O
que me encanta em cenas locais de rock é a efervescência, a intensidade e
principalmente a sinceridade sonora em que ela é concebida. Fatores
comportamentais, sociais, econômicos, todas essas influências são, pelo menos
para mim, predominantes na construção das bandas, das músicas e do público que
as seguem.
Liverpool,
Canterbury, Birmingham, Belo Horizonte, São Paulo, entre tantas outras que
nasceram com um aspecto bem “regionalista” ditam, muitas das vezes, com o rock
n’ roll de um país inteiro, sobretudo quando atinge determinada projeção e
acaba por influenciar aquela garotada ávida por música, ávida por botar para
fora toda a sua fúria cotidiana em que o sistema, podre, os impõe.
Diante
dessas cenas acima mencionadas, tão conhecidas e que ganharam seus países e até
mesmo o mundo com as suas bandas, há aquelas que não ganharam projeção global,
mas que influenciaram grandemente o seu país de origem, servindo de referência
para a sua cena, servindo de pilar para a edificação de um estilo inteiro: falo
da região italiana de Nápoles.
E
por que falo de Nápoles? Eu parei para pensar que conheço algumas das
principais bandas italianas de prog rock e que são oriundas dessa cidade tão
importante para a cultura do País da Bota: Osanna, Il Balletto di Bronzo, Cervello,
Città Frontale e uma, em especial, que carrega o nome da cidade e que é uma das
grandes bandas de jazz rock italiano, a Napoli Centrale.
E nas minhas mais intensas e necessárias buscas e garimpos por bandas novas, novas percepções de som, de estilos e tudo mais, conheci, quase que por acaso, assistindo a um vídeo, antigo, do início dos anos 1970 de uma apresentação uma banda chamada SHOWMEN 2.
O
nome, um pouco inusitado, talvez um pouco indulgente e narcisista, me
surpreendeu, me chamou a atenção mesmo que por um curto e simples vídeo
empoeirado, nos cantos virtuais da grande rede e me pus a buscar informações
sobre ela. Pouco, para variar, encontrei sobre ela, poucos textos, algumas
menções sobre, o que mais me “atiçou” a ouvir algo dela.
E
achei um álbum chamado “Showmen 2”, lançado há 50 anos atrás, em 1972. Me pus,
quase que imediatamente a ouvi-lo, em uma necessidade quase que patológica ou
diria vital. Sabe quando a música te arrepia por inteiro? Aquela coisa vital
que a música te provoca, o oxigênio necessário que te faz rejuvenescer por
inteiro?
Mas
não vou tecer, pelo menos ainda, comentários sobre o álbum e tentarei falar
sobre os primórdios da banda em Nápoles e o quão esta impactou a cena de lá e
que, mesmo não tendo atingido o ápice do sucesso comercial, deixou, de forma
indelével a sua marca no rock progressivo italiano, principalmente com o seu
único álbum.
O
Showmen construiu uma história relativamente longa nos anos 1960, talvez uma
das primeiras bandas de rock italianas que nasceram em meados desta década,
como poucas que vingaram nos anos 1970 e que construíram uma história
discográfica consistente. Era a versão pré-Showmen 2, que se chamava meramente
“Showmen” e que existiu de 1966 até 1970.
O Showmen foi idealizado pelo baixista e vocalista Mario Musella e pelo saxofonista James Senese e o seu primeiro single, que teve alguma repercussão foi lançado em 1968 e se chamava “Un'ora sola ti vorrei” e que ganhou alguns prêmios e reconhecimento do público e crítica no festival “Cantagiro”, no mesmo ano, 1968. Emplacou outros sucessos radiofônicos em 1969.
O
Showmen trazia na sua estrutura sonora, nos seus primórdios, uma miscelânea,
tais como soul music, R&B (Rhythm & Blues), beat e música pop italiana.
Uma proposta um tanto quanto arrojada para uma época marcada pelo beat
italiano, algo como a psicodelia e música popular italiana, aquele som meio
“macarrônico”.
