sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Bare Sole - Flash (1969 - 2015)

 

Kingston Upon Hull, cidade portuária em East Riding of Yorkshire, Inglaterra, segunda metade dos anos 1960. A cena rock não era muito proeminente na região, apesar de ter revelado alguns músicos para o mundo, tais como Mick Ronson e Robert Palmer, porém tiveram que sair de Hull para edificar a sua carreira. Mas as bandas surgiam, afinal os anos 1960 e 1970 foram prolíficos para o rock n’ roll em termos de cena e surgimento de bandas, independente de termos cenários undergrounds e de glamour, de bandas famosas.

E de Hull surgiu uma banda chamada “The Combine”, que trazia, em sua formação o guitarrista Richard “Richie” Foster, o baterista Ron Newlove e Dave George na guitarra rítmica. Richie e Ron haviam emigrado de uma banda, no início dos anos 1960, chamada “The Mariners”, que a certa altura apresentava um jovem Mick Ronson que, à época, estava conciliando um emprego diurno com jardineiro e de, claro, guitarrista promissor.

The Combine, apesar de gozar de certa popularidade em sua cidade natal, por tocar um beat, que estava em voga nos anos 1960, decidiu mudar seu direcionamento sonoro. Então, a banda decidiu se juntar ao baixista Brian Harrison, em idos de 1968 e concretizaram as suas mudanças, a começar pelo nome. Assim nasceria o BARE SOLE.

As mudanças sonoras seriam evidentes e radicais, diria, saindo de um psicodélico, ao estilo beat e “flower power” para uma pancada proto metal e hard rock sujo, direto e despretensioso, calcado no psych e blues rock. A sonoridade, principalmente o blues rock, estava em evidência, sendo fomentado, na Inglaterra, por bandas como Cream, Led Zeppelin e Are You Experienced, de Jimi Hendrix, além dos pesos pesados do proto hard como Black Sabbath e Deep Purple, que ainda flertava com o psicodélico em seus primórdios.

Bare Sole

Apesar da mudança radical e ousada, que requer certa coragem, o Bare Sole teve um apoio substancial de um empresário local, que injetou dinheiro aos jovens e promissores músicos, dando-lhes tudo que eles precisavam, inclusive um fluxo constante de shows, fazendo-os participar de shows e atrações com nomes de peso, como The Move, Status Quo, Family e Small Faces que, à época, trazia Rod Stewart em seu line-up.

Locais como “The Bridlington Spa” e o “Skyline Ballroom” mostraram e provaram ser uma plataforma valiosa para mostrar as grandes e famosas bandas visitantes o que Hull poderia oferecer, apesar de a cena rock no local não ser tão grande e conhecia.

A confiança entre o Bare Sole e seu novo empresário crescia depois de vários retornos das bandas famosas à Hull e o tempo de estúdio acabou sendo arranjado nos estúdios Fairview. Tudo caminhava muito bem para o Bare Sole: mudaram seu direcionamento sonoro que, apesar de não ser unânime no mercado fonográfico, em virtude do auge da psicodelia e do embrionário rock progressivo que tomava de assalto a Inglaterra, tinha o financiamento de carreira e uma gestão eficiente e já tinha a estrutura de estúdio para finalmente gravar seu novo trabalho.

O empresário até descolou um compositor jamaicano, de nome Ira George Green, que tinha talentos de composição para ajudar a banda nesta etapa que, acabou por compor uma faixa, a “Woman a Come”. E até conseguiram popularidade com a música, tanto que rendeu uma segunda versão, com Keith Herd, que aplicou um apoio de órgão dominante, como faria também com outra faixa, a “Is Not Nobory Here”. Mas logo, meus estimados leitores, falarei, com requintes de detalhes de cada faixa que o Bare Sole produziria.

As seções, que aconteceram nos estúdios Fairview, trairiam, o que seria, o primeiro álbum do Bare Sole, gravado em 1969, mas, lamentavelmente, este não seria oficialmente lançado, o que também, muito em breve contarei por aqui, caro leitor. Mas essa história, ainda assim, registrada da banda, seria marcada por um desprezo indulgente desses jovens músicos por qualquer coisa relacionado ao rock psicodélico e o rock progressivo. Para muitos tais impulsos poderia ser perdoado por entusiasmo juvenil, mas não era somente por isso, mas por conta de uma cena mais pesada que também florescia na Inglaterra.

