guitarra, Helmut Jungkunz. Em 2022 foi lançado “Third Key”: The 70 Studio Tapes” que, como o nome sugere, traziam gravações de faixas antigas da banda, dos seus primórdios. Uma banda altamente recomendada!






A banda:

Andreas Gross na guitarra, baixo e vocais

Thomas Molin nos teclados e vocais

Lutz Ludwig na bateria

 

Faixas:

1 - Shoebread

2 - Ensterknickstimmstamm

3 - Knecht Ruprecht

4 - Sometimes...

5 - Got The Feelin

6 - Escape

7 - Important Matter

8 - Dragon's Walk

9 - First Key 



"First Key" (1973)











 












 

















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