A
banda, à época, era formada por Mario Musella no vocal e baixo, James Senese no sax, flauta, percussão
e vocais, Elio D’Anna no sax e flauta, Giuseppe "Pepè" Botta na
guitarra, Luciano Maglioccola nos teclados e Franco Del Prete na bateria e
percussão.
A banda, nesta formação original, se separa na transição
para a década de 1970, com Mario Musella investindo em uma carreira solo mal
sucedida, sem brilho, morrendo em 1979 e Elio D’Anna indo para outra grande e
importante banda de Nápoles, o Osanna.
Em pouco tempo James Senese e Del Prete juntamente com Giuseppe Botta que assume o baixo, reformam a banda, com uma nova formação com Gianmichele Mattiuzzo no órgão, piano e vocal, Piero Alonso na guitarra, Mario Archittu no trombone e piano, além de Senese no sax, flauta, percussão e vocal e Giuseppe Botta no baixo e vocal.
Eis então a nova formação e também uma nova vertente na sua concepção de som, seguindo as tendências progressivas que povoava a cena italiana, bem como um novo nome, mas nem tanto: nascia o Showmen 2, um pouco parecida com a história do Amon Duul II, seminal banda alemã precursora da cena krautrock.
A banda, como na época do “antigo” Showmen, começou lançando alguns singles, até para que o público que os acompanhava desde meados dos anos 1960, digerissem a nova estrutura sonora que estavam praticando. E a partir daí finalmente lançaram o seu primeiro álbum simplesmente chamado de “Showmen 2”, em 1972, alvo do texto de hoje.
Mas há alguma confusão com o nome da banda, pois antes do
lançamento de “Showmen 2” a banda estava em turnê como Showmen 2, mas os
materiais de divulgação dos shows que realizavam os nomearam apenas como
“Showmen”, do qual foi tirado alguns singles, inclusive, pelo pequeno selo
local, de Nápoles, chamado “BBB” com pouquíssima divulgação.
E falando em gravadora, em selo, a banda foi cogitada para assinar com a conhecida RCA que ficou muito impressionada com a música “Amore che Fu”, mas impôs a condição de seguir com a mesma proposta nas outras músicas o que foi rejeitado pela banda, não acontecendo, consequentemente, um desfecho positivo na negociação. Eles andaram muito com as fitas máster debaixo do braço antes de chegar a negociar com a RCA, mas depois de insucesso com esta gravadora, a banda retorna à Nápoles e negocia com Antonio Taccogna, dono da BBB, conseguindo fechar contrato.
“Showmen 2”, o álbum traz uma levada de beat italiano,
algo de psicodelia com pés calcados em um envolvente e intrigante rock
progressivo no ápice da cena italiana. Trata-se de um álbum espirituoso, solar,
intenso, dramático, com os resquícios de seu não muito distante passado, com a
adição de instrumentos de sopro dando uma atmosfera dançante, envolto em uns
discretos sons jazzísticos. Como curiosidade na época da “construção” do álbum,
os músicos, preocupados com cada nota e arranjo, se deslocaram para Roma para
ter a ajuda do baixista do Perigeo, Giovanni Tommaso, que os ajudou
prontamente.
Se percebe também algo pop neste álbum, algo radiofônico, comercial, mas garantido pela qualidade garantida pelo prog rock, R&B, jazz e até mesmo levadas blueseiras garantidas pela emoção da guitarra, além, claro, dos arranjos de trompete, flauta, saxofone tornando este álbum especial e único. Os vocais também precisam ser enaltecidos neste trabalho do Showmen 2. São vibrantes, versáteis, criativos e dramáticos tendo a seção rítmica dando uma textura poderosa e complexa.