Esse trabalho foi calcado no peso, que era diluído no psych, no blues. Uma sonoridade pouco sofisticada, sem experimentalismos, com uma sujeira garageira, um tempero underground. O hard rock ditou os caminhos sonoros desse álbum que não foi lançado na época em que fora concebido, como tantos outros obscuros e vilipendiados pelos fãs e mercado fonográfico.

O álbum, que não possuía um nome, quando foi gravado, lá pelo ano de 1969, começa com a faixa “Flash” que começa com um peso lisérgico e ácido de guitarra, riffs de guitarra bem sujos e despretensiosos, com uma bateria pesada, um baixo pulsante mostrando uma seção rítmica agressiva e sem sofisticação, o que traz o “charme” a este álbum. Mas logo vem o solo de guitarra que mantém a sua chama pesada e repleta de lisergia e psicodelia, mas com o “tempero” hard.

"Flash"

Segue com “Woman a Come” que, logo no início, traz uma peculiaridade, com uma voz, bem discreta, ao fundo, anunciando a faixa, como se fora um “take”, mostrando o caráter “artesanal” da produção deste álbum! Mais um “charme”! Começa animada, dançante. As origens do beat estão na introdução da música. Baixo cheio de groove, bateria marcada. Uma faixa solar! Mas o peso vem chegando, vagaroso, com solos de guitarra na lisergia, na pegada psych.

"Woman a Come"

O blues chega com a faixa “Soul Blues”. O nome denuncia a sua veia blues rock com pegada mais hard, mas também traz nuances das raízes do velho e bom blues. A guitarra dedilhada esconde das pretensões do guitarrista a lisergia, mostrando a sua versatilidade, apesar do som primitivo e sujo que permeia no álbum. O solo de guitarra é de tirar o fôlego e que fecha maravilhosamente a música.

“Let’s Communicate”, feita apenas em um “take”, conforme informado na gravação, chega pesada e ameaçadora. Riffs sujos, grudentos e pesados de guitarra mete, agressivamente, o pé na porta e vem, como uma força da natureza, impiedosa, varrendo tudo o que vê pela frente. Os gritos do vocalista dão o tempero ao hard psych que se apresenta na faixa. Solos de guitarra corroboram o peso e faz com que o ouvinte que, minimamente se deixa levar pela emoção que a música pode proporcionar, bata cabeça compulsoriamente. Espetacular!

"Let's Communicate"

“Jungle Beat”, foi concebida no take 2, e começa com um baixo galopante e pulsante, fazendo jus ao nome da música, mas não se engane, prezado leitor, de que o beat reina absoluta na faixa. O hard rock, mesclado ao psych também tem seu protagonismo, por intermédio de seus instrumentais tocados de forma sublime e suja. Solos de bateria te faz dançar e, sem firulas, traz uma pitada um tanto quanto tribal. 

"Jungle Beat"

“Woman a Come”, em sua versão dois, não traz muitas modificações sonoras em relação a primeira versão, a não ser com uns toques de teclados. Fecha com “Is Not Nobody Here” que começa também dançante e me parece que a intenção da banda era fechar o álbum com o beat, evidentemente com uma pegada mais pesada e lisérgica, que marcou as origens da banda no início dos anos 1960. Os teclados trazem uma camada de pura psicodelia e lisergia.

"Woman a Come (Version 2)"

O empresário do Bare Sole se esforçou e muito para catapultar a banda para o sucesso, para garantir um contrato de gravação e consequentemente sair em turnê para divulgar seu primeiro trabalho, enviando a fita demo para a Decca Records, em Londres. Mas a banda teve negada uma audição, em 1970, e o motivo, tosco, diga-se de passagem, é que não estava disposta a investir em uma banda que claramente não tinha intenções de acompanhar as mudanças na moda musical da Londres progressiva.

Bare Sole apresentava um som cru e primitivo demais para os estúdios chiques da Decca, em West Hampstead ou de De Lane Lea. Imediatamente antes de sua fita demo ser devolvida, a banda estava fazendo as malas para uma turnê pelas bases aéreas americanas na Alemanha Ocidental.

