quinta-feira, 26 de maio de 2022

Showmen 2 - Showmen 2 (1972)

 

O que me encanta em cenas locais de rock é a efervescência, a intensidade e principalmente a sinceridade sonora em que ela é concebida. Fatores comportamentais, sociais, econômicos, todas essas influências são, pelo menos para mim, predominantes na construção das bandas, das músicas e do público que as seguem.

Liverpool, Canterbury, Birmingham, Belo Horizonte, São Paulo, entre tantas outras que nasceram com um aspecto bem “regionalista” ditam, muitas das vezes, com o rock n’ roll de um país inteiro, sobretudo quando atinge determinada projeção e acaba por influenciar aquela garotada ávida por música, ávida por botar para fora toda a sua fúria cotidiana em que o sistema, podre, os impõe.

Diante dessas cenas acima mencionadas, tão conhecidas e que ganharam seus países e até mesmo o mundo com as suas bandas, há aquelas que não ganharam projeção global, mas que influenciaram grandemente o seu país de origem, servindo de referência para a sua cena, servindo de pilar para a edificação de um estilo inteiro: falo da região italiana de Nápoles.

E por que falo de Nápoles? Eu parei para pensar que conheço algumas das principais bandas italianas de prog rock e que são oriundas dessa cidade tão importante para a cultura do País da Bota: Osanna, Il Balletto di Bronzo, Cervello, Città Frontale e uma, em especial, que carrega o nome da cidade e que é uma das grandes bandas de jazz rock italiano, a Napoli Centrale.

E nas minhas mais intensas e necessárias buscas e garimpos por bandas novas, novas percepções de som, de estilos e tudo mais, conheci, quase que por acaso, assistindo a um vídeo, antigo, do início dos anos 1970 de uma apresentação uma banda chamada SHOWMEN 2.

O nome, um pouco inusitado, talvez um pouco indulgente e narcisista, me surpreendeu, me chamou a atenção mesmo que por um curto e simples vídeo empoeirado, nos cantos virtuais da grande rede e me pus a buscar informações sobre ela. Pouco, para variar, encontrei sobre ela, poucos textos, algumas menções sobre, o que mais me “atiçou” a ouvir algo dela.

E achei um álbum chamado “Showmen 2”, lançado há 50 anos atrás, em 1972. Me pus, quase que imediatamente a ouvi-lo, em uma necessidade quase que patológica ou diria vital. Sabe quando a música te arrepia por inteiro? Aquela coisa vital que a música te provoca, o oxigênio necessário que te faz rejuvenescer por inteiro?

Mas não vou tecer, pelo menos ainda, comentários sobre o álbum e tentarei falar sobre os primórdios da banda em Nápoles e o quão esta impactou a cena de lá e que, mesmo não tendo atingido o ápice do sucesso comercial, deixou, de forma indelével a sua marca no rock progressivo italiano, principalmente com o seu único álbum.

O Showmen construiu uma história relativamente longa nos anos 1960, talvez uma das primeiras bandas de rock italianas que nasceram em meados desta década, como poucas que vingaram nos anos 1970 e que construíram uma história discográfica consistente. Era a versão pré-Showmen 2, que se chamava meramente “Showmen” e que existiu de 1966 até 1970.

O Showmen foi idealizado pelo baixista e vocalista Mario Musella e pelo saxofonista James Senese e o seu primeiro single, que teve alguma repercussão foi lançado em 1968 e se chamava “Un'ora sola ti vorrei” e que ganhou alguns prêmios e reconhecimento do público e crítica no festival “Cantagiro”, no mesmo ano, 1968. Emplacou outros sucessos radiofônicos em 1969. 

"Un'ora sola ti Vorrei", Cantagiro (1968)

O Showmen trazia na sua estrutura sonora, nos seus primórdios, uma miscelânea, tais como soul music, R&B (Rhythm & Blues), beat e música pop italiana. Uma proposta um tanto quanto arrojada para uma época marcada pelo beat italiano, algo como a psicodelia e música popular italiana, aquele som meio “macarrônico”.