O álbum é inaugurado com “Abbasso lo zio Tom” com uma típica introdução progressiva com teclados em profusão, mas irrompe em uma explosão de trompetes, de instrumentos de sopro como que em uma big band de respeito. A passagem jazzística impera com os vocais melódicos e gritados, ao mesmo tempo, com viradas interessantes trazendo à tona o beat italiano que fez parte de sua história passada que, entre curtos e intensos solos de guitarra, faz trazer um pouco de lisergia.
Na
sequência tem talvez a mais conhecida do álbum: “Amore che fu” que inicia com
uma pegada mais folk, violões dedilhados com simplicidade, que depois vem a
flauta trazendo uma atmosfera mais contemplativa, viajante, meio experimental,
inclusive, mas que vira para uma versão sessentista, mais comercial, pop, mas com
extrema qualidade.
“Epitaffio”
começa introspectiva, soturna, sombria, uma fala assustadora aparece, tensa e
ameaçadora, com guitarra distorcida, meio lisérgica, mas logo volta ao clima
progressivo impecável, de excelente bom gosto, com belas viradas rítmicas e
solos de guitarra curtas e pesadas.
“Corri
Uomo Corri” começa com um consistente viés jazzístico, animada, um tanto quanto
solar, introduzindo um pouco da dramaticidade típica do prog rock italiano, mas
que logo volta para a levada jazzística com o destaque para a “cozinha” da
banda em uma sinergia incrível.
“E
la vita continua” traz uma carga forte de dramaticidade, mas forte e intensa,
com um lindo vocal melódico praticamente à capela tendo uma textura discreta de
teclado ao fundo que é rasgada com guitarras estridentes e suaves, ao mesmo
tempo. Um som poderoso não se faz necessariamente com peso. Essa faixa é um
exemplo disso.
E
fecha com “Ma che uomo sei” sintetiza fortemente o que é o álbum: múltiplo,
complexo, versátil. Solos de trompetes introduzem a faixa com intensidade, com
força e depois de dedilhados de guitarra o vocal surge forte, de alcance,
limpo.
Uma
curiosidade sobre a faixa inaugural do álbum, “Abbasso lo zio Tom”, que foi
lançado como single tinha letra sobre racismo e “Epitaffio” com textos muito
forte, foram consideradas inadequadas e subversivas demais para a época e foram
pela RAI, emissora de televisão famosa na Itália, além também da faixa “E la
Vita Continua” e essas censuras caíram como uma bomba para as vendas do álbum,
que não passou de 4.000 mil cópias, talvez 5.000.
A
banda participou de alguns festivais conhecidos e de prestígio na Itália como o
de Nápoles, Palermo e os conhecidos "Feste dell'Unità" que eram shows
ao ar livre organizados pelo Partido Comunista, muitas vezes tocando com outros
grandes nomes da cena progressiva. Tocaram pouco em clubes e discotecas, porque
seu som não se encaixava, a não ser que revistasse faixas da época do antigo
“Showmen”, mas James Senese evitava ao máximo tocar material desta época.
Mesmo
assim a banda não conseguiu alçar voos, sofrendo inclusive com a total falta de
apoio e ostracismo. O álbum “Showmen 2” foi inclusive creditado a outra seminal
banda de Nápoles chamada Napoli Centrale, que foi inclusive criada pelos
integrantes James Senese e Franco Del Prete, quando saíram do Showmen 2, sendo
talvez esse o motivo da triste associação, pelo fato do Napoli Centrale ter
conquistado certo sucesso na cena jazz rock progressiva na Itália. Ainda assim
o álbum é altamente recomendado! Uma pérola empoeirada que certamente merece a
luz.
A
banda:
Gianmichele
Mattiuzzo no órgão, piano e vocal
James
Senese no saxophone, flauta, percussão e vocal
Pepe
Botta no baixo e vocal
Piero
Alonso na guitarra
Franco
Del Prete na bateria e percussão
Mario
Archittu no trombone e piano
Faixas:
1
- Abbasso lo zio Tom
2
- Amore che fu
3
- Epitaffio
4
- Corri uomo corri
5
- E la vita continua
6
- Ma che uomo sei
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