Mas o problema não viria apenas com uma fita demo rejeitada pela Decca Records. O baterista Ron Newlove estava prestes a se casar com sua namorada de longa data, o que acabou levando à sua decisão de deixar o Bare Sole durante a turnê. Newlove e a banda voltaram consternados, frustrados, após uma breve e infrutífera existência do Bare Sole, com um baterista recém recrutado. Inevitavelmente a banda se separaria, dando fim, precoce, às suas atividades, voltando, os seus integrantes, aos seus empregos diários, em meados dos anos 1970.

Embora o Bare Sole tenha durado pouco mais de um ano, com esta formação e concepção sonora, ouso dizer, por mais que não tenha lançado, de forma oficial, seu álbum e ter caído nas sombras da obscuridade, que deixou uma marca importante na história da música pesada na Inglaterra, mostrando, apesar de seu álbum sujo e despretensioso, uma versatilidade sonora arrojada, aliando o peso ao beat e ao psych, que estava em voga na sua época.

Mas nem tudo estava perdido e mesmo que o tempo pudesse ser implacável, 43 anos depois da gravação dos estúdios Fairview, em 2012, o ex-baterista do Bare Sole, Ron Newlove, juntamente com Keith Herd, que tocou teclados em uma das faixas do álbum, recuperaram as fitas originais e conseguiram salvar a maioria delas de uma deterioração de pouco mais de quatro décadas!

Em 2015 a valorosa gravadora Guerssen Records, juntamente com o selo Sommor, na Espanha, lançariam, finalmente, de forma oficial, nos formatos LP e CD, o álbum dando-lhe o nome de “Flash”. Além desse lançamento oficial, depois de 46 anos, o Bare Sole teria sua história e serviço sacramentados no site “British Music Archive” conforme pode ser acessado aqui



Além desse holofote importante para o lançamento oficial do único álbum do Bare Sole, também apareceu em “Front Room Masters”, um conjunto de arquivos de CD duplo, com um total de 42 faixas gravadas nos estúdios Fairview, de 1966 a 1973. Sua representatividade e importância musical para o rock inglês na transição das décadas de 1960 e 1970, foi finalmente eternizada, após quase cinquenta anos, provando que, por mais que o tempo possa ser implacável, a música continua inoxidável, influente e relevante para gerações que surgiram e que certamente surgirão perpetuando o rock n’ roll. Se você quiser fazer o download do álbum clique aqui.


A banda:

Richard, “Richie”, Foster no vocal e guitarra rítmica

Dave George na guitarra

Brian Harrison no baixo

Ron Newlove na bateria

 

Com:

Keith Herd nos teclados

 

Faixas:

1 - Flash

2 - Woman a Come

3 - Soul Blues

4 - Let’s Communicate

5 - Jungle Beat

6 - Woman A Come (Version Two)

7 - Ain’t Nobody Here



"Flash (1969 - 2015)"

 

 









 






terça-feira, 19 de agosto de 2025

Reaction - Reaction (1972)

 

A razão da existência desse blog, além de trazer histórias de bandas de rock e seus mirabolantes álbuns, é basicamente subverter certas “conveniências” do rock e o glamour, muitas vezes inatingível e pouco palpável. É trazer fatos e casos que fogem daquele formato óbvio das cenas e das suas músicas e culturas comportamentais das épocas.

O custo com isso sempre é o afugentamento daqueles que não entendem essas subversões, a rejeição ao obscuro, ao sombrio vilipendiado, aos marginalizados do rock, aos fracassados. Fracassados? Sim, mas criativos! Ousados!

E na Alemanha, apesar da difusão do experimentalismo e do minimalismo do krautrock, tínhamos, sem dúvida, algumas bandas que subverteram (olha a palavra de novo!) ao que se fazia na segunda metade dos anos 1960 e início dos anos 1970. Podemos elencar um bom número delas, mas preciso destacar uma banda, pouco conhecida, mas que se esquivou do krautrock típico daquela longínqua época: falo da banda REACTION.

Definitivamente o Reaction estava totalmente na contramão do que os seus contemporâneos estavam fazendo e que, dentro do underground, estava ganhando alguma notoriedade, sobretudo em terras inglesas. Talvez por isso seu único álbum, lançado em 1972, homônimo, não tenha conquistado o interesse da crítica especializada, inclusive do público.

