sábado, 9 de agosto de 2025

Odissea - Odissea (1973)

 

O início dos anos 1970 na Itália o rock progressivo reinava absoluto. Era o auge! Uma profusão criativa musical, tantas bandas, tantas vertentes sonoras que fazia do prog italiano tão vivo, latente e diversificado. Mas o auge criativo e um número vertiginoso de bandas que surgiam não garantiam sucesso e glamour, caindo no ostracismo.

Várias bandas singulares com elementos de peculiaridade que deveriam ter reconhecimento mais amplo, caíram no esquecimento, sendo vilipendiadas e vou trazer à luz, por intermédio desse texto, uma banda que caiu nas sombras da cena progressiva italiana e, como tantas outras, teve uma efêmera trajetória. Falo do ODISSEA.

Eu sempre me pergunto o motivo pelo qual bandas do naipe do Odissea e tantas outras que trouxeram ao mundo músicas tão arrojadas e novas para a sua época, não conseguiram o espaço merecido no pedestal do poderoso rock progressivo italiano. São muitos os fatores que talvez não seja muito relevante, neste momento, levantar as hipóteses e sim falar dos primórdios da banda, já que esta é tão pouco comentada por aí.

Odissea

Nascido com o nome engraçado de “Pow-Pow”, na região de Biella, no início dos anos 1970 e por muito tempo como banda de apoio do popular cantor Michele, viria a se estabilizar definitivamente em 1972 com a chegada do guitarrista Jimmy Ferrari e mudando o nome para “Odissea”.

Além de Ferrari, na guitarra, trazia Roberto Zola, na guitarra e vocal, Ennio Cinguino, nos teclados, Alfredo Garone, no baixo e Paolo Cerlati na bateria. A partir desse momento, o recém-formado quinteto teve imediatamente a oportunidade de brilhar em ocasiões realmente importantes: em abril de 1972 abriria as datas italianas do Genesis e logo depois seguiu o Banco del Mutuo Soccorso em sua turnê.

Ainda teve, como reforço às suas apresentações ao vivo, participações em importantes festivais, tais como o “Festival d'Avanguardia di Mestre” e da nona “Mostra di Musica Leggera”, em Veneza. Com isso o Odissea foi conquistando seu espaço com as suas boas apresentações ao vivo. E graças também a esse sucesso obteve rapidamente um contrato com o selo “Ri-Fi” (gravadora de bandas como Circus 2000 e Giganti), gravando o seu único álbum, em 1973, homônimo.

O álbum, produzido por Sandro Colombini, futuro colaborador de Antonello Venditti, além de ter sido equipado com um atraente design gráfico de Mario Convertino traz a melodia como ponto central, apresentado por vocais carismáticos, instrumentais ambiciosos, ricos e enérgicos, repleto de talento, criatividade e imaginação.

A parte técnica também não decepciona, com uma mixagem praticamente perfeita e a qualidade acústica está sem dúvida nos níveis da prestigiada gravadora que contrataram o Odissea. Mas voltando à música o álbum entrega uma mistura articulada de harmonias excepcionais e agradáveis, com um viés progressivo, com um groove basicamente melódico, sinfônico, com nuances de folk rock e tudo isso fica muito claro e caracterizado entre as partes vocal e instrumental, com atmosferas que remetem, um pouco, ao progressivo britânico, mas também, claro, com todo aquele tom dramático do prog italiano. A harmonia e os solos das duas guitarras também são agradáveis, enriquecendo as músicas com uma camada mais pesada e louvável de sons.

E falando nas partes cantadas que, assentadas em linhas melódicas simples e distintas das partes instrumentais, injetam ainda um forte “aroma” de blues rock proporcionado pela poderosa voz de Roberto Zola cujo timbre lembra muito o de Alvaro Fella, do Jumbo. Isso inclusive gerou algumas rivalidades entre os músicos e as bandas, também dada a co-regionalidade dos dois vocalistas.

Deve-se enfatizar, contudo, que as obras sonoras do Jumbo em que o uso da voz de Fella era mais áspero e hipermodulado, no álbum do Odissea, o vocal é dinamicamente proporcional à estrutura musical, o que torna o som mais homogêneo e orgânico. É melhor que o Jumbo? Claro que não! Digamos se tratar de dinâmicas distintas.

“Unione” abre o álbum com uma discreta acústica discreta e frágil, diria, com um tempero, um sabor folk, antes da explosão de teclados sinfônicos e riffs poderosos e pesados de guitarra. O vocal tem canto rouco e entre esse atípico vocal para o rock progressivo, a música rasga com um bom sprint instrumental, mas sempre trazendo momentos mais suaves de folk que introduziu a faixa. E assim se segue, entre peso e suavidade, tendo mudanças incríveis de humor, variâncias rítmicas inacreditáveis e de tirar o fôlego.