The Showmen (Capa do álbum de 1969)

A banda, à época, era formada por Mario Musella no vocal e  baixo, James Senese no sax, flauta, percussão e vocais, Elio D’Anna no sax e flauta, Giuseppe "Pepè" Botta na guitarra, Luciano Maglioccola nos teclados e Franco Del Prete na bateria e percussão.

A banda, nesta formação original, se separa na transição para a década de 1970, com Mario Musella investindo em uma carreira solo mal sucedida, sem brilho, morrendo em 1979 e Elio D’Anna indo para outra grande e importante banda de Nápoles, o Osanna.

Em pouco tempo James Senese e Del Prete juntamente com Giuseppe Botta que assume o baixo, reformam a banda, com uma nova formação com Gianmichele Mattiuzzo no órgão, piano e vocal, Piero Alonso na guitarra, Mario Archittu no trombone e piano, além de Senese no sax, flauta, percussão e vocal e Giuseppe Botta no baixo e vocal.

Eis então a nova formação e também uma nova vertente na sua concepção de som, seguindo as tendências progressivas que povoava a cena italiana, bem como um novo nome, mas nem tanto: nascia o Showmen 2, um pouco parecida com a história do Amon Duul II, seminal banda alemã precursora da cena krautrock.

A banda, como na época do “antigo” Showmen, começou lançando alguns singles, até para que o público que os acompanhava desde meados dos anos 1960, digerissem a nova estrutura sonora que estavam praticando. E a partir daí finalmente lançaram o seu primeiro álbum simplesmente chamado de “Showmen 2”, em 1972, alvo do texto de hoje.

Mas há alguma confusão com o nome da banda, pois antes do lançamento de “Showmen 2” a banda estava em turnê como Showmen 2, mas os materiais de divulgação dos shows que realizavam os nomearam apenas como “Showmen”, do qual foi tirado alguns singles, inclusive, pelo pequeno selo local, de Nápoles, chamado “BBB” com pouquíssima divulgação.

E falando em gravadora, em selo, a banda foi cogitada para assinar com a conhecida RCA que ficou muito impressionada com a música “Amore che Fu”, mas impôs a condição de seguir com a mesma proposta nas outras músicas o que foi rejeitado pela banda, não acontecendo, consequentemente, um desfecho positivo na negociação. Eles andaram muito com as fitas máster debaixo do braço antes de chegar a negociar com a RCA, mas depois de insucesso com esta gravadora, a banda retorna à Nápoles e negocia com Antonio Taccogna, dono da BBB, conseguindo fechar contrato.

“Showmen 2”, o álbum traz uma levada de beat italiano, algo de psicodelia com pés calcados em um envolvente e intrigante rock progressivo no ápice da cena italiana. Trata-se de um álbum espirituoso, solar, intenso, dramático, com os resquícios de seu não muito distante passado, com a adição de instrumentos de sopro dando uma atmosfera dançante, envolto em uns discretos sons jazzísticos. Como curiosidade na época da “construção” do álbum, os músicos, preocupados com cada nota e arranjo, se deslocaram para Roma para ter a ajuda do baixista do Perigeo, Giovanni Tommaso, que os ajudou prontamente.

Se percebe também algo pop neste álbum, algo radiofônico, comercial, mas garantido pela qualidade garantida pelo prog rock, R&B, jazz e até mesmo levadas blueseiras garantidas pela emoção da guitarra, além, claro, dos arranjos de trompete, flauta, saxofone tornando este álbum especial e único. Os vocais também precisam ser enaltecidos neste trabalho do Showmen 2. São vibrantes, versáteis, criativos e dramáticos tendo a seção rítmica dando uma textura poderosa e complexa.

O álbum é inaugurado com “Abbasso lo zio Tom” com uma típica introdução progressiva com teclados em profusão, mas irrompe em uma explosão de trompetes, de instrumentos de sopro como que em uma big band de respeito. A passagem jazzística impera com os vocais melódicos e gritados, ao mesmo tempo, com viradas interessantes trazendo à tona o beat italiano que fez parte de sua história passada que, entre curtos e intensos solos de guitarra, faz trazer um pouco de lisergia.