E com esse cenário de total ostracismo, a consequência seria o fim precoce e iminente e foi o que aconteceu. Mas esperem, caros e estimados leitores, não o farei agora, embora eu não tenha conseguido encontrar muito material de referência para construir esse texto, afinal, pouco se sabe sobre o Reaction, mas tentarei trazer o máximo que pude encontrar sobre essa seminal banda.

Uma seminal banda que, com seu álbum, apesar de cru, poderoso, envolto em hard blues potente e agressivo, não trazia nada de novo à época, embora tenha se deslocado do que as bandas alemãs estavam fazendo, mas se assemelhava e muito com o que bandas inglesas como o Cream e a americana radicada na Inglaterra, o Jimi Hendrix Experience, estavam tocando.

O blues eletrificado e calcado no hard rock era o cerne sonoro do alemão Reaction. Mas não trazia a psicodelia que ainda estava arraigado em Hendrix e na banda do “Deus” Clapton. Era um som cru, sujo, pouco sofisticado, mas solar e pesado, um som potente, vívido, altivo e intenso. Ah e para se assemelhar, ainda mais, às clássicas bandas pesadas aqui mencionados, o Reaction também era marcado por um “power trio”. Eram eles: Peter Braun, na guitarra e vocal, Luigi de Luca, no baixo e Holger Tempel na bateria.

Era assim: formação simples, básica do rock n’ roll para uma música suja, despretensiosa e pesada, sem sofisticação. Para muitos é incompetência sonora, mas para este que vos fala é puro ouro, é o rock n’ roll na sua essência. Esse era o Reaction.

O Reaction foi formado na cidade de Hamburgo, cidade proeminente do rock n’ roll alemão nos anos 1960 e 1970 e na primavera de 1972 nasceria seu primeiro e único álbum, “Reaction” com uma capa muito curiosa e inusitada: um rato em cima de um cacto azul. Licenças poéticas à parte o nome da banda, Reaction, é personificado na capa: a reação de um rato em cima de um espinhento cacto. A produção ficou a cargo de Gerd Müller, com músicas do Reaction e letras de Peter Braun. O álbum foi lançado pelo selo Polydor.

O álbum é inaugurado com a faixa “Mistreated” e o blues rock pesado e primitivo já se revela nos primeiros acordes, mas os riffs de guitarra denunciam também a pegada hard rock. É pegajoso, é pesado e intenso. A bateria tem uma vibe meio jazzy, bem dançante. No final da música o hard rock toma forma e toma conta das ações instrumentais e fecha pesada e agressiva, com solos de guitarra de tirar o folego. 

"Mistreated"

Na sequência temos “What's Going On Around?” que já inicia com o pé na porta sem dó nem piedade! O hard rock puro e genuíno se revela. Os riffs de guitarra são altos e envolventes. Um peso fora do normal que cativa e nos faz “bater a cabeça” alucinadamente. O proto metal tem contornos evidentes, inclusive. Vocais intensos e emotivos, quase dramáticos são ouvidos e entram em total sintonia com o “humor” da faixa. Espetacular!

"What's Going On Around"

“Time” continua na linha a linha hard rock e com muito, muito peso! Riffs poderosos de guitarra se alinham a bateria em uma batida seca, dura e impiedosa, mas vai ganhando camadas mais cadenciadas e em uma variância rítmica, vai se revelando, não somente pesada e despretensioso, mas espirituosa. Mas não vai pensando, caro leitor, que o peso deixa de protagonizar. O solo de guitarra em um “duelo” com a cozinha rítmica faz do aparato instrumental uma hecatombe sonora. “The Mask” é praticamente uma sequência da faixa anterior, mas cheia de groove, solar, dançante. O vocal aqui é mais gritado e por vezes melancólico e dramático e o final e de tirar o fôlego.

"The Mask"

“Funeral March of a Marionette” começa com um balanço envolvente, trazendo uma “cozinha” rítmica repleta de talento e totalmente entrosada: bateria marcada e cheia de ginga, com um baixo pulsante e vibrante. O hard rock não perde a sua majestade e se revela vivo e sedutor.