"Unione"

Segue com “Giochi Nuovi Carte Nuove” começa contemplativa, leve, suave. O vocal até inicia mais límpido e melódico, com aquele típico tom dramático dos vocalistas italianos. A faixa vai ganhando corpo, trazendo um progressivo mais britânico, com solos de guitarra dançantes e um baixo mais sombrio e experimental. Os teclados aqui corroboram a proposta da música mais introspectiva. Uma faixa sem dúvida mais sofisticada e forte, intensa, não no peso, mas no tom de dramaticidade.

"Giochi Nuovi - Carte Nouve"

“Crisalide” é um verdadeiro atordoamento sinfônico, salpicado de sabores barrocos e medievais. Órgãos dançantes e véus de sintetizadores brilhantes, solares, tudo isso em uma incrível interação entre as passagens reflexivas de guitarra acústica e elétrica, com um frenesi em várias passagens de tempo. É uma verdadeira montanha russa sonora, de tirar o fôlego.

"Crisalide"

“Cuor di Rubino” traz o folk como ponto central, nevrálgico. O toque suave da guitarra acústica é solar e animada, com momentos bem elaborados com um slide bem “choroso” de guitarras, com teclas alegres do piano. “Domanda” segue basicamente a mesma proposta da faixa anterior, com slides de guitarra que me remeteu a música sulista norte-americana. O vocal é altivo, mais límpido, sem a rouquidão característica. Uma linda faixa que te traz a sensação de liberdade, que te faz voar sem destino. Linda!

"Cuor di Rubino"

“Il Risveglio di un Mattino” começa potente, bateria com batida mais hard, mais pesada, mas surge o vocal mais acústico e limpo traz certa calmaria. Essa faixa me parece ser mais convencional, mais voltado para o classic rock, com um viés mais comercial, sem aquele típico prog rock das músicas anteriores, mas, ainda assim, traz qualidade. O toque de emoção dada à faixa sim se junta a dinâmica das demais que compõe o álbum. Teclados simples, mas solares e animados.

"Il Risveglio Di Un Mattino"

“Voci” devolve o álbum ao folk, a guitarra acústica é determinante para o humor e o temperamento da música, com o baixo, mais consensual, ao fundo. Os teclados protagonizam a transição da faixa para uma pegada mais sinfônica, com uma cozinha rítmica mais entusiasmada, viva e latente.

"Voci"

E fecha com “Conti e Numeri” que já entrega uma balada com um vocal igualmente límpido e, por vezes, mais potentes, com um bom alcance. Slides de guitarra e baixos pulsantes dão abertura para uma bateria marcada, entregando algo medieval, celta, pagão, mesclado a um progressivo sinfônico bem interessante.

"Conti e Numeri"

Apesar do sucesso moderado do álbum, o vocalista Roberto Zola decidiu deixar o Odissea em 1974 e seguir carreira solo, não tendo também muita sorte, não conquistando visibilidade. Enquanto isso o resto da banda voltou a ser apoio do cantor Michele, com quem já havia colaborado em 1971 e participou de uma turnê nos Estados Unidos com a La Famiglia Degli Ortega.

Em 1976 Elio Vergnaghi, vocalista, e Aldo Ambrosi, guitarrista, se juntaria ao Odissea e como uma nova formação a banda faria algumas apresentações na Suíça. Mas quando tudo parecia voltar aos trilhos, o baterista Cerlati deixaria a banda e os “sobreviventes” não tiveram outro jeito a não ser voltar a tocar com Michele e dessa vez por muitos anos. Ennio Cinguino, que havia tocado com I New Blues, nos anos 1960) e Alfredo Garone ainda continua na música, tocando em circuitos de piano-bar.

O único álbum do Odissea foi lançado, em 1974, pelo selo Orbe, no formato LP, relançado na Itália, em CD, pelo selo Vinyl Magic, depois ganhou o Japão, em CD, no ano de 1991 e dez anos depois também no Japão, em 2011, também no formato CD. Em 2013 voltou à Itália com relançamento, em CD e LP, no ano de 2013.

Quatro faixas do álbum, “Cuor di Rubino”, “Conti e Numeri”, “Unione” e “Giochi Nuovi Carte Nuove”, foram incluídos em um “promo”, de uma compilação sem título lançada pelo selo Ri-Fi, em 1973, juntamente com faixas pelos cantores Corrado Castellari e Franco Simone.

O álbum do Odissea não é difícil de encontrar, aos navegantes do colecionismo, talvez não seja considerado tão raro, tão obscuro, mas sem dúvida se deve e muito por abnegados trabalhadores amantes do prog obscuro que, espalhados em gravadoras, fazem questão de difundir o som da banda por intermédio de relançamentos. Da obscuridade ao eterno!

 

 

A banda:

Roberto Zola nos vocais e guitarra acústica

Luigi “Jimmy” Ferrari na guitarra elétrica e acústica

Ennio Cinguino no piano, órgão e mellotron

Alfredo Garone no baixo

Paolo Cerlati na bateria

E Simona: a voz da criança.

 

Faixas:

1 - Unione

2 - Giochi Nuovi Carte Nuove

3 - Crisalide

4 - Cuor di Rubino

5 - Domanda

6 - Il Risveglio di un Mattino

7 - Voci

8 - Conti e Numeri



"Odissea" (1973)