"Abbasso lo zio Tom"

Na sequência tem talvez a mais conhecida do álbum: “Amore che fu” que inicia com uma pegada mais folk, violões dedilhados com simplicidade, que depois vem a flauta trazendo uma atmosfera mais contemplativa, viajante, meio experimental, inclusive, mas que vira para uma versão sessentista, mais comercial, pop, mas com extrema qualidade.

"Amore Che Fu"

“Epitaffio” começa introspectiva, soturna, sombria, uma fala assustadora aparece, tensa e ameaçadora, com guitarra distorcida, meio lisérgica, mas logo volta ao clima progressivo impecável, de excelente bom gosto, com belas viradas rítmicas e solos de guitarra curtas e pesadas.

“Corri Uomo Corri” começa com um consistente viés jazzístico, animada, um tanto quanto solar, introduzindo um pouco da dramaticidade típica do prog rock italiano, mas que logo volta para a levada jazzística com o destaque para a “cozinha” da banda em uma sinergia incrível.

"Corri Uomo Corri"

“E la vita continua” traz uma carga forte de dramaticidade, mas forte e intensa, com um lindo vocal melódico praticamente à capela tendo uma textura discreta de teclado ao fundo que é rasgada com guitarras estridentes e suaves, ao mesmo tempo. Um som poderoso não se faz necessariamente com peso. Essa faixa é um exemplo disso.

E fecha com “Ma che uomo sei” sintetiza fortemente o que é o álbum: múltiplo, complexo, versátil. Solos de trompetes introduzem a faixa com intensidade, com força e depois de dedilhados de guitarra o vocal surge forte, de alcance, limpo.

"Ma Che Uomo Sei"

Uma curiosidade sobre a faixa inaugural do álbum, “Abbasso lo zio Tom”, que foi lançado como single tinha letra sobre racismo e “Epitaffio” com textos muito forte, foram consideradas inadequadas e subversivas demais para a época e foram pela RAI, emissora de televisão famosa na Itália, além também da faixa “E la Vita Continua” e essas censuras caíram como uma bomba para as vendas do álbum, que não passou de 4.000 mil cópias, talvez 5.000.

A banda participou de alguns festivais conhecidos e de prestígio na Itália como o de Nápoles, Palermo e os conhecidos "Feste dell'Unità" que eram shows ao ar livre organizados pelo Partido Comunista, muitas vezes tocando com outros grandes nomes da cena progressiva. Tocaram pouco em clubes e discotecas, porque seu som não se encaixava, a não ser que revistasse faixas da época do antigo “Showmen”, mas James Senese evitava ao máximo tocar material desta época.

Mesmo assim a banda não conseguiu alçar voos, sofrendo inclusive com a total falta de apoio e ostracismo. O álbum “Showmen 2” foi inclusive creditado a outra seminal banda de Nápoles chamada Napoli Centrale, que foi inclusive criada pelos integrantes James Senese e Franco Del Prete, quando saíram do Showmen 2, sendo talvez esse o motivo da triste associação, pelo fato do Napoli Centrale ter conquistado certo sucesso na cena jazz rock progressiva na Itália. Ainda assim o álbum é altamente recomendado! Uma pérola empoeirada que certamente merece a luz.



A banda:

Gianmichele Mattiuzzo no órgão, piano e vocal

James Senese no saxophone, flauta, percussão e vocal

Pepe Botta no baixo e vocal

Piero Alonso na guitarra

Franco Del Prete na bateria e percussão

Mario Archittu no trombone e piano

 

Faixas:       

1 - Abbasso lo zio Tom

2 - Amore che fu

3 - Epitaffio

4 - Corri uomo corri

5 - E la vita continua

6 - Ma che uomo sei


"Showmen" (1972)


 

 

 

 

 













 






 








 



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