"Funeral March of a Marionette"

“My Father's Son” remete a um pouco da lisergia, da psicodelia pesada, com destaque para a guitarra ácida e pesada, com solos envolventes e intensos. É pesada, traz o psych rock, mas traz também algo meio comercial e acessível, mas sem soar ruim, claro.

"My Father's Son"

“Live is a Wheel” traz de volta o hard rock, traz de volta o heavy rock. A base é a bateria marcada e de batida agressiva, os riffs de guitarra igualmente pesada e tocada no mais alto decibel possível. Os vocais acompanham, sendo cantados em alto alcance e por vezes gritados, corroborando o peso da faixa. O heavy rock, o proto metal ganha corpo!

"Life is a Wheel"

“Keep On Trying” começa igualmente caótico. Solos e riffs de guitarra se entrelaçam com a bateria pesada, com viradas excelentes, além de um baixo pulsante e repleto de groove e peso. As mudanças de ritmo dão as caras e o peso e a cadência revezam. E fecha com “On The Highway” que traz de volta a veia blueseira dos caras do Reaction. Um baixo, além de pulsante, é cheio de groove e balanço, sedutor. Mas aqui o hard rock também protagoniza e deixa o seu tempero pesado principalmente nos riffs de guitarra.

"Keep on Trying"

“Reaction” teve alguns relançamentos ao longo dos anos, não foram muitos, é bem verdade, e ficou limitado entre selos alemães. Além do lançamento original da Polydor, a gravadora Little Wing Of Refugees lançaria, em 1990, no formato LP, o álbum do Reaction. Em 2013, agora no formato CD, seria lançado pelo selo Zeitgeist e pelo selo Living in the Past, igualmente no formato CD.

As poucas e limitadas cópias faz deste álbum raro e difícil de encontrar e quando se encontra para a venda, os valores são exorbitantes! O total ostracismo e desinteresse que a banda sofreu com seu único lançamento, em 1972, se tornaria cult atualmente. São as voltas que o mercado fonográfico dá. Reaction pode não ter produzido um álbum original, mas sem dúvida destoou dos seus contemporâneos alemães dos anos 1970 com um álbum cru, primitivo, agressivo e pesado.





A banda:

Peter Braun na guitarra, vocal

Luigi de Luca no baixo

Holger Tempel na bateria

 

Faixas:

1 - Mistreated

2 - What's Going on Around

3 - Time

4 - The Mask

5 - Funeral March of a Marionette

6 - My Father's Son

7 - Life Is a Wheel

8 - Keep on Trying

9 - On the Highway



"Reaction" (1972)





 























 



sábado, 9 de agosto de 2025

Odissea - Odissea (1973)

 

O início dos anos 1970 na Itália o rock progressivo reinava absoluto. Era o auge! Uma profusão criativa musical, tantas bandas, tantas vertentes sonoras que fazia do prog italiano tão vivo, latente e diversificado. Mas o auge criativo e um número vertiginoso de bandas que surgiam não garantiam sucesso e glamour, caindo no ostracismo.

Várias bandas singulares com elementos de peculiaridade que deveriam ter reconhecimento mais amplo, caíram no esquecimento, sendo vilipendiadas e vou trazer à luz, por intermédio desse texto, uma banda que caiu nas sombras da cena progressiva italiana e, como tantas outras, teve uma efêmera trajetória. Falo do ODISSEA.

Eu sempre me pergunto o motivo pelo qual bandas do naipe do Odissea e tantas outras que trouxeram ao mundo músicas tão arrojadas e novas para a sua época, não conseguiram o espaço merecido no pedestal do poderoso rock progressivo italiano. São muitos os fatores que talvez não seja muito relevante, neste momento, levantar as hipóteses e sim falar dos primórdios da banda, já que esta é tão pouco comentada por aí.

Odissea

Nascido com o nome engraçado de “Pow-Pow”, na região de Biella, no início dos anos 1970 e por muito tempo como banda de apoio do popular cantor Michele, viria a se estabilizar definitivamente em 1972 com a chegada do guitarrista Jimmy Ferrari e mudando o nome para “Odissea”.

Além de Ferrari, na guitarra, trazia Roberto Zola, na guitarra e vocal, Ennio Cinguino, nos teclados, Alfredo Garone, no baixo e Paolo Cerlati na bateria. A partir desse momento, o recém-formado quinteto teve imediatamente a oportunidade de brilhar em ocasiões realmente importantes: em abril de 1972 abriria as datas italianas do Genesis e logo depois seguiu o Banco del Mutuo Soccorso em sua turnê.

Ainda teve, como reforço às suas apresentações ao vivo, participações em importantes festivais, tais como o “Festival d'Avanguardia di Mestre” e da nona “Mostra di Musica Leggera”, em Veneza. Com isso o Odissea foi conquistando seu espaço com as suas boas apresentações ao vivo. E graças também a esse sucesso obteve rapidamente um contrato com o selo “Ri-Fi” (gravadora de bandas como Circus 2000 e Giganti), gravando o seu único álbum, em 1973, homônimo.

O álbum, produzido por Sandro Colombini, futuro colaborador de Antonello Venditti, além de ter sido equipado com um atraente design gráfico de Mario Convertino traz a melodia como ponto central, apresentado por vocais carismáticos, instrumentais ambiciosos, ricos e enérgicos, repleto de talento, criatividade e imaginação.

A parte técnica também não decepciona, com uma mixagem praticamente perfeita e a qualidade acústica está sem dúvida nos níveis da prestigiada gravadora que contrataram o Odissea. Mas voltando à música o álbum entrega uma mistura articulada de harmonias excepcionais e agradáveis, com um viés progressivo, com um groove basicamente melódico, sinfônico, com nuances de folk rock e tudo isso fica muito claro e caracterizado entre as partes vocal e instrumental, com atmosferas que remetem, um pouco, ao progressivo britânico, mas também, claro, com todo aquele tom dramático do prog italiano. A harmonia e os solos das duas guitarras também são agradáveis, enriquecendo as músicas com uma camada mais pesada e louvável de sons.

E falando nas partes cantadas que, assentadas em linhas melódicas simples e distintas das partes instrumentais, injetam ainda um forte “aroma” de blues rock proporcionado pela poderosa voz de Roberto Zola cujo timbre lembra muito o de Alvaro Fella, do Jumbo. Isso inclusive gerou algumas rivalidades entre os músicos e as bandas, também dada a co-regionalidade dos dois vocalistas.

Deve-se enfatizar, contudo, que as obras sonoras do Jumbo em que o uso da voz de Fella era mais áspero e hipermodulado, no álbum do Odissea, o vocal é dinamicamente proporcional à estrutura musical, o que torna o som mais homogêneo e orgânico. É melhor que o Jumbo? Claro que não! Digamos se tratar de dinâmicas distintas.

“Unione” abre o álbum com uma discreta acústica discreta e frágil, diria, com um tempero, um sabor folk, antes da explosão de teclados sinfônicos e riffs poderosos e pesados de guitarra. O vocal tem canto rouco e entre esse atípico vocal para o rock progressivo, a música rasga com um bom sprint instrumental, mas sempre trazendo momentos mais suaves de folk que introduziu a faixa. E assim se segue, entre peso e suavidade, tendo mudanças incríveis de humor, variâncias rítmicas inacreditáveis e de tirar o fôlego.

"Unione"

Segue com “Giochi Nuovi Carte Nuove” começa contemplativa, leve, suave. O vocal até inicia mais límpido e melódico, com aquele típico tom dramático dos vocalistas italianos. A faixa vai ganhando corpo, trazendo um progressivo mais britânico, com solos de guitarra dançantes e um baixo mais sombrio e experimental. Os teclados aqui corroboram a proposta da música mais introspectiva. Uma faixa sem dúvida mais sofisticada e forte, intensa, não no peso, mas no tom de dramaticidade.

"Giochi Nuovi - Carte Nouve"

“Crisalide” é um verdadeiro atordoamento sinfônico, salpicado de sabores barrocos e medievais. Órgãos dançantes e véus de sintetizadores brilhantes, solares, tudo isso em uma incrível interação entre as passagens reflexivas de guitarra acústica e elétrica, com um frenesi em várias passagens de tempo. É uma verdadeira montanha russa sonora, de tirar o fôlego.

"Crisalide"

“Cuor di Rubino” traz o folk como ponto central, nevrálgico. O toque suave da guitarra acústica é solar e animada, com momentos bem elaborados com um slide bem “choroso” de guitarras, com teclas alegres do piano. “Domanda” segue basicamente a mesma proposta da faixa anterior, com slides de guitarra que me remeteu a música sulista norte-americana. O vocal é altivo, mais límpido, sem a rouquidão característica. Uma linda faixa que te traz a sensação de liberdade, que te faz voar sem destino. Linda!

"Cuor di Rubino"

“Il Risveglio di un Mattino” começa potente, bateria com batida mais hard, mais pesada, mas surge o vocal mais acústico e limpo traz certa calmaria. Essa faixa me parece ser mais convencional, mais voltado para o classic rock, com um viés mais comercial, sem aquele típico prog rock das músicas anteriores, mas, ainda assim, traz qualidade. O toque de emoção dada à faixa sim se junta a dinâmica das demais que compõe o álbum. Teclados simples, mas solares e animados.

"Il Risveglio Di Un Mattino"

“Voci” devolve o álbum ao folk, a guitarra acústica é determinante para o humor e o temperamento da música, com o baixo, mais consensual, ao fundo. Os teclados protagonizam a transição da faixa para uma pegada mais sinfônica, com uma cozinha rítmica mais entusiasmada, viva e latente.

"Voci"

E fecha com “Conti e Numeri” que já entrega uma balada com um vocal igualmente límpido e, por vezes, mais potentes, com um bom alcance. Slides de guitarra e baixos pulsantes dão abertura para uma bateria marcada, entregando algo medieval, celta, pagão, mesclado a um progressivo sinfônico bem interessante.

"Conti e Numeri"

Apesar do sucesso moderado do álbum, o vocalista Roberto Zola decidiu deixar o Odissea em 1974 e seguir carreira solo, não tendo também muita sorte, não conquistando visibilidade. Enquanto isso o resto da banda voltou a ser apoio do cantor Michele, com quem já havia colaborado em 1971 e participou de uma turnê nos Estados Unidos com a La Famiglia Degli Ortega.

Em 1976 Elio Vergnaghi, vocalista, e Aldo Ambrosi, guitarrista, se juntaria ao Odissea e como uma nova formação a banda faria algumas apresentações na Suíça. Mas quando tudo parecia voltar aos trilhos, o baterista Cerlati deixaria a banda e os “sobreviventes” não tiveram outro jeito a não ser voltar a tocar com Michele e dessa vez por muitos anos. Ennio Cinguino, que havia tocado com I New Blues, nos anos 1960) e Alfredo Garone ainda continua na música, tocando em circuitos de piano-bar.

O único álbum do Odissea foi lançado, em 1974, pelo selo Orbe, no formato LP, relançado na Itália, em CD, pelo selo Vinyl Magic, depois ganhou o Japão, em CD, no ano de 1991 e dez anos depois também no Japão, em 2011, também no formato CD. Em 2013 voltou à Itália com relançamento, em CD e LP, no ano de 2013.

Quatro faixas do álbum, “Cuor di Rubino”, “Conti e Numeri”, “Unione” e “Giochi Nuovi Carte Nuove”, foram incluídos em um “promo”, de uma compilação sem título lançada pelo selo Ri-Fi, em 1973, juntamente com faixas pelos cantores Corrado Castellari e Franco Simone.

O álbum do Odissea não é difícil de encontrar, aos navegantes do colecionismo, talvez não seja considerado tão raro, tão obscuro, mas sem dúvida se deve e muito por abnegados trabalhadores amantes do prog obscuro que, espalhados em gravadoras, fazem questão de difundir o som da banda por intermédio de relançamentos. Da obscuridade ao eterno!

 

 

A banda:

Roberto Zola nos vocais e guitarra acústica

Luigi “Jimmy” Ferrari na guitarra elétrica e acústica

Ennio Cinguino no piano, órgão e mellotron

Alfredo Garone no baixo

Paolo Cerlati na bateria

E Simona: a voz da criança.

 

Faixas:

1 - Unione

2 - Giochi Nuovi Carte Nuove

3 - Crisalide

4 - Cuor di Rubino

5 - Domanda

6 - Il Risveglio di un Mattino

7 - Voci

8 - Conti e Numeri



"Odissea" (1973)